sexta-feira, 13 de maio de 2022

Bruxelas alerta para as graves deficiências dos exércitos europeus face à capacidade de agressão da Rússia

A Comissão Europeia quer assumir a coordenação do rearmamento da UE para garantir que o maior investimento em defesa desde a Segunda Guerra Mundial seja eficiente

Exercícios da OTAN durante a Operação Lança de Ferro 2022, em 11 de maio no acampamento militar de Adazi (Letônia). (INTS KALNINS /REUTERS)

A Comissão Europeia fez um inventário das deficiências do investimento europeu na defesa e o resultado do exercício, ao qual o EL PAÍS teve acesso, revela uma situação de vulnerabilidade assustadora, sobretudo num cenário de guerra aberta como a provocada pela Rússia em 24 de fevereiro passado. O órgão presidido por Ursula von der Leyen insta os governos dos 27 Estados membros a fortalecer suas capacidades porque a agressão russa contra a Ucrânia "deteriorou substancialmente o cenário de segurança na União Europeia". Mas ele pede que seja feito de forma coordenada e exige a Bruxelas a tarefa de organizar e incentivar o rearmamento para garantir que as deficiências mais graves dos exércitos europeus sejam cobertas.

A defesa dos países europeus tem quase tantos calcanhares de Aquiles quanto soldados. A lista de deficiências, elaborada pelo braço executivo da UE a pedido do Conselho Europeu, inclui defesas aéreas para proteger cidades ou infraestruturas-chave de ataques de mísseis, drones de vigilância e aviões de combate, tanques ou forças navais. Somam-se a esta falta de armas de grande porte os obstáculos de mobilidade e logística, a ausência de uma rede de conectividade via satélite com cobertura europeia e criptografada, falhas na segurança cibernética ou falta de munição após envios de material para ajudar o exército ucraniano.

A minuta do documento da Comissão repete várias vezes que esta situação é insustentável em vista do "aumento das ameaças à segurança". E ele ressalta que a guerra do presidente russo Vladimir Putin contra a Ucrânia revelou "os efeitos negativos, não apenas de anos, mas décadas, de baixos gastos com defesa em tempos de paz".

Bruxelas calcula que as despesas europeias com a defesa, que rondavam os 200.000 milhões de euros por ano antes da guerra na Ucrânia, aumentarão cerca de 60.000 milhões por ano se os 21 países da União que pertencem à OTAN atingirem o objectivo de investir na defesa o equivalente a 2% do PIB. Em todo o caso, a Comissão dá como certo que “a Europa enfrenta o maior aumento das despesas militares nos Estados-Membros desde o final da Segunda Guerra Mundial”.

Mas a Comissão receia que esta volumosa injecção não atinja a sua plena eficácia se for feita à escala puramente nacional , com o risco acrescido de beneficiar indústrias não comunitárias se for feita sem dar prioridade ao desenvolvimento de projectos continentais. “Infelizmente, outros aumentos de gastos anteriores tiveram desempenho inferior a nossos aliados e, o que é muito pior, nossos rivais”, afirma o documento da comunidade, referindo-se a compras materiais do aliado dos EUA. O texto aponta como exemplo que em 2020, ano que já registrou expansão dos gastos militares, o investimento conjunto foi de apenas 11% , longe dos 35% que a UE estabeleceu como meta.

Von der Leyen apresentará ao Conselho Europeu, que realizará uma cimeira extraordinária no final deste mês e outra ordinária em junho, várias propostas para incentivar o desenvolvimento de uma política de defesa europeia e pôr fim à atual fragmentação e incentivar cooperação. Todos aspiram a dar a Bruxelas um papel central num campo como o militar, praticamente vetado até agora às instituições comunitárias e reservado exclusivamente aos governos nacionais ou a um organismo intergovernamental como a Agência Europeia de Defesa.

A Comissão, de acordo com a minuta do documento que será levado à cimeira, propõe estabelecer "uma série de instrumentos para rastrear, coordenar e incentivar uma abordagem conjunta no desenvolvimento, aquisição e propriedade ao longo de todo o ciclo de vida do equipamento de defender".

Para as necessidades mais urgentes, como reabastecer os estoques de munições esvaziados em parte para ajudar a Ucrânia, a Comissão está correndo para organizar compras conjuntas, como fez com as vacinas para a covid-19 e como quer fazer com o fornecimento de gás para o confronto com Moscou. Bruxelas acredita que isso evitaria "uma corrida de encomendas, que provocaria uma espiral [de subida] de preços e a impossibilidade de os Estados mais expostos obterem o material necessário", refere o referido documento.

Mas as propostas de Bruxelas também incluem mudanças de longo alcance e longo prazo, destinadas a transformar radicalmente a política de defesa nacional e, incidentalmente, acelerar a integração das indústrias de armas da UE. "A compra conjunta [de armas] deve se tornar a norma em vez de ser a exceção", afirma a Comissão. E destaca que uma integração tanto da demanda quanto da oferta traria retornos econômicos importantes para os Estados.

A integração, segundo Bruxelas, seria incentivada por incentivos econômicos comunitários. A Comissão propõe abolir a regra que impede o Banco Europeu de Investimento (BEI) de financiar o setor da defesa. O recém-criado fundo europeu de defesa, dotado de 8.000 milhões de euros até 2027, também deve ser ampliado e reformado para poder financiar todas as fases do ciclo de produção de armas e não apenas, como é o caso agora, até a fase de protótipo.

O órgão comunitário sugere ainda uma renegociação dos orçamentos comunitários para o período 2021-2027, acordado na cimeira de julho de 2020 que criou o fundo de recuperação contra as consequências económicas da pandemia. O objetivo dessa revisão do orçamento é aumentar significativamente o fundo de defesa. Bruxelas acredita, segundo o texto, que esse debate “pode surgir como resultado de uma discussão mais ampla sobre as consequências do ataque da Rússia à Ucrânia”.

BERNARDO DE MIGUEL, de Bruxelas, em 13.05.22 para o EL PAÍS. 

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