quarta-feira, 7 de abril de 2021

Pazzianotto: Obsessão por poder

O próximo governo deverá ser austero. A economia e o povo não suportam mais impostos

O poder é inebriante, envolvente, afrodisíaco. O imperador dom Pedro I revelou desapego ao poder. Preferiu abdicar e entregar o trono ao filho com 5 anos de idade. Voltou a Portugal, para não enfrentar manifestações de rebeldia. Dom Pedro II adotou atitude semelhante. Diante da quartelada comandada pelo marechal Deodoro da Fonseca, embarcou com a família e alguns amigos para a França, onde faleceu, pobre, em 5 de dezembro de 1891, cercado de admiração, carinho e respeito.

Na Primeira República, exemplo clássico de apego ao poder foi deixado por Getúlio Vargas. Investido na chefia do governo provisório pela Revolução de 1930, de imediato deixou claro que pretendia ficar. No Diário iniciado em 3 de outubro de 1930, data da deflagração do movimento armado, escreveu ao anoitecer do dia 25: “Osvaldo (Aranha) telegrafa-me, propondo assumir o governo para entregar-me constitucionalmente a 15 de novembro (data do encerramento do mandato do presidente Washington Luís). Respondo-lhe que as medidas excepcionais que precisam ser tomadas não comportam um governo constitucional, devendo essas medidas estender-se além de 15 de novembro” (vol. 1, Ed. Siciliano-FGV, RJ, 1995, pág. 17).

Deposto em 20 de outubro de 1945 pelo general Eurico Gaspar Dutra, a ambição de poder exigiu que se candidatasse nas eleições presidenciais de 1950. Com 67 anos, idade avançada para a época, Getúlio Vargas se entregou a campanha estafante. Esteve em 20 Estados e no Rio de Janeiro, à época capital da República. Fez comício em 54 cidades. Ao pressentir a vitória do visceral inimigo, o jornalista Carlos Lacerda escreveu proféticas palavras na Tribuna da Imprensa: “O senhor Getúlio Vargas, senador, não deve ser candidato à presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve ser empossado. Empossado, deveremos recorrer à revolução para impedi-lo de governar” (Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro - DHBB (Ed. FGV-Cpedoc, RJ, 2.ª edição, 2001, vol. V, pág. 5.952).

Às eleições de 2022 pretendem concorrer dois candidatos obcecados pelo poder: Jair Bolsonaro, à procura da reeleição, e Luiz Inácio Lula da Silva, no esforço de reconquistá-lo. Cometeu-se irreparável erro no primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso com a promulgação da Emenda Constitucional nº. 16, de 5/6/1997, quando foi violada salutar tradição republicana da unicidade do mandato. “O cargo revela o homem”, disse o sábio grego Bias de Priene. Em Jair Bolsonaro o propósito da reeleição de imediato foi revelado. Com ajuda de áulicos palacianos, a duplicação do mandato se converteu em programa e razão de ser do governo. No caso de Lula, eleger-se é essencial para quem não admite voltar à obscuridade em São Bernardo do Campo. A ruína do País e o sofrimento do povo são indiferentes para eles.

Jair Bolsonaro é relativamente jovem. Tem contra si, todavia, o temperamento agressivo. Dois anos e três meses de governo revelam ser ele vítima de descontrole emocional e de irrefreável impetuosidade. Comporta-se como adolescente briguento e mal-educado. A minha vontade é lei, imagina o capitão paraquedista. Lula é caso raro de dirigente sindical bem-sucedido na arena política. Dizia ser capaz de eleger um poste. Elegeu e reelegeu Dilma Rousseff, pagando caro pela audácia.

Qualquer que seja o vencedor em 2022, encontrará o País devastado. Acredita-se que até lá terá refluído a pandemia, à força da vacinação massiva. A tarefa da reconstrução exigirá, contudo, habilidades além do alcance de Lula, pela idade, e de Bolsonaro, por falta de capacidade.

O primeiro passo consistirá no restabelecimento da unidade nacional, com a eliminação da bipolaridade bolsonaristas versus lulistas. Virá a seguir o esforço de recuperação da credibilidade internacional, destruída pelo ministro Ernesto Araújo. Dela dependerão investimentos destinados à retomada do crescimento, sobretudo industrial, e a criação de milhões de empregos. Uma das prioridades será a defesa da Amazônia e do meio ambiente, abandonados por Ricardo Salles. O próximo governo deverá ser austero nos hábitos e nos gastos. O Tesouro Nacional está exaurido. A economia e o povo não suportam novos impostos. Seria ótimo que a Constituição da República fosse deixada temporariamente em paz, até surgir a oportunidade de convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.

O ideal consiste na criação de terceira força, equidistante dos extremismos de esquerda e de direita. O excesso de partidos e a carência de lideranças nacionais reconhecidas serão, entretanto, dois empecilhos. Entre os pré-candidatos, lançados por si mesmos, todos estão desgastados ou envelhecidos. O eleitorado aguarda por alguém moderno, distante da velha política, comprometido com a devolução do governo à sociedade civil.

As experiências feitas com militares no poder deixam claro que devem retornar aos quartéis, encarregados da defesa da Pátria e da garantia dos Poderes constitucionais, como determina a Constituição. Só isso. Nada mais.      

Almir Pazzianotto Pinto, o autor deste artigo, é advogado. Foi Ministro do Trabalho e Presidente do Superior Tribunal do Trabalho. Publicado originalmente n'O Estado de São Paulo, em 07 de abril de 2021.

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