terça-feira, 4 de janeiro de 2022

A falência do ex-presidente e ícone polonês Lech Walesa

Após deixar de viajar para proferir palestras por causa da covid-19, o ex-presidente polonês Lech Walesa diz que está falido. Mas o líder do movimento Solidariedade enfrenta problemas financeiros já há algum tempo.

Até meados de 2020, o ex-presidente e ícone do movimento anticomunista Solidarnosc (Solidariedade) dos anos 1980 na Polônia, Lech Walesa, ganhava a vida no lucrativo circuito internacional de palestras.

Desde então, porém, as restrições por causa da covid-19 o deixaram à beira da falência, relatou ao tabloide polonês Super Express: "Eu tinha muitas viagens planejadas e deveria ter voado para Itália, Alemanha, EUA e outros países, mas infelizmente todas falharam".

Os falantes de polonês são poucos e distantes do circuito internacional de palestras em língua inglesa, mas Walesa lidera entre os reconhecidos no exterior. Além dele, há Donald Tusk e Robert Lewandowski, dizem pessoas ligadas ao setor. E antes deles houve o papa João Paulo 2º.

A expertise polonesa em "questões do Leste", como a Ucrânia, elevou o preço dos dois palestrantes políticos desde 2014. Mas o que fontes do setor chamam de "cansaço da guerra cultural" diminuiu a demanda por opiniões tidas como partidárias, seja de um lado, seja do outro. E Walesa nunca deixou de dizer o que pensa, por vezes de maneiras que podem não ser consideradas politicamente corretas.

Além disso, a covid-19 levou os países a imporem restrições de viagens.

Tempos difíceis para Walesa

"Estou falido agora, porque recebo 6 mil zlotys  [R$ 8.400] mensais de aposentadoria, e minha esposa gasta 7 mil zlotys cada mês", disse Walesa ao jornal. Após reformas em agosto, o valor da aposentadoria aumentou para 18 mil zlotys por mês.

"Palestras no Ocidente? De 10 mil a 100 mil euros [R$ 64 mil a R$ 640 mil]", disse Walesa ao tabloide. "Ganhei dinheiro com capitalistas ocidentais." Um serviço de contratação de oradores estaria oferecendo palestras de Walesa a preços entre 50 mil e 100 mil dólares (R$ 283 mil a R$ 566 mil).

Ele ainda complementa sua renda de orador oferecendo sessões de liderança, reuniões motivacionais para empresas e serviços de publicidade. Uma reunião de uma a duas horas tem o preço mínimo de 20 mil zlotys.

Esta não é a primeira vez que Walesa enfrenta problemas financeiros. Em fevereiro, disse que estava à procura de trabalho adicional, uma vez que a pandemia estava afetando sua renda.

"Seis meses mais disso [pandemia] e vou pedir dinheiro na frente da igreja", afirmou Walesa, ou retornar ao trabalho de eletricista – a profissão que adotou no estaleiro de Gdansk em 1967, antes de fundar o movimento Solidariedade, 13 anos mais tarde.

Em abril, Walesa escreveu que estava procurando emprego e postou seu anúncio no site polonês flexi.pl, um portal para maiores de 50 anos em busca de ocupação. 

"Um líder experiente, grande orador, vencedor do Prêmio Nobel da Paz, presidente da República da Polônia entre 1990 e 1995, cofundador e primeiro presidente do Solidariedade, conduz reuniões e formação para lideranças, aceita convites para reuniões de incentivo em empresas, mas também em famílias, possíveis serviços publicitários adicionais, fotos conjuntas e autógrafos", diz o texto.

Circuito de palestrantes

Muitos dos contemporâneos de Walesa na década de 1990 – como Bill Clinton, Gerhard Schroeder e Tony Blair – se beneficiaram do circuito de palestras e suas listas de contatos de alto nível, incluindo aí apresentações para regimes não totalmente democráticos e financiados por combustíveis fósseis.

Os arranjos podem ser bastante lucrativos: Hillary Clinton ingressou no circuito após deixar o cargo de secretária de Estado dos EUA, em 2013. Seu preço? Um mínimo de 225 mil dólares por palestra.

A secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, supostamente ganhou 7 milhões de dólares em dois anos, em honorários de palestras em grandes corporações, fundos de investimentos e bancos de Wall Street.

Os fundos soberanos são grandes pagadores e buscam uma combinação de conhecimento do mercado e anedotas de bastidores. O banco de investimentos Goldman Sachs é um dos mais renomados clientes de palestrantes. Mas sua série Talks with GS não incluiu nenhum político desde, pelo menos, o início de 2021.

"É um grande mercado, de vários bilhões de dólares, globalmente. O maior mercado é o dos EUA", diz Tom Kenyon-Slaney, presidente do London Speaker Bureau. "Corporações e governos gostam de receber gente experiente e de alto gabarito para falar ou mesmo aconselhá-los."

"Nosso setor fez a transição para o virtual durante a covid-19, e isso tem sido bom para todos. Mesmo que os honorários dos palestrantes tenham diminuído, os eventos e as conferências continuam acontecendo, embora online", acrescenta.

Segundo Nick Gold, diretor-geral do Speakers Corner, o setor está estimado em cerca de 5 bilhões de dólares. "Não há uma tabela de classificação de palestrantes. Em última análise, trata-se de um mercado onde não há barreiras de entrada. Afinal, qualquer um pode se proclamar palestrante. E, como todos nós temos nossas próprias experiências e conhecimentos únicos, pode ser considerado uma proclamação legítima."

Ele ressalva que ninguém poderia prever a pandemia e o impacto que ela teria sobre o setor: "Isso gerou uma grande instabilidade e um abalo sísmico para palestrantes, escritórios de oradores, organizadores de eventos e todos ligados ao setor de palestras."

"O mundo virtual abriu uma nova plataforma para os palestrantes apresentarem seu conteúdo. Não se trata de uma mudança para palestras online, mas o desenvolvimento de uma nova plataforma para transmitir uma mensagem. Os oradores tiveram que reinventar e reimaginar sua apresentação levando em conta essa nova plataforma virtual, de modo a dar ao público os melhores resultados possíveis", acrescenta Gold.

Problemas no instituto de Walesa

Mas os problemas de Walesa com dinheiro têm uma longa história. O Instituto Lech Walesa – uma organização não governamental e sem fins lucrativos criada em 1995 por Walesa e inspirada no Carter Center, dos EUA – mudou seu nome para Centro de Solidariedade Europeia depois que seu presidente de 2000 a 2014, Piotr Gulczynski, foi acusado de prevaricação financeira.

A promotoria de Varsóvia recebeu uma relação de possíveis crimes cometidos por Gulczynski e outra sobre o ex-presidente do instituto, Mieczyslaw Wachowski, ex-motorista e confidente de Walesa. Em 2014, o instituto apresentou um lucro de 3,7 milhões de zlotys. Em 2017, seus cofres estavam vazios.

De acordo com investigações do portal de notícias Gazeta, Wachowski usou os fundos principalmente para dar "prêmios" para si mesmo. Ele também perdeu um processo contra a empresa energética Energa e tem que pagar 825 mil zlotys.

O porta-voz do Grupo Energa, Adam Kasprzyk, disse que o instituto não prestou nenhum dos serviços de marketing com os quais se comprometera em nome da Energa.

Em 2017, o instituto viu uma onda de demissões e a renúncia de seu então presidente após uma auditoria – que ele encomendou – revelar dívidas de mais de 1 milhão de zlotys.

Em abril, o portal de notícias TVN24.pl relatou o pedido de entidades vinculadas a empresas do Tesouro do Estado para a devolução de subsídios no valor de 1,7 milhão de zlotys concedidos ao instituto para a realização de projetos.

Bryan Harper escreveu este artigo para a Deutsche Welle, que o publicou em 04.01.22

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