sexta-feira, 24 de abril de 2020

Carlos Jereissati Filho: A hora é de generosidade

Se cada um fizer um pouco, tudo vai dar certo e seremos um país melhor depois da crise. É tempo de mostrar se, de fato, estamos evoluindo como sociedade


PORTAS FECHADAS - Shopping Iguatemi, em São Paulo: o grupo adiou a cobrança de aluguel de cerca de 3 000 lojistas Kaio Lakaio/VEJA

O impacto do coronavírus no setor de varejo brasileiro criou uma situação inédita. Nunca se viu nada parecido com este estado de emergência sanitária. Para mim ficou clara a importância de pensarmos em soluções, juntos, com generosidade e maturidade. Para que uma parcela relevante da população não fique completamente sem assistência, todos terão de ceder, mesmo que um pouco, para construir um caminho viável. Nesta hora é que vamos ter, mais do que nunca, de mostrar se de fato estamos evoluindo como sociedade e pôr o interesse coletivo à frente do interesse pessoal.

Há anos tenho a preocupação de destacar que precisamos olhar mais para o coletivo. Costumo dizer que é mais importante a qualidade da rua diante da nossa casa que o jardim que fica dentro dos nossos muros. Se todo mundo fizer a sua parte agora, as perdas no futuro serão menores. A emergência sanitária que enfrentamos vai mostrar de verdade quem nós efetivamente somos, com o empoderamento do cidadão e a valorização do coletivo. Temos tudo para crescer como nação. Jamais esta geração vivenciou uma sensação tão extrema de vulnerabilidade e finitude.

É inspirador o vídeo que circula nas redes sociais com Melinda Gates (da Fundação Bill e Melinda Gates) no qual ela, lavando as mãos, ressalta três pontos fundamentais: o respeito à ciência, o cuidado que devemos ter com os mais vulneráveis e a necessidade de dedicar tempo a nós mesmos e àqueles que amamos. Essa perspectiva de união deixa claro que é falsa a dicotomia entre saúde e economia. É equivocado ver as duas separadas, pois elas caminham juntas. Uma é responsável pelo conhecimento para combater a pandemia da Covid-19. A outra fornece os recursos de que precisamos para sobreviver. Acredito que, ao seguirmos as orientações da ciência e dos especialistas e nos unirmos para minimizar impactos econômicos, vamos sair desta ainda mais fortes e preparados, e, o mais importante, com outra visão do mundo e de nós mesmos. A verdade é que cada um de nós é uma peça em uma estrutura muito maior e totalmente interconectada. Temos de avançar como povo, como sociedade. A beleza do nosso mundo é a capacidade que temos de poder fazer algo de bom nesta vida.

No meu ramo empresarial, estamos passando por uma situação sem precedentes, pois a livre movimentação de pessoas e mercadorias está seriamente limitada — como deve ser. Estamos todos torcendo para que a crise seja curta, mas sabemos que ela será profunda. Quando o comércio reabrir, os consumidores ainda poderão ter receio de circular imediatamente, o que é natural. Segundo dados do Instituto FSB Pesquisa, mais de 60% da população tem contato com pessoas com mais de 60 anos, que fazem parte do principal grupo de risco. E o que venho sentindo nas minhas conversas (realizadas no universo virtual, que a pandemia nos levou a adotar) é que as pessoas estão totalmente comprometidas com o combate a esse mal, redobrando e triplicando os cuidados. Mesmo assim, a perspectiva é que a retomada da economia seja lenta.

Por esse motivo, as pessoas precisam de dinheiro na mão agora. O Bolsa Família mostrou que é possível garantir renda a milhões de brasileiros. Dessa forma, é muito bem-vinda a decisão do governo federal de implementar um voucher de 600 reais destinado aos trabalhadores informais. Ele também ajuda a assegurar o nível de renda de trabalhadores formais das micro e pequenas empresas, a chamada MP dos Salários. O que for possível fazer para garantir renda e emprego deve ser feito. Vivemos em um momento em que é melhor pecar pelo excesso que pela omissão. É hora de permitir que a roda continue a girar para as pessoas e para as empresas.

“Jamais esta geração vivenciou uma sensação tão extrema de vulnerabilidade”

Neste momento único, nós e outras administradoras do setor de shoppings estamos unidos em parcerias maduras e amplas com os lojistas. No caso do grupo Iguatemi, buscamos uma vasta desoneração dos três principais custos que incidem sobre esses negócios. Em primeiro lugar, adiamos a cobrança do aluguel de março de todos os cerca de 3 000 lojistas de nossos dezesseis empreendimentos. Concedemos ainda descontos de até 100% no chamado fundo de promoção. E reduzimos significativamente as taxas de condomínio.

Além disso, os estacionamentos dos shoppings têm sido disponibilizados para a vacinação contra a gripe. Orga­nizamos pontos de doação de água e de produtos de higiene à população em situação de risco, que está mais exposta a esta pandemia. Participamos de campanhas para contribuir para a aquisição de equipamentos por instituições públicas de saúde. E firmamos uma parceria entre nosso marketplace Iguatemi 365 e a União SP para que os clientes possam doar, de forma bastante simples, cestas básicas à população ameaçada pela Covid-19.

Mas, como a crise suprimiu quase por completo a receita das companhias, é importante que a sociedade se una em um esforço coletivo para que sejam suspensas, de forma momentânea, muitas das despesas relacionadas a impostos federais, estaduais e municipais. Não se trata de um pedido de isenção, mas sim de que esses gastos possam ser transferidos para o futuro.

Ninguém é responsável por esta crise. Ela não teve origem na má gestão dos meus negócios ou dos lojistas, que faço questão de chamar de meus parceiros — e muitos de meus amigos. Esta é uma situação emergencial totalmente exógena, que nos forçou a interromper os negócios. Precisamos então garantir renda e emprego a todos os que estão sendo, de algum modo, ameaçados pela pandemia.

Apesar de uma crise tão aguda, que obviamente tira cada um de nós da zona de conforto, é essencial lembrar que há boas histórias para contar. Temos lojistas que ainda estão operando, mesmo com as portas fechadas. Como somente o contato direto com o público foi limitado ou proibido, a criatividade do povo brasileiro está a todo o vapor. As pessoas vêm encontrando maneiras de celebrar datas importantes e ainda estão comprando produtos para suprir suas necessidades diárias em suas residências.

É impressionante a capacidade que a gente tem de se reinventar e aprender. Temos uma população altamente resiliente, que enfrentou diversas crises ao longo dos anos. Após cada uma delas, sempre mudamos para melhor. O Brasil é hoje, com todas as suas mazelas, um país muito mais maduro que aquele de cinquenta anos atrás. E com certeza no futuro vamos todos olhar à nossa volta e perceber, com imenso orgulho, que foi a força de milhões de brasileiros unidos que permitiu superar mais uma crise. A hora é de descobrir a generosidade em cada um de nós. Vamos superar mais esta.

* Carlos Jereissati Filho é presidente da Iguatemi Empresa de Shopping Centers, fundada em 1979, que conta com dezesseis shoppings e outlets no país

Publicado em VEJA de 29 de abril de 2020, edição nº 2684

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