Os ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) impuseram duas derrotas ao presidente Jair Bolsonaro na noite desta segunda-feira, 2. Por unanimidade, os magistrados aprovaram a instauração de notícia-crime e inquérito administrativo contra Bolsonaro pelas ameaças ao sistema eleitoral e possível conduta criminosa no âmbito do inquérito das fake news, de relatoria do ministro Alexandre de Moraes. A investigação administrativa pode acarretar em impugnação da candidatura de Bolsonaro nas eleições de 2022.
A notícia-crime foi apresentada pelo presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, que se tornou o alvo preferencial dos ataques de Bolsonaro. Barroso se baseou em transmissão ao vivo pelas redes sociais realizada por Bolsonaro, na quinta-feira, 30, para pedir a “apuração de possível conduta criminosa” relacionada ao inquérito das fake news. Na live, Bolsonaro recuou do discurso encampado desde 2018 de que apresentaria provas de fraudes eleitorais e disse ter somente “indícios”, que se resumiam a notícias falsas, vídeos fora de contexto e análises enviesadas do processo de auditagem das urnas. O relator do inquérito, Alexandre de Moraes poderá decidir sozinho se acata o pedido, ou se leva para julgamento no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF).
Na outra frente de contenção das ameaças golpistas do presidente, o corregedor-geral da Justiça Federal, Luis Felipe Salomão, justificou ser necessária a instalação do inquérito administrativo na corte eleitoral para “tomar as providências cabíveis para sanar ou evitar abusos e irregularidades”. Salomão pede para que Bolsonaro seja investigado por abuso de poder econômico e político, uso indevido dos meios de comunicação social, corrupção, fraude, propaganda eleitoral antecipada e ataques ao sistema eleitoral que venham a comprometer as eleições de 2022. As apurações tramitarão em caráter sigiloso.
“O inquérito administrativo compreenderá ampla dilação probatória, promovendo-se medidas cautelares para colheita de provas, com oitivas de pessoas e autoridades, juntada de documentos, realização de perícias e outras providências que se fizerem necessárias para a adequada elucidação dos fatos”, escreveu Salomão. “Considerando que a preservação do Estado Democrático de Direito e a realização de eleições transparentes, justas e equânimes demandam pronta apuração e reprimenda de fatos que possam caracterizar abuso”.
O TSE, personificado na figura de seu presidente, se tornou o maior inimigo de Bolsonaro e seus apoiadores na cruzada pela aprovação do voto impresso. O tribunal eleitoral, que abriga ministros do Supremo, é alvo constante dos ataques do governo federal. A crise entre o Judiciário e o Executivo foi impulsionada pela intensificação da onda de ameaças do Palácio do Planalto à Corte eleitoral frente à reunião de ministros do Supremo com dirigentes de partidos para reverter a tendência de aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do voto impresso pelo Congresso.
Após a ameaça de Braga Netto ao sistema eleitoral, com insinuações de golpe das Forças Armadas, caso não seja aprovado o voto impresso, houve reação pública de três magistrados — Gilmar Mendes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso –, e se chegou a considerar uma nota conjunta a respeito. A medida foi descartada, mas abriu espaço para reações individuais enfáticas dos líderes do Judiciário ao modo intransigente e beligerante com que as autoridades do Executivo têm tratado as questões eleitorais.
Na manhã desta segunda-feira, 2, Barroso assinou uma nota conjunta com todos os ex-presidentes da Corte desde a redemocratização, em 1988, em que defendem a urna eletrônica e rechaçam o voto impresso. O documento também contou com as assinaturas do vice-presidente do TSE, Edson Fachin, e de Alexandre de Moraes, que presidirá a instituição na reta final das eleições de 2022. À tarde, o texto foi seguido de um duro discurso do presidente do STF, Luiz Fux, na sessão de retomada dos trabalhos na Corte após o recesso do Judiciário.
Em um movimento coordenado, o presidente do Supremo disse, horas antes, que “os juízes precisam vislumbrar o momento adequado para erguer a voz diante de eventuais ameaças”. Foi ainda mais direto: “Harmonia e independência entre os poderes não implicam impunidade de atos que exorbitem o necessário respeito às instituições.”
À noite, Barroso encerrou a vigorosa onda de recados ao Planalto. Antes de apresentar a notícia-crime que pode culminar em responsabilização criminal do presidente, o ministro discursou de forma veemente defendendo que “ameaça à eleição é uma conduta antidemocrática”.
“Suprimir direitos fundamentais, incluindo os de natureza ambiental, é uma conduta antidemocrática. Conspurcar o debate público com desinformação, mentiras, ódio e teorias conspiratórias é conduta antidemocrática. Há coisas erradas acontecendo no País, e nós todos precisamos estar atentos”, afirmou Barroso. “Nós já superamos os ciclos do atraso institucional, mas há retardatários que gostariam de voltar ao passado. E parte dessas estratégias incluem o ataque às instituições.”
Barroso disse que líderes populistas, autoritários e extremistas, embora eleitos pelo povo, agem contra o estado de direito. Afirmou, ainda, que o Brasil está à beira da “erosão da democracia”. “Uma das manifestações do autoritarismo no mundo contemporâneo é precisamente o ataque às instituições, inclusive às instituições eleitorais que garantem um processo legítimo de condução aos mais elevados cargos da República”, argumentou o presidente do TSE.
O silêncio diante dos sucessivos insultos de Bolsonaro ao Supremo e ao TSE foi rompido nesta segunda-feira, 2, com declarações claras de que aventuras golpistas e tentativas de ruptura institucional não serão toleradas pelo Judiciário.
Weslley Galzo, de BRASÍLIA para O Estado de São Paulo, em 02 de agosto de 2021
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