quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Isto aqui, o que é?

- Agora que eu sou o chefe maior até imagino que se soubessem o que eu sei sequer poderiam imaginar que do muito que eu sei só me resta calar-me.
- Então, excelência, por que resolveu nos dar a honra desta entrevista à TV Arara Vermelha com retransmissão da CNN, BBC, Al Jazeera e emissoras de rádio de toda a Europa...
O chefe maior interrompendo o repórter:
- A Rádio do Vaticano também?
O repórter blefando:
- A Rádio do Vaticano também. O Papa Francisco tem recebido pedidos para incluir o seu país na agenda das próximas viagens.
- Já nos conhecemos. Fomos apresentados pelo nosso Embaixador e até posamos numa foto para a posteridade lá no Vaticano...
- Mas se o senhor não vai nos falar do que sabe para nós outros aqui da imprensa que quase sempre nem sabemos de nada...
- Por favor, moreno, compreenda bem...
Olhar fixo na câmera um, o entrevistador anuncia um breve intervalo para os comerciais. É o momento de insistir.
- Vossa excelência sabe que a segurança depende da confiança que a gente tem em si e nos outros.
- Não vou falar de crise no sistema de segurança. Isso é parte da herança maldita.
- E o senhor não vai perder tempo com o passado...
- Precisamos é ganhar tempo e só se ganha tempo cuidando seriamente do futuro.
- Mas quando falei que a segurança depende da confiança, trocando em miúdos, eu quis apenas lhe garantir o sigilo da fonte e que, assim, vossa excelência poderá nos contar o que sabe em “off”. Depois alguém do seu gabinete dá uma declaraçãozinha negando tudo. Mas até isso acontecer já estaremos cobrindo os efeitos colaterais.
O chefe maior esboça um sorriso. Passa a mão na cabeça ajeitando o penteado. Chama atenção a simetria dos fios brancos dos cabelos um pouco acima das orelhas. Propõe.
- Retomaremos a entrevista ao vivo falando sobre abobrinhas da economia ou sobre os dois japoneses que o Estado Islâmico ameaça degolar se não receber dois milhões de dólares como resgate?
- E o que senhor acha disso?
- Sou um politico de diálogo. Acho que pelo diálogo é possível encontrar solução para tudo.
- Menos para a morte e para os impostos, como dizia Benjamim Franklin?
O produtor do programa avisa que a entrevista vai recomeçar. Entrevistador e entrevistado se entreolham como se um corisco de desconfiança mutua riscasse o ar no estúdio.
- Excelência, o preço do barril do petróleo caiu pela metade. Não seria lógico que os preços da gasolina e do diesel também caíssem pela metade?
- Isso é nos Estados Unidos, meu camarada.
- Agora mudando um pouco de pau pra cacete, quais as áreas no seu governo são mais cobiçadas pelos políticos da sua base aliada, além da saúde e da educação?
- Na nossa base aliada temos excelentes aliados. Confio muito na contribuição patriótica dos operadores da nossa base aliada. Não sei de nenhum deputado que me tenha indicado alguém para um cargo e que já o esteja aparelhando para o serviço de futuras campanhas à respectiva repartição.
- Mas já sabe de um que dividiu as tarefas ordenando assim à moça que ele indicou: você cuida das teorias e eu dos pagamentos, das licitações, das nomeações... e a moça, obediente, despacha esses assuntos em reuniões na casa do deputado.
Como se fosse um Mike Tayson dos áureos tempos o chefe maior cerra os punhos que nem um artista do filme “Adeus Camaradas” e encara o entrevistador transpirando indignação:
- Conosco não tem esse negócio de toma lá, dá cá. Não tem, não!
A entrevista é encerrada com uma vinheta musical tirada de Ari Barroso – “Isso aqui, iô, iô / é um pouquinho de Brasil iá, iá...”


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