- Agora que eu sou o
chefe maior até imagino que se soubessem o que eu sei sequer poderiam imaginar
que do muito que eu sei só me resta calar-me.
- Então, excelência,
por que resolveu nos dar a honra desta entrevista à TV Arara Vermelha com
retransmissão da CNN, BBC, Al Jazeera e emissoras de rádio de toda a Europa...
O chefe maior
interrompendo o repórter:
- A Rádio do Vaticano
também?
O repórter blefando:
- A Rádio do Vaticano
também. O Papa Francisco tem recebido pedidos para incluir o seu país na agenda
das próximas viagens.
- Já nos conhecemos.
Fomos apresentados pelo nosso Embaixador e até posamos numa foto para a
posteridade lá no Vaticano...
- Mas se o senhor não
vai nos falar do que sabe para nós outros aqui da imprensa que quase sempre nem
sabemos de nada...
- Por favor, moreno,
compreenda bem...
Olhar fixo na câmera
um, o entrevistador anuncia um breve intervalo para os comerciais. É o momento
de insistir.
- Vossa excelência
sabe que a segurança depende da confiança que a gente tem em si e nos outros.
- Não vou falar de
crise no sistema de segurança. Isso é parte da herança maldita.
- E o senhor não vai
perder tempo com o passado...
- Precisamos é ganhar
tempo e só se ganha tempo cuidando seriamente do futuro.
- Mas quando falei
que a segurança depende da confiança, trocando em miúdos, eu quis apenas lhe
garantir o sigilo da fonte e que, assim, vossa excelência poderá nos contar o
que sabe em “off”. Depois alguém do seu gabinete dá uma declaraçãozinha negando
tudo. Mas até isso acontecer já estaremos cobrindo os efeitos colaterais.
O chefe maior esboça
um sorriso. Passa a mão na cabeça ajeitando o penteado. Chama atenção a
simetria dos fios brancos dos cabelos um pouco acima das orelhas. Propõe.
- Retomaremos a
entrevista ao vivo falando sobre abobrinhas da economia ou sobre os dois
japoneses que o Estado Islâmico ameaça degolar se não receber dois milhões de
dólares como resgate?
- E o que senhor acha
disso?
- Sou um politico de
diálogo. Acho que pelo diálogo é possível encontrar solução para tudo.
- Menos para a morte
e para os impostos, como dizia Benjamim Franklin?
O produtor do
programa avisa que a entrevista vai recomeçar. Entrevistador e entrevistado se
entreolham como se um corisco de desconfiança mutua riscasse o ar no estúdio.
- Excelência, o preço
do barril do petróleo caiu pela metade. Não seria lógico que os preços da
gasolina e do diesel também caíssem pela metade?
- Isso é nos Estados
Unidos, meu camarada.
- Agora mudando um
pouco de pau pra cacete, quais as áreas no seu governo são mais cobiçadas pelos
políticos da sua base aliada, além da saúde e da educação?
- Na nossa base
aliada temos excelentes aliados. Confio muito na contribuição patriótica dos
operadores da nossa base aliada. Não sei de nenhum deputado que me tenha
indicado alguém para um cargo e que já o esteja aparelhando para o serviço de
futuras campanhas à respectiva repartição.
- Mas já sabe de um
que dividiu as tarefas ordenando assim à moça que ele indicou: você cuida das
teorias e eu dos pagamentos, das licitações, das nomeações... e a moça,
obediente, despacha esses assuntos em reuniões na casa do deputado.
Como se fosse um Mike
Tayson dos áureos tempos o chefe maior cerra os punhos que nem um artista do filme
“Adeus Camaradas” e encara o entrevistador transpirando indignação:
- Conosco não tem
esse negócio de toma lá, dá cá. Não tem, não!
A entrevista é
encerrada com uma vinheta musical tirada de Ari Barroso – “Isso aqui, iô, iô / é um pouquinho de Brasil iá, iá...”
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