quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Depois de Moïse: imigrante venezuelano é morto em SP por dívida de R$ 100 de aluguel

Acusado do crime é preso; Movimentos sociais citam xenofobia e cobram punição para homicídio ocorrido em Mauá

O venezuelano Marcelo Caraballo, de 21 anos, foi morto por uma dívida de aluguel em Mauá (SP) Foto: Reprodução

Um imigrante venezuelano foi assassinado na Grande São Paulo por causa de R$ 100. Esse era o valor que Marcelo Antonio Larez Gonzalez, de 21 anos, devia do aluguel da casa onde morava com a família em Mauá, a 40 minutos da capital paulista.

Segundo informações da família à polícia, o locatário teria cobrado o atraso no pagamento. Ele e Marcelo discutiram na porta da casa, o locatário saiu e voltou minutos depois, armado, e disparou contra o jovem venezuelano.

Movimentos sociais pedem Justiça e citam o caso como mais um exemplo de xenofobia, depois que o refugiado congolês Moïse Kabagambe, de 24 anos, foi morto por espancamento no Rio de Janeiro, no mês passado.

Marcelo tinha quatro filhos e morava com a esposa, a mãe e um irmão, todos venezuelanos. Eles viviam no mesmo terreno do locatário, que fugiu depois de atirar, na noite da última quinta-feira (3). O Samu foi acionado para prestar socorro, mas já era tarde.

Com medo, a família deixou o local e foi acolhida por um vizinho, que teria cedido um salão ainda em construção para que ficassem temporariamente. Sem renda, eles dependem de doações.

Segundo o coletivo Dandara Quilombo, a família conseguiu alguns móveis e alimentos. Mas precisam ainda de fraldas, carrinho de bebê, guarda-roupa e máquina de lavar, entre outros itens.

A família morava há oito meses no Jardim Oratório, em Mauá, em um local do bairro que teve expansão recente com ocupações, e pagava R$ 500 de aluguel. No último mês, só conseguiram pagar R$ 400. A diferença de R$ 100 motivou o desentendimento entre o jovem venezuelano e o locatário.

Prisão temporária

Segundo a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, investigações da Polícia Civil de Mauá levaram à identificação do  autor dos disparos, que teve a prisão temporária decretada e foi detido na terça (8). Ainda segundo a pasta, agentes do 1º DP de Mauá trabalham agora para finalizar o inquérito e relatá-lo ao Poder Judiciário. 

A proximidade do caso com o assassinato de Moïse tornou inevitáveis as comparações.

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"No passado final de semana, enquanto nos mobilizávamos pela morte do Moïse, aconteceu outro crime de xenofobia e racismo que acabou com a vida de Marcelo, migrante venezuelano que morava em Mauá (SP). Uma e outra vez gritamos: BASTA DE XENOFOBIA, BASTA DE RACISMO! Exigimos justiça para o Marcelo e para todas as pessoas migrantes e refugiadas que perdem a vida nesse país por causa da intolerância e a falta de respeito à diversidade!", publicou a Equipe Base Warmis, grupo de mulheres voluntárias que atua na defesa dos direitos humanos e no combate à violência e discriminação.

Segundo integrantes do movimento, uma rede de coletivos está acompanhando o caso com a família e organiza uma campanha de doações, além de uma vigília.

A articulação na rede #VidasImigrantesNegrasImportam foi formada a partir do assassinato do imigrante angolano João Manuel, em 2020. O frentista de 47 anos foi esfaqueado em Itaquera, na Zona Leste de São Paulo, depois de uma discussão sobre o pagamento para imigrantes do auxílio emergencial do governo federal. Além da Equipe Base Warmis, acompanham o caso os coletivos Dandara Quilombo e Fronteiras Cruzadas.

Em comunicado conjunto, os movimentos lembram que o caso de Moïse mobilizou a sociedade civil, "mas infelizmente esses casos não são isolados. O racismo e a xenofobia já ceifaram as vidas de muitos migrantes e refugiados que escolhem o Brasil para viver".

No mesmo texto, os coletivos reforçam a exigência de regularização da documentação para os migrantes, "para que a documentação não seja mais um motivo de vulnerabilidade para essas populações".

Venezuelanos são a nacionalidade com maior número de pessoas refugiadas reconhecidas no Brasil (46.412) entre 2011 e 2020. O número aumentou significativamente com a decisão de 2019 do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), ligado ao Ministério da Justiça, de reconhecer a situação de “grave e generalizada violação de direitos humanos” na Venezuela.  

Elisa Martins / O Globo, em 10/02/2022 - 09:00 / Atualizado em 10/02/2022 - 16:12

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