sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

Ameaça à democracia será contínua nos próximos 2 anos

Mesmo que por vezes faça recuo táticos, como aliar-se ao Centrão, Bolsonaro nunca abandonou o objetivo final de quebrar o contrato democrático instaurado pela Constituição de 1988. Adverte Fernando Luiz Abrucio, cientista político, neste artigo publicado hoje pelo O Estado de São Paulo.

Anteontem foi o dia da vergonha para a democracia americana. Trump tentou dar o primeiro golpe de Estado da história dos Estados Unidos, mas, felizmente, fracassou. Ninguém pode dizer que o assalto ao Capitólio foi inesperado. O trumpismo buscou solapar as instituições democráticas desde sua campanha eleitoral de 2016. A estratégia populista e autocrática foi reproduzida durante quatro anos, sem que tivesse havido uma reação à altura do sistema político. Parece que se caminha para um “happy end”, porém, o custo foi muito alto, e o Brasil precisa aprender com essa experiência.

Bolsonaro idolatra Trump e procura imitá-lo, embora pareça ser ainda mais irresponsável e autoritário, como mostram o descaso com as vacinas e seus elogios à tortura realizada no regime militar. Ou seja, o presidente brasileiro potencializa o que há de pior no seu ídolo, algo que tem um efeito terrível para um país com democracia mais recente e com um desenvolvimento econômico e social bem menor. 

O presidente da República, Jair Bolsonaro, no Palácio do Planalto, em Brasília Foto: Dida Sampaio / Estadão

Quando fala que o Brasil terá problemas semelhantes se não for adotado o voto impresso, Bolsonaro anuncia não apenas sua estratégia para 2022. Ele segue uma linha de atuação, adotada desde a eleição de 2018, de solapar continuamente as instituições democráticas, em nome de um populismo autoritário cujo objetivo é destruir a democracia e concentrar o poder em suas mãos. Mesmo que por vezes faça recuo táticos, como aliar-se ao Centrão após a prisão de Fabrício Queiroz, o presidente nunca abandonou o objetivo final de quebrar o contrato democrático instaurado pela Constituição de 1988.

Muitos apontam agora o risco que corremos em 2022. É preciso corrigir essa impressão: a ameaça antidemocrática tem sido cotidiana e será contínua nos próximos dois anos. O sistema político não tem respondido à altura porque as consequências já se fazem presentes num país à deriva, com desesperança na saúde, na economia, na educação e em termos de desigualdade social. Ou os democratas brasileiros reagem logo, ou em 2022, mesmo que Bolsonaro fracasse no golpe, o Brasil já estará em frangalhos. 

Fernando Luiz Abrucio, o autor deste artigo, é Doutor em Ciência Política pela USP e Professor da FGV/EASP. Publicado originalmente por O Estado de São Paulo, edição de 08.01.2021.

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