quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Como ser resiliente em tempos difíceis

Os sete passos para seguir em frente em meio às dolorosas perdas do momento

Resiliência pode ser conquistada ao longo da vida Foto: André Mello/ Editoria de Arte

Nova alta de casos de Covid-19. Volta ao home office. Como lidar com os problemas que têm se mantido nesses dois anos e seguir em frente?  Uma maneira é recorrer a uma característica milenar que nos permite enfrentar a adversidade: a resiliência. Resiliência é a capacidade de lidar com os golpes.

— Se você for frágil, você quebrará — disse Pauline Boss, professora emérita da Universidade de Minnesota e autora do livro recém-publicado nos Estados Unidos “The Myth of Closure”.  

Boss, terapeuta, educadora e pesquisadora, é mais conhecida pelo trabalho pioneiro sobre “perda ambígua”, que também é o título de seu livro de 1999 que descreve perdas físicas ou emocionais não resolvidas e muitas vezes insolúveis. 

— Com tudo o que aconteceu durante a pandemia, não podemos esperar voltar ao normal que tínhamos — afirmou Boss que, aos 87 anos, passou por várias reviravoltas, a começar pela Segunda Guerra Mundial.  

Em uma entrevista, ela me disse:

— As coisas estão sempre mudando, e se você não muda, você não cresce. Nunca mais seremos os mesmos. A pandemia é épica, um poder maior que nós, e temos que ser flexíveis, resilientes o suficiente para sobreviver. E vamos sobreviver, mas nossas vidas serão mudadas para sempre.

A resiliência nos permite adaptar-nos ao estresse e encontrar equilíbrio diante da adversidade: 

— Quando as pessoas resilientes são confrontadas com uma crise que tira sua capacidade de controlar suas vidas, elas encontram algo que podem controlar — afirma Boss. — No início da pandemia, as pessoas podiam organizar a casa, assar um pão, arrumar as gavetas dos armários, cuidar dos parentes próximos. Eram mecanismos de enfrentamento funcionais.

Agora o cenário é outro. Muitas pessoas não conseguem se adaptar a um problema que não podem resolver, e essa realidade cresceu durante a pandemia. As soluções absolutas não existem mais.  

Embora a resiliência seja frequentemente vista como um traço de personalidade inerente que as pessoas têm ou não, estudos mostraram que é uma característica que pode ser adquirida. As pessoas podem adotar comportamentos, pensamentos e ações que ajudam a construir resiliência, em qualquer idade. 

Boss costuma afirmar aos pais para ficarem tranquilos nesse aspecto, em especial a questões relacionadas à pandemia — medos, insegurança, isolamento.

— As crianças são naturalmente resilientes e serão mais fortes por terem sobrevivido a essa coisa ruim que aconteceu com elas. Eles vão se recuperar e crescer com isso — afirma.

Mais do que nas crianças, “precisamos nos concentrar nos adultos”, diz.

— Não estou dizendo que o cenário é semelhante ao de uma Guerra Mundial ou represente uma ameaça global. Mas temos de nos preocupar muito com os adultos — diz Boss.

 Ela se preocupa que alguns pais possam estar protegendo demais seus filhos, o que pode corroer sua capacidade natural de resolver problemas e lidar com a adversidade. 

Em seu novo livro, a pesquisadora oferece diretrizes para aumentar a resiliência de uma pessoa para superar as adversidades e viver bem apesar de experiências dolorosas. Ela cita o Viktor E. Frankl, um neurologista, psiquiatra e sobrevivente do Holocausto, que escreveu:

— Quando não somos mais capazes de mudar uma situação, somos desafiados a mudar a nós mesmos.

Ela recomenda que as pessoas usem cada diretriz conforme necessário, em nenhuma ordem específica, dependendo das circunstâncias.

Ninguém se torna resiliente do dia para noite. Trata-se de um exercício e de um esforço contínuo. A seguir, alguns caminhos que podem ajudar.  

Rumo à resiliência 

Encontre significado

A orientação mais desafiadora para muitas pessoas é encontrar significado, dar sentido a uma perda e, quando isso não for possível, realizar algum tipo de ação, como buscar justiça, trabalhar por uma causa ou tentar corrigir um erro. Quando o irmão mais novo da pesquisadora morreu de poliomielite, sua família, com o coração partido, foi de porta em porta para arrecadar dinheiro para financiar a pesquisa de uma vacina contra a doença. E isso não só ajudou às pesquisas, como os confortou.

Não controle seus sentimentos

Em vez de tentar controlar a dor da perda, deixe a tristeza fluir, continue o melhor que puder e, eventualmente, os altos e baixos serão menos frequentes.

— Não temos poder para destruir o vírus, mas temos o poder de diminuir seu impacto sobre nós — afirma Boss.

Reconstrua sua identidade

É útil adotar uma nova identidade mais em sintonia com as circunstâncias atuais. Quando o marido de Boss ficou doente terminal, por exemplo, sua identidade foi mudando de esposa para cuidadora e, após sua morte em 2020, gradualmente ela foi tentando se considerar viúva. 

Aceite a ambivalência

Quando você não tem clareza sobre uma perda, é normal se sentir ambivalente em relação às situações. Ter dúvidas. E não paralise frente a elas.

— É melhor tomar decisões não tão perfeitas do que não fazer nada. A vida não pode esperar — diz Boss.

Não tenha medo de mudar, mas vá com calma

Se tiver que romper com uma condição ou um propósito, faça isso gradualmente e reconstrua aos poucos sua vida de uma nova maneira, com um novo senso de propósito. Mudanças são importantes, elas impactam a mente, dão novo sentido à vida, trazem novos amigos, novos projetos.  

Descubra uma nova esperança

Comece a esperar por algo novo que permita seguir em frente com sua vida de uma nova maneira. Depois, pare de esperar, aja e busque novas conexões que possam minimizar o isolamento e promover o apoio que, por sua vez, nutre sua resiliência. 

Talvez o conselho mais valioso da pesquisadora, no entanto, seja esse:

— O que precisamos esperar não é voltar ao que tínhamos, mas ver o que podemos criar agora e no futuro. Espere por algo novo e com propósito que o sustente e lhe dê alegria pelo resto de sua vida.

Jane E. Brody, do NYT. Publicado no Brasil pelo O Globo, em 03/02/2022.

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