Empresário pede ‘uma ONU da saúde’ porque ‘mais pandemias virão’ e critica o radicalismo das redes sociais: ‘Democracia é concordar em discordar’
Entrevista com Nizan Guanaes, publicitário e empresário
Longe da pauleira em que viveu por tantos e longos anos, o empresário Nizan Guanaes* tem passado os dias quieto no seu canto, trabalhando muito e estudando. “Começo de manhã, vou até 2 horas da madrugada. Muito focado.” E seu foco é definir estratégias e caminhos na N Ideias, empresa que toca com mais três pessoas desde que deixou o Grupo ABC.
Aos 63 anos, o soteropolitano Nizan, que acumulou na carreira muitos prêmios, vê no mundo à sua volta “um detox do custo, do gigantismo” e seu lema do momento é: “Acredito em grandes empresas pequenas.” Quanto ao gigantismo dos conglomerados, ele não titubeia: “Quem tem custo, tem medo.” Integrante do grupo Unidos pela Vacina, onde empresários buscam ajudar na pandemia, ele se preocupa com o que vem pela frente. “O vírus não tem fronteira”, diz ele. “Precisamos construir uma Otan, uma ONU da saúde, porque novas pandemias virão.” E já formulou a ideia chave para estes tempos: “O melhor modo de pensar em si é pensar em todos.”
Nesta conversa com Cenários, o publicitário diz que a crise da democracia o preocupa. “O rito democrático vem sendo perdido, as redes sociais fazem um papel horroroso.” Democracia, adverte, “é concordar em discordar.” A seguir, os principais trechos da conversa.
'O vírus não tem fronteira', diz Nizan Guanaes. Foto: Marcelo Navarro
Com tanta coisa acontecendo para todo lado, o que mais lhe chama a atenção no momento?
Permita-me começar saudando a Vicky Safra e os familiares do seu José (Safra), por quem tenho profunda admiração. Escrevi um texto quando ele se foi, tive mais de mil comentários, vi como ele era querido. E me lembrei de uma passagem de 20 anos atrás, quando ele me telefonou para dizer que queria me entregar a conta de seu banco. ‘Mas, seu José, eu já tenho a conta do Itaú’, eu respondi. E ele: ‘Não tem conflito, meu banco é pequeno’. Sim, ele pensava grande: achava que seu banco era pequeno.
Mas, vendo o mundo agora, com a pandemia e tantas variantes, teremos de achar outro jeito de conviver, né?
Concordo inteiramente. Eu tenho trabalhado muito, absolutamente focado. Começo de manhã, vou até as 2 horas da madrugada. E toda vez que o trabalho muda, o mundo também muda. E vem uma mudança em cadeia, é o crescimento do online, a evasão dos grandes centros, o Wi-Fi, a tecnologia. Meu analista, por exemplo: digo a ele, ‘não quero ir até a Vila Olímpia, quero fazer daqui de Trancoso’. Mas veja, além de um festival de horrores nessa pandemia, há também um mar de oportunidades.
Há pouco tempo, em entrevista, o presidente de uma montadora me disse que passou a contratar gente não mais pelo preparo técnico e, sim, pela habilidade em lidar com as pessoas. O que sobrará para o ser humano fazer?
Vai sobrar aquilo que faz dele humano: as coisas que transcendem. Olha que incrível: as montadoras vão convidar filósofos para trabalhar com eles, porque, como o carro é automático, ele, carro, vai ter de tomar decisões que o homem toma em segundos. E se ele atropela uma criança? Se bate em uma árvore?
De que modo um filósofo poderia ajudar em tais situações?
Vai ajudar na programação de decisões, digamos, não mecânicas. Terão de andar juntas coisas que, antes, nunca andaram. Tem coisa que vai mudar radicalmente, como a ocupação imobiliária dos escritórios. Tudo vai ser home office? Não, mas as ‘homes’ vão se alterar, assim como os ‘offices’. Às vezes, me perguntam sobre o ‘novo normal’, e eu digo: não muda a natureza humana, mas os rituais e processos vão evoluir.
Percebi que as pessoas controladoras estão sofrendo muito. O sujeito não sabe o que vai fazer amanhã, se vai fechar ou abrir a sua empresa. Como isso vai afetar a iniciativa privada?
Acho que vai mudar a escala do que é médio ou longo prazo.
Médio prazo é amanhã e o longo é dois dias depois?
Exatamente. E o grande CEO de amanhã é aquele que sabe dar um cavalo de pau. Veja o Fred Trajano (CEO da Magalu), pegou a companhia e a mudou em três meses. É a capacidade de mudar de curso rapidamente. Para mim, a empresa moderna é ambidestra, criativa de um lado e executora de outro. As empresas vão ter de passar por um novo desenho, inclusive mental. E o que eu estou fazendo a respeito? Estou estudando. Todo dia, entre o meio-dia e uma da tarde, eu estou fora do ar, estudando.
O que você estuda?
Quero me atualizar nas coisas que faço, planejamento estratégico. O mundo hoje é do tipo ‘life long learning’ (aprendizado pela vida toda), tem de estudar muito nos ciclos da vida.
Você saiu de uma empresa de 2.500 pessoas e agora trabalha praticamente só. Como foi essa passagem?
Eu acredito muito em grandes empresas pequenas, que é como eu qualifico a N Ideias. Quem tem custo, tem medo. Estou centrado na estratégia. Vamos voltar ao Safra. O silêncio dos Safras era uma incrível estratégia de marketing, e muito bem colocada. Antigamente, havia uma única bala: publicidade, anúncio. Hoje, não. São as relações públicas, embalagem, eventos, mídia digital. Então, eu sou o Waze das grandes marcas.
O que quer dizer com isso?
Você quer chegar a um lugar, então vamos combinar juntos o melhor caminho. Hoje eu tenho um luxo, que é trabalhar para seis marcas muito inspiradoras. Não trabalho com velocidade e, sim, com profundidade e arrumo tempo para estudar. Em outubro ou novembro, se Deus permitir, vou passar 40 dias em Harvard. Estudar continuamente é um novo modo de vida.
O que vai acontecer na área da comunicação? TV, rádio, jornais, redes sociais?
Um mar de oportunidades para quem não tem custo. Acho que o mundo hoje é o detox do custo, do gigantismo. Há muita oportunidade nesse setor. Veja bem: todo mundo fala no fim do jornal, mas ninguém quer vender.
Acha que o jornal impresso caminha para ter mais conteúdo e o online, a notícia em si, mais rápida?
Acho que nunca se precisou tanto de jornal, de jornalista. Não importa para o consumidor se o jornal é de papel ou digital. Eu, por exemplo, adoro jornal de papel, para mim ele é ‘a alta costura’ do jornal. Mas como está tudo mudando, imagino que os jornais e a televisão serão híbridos. Os reality shows de hoje são coisa de TV e digital. O Super Bowl americano era o maior evento de TV do mundo, hoje é o maior evento de TV e digital.
O que vimos foi que os jornais sérios sobreviveram, os outros, morreram. Mas nas mídias sociais é complicado combater as fake news. Como vê isso?
Não sou especialista, mas diria que praticamente todas as indústrias têm os mesmos problemas. Onde elas só veem problemas, no entanto, a startup vê uma oportunidade, entendeu? Por exemplo, uma das maiores adesões do público ao New York Times são as palavras cruzadas. O jornal está monetizando as sessões de vinho, de comida, e as pessoas dizem que ‘isso não é importante’. Bem, eu acho que o ser humano não vive, literalmente, sem comer e sem beber.
É um fato, goste-se ou não.
Quer ver uma coisa que me estarrece? O tal jornalismo imparcial. Não, nós, leitores, queremos parcialidade! O jornal que eu leio tem de ter uma opinião de mundo com a qual eu comungo. É bem diferente do jornal que distorce a verdade. O The New York Times é o meu jornal, ele tem opiniões. Não me representa em tudo, mas ele é um time, uma igreja da qual eu participo.
Mudando de Nova York para Washington, o que acha que vai acontecer nos EUA de Joe Biden?
Olha, dia 8 de abril vou entrevistar o (ex-presidente americano) Bill Clinton para os clientes da N Ideias. Convidei os seis CEOs e alguns executivos e vou fazer essa mesma pergunta. Vamos ouvi-lo sobre o que se pode esperar de agricultura, mudança climática e outros desafios. Olha, não sei o que vai acontecer, mas acredito muito na têmpera de negociador do Biden. Acho que essa crise se perdeu porque não havia um ‘Obama’ à frente, nos EUA. Aí, os países foram pensando cada um em si mesmo. Mas o vírus não tem fronteiras.
E o que isso significa?
Que o vírus não tem passaporte, e nós precisamos construir uma Otan da saúde, uma ONU da saúde, pois novas pandemias virão. Teremos de pensar em cadeia, cooperar. É preciso uma compreensão de que as grandes empresas, as big techs, não podem ser largadas soltas, entendeu? O Facebook não pode entrar e destruir um setor, criar desemprego loucamente, sem que haja uma política social correspondente. Hoje, no mundo, você tem de trabalhar em conjunto, como diz o (autor israelense) Yuval Harari.
Mas aqui no Brasil a coisa está muito dividida, não acha?
O debate hoje é assim: A apontando para B, cada um com retórica pior que a do outro. Há um rito democrático que vem sendo perdido e temos de resolver isso conversando. Nós, no grupo Unidos pela Vacina, não discutimos política. Somos um conjunto de empresários e grupos privados que quer discutir e achar a solução. Como, onde e quando fazer a vacina chegar a todos os brasileiros e logo. A meu ver, as redes sociais fazem um papel horroroso. E as pessoas acham que likes e comentários horríveis são uma vida política. Não são!
Qual a sua mensagem final, resumindo a sua visão disso tudo?
Precisamos achar um caminho democrático, de cortesia. O que é a democracia? É concordar em discordar. É que, neste momento do mundo, a melhor maneira de pensar em si é pensar em todos. Adoro as pessoas, sejam iguais a mim ou não, o importante é que pensem.
Nizan Guanaes é baiano de Salvador. Publicitário e consultor de empresas no N Ideias. Ex-sócio do Grupo ABC, integra o Grupo Unidos pelas Vacina e Participa do Clinton Global Iniciative.
Sonia Racy, O Estado de São Paulo, em 10 de março de 2021
Nenhum comentário:
Postar um comentário