quinta-feira, 16 de abril de 2020

Ao deixar ministério com 76% de aprovação, Mandetta alerta: 'ciência é a luz, apostem suas energias através da ciência'

Ministro foi aplaudido de pé na chegada ao auditório no Ministerio da Saúde; clima de tensão já se arrastava há algumas semanas devido a divergências

O ministro Luiz Henrique Mandetta anuncia a sua demissão Foto: EVARISTO SA / AFP

O ministro Luiz Henrique Mandetta anuncia a sua demissão Foto: EVARISTO SA / AFP
Após ser demitido nesta quinta-feira, o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta convocou aos servidores do ministério para que façam uma defesa intransigente "da vida, do SUS e da Ciência". 
Com 76% de aprovação segundo pesquisa Datafolha do início de abril, o ex-ministro afirmou que "a ciência é a luz, o iluminismo", e  pediu a todos que "apostem suas energias através da ciência'. 
Mandetta foi aplaudido de pé ao chegar ao auditório do Ministério da Saúde para sua última entrevista coletiva como ministro, após reunião com o presidente Jair Bolsonaro, no Palácio do Planalto.
O clima de tensão entre Mandetta e  Bolsonaro já se arrastava há algumas semanas devido a divergências na condução da crise causada pelo novo coronavírus. O presidente falou reiteradamente sobre o desejo de afrouxar as medidas de distanciamento  e retomar a circulação de pessoas para não prejudicar a economia, o que contraria a orientação da Organização Mundial da Saúde seguida por diversos países. Nos bastidores, comentava-se amplamente sobre o descontentamento de Bolsonaro com o protagonismo do ministro à frente do combate à pandemia.

— Esse problema é insignificante, nada tem significado que não seja uma defesa intransigente da vida, do SUS e da ciência. Fiquem nos três pilares que deles vocês conquistarão tudo, esses pilares alimentam a verdade. A ciência é a luz, o iluminismo, apostem suas energias através da ciência. Não tenham uma visão única, não pensem dentro da caixinha — disse o ministro.

RELEMBRE A TRAJETÓRIA DE LUIZ HENRIQUE MANDETTA, DE DEPUTADO A MINISTRO DA SAÚDE

Após um ano e quatro meses no cargo, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM) foi exonerado pelo presidente Jair Bolsonaro Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERS 14/04/2020
Após um ano e quatro meses no cargo, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM) foi exonerado pelo presidente Jair Bolsonaro.

As diferenças entre o ministro e o presidente ficaram claras desde o início das ações do governo para o combate da pandemia. Enquanto Mandetta defende o isolamento social, orientação da OMS seguida por vários países, Bolsonaro dizia que a economia não podia parar e chegou a chamar a covid-19 de gripezinha.

Mandetta usou máscara de proteção na primeira coletiva no Palácio do Planalto. A entrevista ocorreu três dias depois de o presidente Jair Bolsonaro furar orientação de quarentena devido à suspeita de corovavírus, após viagem aos EUA, e cumprimentar eleitores.

A gota dágua para a demissão do ministro foi a entrevista dele ao "Fantástico", quando disse que a população não sabe se segue o presidente ou o ministro em relação às orientações de distanciamento social.

Na entrevista ao Fantático, Mandetta também criticou pessoas que vão a locais públicos, citando "padaria" e "supermercado",  e que ficam "grudadas", classificando de "equivocado" tal comportamento. Dias antes, o presidente havia visitado uma padaria em Brasília.

A visita ao hospital de campanha em Águas Lindas, Goiás, também mostrou o distanciamento do ministro com o presidente. Mandetta saiu do evento com o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), que rompeu politicamente com Bolsonaro.

Segundo pesquisa Datafolha do início de abril, a aprovação da atuação de Mandetta à frente do Ministério da Saúde é mais do que o dobro da de Bolsonaro. Enquanto o ex-ministro tem 76% de aprovação, o presidente tem 33%

Desde janeiro, Mandetta também aumentou a popularidade nas redes sociais, onde ganhou quase 1 milhão de seguidores novos.

Ex-presidente da Unimed de Campo Grande, no Mato Grosso, Mandetta deixou o paletó de lado e adotou o colete do Sistema Único de Saúde (SUS) como uniforme de trabalho, durante a operação de combate à pandemia.

No governo, Mandetta foi entusiasta do "Método Wolbachia”, de combate ao mosquito Aedes aegypti. Wolbachia é uma bactéria, intorduzida nos mosquitos em laboratório, que reduz a capacidade dele transmitir a dengue, a zika e a chikungunya.

— A vida de uma pessoa na cracolândia tem o mesmo significado quando ela competir pelo leito de CTI com o homem mais rico desse país. Não pensem que não estamos livres de um pico de ascensão dessa doença. O sistema de saúde ainda não está preparado para uma marcha acelerada. Sigam orientações das pessoas mais próximas que estão em contato com a saúde, que são prefeitos, governadores e o próprio Ministério da Saúde.

Mandetta aconselhou os servidores a não terem "medo" e continuarem a trabalhar com afinco, lembrando que a "ciência" é responsável inclusive por mudanças de atitude:

— Prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo. Não tenham medo, não falem um milímetro diferente do que vocês sabem fazer. Deixo esse Ministério da Saúde com muita gratidão ao presidente por ter me nominado e permitido que eu nominasse cada um de vocês. Vocês sabem que ministros passam. O que fica é o trabalho do servidor do Ministério da Saúde do Brasil — disse Mandetta.

O ex-ministro disse ainda desejar uma transição "suave" nos trabalhos da pasta, e afirmou que fará orações para a equipe que ficará:

— Que essa transição seja suave, profícua, que tenhamos um bom resultado ao término disso tudo. Ficarei, nas minhas orações, sempre pensando no que de melhor de energia eu possa mandar para cada um de vocês — disse ele.

Ele disse que sua "última ordem" é que, caso sejam solicitados, que seus auxiliares ajudem a equipe que chegará.

— Se pedirem que vocês tenham que continuar, continuem. Façam o possível para ajudar. É a minha última ordem para vocês.

Conversa com Bolsonaro

Durante a coletiva, Mandetta afirmou que teve uma conversa "amistosa" com o presidente e classificou Bolsonaro como alguém "extremamente humanista".

Panelaço: Demissão de Mandetta provoca panelaço em bairros do Rio

 — Agradeço muito ao presidente. Foi uma conversa extremamente amistosa, agradável. A maneira como posso entregar agora a condução do ministério é melhor para que ele organize uma equipe que possa construir outro olhar e que isso possa ser feito com base na ciência. Sei do peso da responsabilidade dele. O presidente é extremamente humanista, ele pensa também nesse momento todo pós-corona. Tenho certeza que Jesus Cristo vai iluminá-lo e abençoá-lo para tomar as melhores decisões  — disse, agradecendo em seguida a atuação do Congresso Nacional.

Futuro

O ex-ministro falou também  sobre as mudanças que estão por vir no século XXI e, sem dar detalhes, falou que haverá uma "militância internacional" em saúde. De acordo com ele, o Brasil tem muito a ensinar para os países do mundo em termos de promoção ao direito à saúde.

— Eu também vou lutar no campo da saúde pública mundial, porque temos muito o que dizer para o mundo pelo fato de um país em desenvolvimento ter tido coragem de escrever na Constituição que saúde é um direito de todos e um dever do estado brasileiro. O mundo deveria escrever essa frase para ver se a gente tenha um pouco dignididade.

Antes de Mandetta aparecer na coletiva, uma servidora do ministério distribuiu máscaras aos funcionários do Ministério da Saúde e afirmou que "o ministro quer que todos coloquem máscaras".  A galeria lateral do auditório ficou repleta de servidores em apoio ao ex-ministro.

 — Lavoro, lavoro, lavoro. Vocês vão ficar com isso no ouvido de vocês por muitos anos — disse o ex-ministro ao chegar para a entrevista.

Ex-deputado federal, Mandetta assumiu o cargo de ministro da Saúde já no início do mandato do presidente Jair Bolsonaro, em janeiro de 2019. Médico ortopedista, durante sua atuação parlamentar fez forte oposição ao governo da presidente Dilma Rousseff e se posicionou contra políticas emblemáticas do governo PT, como o Mais Médicos. O então deputado votou a favor do impeachment da presidente.

Paula Ferreira / O GLOBO
16/04/2020 - 17:19 / Atualizado em 16/04/2020 - 19:15

Nenhum comentário: