quinta-feira, 28 de julho de 2022

Vitória do espírito democrático

Ao insistir em sua candidatura, a despeito da oposição em seu próprio partido, Simone Tebet mostra apreço pelo debate democrático, o que inexiste na guerra entre Lula e Bolsonaro

A confirmação de Simone Tebet como candidata do MDB à Presidência da República foi uma vitória pessoal da senadora, diante da enorme resistência de caciques do próprio MDB que ainda defendem a adesão do partido à candidatura do petista Lula da Silva. Foi também uma vitória do espírito democrático.

Em que pesem as diferenças de estilo e objetivo que podem ser apontadas entre Lula da Silva e Bolsonaro, ambos encarnam candidaturas com inequívoco viés populista. Um e outro apostam alto na mistificação em torno de suas figuras, apresentando-se como os únicos representantes das reais aspirações do “povo” e os únicos capazes de evitar todo o mal que o outro poderá causar ao País caso seja eleito. Tanto é assim que, do alto das posições que ocupam nas pesquisas de intenção de voto no momento, Lula e Bolsonaro se sentem desobrigados a debater entre si e com os adversários, o que configura inaceitável desrespeito aos eleitores e um desdém pela própria ideia de democracia. Lula pensa que basta se apresentar ao País como o anti-Bolsonaro para merecer a confiança da maioria dos eleitores. Para o incumbente, idem, apenas com o sinal trocado. E é assim, ao rés do chão, que os dois populistas discutem o que será do Brasil nos próximos quatro anos.

É por isso que candidaturas alternativas, como a de Simone Tebet, têm potencial para qualificar esse debate, como contraponto a essa guerra entre inimigos figadais a que Lula e Bolsonaro pretendem reduzir a eleição. Tebet fez bem à democracia ao insistir em se candidatar, a despeito das inúmeras sabotagens de partidos aliados e até mesmo de alas do próprio MDB, que se preocupam apenas em melhorar as chances do partido no futuro Congresso.

A existência de uma candidatura do centro democrático é muito importante para o País. É fundamental que os valores e as ideias da democracia liberal estejam em circulação e que os eleitores tenham condição de conhecê-los. Se esses valores e ideias têm potencial para vencer uma eleição, só as urnas dirão. Mas ganhar ou perder faz parte do jogo democrático, e, se o futuro reservar ao País mais um governo populista irresponsável, como as pesquisas ora indicam, é tarefa dos democratas qualificar a oposição, hoje desfigurada por interesses paroquiais e fisiológicos. 

É claro que todo partido e todo candidato disputam eleições para ganhar, pois não há sentido em mobilizar eleitores e fundos se não for para exercer o poder. No entanto, a atual campanha mostra que muitos estão disputando o poder pelo poder, sem se preocuparem com projetos de país nem com ideologia. Esses cupins da República se unem aos favoritos na corrida presidencial não por afinidade política, mas exclusivamente por cálculo de potencial de votos para a formação de bancadas que lhes garantirão maior acesso ao dinheiro público que financia campanhas e luxos.

A tal ponto chegou essa desfaçatez que partidos estão leiloando o “passe” de possíveis candidatos com bom potencial de votos, como mostrou recente reportagem do Estadão. Com oferta de até R$ 1 milhão, nomes são disputados não por suas propostas para o País, mas apenas por sua eventual capacidade de “puxar votos” – isto é, iludir o maior número possível de eleitores.

Num ambiente assim, não surpreende que o mundo político se divida hoje entre Lula e Bolsonaro, os dois mais bem posicionados nas pesquisas – e, portanto, com maior potencial de transferência de votos para quem os apoiar. Partidos indignos do nome flertam com um e com outro como escolhem uma fruta na feira, sem qualquer preocupação com o futuro do País.

Diante disso, quem acredita na democracia como uma disputa de ideias precisa defender alternativas, mesmo que, à primeira vista, pareçam eleitoralmente fadadas ao fracasso. 

Mas os brasileiros ainda não estão condenados a escolher o “mal menor”. É bom ressaltar que nenhum candidato ainda obteve um voto sequer na urna. Há tempo, pois, para sonhar com um País melhor no futuro, um Brasil menos desigual e mais próspero. Há tempo para manifestar esse sonho em um voto de esperança, e não de repulsa ou ódio.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 28.07.22

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