quinta-feira, 23 de junho de 2022

Mais uma lorota petista

Trocando um adjetivo aqui, um verbo acolá, ‘novas’ diretrizes para programa de governo do PT, supostamente como aceno ao centro, seguem mesma lógica do atraso de sua versão anterior

O primeiro rascunho do plano de governo do PT deu o que falar. Para quem se arvora em líder de uma formidável coalizão em defesa da democracia e contra o autoritarismo, Lula da Silva constrangeu até líderes de partidos aliados ao impor sua agenda na elaboração do documento. Os eleitores moderados, grupo que o petista precisa conquistar, necessariamente, para se eleger presidente pela terceira vez, viram naquelas diretrizes programáticas o velho PT que há alguns anos vinham rejeitando. Algo precisava mudar.

Pois o PT, para evitar “novos atritos” com partidos coligados e com esses potenciais eleitores mais ao centro do espectro político, propôs uma nova versão das tais diretrizes. Substituindo um adjetivo aqui e um verbo acolá, às vezes nem isso, é tudo mais do mesmo. O documento vendido aos incautos como “recuo” não passa de mais uma lorota petista.

Tome-se, por exemplo, um dos temas que mais repercutiram negativamente quando da divulgação da primeira versão dessa espécie de pré-programa de governo: a reforma trabalhista. O termo “revogação” foi suprimido da nova versão. Mas isso não quer dizer, em absoluto, que os avanços para o mercado de trabalho trazidos pela aprovação da reforma durante o governo do presidente Michel Temer não estejam ameaçados caso Lula seja eleito em outubro. A equipe que coordena a pré-campanha do petista fala agora em propor “uma extensa proteção social”, com atenção especial a autônomos e trabalhadores que usam aplicativos, “revogando os marcos regressivos da atual legislação trabalhista, agravados pela última reforma e restabelecendo o acesso gratuito à Justiça do Trabalho”, diz novo trecho do documento.

Qualquer pessoa alfabetizada lê o que vai acima e entende que, sim, o partido proporá mudanças na legislação trabalhista de modo a restaurar, no todo ou em parte, o arcaico arcabouço legal vigente até a sanção da Lei 13.467, de 13 de julho de 2017. Afinal, não se sabe, e o documento não diz, o que o PT considera como “marcos regressivos” da reforma trabalhista – mas intui-se, a julgar pelos raivosos discursos lulopetistas, que sobraria pouca coisa da modernização das relações de trabalho.

A revogação do teto de gastos é outro ponto sensível para o País que foi mantido nas diretrizes programáticas do PT. O partido tem o direito de defender a agenda que bem entender, até rematados retrocessos, como o fim do teto de gastos sem indicar uma nova âncora fiscal, e submetê-la a escrutínio público. Só não é honesto dizer que recuou ou moderou seu discurso quando, a bem da verdade, o que houve foi uma manipulação de meia dúzia de palavras.

Em que pese a inclusão de um tópico no documento condenando ataques à imprensa e a jornalistas – a rigor, uma obviedade para qualquer um que se apresente como democrata –, a pauta da “regulação dos meios de comunicação”, um eufemismo para o controle estatal do jornalismo profissional e independente, segue entre as diretrizes programáticas do PT. Mas, agora, singelamente chamada de “democratização dos meios de comunicação”.

Permanece também o plano de “abrasileirar” os preços dos combustíveis, o que é uma forma adocicada de defender a intervenção do governo na política de preços da Petrobras. Aqui, Lula e o presidente Jair Bolsonaro andam de braços dados.

Assim, com alterações mais ou menos acentuadas no que concerne à linguagem, mas não ao espírito, o plano petista para governar o Brasil segue repleto de propostas perigosas, como o alto intervencionismo estatal na economia, o descontrole dos gastos públicos e a revogação da reforma trabalhista. Se aplicada, essa plataforma eleitoral não só não tem o condão de apresentar soluções duradouras para os atuais problemas do País, como pode criar outros, tão graves que nem sequer podem ser mensurados neste momento.

Mas pode vir coisa ainda pior por aí, caso Lula seja eleito. Afinal, para o chefão petista, “é melhor colocar menos propostas no papel e executar mais”. Conhecendo o histórico do PT, isso soa menos como promessa e mais como ameaça.

Editorial / Notas&Informações, O Estado de S. Paulo, em 23.06.22

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