"O presidente alienou os militares em sua resposta divisiva aos protestos antirracismo."
Pesquisador Sênior do Brazil Institute do Woodrow Wilson International Center para Scholars, em Washington,DC, o Jornalista Paulo Sotero analisa em artigo para O Estado de São Paulo as repercussões para o Brasil de uma eventual, e provável, derrota de Donald Trump nas próximas eleições presidenciais.
A pandemia fez evaporar o argumento econômico – crescimento forte com baixo desemprego – da campanha à reeleição de Donald Trump. O Federal Reserve, o banco central dos EUA, projeta recuperação lenta e desemprego próximo de 10% em dezembro. Faltando quatro meses para as eleições, as sondagens sugerem vitória do candidato democrata, o ex-vice-presidente Joe Biden. Elas são apenas um dos dados negativos para Trump. Se a tendência se confirmar até o pleito de 3 de novembro, o atual ocupante da Casa Branca entrará para a História como o quarto presidente a não se reeleger na dúzia de pleitos realizados desde 1976.
Com 80% dos americanos a dizer nas pesquisas que o país está no rumo errado, as dissidências ganham espaço no Partido Republicano – antes solidamente aliado a Trump – e reforçam a percepção de que o personalíssimo populismo encarnado pelo empresário e ex-animador de programas de reality television tem data de validade próxima a expirar. Outros indícios estão nos detalhes de várias pesquisas, que mostram perdas significativas de apoio em dois segmentos, o das eleitoras brancas de certa idade e o dos muito ricos, que negaram votos à democrata Hillary Clinton em 2016 e garantiram o inesperado triunfo de Trump, por uma ínfima margem de menos de 80 mil votos no colégio eleitoral em três Estados, depois de perder por 3 milhões a eleição popular. Interessados acima de tudo em estabilidade e previsibilidade, qualidades opostas à aposta no caos que Trump alimenta com seus tuítes, esses dois grupos de eleitores migraram para Biden.
É evidente também a perda de espaço por Trump nos dois temas que dominam as preocupações dos eleitores: os efeitos da pandemia, que tornou evidente o despreparo e a incompetência do presidente para lidar com uma crise de saúde pública que já custou mais de 120 mil vidas e custará muitas mais e jogou o país na recessão, e a questão racial, que ganhou enorme espaço com a divulgação das imagens do linchamento do negro George Floyd, asfixiado na rua pela polícia de Minneapolis depois de ser preso e algemado.
A arrogante e incompetente reação de Trump aos protestos desencadeados pelo assassinato de Floyd fez aumentar a repulsa nacional causada pelo injustificado abuso da polícia e mobilizou contra o presidente outro grupo influente na opinião pública que tradicionalmente se abstém de participar da política: os militares. Nada menos que quatro ex-chefes do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, o atual ocupante do posto e mais de uma dúzia de ex-generais de quatro estrelas desassociaram-se da presepada que Trump montou no início de junho na praça em frente à Casa Branca empunhando uma Bíblia, depois de o lugar ter sido esvaziado com uso de gás lacrimogêneo contra os manifestantes.
O primeiro ministro da Defesa de Trump, o condecoradíssimo ex-general do Corpo de Fuzileiros Navais James Mattis, fez a crítica mais contundente à tentativa do presidente de militarizar a resposta aos protestos. “Donald Trump é o primeiro presidente da minha vida que não tenta unir o povo americano – e nem sequer pretende tentar”, escreveu Mattis. “Estamos assistindo às consequências de três anos desse esforço deliberado”, continuou ele, conclamando os americanos a se unirem “sem ele, captando energia” da sociedade civil e recusando tentativas de criar uma divisão artificial entre militares e civis.
A tendência de rejeição a Trump é reforçada por projeções que apontam a manutenção de folgada maioria dos democratas na Câmara dos Representantes e uma possível mudança do mando no Senado, hoje sob controle dos republicanos por uma margem de três em cem cadeiras.
A se confirmarem, as implicações do atual panorama eleitoral são obviamente negativas para o governo Bolsonaro, que julga ter em Trump um aliado ao quem devota uma lealdade capacha, não correspondida. Diante disso, o que esperar de um governo Biden? Membros da assessoria internacional do candidato democrata mal disfarçam sua repulsa ao presidente brasileiro e ao que ele representa em dois temas, nos quais o País se isolou de seus aliados tradicionais nas democracias da Europa e das Américas: 1) democracia e direitos humanos e 2) preservação da Amazônia e política climática. A postura americana ficou visível na carta que a maioria democrata da Comissão de Orçamento da Câmara dirigiu recentemente à Casa Branca fechando a porta a acordos comerciais com o Brasil.
Eleito Biden, a postura da Casa Branca certamente será moderada pelos interesses políticos e econômicos dos EUA, que incluem a preocupação de não alienar o Brasil na disputa pelo poder global que Washington trava com Pequim. Na prática, isso significa privilegiar relações com governos estaduais, entidades cívicas, associações empresariais, universidades e as relações entre empresas, especialmente nas áreas de saúde, educação e tecnologia. Mas o Brasil ficará no fim da fila enquanto Bolsonaro estiver no Planalto.
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