Ex-coordenador da Lava Jato questiona entendimento de suspeição. Por 3 votos a 2, processo do triplex terá de reiniciar da estaca zero. Condenação do ex-presidente já tinha sido anulada por decisão do ministro Edson Fachin.
O procurador do Ministério Público Federal (MPF) Deltan Dallagnol, ex-coordenador da extinta força-tarefa da Operação Lava Jato no Paraná, comentou na noite desta terça-feira (23), em uma rede social, sobre decisão do STF que declarou Sérgio Moro como parcial ao condenar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso do triplex do Guarujá.
"Nada apaga a consistência dos fatos e provas dos numerosos casos da Lava Jato, sobre os quais caberá ao Judiciário a última palavra. A Lava Jato investigou crimes e aplicou a lei. Os 5 bi devolvidos por criminosos confessos aos cofres públicos não cresceram em árvores", disse ele.
A sentença que condenou Lula continua anulada por outra decisão, determinada pelo ministro Edson Fachin, que apontou a incompetência da Justiça Federal do Paraná para analisar os processos do petista e tornou sem efeito as condenações pela Operação Lava Jato de Curitiba.
Com a decisão desta terça-feira, a Segunda Turma anulou todo o processo do triplex, que precisará ser retomado da estaca zero pelos investigadores.
Deltan Dallagnol — Foto: André Dusek/Estadão Conteúdo
Condução coercitiva
O procurador afirmou que o STF entendeu que algumas decisões, como a que determinou a condução coercitiva do ex-presidente, apontariam parcialidade, mas que, no entendimento dele "pode-se até discordar das decisões e dizer que foram duras, mas não se pode a partir delas alegar um tratamento diferenciado".
Segundo ele, "simplesmente se seguiu o mesmo padrão das demais decisões proferidas no curso da operação Lava Jato".
Dallagnol pontuou que, como um ministro colocou, para que se reconheça a imparcialidade, "não basta tratamento diferenciado, é preciso que tenha sido decisivo para o resultado do julgamento".
Entretanto, segundo o procurador, nenhuma das decisões invocadas como base para a suspeição o foi. "A condução coercitiva não foi relevante para a condenação; as interceptações sobre o ex-presidente não foram utilizadas no processo; e o levantamento do sigilo da delação de Palocci aconteceu em outro caso. Com o devido respeito ao STF, acertaram os ministros vencidos".
Para Dallagnol, este é um ponto que precisa ser esclarecido porque "define a abrangência da anulação e se afetará outros casos é a partir de que momento o ex-juiz passou a ser considerado suspeito".
O procurador disse que se a suspeição ocorreu ao final, próximo à condenação, "menos atos e decisões precisarão ser renovados".
Ele afirmou que se ocorreu no início da investigação, "muito mais coisa pode ser anulada, não só na ação penal envolvendo o triplex, mas outras".
Por fim, Deltan Dallagnol afirmou que continua acreditando no trabalho feito.
"A maior garantia da legalidade dos atos é sua fundamentação nos fatos, nas provas e na lei e sua revisão por 3 instâncias", completou.
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Sobre a decisão do STF
O Ministério Público Federal no Paraná e a 13ª Vara da Justiça Federal no estado informaram que não emitirão opinião sobre a decisão da Segunda Turma. A assessoria do ex-juiz Sérgio Moro não informou se ele se manifestará.
A defesa de Lula divulgou nota na qual afirmou que a condenação do ex-presidente por Sergio Moro causou danos "irreparáveis", entre os quais a prisão durante 580 dias.
"A decisão proferida hoje fortalece o Sistema de Justiça e a importância do devido processo legal. Esperamos que o julgamento realizado hoje pela Suprema Corte sirva de guia para que todo e qualquer cidadão tenha direito a um julgamento justo, imparcial e independente, tal como é assegurado pela Constituição da República e pelos Tratados Internacionais que o Brasil subscreveu e se obrigou a cumprir", afirmaram em nota os advogados Cristiano Zanin Martins e Valeska Martins.
A decisão resultou do julgamento pela turma de uma ação impetrada em 2018 pela defesa de Lula.
A maioria a favor da ação do ex-presidente foi formada com a mudança de voto da ministra Cármen Lúcia. Em 2018, quando o julgamento se iniciou, ela tinha rejeitado a ação, mas agora seguiu o entendimento dos colegas Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski.
Cármen Lúcia entendeu que novos elementos mostraram que a atuação de Moro não foi imparcial, favoreceu a acusação e, portanto, segundo avaliação da ministra, houve um julgamento irregular
A suspeição não é automática para outros processos de Lula — a defesa terá, por exemplo, que questionar os outros casos na Justiça. Moro não foi o autor da condenação de Lula no caso do sítio de Atibaia, mas recebeu a denúncia e transformou o petista em réu nesse caso.
Para o relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, ministro Edson Fachin, a suspeição de Moro tem efeitos que vão além do caso de Lula e abre brecha para que advogados de condenados na Lava Jato questionem na Justiça a conduta do ex-juiz e apontem outras sentenças como ilegais.
Por Natalia Filippin e Ederson Hising, G1 PR — Curitiba, em 23.03.2021
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