domingo, 11 de julho de 2021

A que o Senado deve estar atento

A discussão sobre a religião do futuro ministro do Supremo não tem relevância

Em reunião no dia 6 de julho com ministros de Estado, o presidente Jair Bolsonaro informou que vai indicar para o Supremo Tribunal Federal (STF) o advogado-geral da União, André Mendonça. O ministro Marco Aurélio Mello se aposentará no dia 12 de julho.

No dia anterior, dia 5, o presidente Jair Bolsonaro já havia tratado do assunto. “Vou indicar (para o STF) um evangélico agora”, disse Bolsonaro a apoiadores, na frente do Palácio da Alvorada. André Mendonça é pastor da Igreja Presbiteriana Esperança de Brasília.

Em conformidade com o caráter laico do Estado, a Constituição de 1988 não estabelece nenhuma condição a respeito da religião dos integrantes do Supremo, bem como de nenhum outro cargo público. Todos são iguais perante a lei, com os mesmos direitos e os mesmos deveres.

A Constituição fixa, isso sim, outras condições para os ministros do Supremo. “O STF compõe-se de 11 ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de 35 e menos de 65 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada.”

Essas duas últimas condições não são requisitos abstratos ou de difícil aferição. É preciso que não haja nenhuma dúvida sobre o notável saber jurídico e a reputação ilibada do indicado. Se houver alguma inquietação a respeito de algum dos dois pontos, a exigência constitucional não está preenchida – e o Senado deve barrar a indicação.

Sob a perspectiva constitucional, a discussão sobre a religião do futuro ministro do Supremo não tem nenhuma relevância. Observa-se, assim, mais uma tentativa do presidente Jair Bolsonaro de confundir o debate público.

No processo de nomeação de um novo ministro do STF, o decisivo é avaliar se a trajetória da pessoa indicada revela a independência necessária para defender a Constituição, especialmente nos casos que exijam contrariar aliados políticos, irmãos de fé ou parceiros de família.

Esse aspecto deve ser avaliado pelo Senado em todas as indicações para o Supremo. Mas, no caso de Jair Bolsonaro, o assunto ganha especial gravidade, em razão das próprias declarações do presidente.

No ano passado, Jair Bolsonaro explicou sua escolha para o STF da seguinte maneira: “Kassio Nunes já tomou muita tubaína comigo. (...) A questão de amizade é importante, né?”. Diante desses critérios, sem nenhuma aderência aos princípios republicanos, o Senado tem de estar especialmente atento para o comportamento do indicado ao Supremo na sabatina que fará. 

Ressalta-se que tal avaliação não consiste em exercício de futurologia, como se os senadores tivessem de adivinhar quais serão as futuras atitudes da pessoa indicada, uma vez ocupando uma cadeira no Supremo. O exame é outro. Trata-se de verificar qual é o grau de compromisso com a Constituição que o histórico do candidato revela.

Adverte-se, desde já, que a atuação pública do atual advogado-geral da União tem deixado a desejar precisamente no quesito mais essencial para o cargo de ministro do STF: o respeito à Constituição deve ter precedência sobre lealdades políticas ou relações pessoais. Nos últimos meses, especialmente durante o período em que esteve à frente do Ministério da Justiça, André Mendonça notabilizou-se por sujeitar os mandamentos constitucionais aos interesses de Jair Bolsonaro.

Enquanto esteve no Ministério da Justiça, André Mendonça pôs o aparato estatal para perseguir opositores do governo Bolsonaro. Por exemplo, instou os órgãos de investigação a atuar contra um professor que instalou, no Tocantins, dois outdoors críticos a Jair Bolsonaro. Um Estado Democrático de Direito demanda outro tipo de compromisso com as garantias individuais. Não se pode esquecer de tal forma a Constituição para agradar ao presidente da República e sua turba. 

O Senado não tem de olhar para a religião de André Mendonça. Sua condição de pastor evangélico não o qualifica nem o desqualifica para o cargo. A função de ministro do Supremo é essencialmente laica e diz respeito a todos os brasileiros. Trata-se de verificar se, no exercício de suas funções públicas, o indicado tem inegáveis condições de manifestar respeito incondicional à Constituição.

Editorial / Notas&Informações, O Estado de S.Paulo, em 11 de julho de 2021 

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