terça-feira, 7 de setembro de 2021

A força do bolsonarismo revela sua maior fragilidade

“Eu quase de nada sei, mas desconfio de muita coisa.” (Guimarães Rosa)

Como se esperava, o 7 de setembro é a maior expressão do bolsonarismo nas ruas. Especular números e fotos aéreas é, porém, aceitar a cilada com o que o presidente pretenderá manipular a opinião pública. Mais expressivo é explicitar métodos e estilos: a mobilização patrocinada por recursos obscuros, a disposição de botar tudo abaixo, a antipolítica e a opção preferencial pelo caos são marcas de sua política.

A estética é bruta, a trilha sonora é a fúria; os alvos: o STF e os fantasmas forjados pela ultradireita internacional. A truculência como gramática foi o meio e a mensagem dos manifestantes e do presidente. E, com isso, a insegurança e a impressão de um possível cheiro de pólvora no ar cobrem o país de temores. Despertar o medo é a estratégia para acuar os adversários.

Porém, foi mostrando sua força que o bolsonarismo revelou sua fragilidade. Ao lado do presidente há uma massa disforme, sem organicidade, agenda, visão de longo prazo. Personagens revoltosos que expressam todo o tipo de intolerância: negacionismo, fundamentalismo religioso, medievalismo, o tradicional farisaísmo nacional. A triste expressão da “nova política” num momento em que nos horizontes do Planalto Central não há futuro.

Antecipando-se a constrangimentos desse tipo, setores modernos da economia e da sociedade afastaram-se, ainda mais, do presidente; sabe-se também do pouco prestígio internacional de que goza Jair Bolsonaro. Os números enganam viciados na objetividade, os fatos, porém, demostram que as manifestações gritaram o isolamento de uma pequena multidão. Uma ilha, uma bolha, onde mais significativo que os presentes foram as ausências.

Bolsonaro, porém, preferirá ignorar a tudo e posar numa foto que não existiu. É seu jogo: radicalizar sua massa e utilizar o poder e o cargo de que dispõe e, então, expor o País a ameaças e bravatas, como, por exemplo, convocar o Conselho da República para mostrar-lhes “o caminho”, sem que saiba ao certo qual o caminho.

O quadro se apresenta ainda sensível e perigoso: afinal, Bolsonaro e seus radicais cruzaram (ou não) o tal Rubicão da democracia? Não cabe tergiversar, como reagirão as instituições? E como reagirá o fragmentado e disperso antibolsonarismo, principal força política do País, dividida em interesses eleitorais diversos. Perceberá que a polarização de fato existente é de Bolsonaro com a Nação? O 7 de setembro trouxe o desafio do dia seguinte: é preciso união para pôr freio, a tempo, a um ônibus em carreira e desgovernado.

Carlos Melo, o autor deste artigo, é cientista político e Professor do Insper. Publicado originalmente n'O Estado de São Paulo, online, em 07.09.21, às 13h06

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