domingo, 8 de maio de 2022

Financiamento público inibe ‘terceira via’

Neste ano, estão disponíveis R$ 5 bilhões de fundo eleitoral, R$ 1 bilhão de fundo partidário (sem falar nos R$ 16,5 bilhões do orçamento secreto à mercê das lideranças do Congresso).

Congresso Nacional | O Globo

Se você quer sair candidato à Presidência e seu nome não é nem Luiz Inácio Lula da Silva nem Jair Messias Bolsonaro, o primeiro obstáculo que terá diante de si nem será a previsível pontuação baixa nas pesquisas eleitorais. Será convencer o próprio partido a lançar candidato. As regras para o financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais funcionam contra o lançamento de candidaturas presidenciais — e esse tem sido o empecilho mais concreto às candidaturas alternativas a Lula e Bolsonaro, a proverbial “terceira via”.

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O maior interesse de praticamente todos os partidos hoje é obter uma bancada robusta no Congresso. É o tamanho dessa bancada que garantirá acesso aos fundos partidário e eleitoral, além do protagonismo nas mesas das duas Casas, com a influência decorrente sobre os recursos do Orçamento. Neste ano, estão disponíveis R$ 5 bilhões de fundo eleitoral, R$ 1 bilhão de fundo partidário (sem falar nos R$ 16,5 bilhões do orçamento secreto à mercê das lideranças do Congresso).

Os dois primeiros equivalem a R$ 6 bilhões pingando no cofre dos partidos, na proporção direta do tamanho das bancadas. Por que alguém gastaria dinheiro com uma campanha presidencial de chance incerta diante da possibilidade de investir no crescimento da própria bancada e de ganhar acesso a uma fatia maior de tais recursos?

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É esse o cálculo que explica a resistência dos caciques do MDB à candidatura da senadora Simone Tebet (MT). Ou o lançamento do inexpressivo Luciano Bivar pelo União Brasil, de modo a preservar recursos para as campanhas ao Legislativo. Ou mesmo a sabotagem de parcela expressiva dos tucanos à candidatura do ex-governador paulista João Doria, mesmo depois de ele ter derrotado o ex-governador gaúcho Eduardo Leite em prévias transparentes de repercussão nacional.

A menos que um nome decole de modo inequívoco com potencial de derrotar Bolsonaro ou Lula, nada mudará nesse cálculo. Continuará mais vantajoso para os líderes partidários apostar na conquista de uma bancada maior, em vez de embarcar numa candidatura presidencial de risco.

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Tal situação demonstra a deficiência da atual legislação de financiamento público das campanhas. É um modelo que pode funcionar em regimes parlamentaristas, em que tudo o que está em jogo na eleição é o tamanho das bancadas. Mas não no nosso presidencialismo, dependente de nomes fortes para erguer uma candidatura com perspectiva de poder.

Se o financiamento privado, em particular por empresas, abria brechas inaceitáveis à corrupção e ao tráfico de influência, ao menos trazia a garantia de um leque mais plural de candidaturas. Teria sido possível aperfeiçoá-lo, exigindo maior transparência e limitando seu alcance para evitar o abuso de poder econômico. Infelizmente, não foi o caminho adotado pelos tribunais, nem pelo Congresso.

O efeito indesejado é evidente: agrava-se a característica mais nefasta do sistema partidário brasileiro. Em vez de veículos para a expressão legítima de ideologias ou interesses, os partidos se tornaram, antes de tudo, negócios que precisam zelar pelas próprias receitas. Nisso, não há rigorosamente nenhuma diferença entre aqueles oriundos de legendas tradicionais, como PT, PDT, PSB, PSDB, MDB ou União, e as tão criticadas agremiações venais associadas ao Centrão.

Editorial de O Globo, edição de 08.05.22

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