quinta-feira, 15 de julho de 2021

Bolsonaro está com soluço

Com reprovação recorde e cada vez mais atacado em meio a supostos escândalos de corrupção no combate à pandemia, o presidente engasgou. Ao invés da prometida nova política, vê-se um governo sem rumo.

"Ainda não está claro até que ponto Bolsonaro está envolvido em supostos escândalos, mas aparentemente as manchetes negativas vindas da CPI influenciaram espectadores"

Como se não bastassem todas as crises, o presidente Jair Messias Bolsonaro ainda tem que lidar com mais uma: de soluço. Há mais de dez dias seu diafragma está fora de controle. Uma dica, neste caso, seria levar um susto para tentar se livrar do soluço. Mas o presidente garantiu, numa recente entrevista, que, por enquanto, não está "assustado com nada que acontece no governo". Será que nem as revelações vindas diariamente da CPI da Covid no Senado deixam o presidente preocupado?

Confesso que não esperava muito da CPI. Comissões parlamentares de inquérito sempre me lembram do meu programa predileto de humor britânico, o excelente Yes, Minister e sua continuação Yes, Prime Minister. Uma produção da BBC dos anos 80, que conta a história de um político ingênuo e incompetente galgando a ladeira do sucesso governamental até se tornar primeiro-ministro.

No seriado, quando aparecem erros do governo, abre-se rapidamente um inquérito, uma Royal Commission, com a justificativa falsa de investigar a fundo. Mas, na verdade, os inquéritos servem para encobrir os erros. Pois espera-se que quando o relatório final estiver pronto, quatro longos anos depois, ninguém se lembre mais do problema. Ou que até lá, apareça um bode expiatório.

No caso da CPI da Covid no Senado brasileiro, eu esperava apenas muitas manchetes negativas para o governo, mas nada de essencialmente novo. Pois já estava tudo na mesa, achava eu: o governo negacionista sabotou as medidas de combate ao coronavirus, oferecendo medicamentos sem eficácia para tranquilizar a população, e ignorou a crise de oxigênio no Amazonas. Além disso, só quis comprar vacinas em quantidade suficiente depois de João Doria ter largado na frente com a vacina chinesa. Tudo documentado e filmado pelo próprio Bolsonaro e cia.

Mas, mesmo depois de 20 anos vivendo aqui e cobrindo o Brasil, ainda me surpreendo. No começo da pandemia, participei de uma oficina da Fundação Getúlio Vargas sobre Direito para jornalistas. Nela, falava-se muito sobre mecanismos para evitar e combater corrupção ligada à pandemia. Eu achava que não seria preciso, pois: quem iria se atrever a desviar dinheiro público destinado ao combate à pandemia, com toda a mídia em cima?

Bom, aparentemente muita gente. Há várias suspeitas de corrupção nos diversos níveis da administração pública. Mas os casos da vacina indiana Covaxin e o da negociação mais que estranha sobre a compra de milhões de doses da AstraZeneca me surpreenderam. Principalmente o cara-de-pau-ismo dos supostamente envolvidos, sendo eles políticos influentes ligados ao Centrão ou vendedores picaretas.

Ainda não está claro até que ponto o presidente está envolvido, se ele sabia, se acobertou os erros de aliados ou se ele se aproveitou da situação emergencial do país em meio à pandemia. Mesmo assim, uma recente pesquisa Datafolha revelou que a reprovação ao governo Bolsonaro atingiu a marca recorde de 51% e que, para 70% dos brasileiros, existe corrupção no governo. Aparentemente, as manchetes negativas vindas da CPI influenciaram espectadores.

Enquanto isso, o governo segue sem rumo. O presidente, pelo menos, anda de motocicleta rumo ao horizonte. Dizem que quando uma criança pega vento demais, fica com soluço. Será que o presidente, nas suas aventuras motociclísticas sem máscara ou capacete com viseira engoliu vento demais? 

Thomas Milz, o autor deste artigo, saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como o Bayerischer Rundfunk, a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos. Publicado por Deutsche Welle Brasil, em 14.07.21

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