segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Uma Trincheira Enlutada

O Jornal Pequeno, hoje o segundo mais antigo no Maranhão e o único que em mais de 50 anos de existência não se rendeu às tentações do poder político dominante no Estado, hasteou bandeira a meio-pau, simbolizando luto pela morte de sua Diretora, a Jornalista Josilda Bogéa.

Ontem, domingo, Josilda internada num hospital em São Paulo emitia sinais de recuperação. Seu estado ainda era muito delicado, mas as esperanças reforçavam brilho no olhar de sua mãe, D. Hilda, e de seu irmão, o Lourival.

Estiveram conosco em nossa casa, aqui no Paraíso, nome do nosso bairro, em São Paulo, D. Hilda, Lourival e a Josilma, em visita a mim e a Euridice, eu ainda me recuperando de um acidente bobo do qual saí com dois dedos quebrados no pé esquerdo.

Almoçamos juntos, à noite nos falamos e as esperanças quanto a Josilda se mantinham verdes.

Sei sobre essa dor porque já passei por ela. Conheci a Josilda ainda menina. O Jornal Pequeno foi o meu primeiro emprego como jornalista quando eu tinha 14 ou15 anos de idade, em São Luis.

O texto a seguir é o editorial da proxima edição do Jornal Pequeno.

O luto, hoje, do Jornal Pequeno, é o luto de uma família partida ao meio, o luto de uma história inteira que dura mais de 50 anos e teve em Josilda Bogéa uma força quase inexplicável de dedicação, de trabalho e entrega pela manutenção deste órgão de imprensa que tantos desafios enfrentou nestes anos todos, vencendo um a um graças também e, talvez principalmente, a seu esforço poder de decisão e capacidade de enfrentar as intempéries.

Somos testemunhos, os funcionários dos órgãos das multidões, que mal sabia ser chefe, pois cultivava a amizade de todos e a todos tratava com carinho desmesurado e atenção. Era a amiga na busca de resolver os problemas pessoais de cada um e até de ocultar os defeitos ou fazer de contas que não os via. Sempre pronta a perdoar, Josilda Bogéa cativou durante todos estes anos amizades que não podem ser removidas com a morte.

Um espírito sensível fez com que se dedicasse também à literatura (É a fundadora do Guesa Errante e descobrisse na convivência com poetas escritores um caminho definitivo para Deus. Às vezes é lamentável que nada saibamos dos desígnios do todo-poderoso, dos motivos reais das decisões que toma sem nos consultar. Mas este é um momento de muita tristeza para todos aqueles que tiveram a chance de conhecê-la a marcar almas por onde passava.

Quase sempre a vimos alegre e sóbria, fazendo piadas sobre a vida e inventando um novo jeito de lutar por ela.

O Jornal Pequeno está de luto e não há mais onde doer. Ela, enquanto modificava o modelo de administração do Jornal Pequeno, enquanto introduzia novas técnicas e tentava adequar esse matutino aos tempos modernos, cuidava dos filhos, dos irmãos e todos os parentes e todos os funcionários com uma lógica que quase nunca admitia contestações.

Infelizmente, um dos males do novo milênio sobre os quais não temos nenhum poder, afastou de nós a moça que cresceu entre a graxa e o linotipo, a máquina de datilografia quebrada e as ilusões de uma geração que um dia achou que seria capaz de mudar o mundo até que a era dos computadores mudasse toda a lógica das relações humanas.

Diferente de jornalistas, mais do que com a notícia ela parecia preocupada com suas causas e efeitos, porque como a maioria de nós viu o mundo ficar frio, impiedoso e sem paz. E essa moça que ainda gostava de poesia, um raro ser nos dias tumultuados e violentos que vivemos, dedicou cada gota de seu suor para que o Jornal Pequeno, uma gigantesca idéia de seu pai, sobrevivesse a todos os ataques e todas as injustiças, sem que nunca fosse preciso atrasar os salários de um único funcionário.

Por incrível que pareça, em meio a toda essa engrenagem de ceticismo e racionalidade, o Jornal Pequeno ainda pagava poetas para escrever. Porque ela achava justo e queria que fosse assim.

O adeus a Josilda deve ser antes de tudo histórico. Suas emoções estarão guardadas junto às almas de seus familiares e amigos. Não estamos no direito de achar que ela morreu. Quem cativa corações é eterno, quem tem o dom de amar seus semelhantes está além do que conseguimos compreender como vida.

Vida, vida de verdade é isso: viver e ser imortal dentro das outras pessoas.

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