quinta-feira, 9 de julho de 2020

Ex-mulher de Bolsonaro presta depoimento nesta quinta em investigação contra Carlos

Ana Cristina Siqueira Valle é apontada como possível 'fantasma' no gabinete do vereador entre 2001 e 2008

Ana Cristina Siqueira Valle, ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro, prestará depoimento nesta quinta-feira ao Ministério Público do Rio. O interrogatório se dá no âmbito da investigação contra o filho ‘02’ do mandatário, o vereador carioca Carlos Bolsonaro, que é suspeito de empregar funcionários fantasmas e de praticar ‘rachadinha’ na Câmara Municipal. Ana Cristina, que não é mãe dele, é uma das que teriam sido empregadas sem de fato trabalhar para o gabinete.

 Ana Cristina Valle

A advogada Ana Cristina Valle, ex-mulher do candidato Jair Bolsonaro, em sua casa em Resende, no interior do Estado Foto: Fabio Motta/Estadão

O depoimento será por videoconferência. A ex-mulher do presidente vive em Resende, no Sul fluminense, cidade em que também moram outros parentes dela acusados de participarem do esquema. Ao Estadão, a defesa de Ana Cristina confirmou a existência do depoimento, noticiado pelo jornal O Globo, mas não disse o horário em que será dado.

Hoje assessora na Câmara de Resende, Ana Cristina ficou de 2001 a 2008 lotada no gabinete de Carlos. Mesmo morando em outro município, outros parentes do então deputado Bolsonaro também ganharam empregos na Câmara do Rio, o que passou a ser considerado nepotismo pelo Supremo Tribunal Federal apenas em 2008.

A investigação contra Carlos começou em julho do ano passado, um ano depois do processo contra o filho ‘01’ do presidente, Flávio, ser aberto. Era, até este mês, tocada por um grupo ligado à Procuradoria-Geral de Justiça, por causa do foro especial. Agora, contudo, com base em decisão recente do STF sobre a ausência de foro para vereadores, o caso desceu para a primeira instância do MP.

Na atual etapa do processo, os depoimentos não são obrigatórios. Os outros familiares de Ana Cristina, por exemplo, não falaram aos investigadores.
     
Caio Sartori, O Estado de S.Paulo
09 de julho de 2020 | 11h48

O que se sabe sobre a derrubada de páginas ligadas a bolsonaristas no Facebook

'A atividade (da rede) incluiu a criação de pessoas fictícias fingindo ser repórteres, publicação de conteúdo e gerenciamento de Páginas fingindo ser veículos de notícias', comunicou o Facebook sobre retirada de páginas

O Facebook tirou do ar na tarde desta quarta-feira (08) uma rede de perfis, páginas e grupos ligados a partidários do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido). Segundo a empresa, a rede estaria sendo usada para espalhar conteúdo falso.

Entre os operadores da rede estariam servidores dos gabinetes dos filhos do presidente: o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ). O assessor especial da Presidência da República, Tércio Arnaud, também estaria ligado a algumas das páginas removidas.

Em comunicado, a empresa disse que foram removidos 35 perfis, 14 páginas e um grupo no Facebook. Também foram removidas 38 contas no Instagram, outra rede social pertencente ao grupo. Segundo o Facebook, a rede de páginas usava uma "combinação de contas duplicadas e contas falsas" para burlar as regras de uso da empresa.

"A atividade (da rede) incluiu a criação de pessoas fictícias fingindo ser repórteres, publicação de conteúdo e gerenciamento de páginas fingindo ser veículos de notícias. Os conteúdos publicados eram sobre notícias e eventos locais, incluindo política e eleições, memes políticos, críticas à oposição política, organizações de mídia e jornalistas, e mais recentemente sobre a pandemia do coronavírus", diz o comunicado do Facebook.

A empresa também disse que os responsáveis estavam ligados ao Partido Social Liberal (PSL), antigo partido de Jair Bolsonaro; e também a funcionários dos gabinetes dos deputados estaduais fluminenses Anderson Moraes (PSL) e Alana Passos (PSL), além de Eduardo, Flávio e do presidente da República.

Segundo a rede social americana, as páginas derrubadas eram seguidas por 883 mil pessoas no Facebook, e por 917 mil no Instagram. Cerca de US$ 1,5 mil (R$ 8 mil) foram gastos para promover as páginas que integravam a rede de desinformação.

Em nota, Flávio Bolsonaro disse que os perfis são "livres e independentes", fruto do apoio espontâneo ao governo.

"O governo Bolsonaro foi eleito com forte apoio popular nas ruas e nas redes sociais e, por isso, é possível encontrar milhares de perfis de apoio. Até onde se sabe, todos eles são livres e independentes", disse o senador.

"Pelo relatório do Facebook, é impossível avaliar que tipo de perfil foi banido e se a plataforma ultrapassou ou não os limites da censura", prossegue a nota de Flávio Bolsonaro. "Julgamentos que não permitem o contraditório e a ampla defesa não condizem com a nossa democracia, são armas que podem destruir reputações e vidas".

O PSL também publicou nota. A agremiação disse que as contas suspensas nada tinham a ver com a sigla. Estavam relacionadas a assessores de deputados do partido, sendo de responsabilidade individual dos parlamentares. Os políticos "na prática, já se afastaram do PSL há alguns meses com a intenção de criar um outro partido", disse a legenda.

A BBC News Brasil também procurou a Secretaria de Comunicação da Presidência da República e o gabinete de Eduardo Bolsonaro, e atualizará a reportagem se houver resposta.

Entre os operadores de rede de conteúdo falso estavam servidores dos gabinetes de Eduardo Bolsonaro (PSL-SP; na foto, à esquerda) e Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ)

Luiza Bandeira é pesquisadora do Atlantic Council, um centro de estudos que mantém parcerias com o Facebook e que foi em parte responsável pela investigação. Ela disse ter encontrado ligações das páginas derrubadas com assessores de Jair Bolsonaro e seus filhos, via Tércio Arnaud, assessor do presidente e, segundo ela, ex-assessor de outro filho dele, Carlos Bolsonaro.

Bandeira afirma também ter encontrado conexões da rede derrubada com os deputados estaduais do PSL no Rio.

"A ligação que eu estabeleci (das páginas) foi com o Jair (Bolsonaro), pelo Tércio Arnaud, que é um assessor dele (...). Tércio foi assessor, antes, do Carlos Bolsonaro. O Eduardo Bolsonaro tem um assessor ligado a rede também, o Paulo Chuchu, de São Bernardo do Campo", diz ela.

"A Alana Passos costumava empregar o (militante) Leonardo Bolsonéas, cuja conta também foi retirada. Ele era assessor dela até pouco tempo. E o Anderson Moraes empregava no gabinete dele a namorada do Leonardo Bolsonéas, a Vanessa Navarro."

Os dados usados na pesquisa são públicos, acrescenta Bandeira. Só o próprio Facebook tem acesso ao código-fonte da rede social.

"A gente trabalha com open source, com dados abertos. Olhamos os registros dessas contas. Então no caso do Tércio Arnaud (...), a página de Instagram chamada 'Bolsonaro News' estava registrada em nome dele. Estava registrada com (a conta de) e-mail do Gmail dele. Então, está claramente vinculada a ele", diz.

Tércio Arnaud se aproximou de Jair Bolsonaro ainda durante a campanha eleitoral de 2018 e trabalha no Palácio do Planalto desde o começo do governo. Hoje, ocupa o cargo de assessor especial da Presidência da República e despacha no 3º Andar do Palácio do Planalto.

"No caso do Bolsonéas, ele é aberto sobre a conta ser dele. Mas, por exemplo, essa rede usava pelo menos duas páginas que diziam que eram jornais e eram, na verdade, sites superpartidários. Uma delas, chamada Jogo Político, foi registrado pelo Leonardo Rodrigues, o Leonardo Bolsonéas", explica Bandeira.

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Em nota, Alana Passos disse que não foi notificada pelo Facebook sobre nenhuma irregularidade ou violação de regras em suas próprias contas.

"Quanto a perfis de pessoas que trabalharam no meu gabinete, não posso responder pelo conteúdo publicado. Nenhum funcionário teve a rede bloqueada por qualquer suposta irregularidade. Estou à disposição para prestar qualquer esclarecimento, pois nunca orientei sobre criação de perfil falso e nunca incentivei a disseminação de discursos de ódio", disse ela.

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O outro deputado estadual do PSL mencionado, Anderson Moraes, argumentou de forma parecida. Seu próprio perfil, verificado, não sofreu bloqueio ou algo do tipo.

"Mas excluíram a conta de uma pessoa que trabalha no gabinete, uma pessoa com perfil real, não é falsa. A remoção da conta foi absurda e arbitrária, porque postava de acordo com ideologia e aquilo que acreditava", disse, em nota.

"O Facebook em nenhum momento apontou o que estava em desacordo com as regras. (Por) Qual motivo excluíram? Falam em disseminação de ódio, mas será que também vão deletar perfis de quem desejou a morte do presidente?", questionou.

Redes derrubadas em outros países

No comunicado da tarde desta quarta, o Facebook também disse ter retirado do ar outras três redes de desinformação em outros países.

Foram removidas, por exemplo, 72 contas e 35 páginas de Facebook na Ucrânia, voltadas para a política local. Outras 13 páginas de Instagram daquele país também foram tiradas do ar. A rede, diz o Facebook, foi particularmente ativa durante as eleições ucranianas de 2019.

Uma das maiores derrubadas de páginas aconteceu na terra natal do Facebook, os Estados Unidos. Foram 54 perfis e 50 páginas de Facebook derrubadas, e mais 4 páginas do Instagram. No caso dos EUA, a rede parecia estar desativada: foi usada principalmente no período de 2015 e 2016. A rede costumava publicar conteúdos sobre o operador político republicano Roger Stone.

Na América Latina, a "limpa" do Facebook encontrou páginas gerenciadas no exterior cujo alvo parecia ser influenciar a política interna de países do subcontinente.

Foram retirados 41 perfis e 77 páginas de Facebook, e 56 contas de Instagram. A rede era gerenciada a partir do Canadá e do Equador, mas tinha como alvo países como El Salvador, Argentina, Uruguai, Venezuela, Equador e Chile.

Publicado originalmente pela BBC News

Brasil atingirá 2 milhões de casos de coronavírus já na semana que vem, aponta projeção

A marca simbólica deve ser alcançada entre a próxima terça (14) e quarta-feira (15), uma semana depois de o presidente Jair Bolsonaro ter anunciado que contraiu o vírus e menos de um mês depois de o país ter registrado 1 milhão de casos.

Mapa do Brasil

O Brasil vai atingir 2 milhões de casos confirmados de coronavírus já na semana que vem, com as mortes por covid-19 chegando a 80 mil, indica uma projeção feita a pedido da BBC News Brasil pelo Laboratório de Inteligência em Saúde (LIS) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, ligado à Universidade de São Paulo (USP).

Caso as previsões se confirmem, o Brasil chegaria ao patamar de 2 milhões de casos apenas 25 dias depois de atingir 1 milhão de casos, ou seja, quase cinco vezes mais rápido do que os 114 dias que demorou para atingir a primeira marca, no último dia 19 de junho.

O primeiro registro do coronavírus no país aconteceu em 26 de fevereiro.

Até a quarta-feira (8), segundo dados do Ministério da Saúde, o Brasil tinha cerca de 1,7 milhão de casos confirmados de covid-19 e 68 mil mortes.

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Esgoto

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Mas Domingos Alves, responsável pelo LIS, alerta que os números podem mudar "drasticamente", com a reabertura do comércio em vários Estados brasileiros.

"Pode ser que essa marca acabe sendo atingida mais rápido do que inicialmente previmos", diz ele à BBC News Brasil.

Combinação de fatores acelerou a expansão dos casos de coronavírus no último mês
Segundo Alves, uma combinação de fatores acelerou a expansão dos casos de coronavírus no último mês.

A decisão pela reabertura da economia a partir de início de junho, apesar de o Brasil não ter atingido o pico, é o principal deles, em sua visão, por "razões eleitoreiras".

"O Brasil é um dos poucos países do mundo que decidiu pelo relaxamento das medidas de isolamento social enquanto o número de casos e óbitos ainda cresce fora do padrão", diz ele.

"O que balizou essa decisão em vários países europeus foi uma queda substancial do número de casos, óbitos e internações, seguindo o padrão da Organização Mundial da Saúde (OMS). Esses três indicadores têm que cair por três semanas consecutivas para só então um país flexibilizar as regras. E não foi isso que fizemos. Governadores e prefeitos fizeram essa opção por razões eleitoreiras", acrescenta.

Em outro desdobramento, o presidente Jair Bolsonaro ampliou, na segunda-feira (6), os vetos à obrigatoriedade do uso de máscaras. O item de proteção deixa de ser obrigatório em presídios.

Na sexta-feira passada (3), Bolsonaro já havia vetado pontos do projeto de lei aprovado pelo Congresso no início de junho, entre eles a obrigatoriedade do uso de máscara em igrejas, comércios e escolas.

Estabelecimentos também não vão mais precisar instruir frequentadores sobre o uso correto do equipamento de proteção.

Estudos mostram que as máscaras podem reduzir substancialmente a transmissão do novo coronavírus.

Como resultado, a taxa de isolamento social no Brasil caiu para baixo de 40%, patamar semelhante ao registrado antes do fim de março, quando vários Estados brasileiros decretaram algum tipo de confinamento.

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Sem isolamento social

Ou seja, sem a adesão a essas medidas, não há como interromper o contágio, assinala Alves.

"Se olharmos a curva de aceleração do coronavírus no Brasil, ela permanece positiva, diferentemente da maioria dos países do mundo. Isso não quer dizer que nosso confinamento deu totalmente errado. Pelo contrário, salvamos muitas vidas. Mas ele deveria ter sido mais intenso e por mais tempo", assinala.

"Fizemos uma quarentena 'à brasileira'. Nossa estratégia foi de mitigar a doença e não eliminá-la. Ou seja, achatar a curva e não esmagá-la. Não rompemos a cadeia de transmissão com o intuito de deter a pandemia", completa.

Fato é que a taxa de transmissão, ou R0 (número básico de reprodução), sempre permaneceu alta no Brasil. O R0 indica para quantas pessoas, em média, cada infectado transmite o coronavírus. Quando está acima de 1, a doença está fora de controle e a infecção está se acelerando.

Dados da universidade Imperial College de Londres, no Reino Unido, atualizados nesta semana mostram que a taxa de transmissão efetiva da covid-19 no Brasil é de 1,11, a 23ª mais alta dos 56 países analisados com transmissão ativa do vírus.

Segundo o portal Covid-19 Analytics, da PUC-Rio, em nenhum momento desde o início da pandemia, essa taxa de transmissão esteve abaixo de 1 no Brasil, ou seja, a doença nunca foi realmente controlada.

'Na contramão do mundo'

Alves lembra que, diferentemente de outros países do mundo que conseguiram controlar a pandemia de covid-19, o Brasil não adotou estratégias importantes, como testagem em massa, isolamento dos doentes e rastreamento de seus contatos.

Um exemplo é o Vietnã. Com quase 100 milhões de habitantes e renda per capita inferior à um terço da brasileira, o país tomou tais medidas e, até agora, tem apenas 369 casos confirmados de covid-19 e nenhuma morte.

Especialistas também apontam que declarações negacionistas do presidente Jair Bolsonaro contribuíram para dar a falsa impressão aos brasileiros de que não havia motivos para se preocupar com a pandemia.

Um estudo recente de quatro pesquisadores da Universidade Federal do ABC (UFABC), da Fundação Getúlio Vargas e da Universidade de São Paulo mostrou que, em praticamente todas as ocasiões em que Bolsonaro minimizou a pandemia, a taxa de isolamento social no Brasil caiu.

Eles também observaram que mais pessoas morreram, proporcionalmente, nos municípios que mais votaram em Bolsonaro em 2018.

Jair Bolsonaro

Direito de imagem© ISAC NÓBREGA/EDITOR VV/AGÊNCIA BRASIL

Declarações negacionistas do presidente Jair Bolsonaro contribuíram para dar a falsa impressão aos brasileiros de que não havia motivos para se preocupar com a pandemia, dizem especialistas
Alves destaca ainda que os números oficiais estão longe da realidade. "Há muita subnotificação", destaca.

De acordo com suas estimativas, quando o Brasil atingir 2 milhões de casos confirmados, terá, na verdade, 12 milhões de casos, uma margem de erro de 500% em relação às estatísticas oficiais.

Já sobre as mortes, ele calcula que o número oficial representa apenas 60% do total.

Nesse caso, quando o país registrar oficialmente 80 mil óbitos na semana que vem, mais de 130 mil pessoas já terão morrido de covid-19.

Essas estimativas se baseiam na premissa de que não há testes suficientes feitos no Brasil para se determinar o número de infectados.

Assim, Alves e sua equipe usaram dados da Coreia do Sul — país com um dos melhores sistemas de exames de covid-19 do mundo — para calcular a taxa de mortalidade da doença, ou seja, a proporção das pessoas que morrem em relação ao total de doentes.

Assumindo que essa taxa de letalidade da doença seja fixa para todo o mundo — ou seja, que a covid-19 mata a mesma proporção de pessoas em todos os países —, eles calcularam o total de pessoas contaminadas com covid-19 no Brasil.

Alguns ajustes pontuais foram feitos, considerando diferenças nas pirâmides etárias dos dois países e tempo médio entre internação e óbito.

Foi usando essa "engenharia reversa" que eles concluíram que o Brasil pode estar com até seis vezes mais casos do que mostram as estatísticas oficiais.

Alves diz que seu maior temor agora é com a expansão da pandemia no interior do país.

"Meu maior temor agora é o aumento substancial no número de casos de covid-19 no interior do Brasil. Cidades como Manaus (AM) e Fortaleza (CE) parecem ter passado pelo pior da pandemia, mas a situação é crítica no interior desses Estados", diz.

"Os planos de relaxamento nunca tiveram a ver com saúde pública. Ao voltarmos à normalidade, estamos praticando um genocídio", conclui.

Luis Barrucho - @luisbarrucho
Da BBC News Brasil em Londres
Há 2 horas

quarta-feira, 8 de julho de 2020

O presidencialismo envenenado

Trata-se de um jogo de par ou ímpar entre a sociedade e seus Poderes cheios de dedos

Para Maquiavel, o governante encontra sempre razões legítimas para quebrar sua promessa. Para Lampedusa, quem propõe mudar tudo quer que tudo continue como está. Dois clássicos italianos sobre a incorrigível mania da política de agir acima da lei.

Não escrevo para escarnecer do governante que disse ser fácil implantar uma ditadura no País. Por que confia que a Justiça não encontre a má evidência do que disse? Não vejo lógica em tomar formicida para saber se mata. Melhor levar a sério.

Ninguém se torna o que não pode deixar de ser. A suavização combinada de desejos não extingue o princípio legal da não contradição.

Como todo mundo pode ser presidente pelo princípio da universalidade de direitos, basta partir para cima do eleitor. Espírito de aventura, esquema, capacidade, nada importa. Logo alguém da oligarquia presidencialista aplica no eleito a droga da governabilidade, o sapatinho apertado de cinderela oferecido pelo feudalismo brasileiro a todo vitorioso que chega ao poder. Com o despreparado é pior. Após a posse o governante se acha forte e arrebatador. Não é o primeiro, mas underground assim é insuperável.

Barulho ou silêncio são mobilizadores. O presidente se conecta ao sofrimento psicológico da população como o entende. A eleição presidencial anda impulsionando o enfraquecimento das pessoas como cidadãos. Atordoado pela propaganda política falsa e pela longa e real paralisia econômica, o indivíduo confinou sua alma no outro, e ali alienou sua esperança.

O método segregador, base do presidencialismo pragmático, popular e arregimentador, continua a dividir o País. Visa à dispersão de todos no individualismo dos direitos individuais exclusivos. Nascido da virtude das lutas sociais autônomas, passou a ser manipulado pelos governos. Serviu de atalho para alimentar o patinho feio do livre-arbítrio que sustenta a agenda atual. Porte de arma, codinome, não usar máscara, linguagem libidinal agressiva, informante confidencial, invadir hospital, diplomacia recalcada, justiceiros, fake news, abandono da saúde e da educação.

O governo usa o avesso da política de ação afirmativa para acabar com o diálogo, formar guetos para seu usufruto. Tabus estimulados por Poderes institucionais costumam ser o caos, fantasiados de liberdade.

No presidencialismo cada um desenvolve sua maneira de tocar a coisa. Quando o estilo esbarra num problema, procura logo disfarçar para calibrar a mágoa dos insatisfeitos. É regra do sistema secreto que nos governa agir como areia movediça. Espere no céu para saber quantos problemas são necessários para fazer do governante um problema.

Há um Brasil que não merece o Brasil onde se expressa um Estado falso permanente. De um lado, a humanidade da pessoa comum, de outro, a legalidade dos costumes feudais, o poder da oligarquia. A prevalência do segundo sobre o primeiro não deixa a substância da economia, da cultura e da ordem social sarar a cicatriz da repressão contra a modernidade, a criatividade e a paz. É a tutela da verdade, a falta de crédito da vida comum, a deseducação que paralisa a democracia.

O presidencialismo deve ser compreendido como psicologia aplicada ao comportamento da autoridade. O povo encena a peça do teatro do governante inapto, mas cheio de desejo, oportunidade e aliados de ocasião. A irracionalidade que é mandar sem saber amplia o caminho para o desregramento pessoal dentro do sistema. O que permite à minoria unida impor seu estilo e se expressar por meio da manipulação da maioria dispersa.

Tudo isso funcionou até aqui porque o fardo de empurrar o governo até o fim é a calma do povo. Este privilegiado cidadão é a vítima que assume a culpa pelo que as autoridades não fazem e o acusam de ser a origem de tudo. Não é certo acusar alguém de escolha errada se o candidato – indicado por partido e aprovado pela Justiça – atravessou na frente da urna fazendo o V com dois dedos, sorrindo sem pecado visível.

Já por qualquer slogan somos paralisados em crença errada. Continua o País escamoteando seu futuro, contido nos limites de um sujeito. O presidencialismo é a melhor forma de o governante autoritário contaminar quem o fiscaliza. E como diz o Talmud, se dois saem da mesma chaminé, os dois saem sujos.

Pobre cidadão desconectado, sobrevivente vulnerável da má higienização governamental. De repente fica sabendo que há um nível de decepção para a porca torcer o rabo e nele o sofrimento dos outros não conta. Enquanto o poder, inautêntico na falsa etiqueta, espera que cada um não cumpra seu dever. O eleitor pressente a impotência e o convite patológico para tolerar o agressor.

Assim é o presidencialismo. Não tendo nada que o prenda ao dia a dia das pessoas, o sistema político não exige do governante pudor e cautela. Antes consente nele toda imprudência no presente e negligência diante do futuro.

Não depende tanto de disposição do titular mudar as coisas. O presidencialismo que inventamos é dirigido por mau costume e desinteresse de limites. É um jogo de par ou ímpar entre a sociedade e seus Poderes cheios de dedos.

O autor deste artigo, Paulo Delgado, é sociólogo. Publicado originalmente em O Estado de S.Paulo
08 de julho de 2020 | 03h00

Vice-líder do governo Bolsonaro xinga Moraes: 'canalha, lixo'; vídeo repercute no STF e no Planalto

Otoni de Paula critica Moraes pela decisão que libertou o blogueiro Oswaldo Eustaquio, mas o proibiu de usar as redes sociais. Parlamentar é um dos alvos do inquérito das manifestações antidemocráticas. Informa Andreia Sadi, do G1 / O Globo

O deputado federal Otoni de Paula (PSC-RJ), pastor evangélico e um dos vice-líderes do governo Bolsonaro na Câmara, publicou um vídeo em suas redes sociais atacando e xingando o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. O parlamentar critica Moraes pela decisão que libertou o blogueiro Oswaldo Eustaquio, mas o proibiu de usar as redes sociais.

No vídeo, publicado em 6 de julho, Otoni chama Moraes de "lixo", "tirano" e "canalha", entre outros.

"Por isso é chamado de cabeça de ovo, porque respeito, Alexandre de Moraes, não se impõe, se conquista", diz trecho do video. "Você é um lixo, você é o esgoto do STF, a latrina da sociedade brasileira". O deputado também faz ameaças ao ministro do STF.

Alexandre de Moraes é o relator do inquérito que apura a divulgação de fake news e do que investiga financiamento de manifestações antidemocráticas. Otoni de Paula é um dos alvos do inquérito das manifestações antidemocráticas.

O vídeo chocou integrantes do STF e do próprio governo por ter sido publicado no momento em que o Planalto prega a mudança de tom de Bolsonaro com o STF. O Planalto está preocupado com o avanço de investigações na corte que atingem o próprio governo, aliados e familiares.

A avaliação nos bastidores da corte, compartilhada por ministros do governo que pregam a diminuição do tom de Bolsonaro nas agressões, é a de que se trata do vice-líder do governo, e, portanto, um cargo de confiança do presidente da República. Ao todo, são 14 vice-líderes escolhidos pelo presidente.

O blog apurou que, nas últimas semanas, o Planalto pediu a seus aliados que diminuam o tom contra o STF e vetou, por exemplo, o uso da tribuna na Câmara por aliados, com o tempo da liderança do governo, para fazer ataques ao STF. Mas aliados de Otoni argumentam, ao comentar o vídeo, que não têm como controlar as redes dos vice-líderes.

Ministros do STF, no entanto, repercutem o vídeo e avaliam que a manutenção de Otoni como um dos vice-líderes de Bolsonaro reflete a desconfiança de alguns: que a mudança de comportamento do governo em relação a ataques ao STF não é para valer.

Aliados do governo ouvidos pelos blog defendem que um dos caminhos seria tirar o vice-lider do governo do posto para reforçar as intenções de pacificação do governo com o STF, mas a ideia enfrenta resistências, até agora.

Bolsonaro sanciona, com vetos, projeto que prevê medidas para tentar proteger indígenas

Entre os trechos vetados estão os que preveem obrigação do governo em fornecer água potável, higiene, leitos hospitalares e facilidades ao acesso ao auxílio emergencial.

O presidente Jair Bolsonaro sancionou, com vetos, a lei com medidas de proteção a povos indígenas durante a pandemia do coronavírus.

O texto, publicado na madrugada desta quarta-feira (8) no "Diário Oficial da União (DOU)", determina que os povos indígenas, as comunidades quilombolas e demais povos tradicionais sejam considerados "grupos em situação de extrema vulnerabilidade" e, por isso, de alto risco para emergências de saúde pública.

Bolsonaro vetou vários trechos do projeto aprovado pelo Senado em 16 de junho e antes, pela Câmara dos Deputados, em 21 de maio.

Dentre os trechos vetados, estão os que preveem:

que o governo seja obrigado a fornecer aos povos indígenas “acesso a água potável” e “distribuição gratuita de materiais de higiene, limpeza e de desinfecção para as aldeias”;

que o governo execute ações para garantir aos povos indígenas e quilombolas “a oferta emergencial de leitos hospitalares e de terapia intensiva” e que a União seja obrigada a comprar “ventiladores e máquinas de oxigenação sanguínea”;

que o governo seja obrigado a liberar verba emergencial para a saúde indígena e para a União;
instalação de internet nas aldeias e distribuição de cestas básicas;

que o governo seja obrigado a facilitar aos indígenas e quilombolas o acesso ao auxílio emergencial.
Para justificar os vetos, o Executivo argumentou que o texto criava despesa obrigatória sem demonstrar o “respectivo impacto orçamentário e financeiro, o que seria inconstitucional”.

Segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o país somava 10,3 mil casos confirmados de coronavírus entre indígenas e 408 mortes no último dia 2. Os números são maiores que os contabilizados no dia anterior, 1º de julho, pela Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde: 6,8 mil casos e 158 mortes listadas no site da secretaria.

A Abip atribuiu a diferença ao fato de a Sesai não estar fazendo atendimento e registros dos indígenas infectados que moram em cidades. Um estudo da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel) revelou que a prevalência do novo coronavírus entre a população indígena urbana (5,4%) equivale a cinco vezes a encontrada na população branca (1,1%) (veja vídeo ao final da reportagem).

A organização não governamental Instituto Socioambiental, que atua em defesa de povos indígenas e comunidades tradicionais, criticou em rede social os vetos do presidente.

"No mesmo ritmo que a #Covid19 avança em aldeias e comunidades, se intensifica a omissão do governo com indígenas, quilombolas e populações tradicionais. Com vetos ao #PL1142, Bolsonaro nega, por exemplo, acesso à água potável e materiais de higiene", diz a mensagem.

Projeto original

O projeto ressalta que povos indígenas, comunidades quilombolas e povos tradicionais são "grupo em extrema situação de vulnerabilidade" e que, por isso, têm alto risco de contaminação.

O projeto cria o Plano Emergencial para Enfrentamento à Covid-19 nos Territórios Indígenas, coordenado pela União, para assegurar o acesso às ações e aos serviços de prevenção e tratamento da Covid-19. O plano previa:

acesso à água potável;

distribuição gratuita de materiais de higiene, limpeza e desinfecção para comunidades indígenas;
garantia de equipes multiprofissionais de saúde indígena, qualificadas e treinadas para enfrentamento da Covid-19, com disponibilização de local adequado para quarentena, bem como acesso a equipamentos de proteção individual (EPIs);

disponibilização de testes de identificação do vírus (rápidos e RT-PCRs), medicamentos e equipamentos médicos adequados para o combate ao Covid-19;

estrutura para o atendimento aos povos, como, por exemplo: oferta emergencial de leitos e ventiladores; acesso a ambulâncias para transporte fluvial, terrestre ou aéreo; construção emergencial de hospitais de campanha em municípios próximos a aldeias com maiores casos de contaminação pelo coronavírus;

distribuição de materiais informativos sobre sintomas da Covid-19;
pontos de internet nas aldeias para viabilizar acesso à informação;
garantia de financiamento e construção de casas de campanha para o isolamento de indígenas nas comunidades.

O plano determina, ainda, que nenhum atendimento da rede pública seja negado por falta de documentação ou outros motivos.

Pelo projeto, o atendimento aos indígenas que não vivem em comunidades ou aldeias deve ser feito por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), com as devidas adaptações na estrutura, "respeitando as especificidades culturais e sociais dos povos".

Povos isolados

O projeto também trata, especificamente, sobre povos indígenas isolados ou de recente contato "com o objetivo de resguardar seus direitos e evitar a propagação da Covid-19".

Pelo texto, "somente em caso de risco iminente e em caráter excepcional" será permitida a aproximação a estes grupos para prevenção e combate à pandemia. A aproximação deve ser feita por meio de um plano específico articulado pela União.

O projeto determina, ainda, que o governo federal elabore, no prazo de 10 dias, planos de contingência tanto para situações de contato em comunidades isoladas quanto para casos de surtos e epidemias em comunidades de recente contato.

A União também deve suspender atividades próximas às áreas de ocupação de índios isolados, desde que não sejam fundamentais para sobrevivência desses indígenas.

O texto ainda proíbe o ingresso de outras pessoas em áreas com a presença de indígenas isolados em caso de epidemia ou calamidade, desde que não sejam autorizadas pelas autoridades.

Alimentação

O projeto determina, ainda, a garantia da segurança alimentar e nutricional dos povos. A União deve distribuir diretamente às famílias indígenas, quilombolas e dos demais povos tradicionais, por meio de cestas básicas, sementes e ferramentas agrícolas.

Pelo texto, a distribuição e cestas básicas e outros produtos relacionados ao combate da Covid-19 devem ser preferencialmente realizados pelo poder público, com a participação das comunidades interessadas.

Além disso, cabe ao governo federal garantir suporte técnico e financeiro à produção e escoamento dos povos, por meio da aquisição alimentos em programas da agricultura familiar.

O texto também determina que os ministérios da Agricultura e da Cidadania, junto da Fundação Nacional do Índio (Funai) e da Fundação Cultural Palmares, crie um programa específico de crédito para povos indígenas e quilombolas para o Plano Safra 2020.

Quilombolas e demais povos tradicionais

Enquanto durar estado de calamidade pública, aprovado pelo Congresso (até 31 de dezembro), os quilombolas e demais povos tradicionais do país também têm direito ao plano emergencial estabelecido aos indígenas.

O texto prevê ações emergenciais de saúde, incluindo:

medidas de proteção territorial e sanitária, restringido o acesso às comunidades por pessoas estranhas, com exceção de missões religiosas que já estejam atuando no local e servidores públicos;
ampliação do apoio por profissionais de saúde e garantia de testagem rápida para casos suspeitos;
inserção, pelo Ministério da Saúde, do quesito raça/cor no registro dos casos da Covid-19, com notificação compulsória em casos confirmados entre quilombolas e sua "ampla e periódica e publicidade";
os recursos no atendimento dessas comunidades devem partir de dotações consignadas ao Ministério da Saúde e ao Ministério da Cidadania ou de fundo específico para o combate ao coronavírus.

Publicado originalmente por G1 / O Globo

Universidade inglesa prevê 8,2 mil mortes por covid no Brasil esta semana

Pesquisa do Imperial College de Londres prevê um aumento inédito de fatalidades nesta semana. 

País registrou 1.254 vidas perdidas por causa da covid-19 em 24 horas, totalizando 66.741 óbitos, além de um acréscimo de 45.305 novos casos

No dia em que o presidente da República, Jair Bolsonaro, confirmou estar infectado com a covid-19, o Brasil registrou mais 45.305 casos e 1.254 mortes pelo novo coronavírus. No total, são 1.668.589 diagnósticos positivos e 66.741 vidas perdidas. O balanço diário do Ministério da Saúde, por si só, mostra que o novo vírus não dá trégua ao Brasil, o que é reforçado por pesquisas que confirmam que o país ainda está longe do fim da pandemia. Pelas novas análises do Imperial College de Londres, o Brasil deve registrar mais 8,2 mil perdas esta semana. Com a margem de erro entre 7,5 mil e 8,6 mil mortes, caso a estimativa da pesquisa internacional se concretize, seria o maior acumulado de fatalidades do mundo e o mais alto já registrado no histórico da pandemia brasileira. Até ontem, a 28ª semana epidemiológica somava 2.476 mortes.
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O número crescente de registros diários no país também tem chamado a atenção de autoridades da saúde ao redor do mundo. Ontem, a diretora da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), Carissa Etienne, disse que as atualizações de casos da covid-19 do Brasil têm feito com que o país lidere e puxe a curva das Américas, considerada atualmente o epicentro da pandemia. “Dois meses atrás, os Estados Unidos representavam 75% dos casos em nossa região. Na semana passada, registraram menos da metade dos casos na região, enquanto a América Latina e o Caribe registraram mais de 50% dos casos. Sozinho, o Brasil foi responsável por cerca de um quarto deles”, afirmou em coletiva.

O crescimento da curva é notado no balanço dos estados. Desde que as regras de isolamento e distanciamento sociais foram flexibilizadas em meio à pandemia, capitais brasileiras viram seus índices de infecções aumentarem. Metade das unidades federativas (13) já bateu a marca de mil óbitos; outras estão próximas de atingi-la.

São Paulo atingiu, ontem, 332.708 casos e 16.475 mortes em decorrência do coronavírus. O governo paulista estima que o estado possa ter, em 15 de julho, até 23 mil mortes e 470 mil casos da doença.

O interior já responde por 70,8% dos novos casos da covid-19 registrados no estado de São Paulo. O Rio de Janeiro, outro estado bastante afetado pela pandemia, registrou, ontem, o total de 10.881 mortos e 124.086 infectados. O segundo estado mais afetado em números absolutos de casos, após SP, é o Ceará, que, no fim de semana, ultrapassou o Rio em total de infectados. São 124.952 casos confirmados. A quantidade de mortes, porém, é menor, 6.556 pessoas.

Pernambuco e Pará têm mais de 5 mil perdas cada, com 5.234 e 5.128 registros, respectivamente. Os outros oito estados com mais de mil fatalidades são: Amazonas (2.952), Maranhão (2.286), Bahia (2.216), Espírito Santo (1.880), Rio Grande do Norte (1.291), Minas Gerais (1.282), Alagoas (1.192) e Paraíba (1.145).
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Transmissão

A nova análise do Imperial College de Londres apontou, ainda, que o Brasil sofreu um retrocesso e aumentou a Rt para 1,11, ou seja, cada grupo de cem pessoas infectadas transmite o vírus para outras 111. Na semana passada, o país chegou perto de atingir níveis considerados controlados da transmissão, Taxas acima de 1 significam que a disseminação da covid-19 no país está descontrolada, não sendo possível rastrear com precisão o caminho do vírus. Com a atualização, o Brasil se mantém pela 11ª semana na lista de países com transmissão ativa.

O Imperial College de Londres estima, ainda, a taxa de subnotificação dos 55 países avaliados. Segundo o estudo, o Brasil reporta 43,9% dos casos, o que representa uma melhora gradual ao longo das semanas. No balanço anterior, o índice estava em 36,3%. Em relação ao início de abril, o avanço foi significativo, já que, à época, o país só registrava 10,4% das infecções.

Para o cálculo, os pesquisadores consideram o número de mortes reportados como sendo um dado fiel e levam em conta os registros de óbitos de duas semanas anteriores e de casos dos 10 dias anteriores. Quanto maior a discrepância entre a taxa de mortalidade divulgada e a estimada, maior o grau de subnotificação.

Bruna Lima e Maria Eduarda Cardim / Correio Braziliense

Coronavírus: o modelo matemático que explica como evitar meio milhão de mortes na América Latina


médica com máscara

Universidade de Washington aponta que medidas importantes como uso de máscara podem evitar centenas de milhares de mortes na América Latina

Rafael Lozano insiste que a mensagem importante aqui é: vidas podem ser salvas.

O renomado médico mexicano é diretor de sistemas de saúde do Instituto de Métricas e Avaliação da Saúde (IHME, na sigla em inglês) da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, autor de um modelo que prediz como será a propagação da covid-19 em diversos países do mundo.

No fim de junho, foram acrescentados três cenários possíveis ao modelo matemático, que é uma das referências utilizadas pela Casa Branca para tomar decisões e traçar estratégias.

Os cenários levam em conta medidas adotadas por países ou regiões para projetar quantas pessoas serão infectadas ou morrerão da doença causada pelo novo coronavírus em 1º de outubro.

"Mais do que contar mortos, os cenários buscam quantificar quantas vidas podem ser salvas. Isso muda muito a mensagem", afirma Lozano à BBC Mundo (serviço em espanhol da BBC) por videochamada desde a cidade americana de Seattle.

(Piora da alimentação na pandemia deixa população mais vulnerável à covid-19, diz ex-chefe da FAO

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Coronavírus: o que podemos aprender com a gripe espanhola, pandemia que matou milhões há 100 anos

Dos Medici à Amazon: como pandemias ajudaram megacorporações a crescer ainda mais
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A insistência de Lozano no enfoque otimista faz sentido. Em junho, América Latina e Caribe se tornaram o novo epicentro da pandemia, depois de China, Europa e EUA ocuparem esse posto.

Nos últimos 14 dias, o Brasil e outros países do subcontinente americano somaram 872 mil casos novos, pouco mais de um terço do total global (2,6 milhões), segundo dados do Centro Europeu de Controle e Prevenção de Doenças.

Se formos considerar as mortes por covid-19 registradas no fim de junho, morriam cerca de 5 mil pessoas no mundo por dia. A cada 10 mortes, 2 ocorriam no Brasil e 3 em outros países da América Latina e do Caribe.

Segundo cálculos do IHME, em 1º de outubro, a América Latina e o Caribe (contando o Caribe inglês) somarão 438 mil mortes.

Mais especificamente, o Brasil deve superar 166 mil mortes e o México 88 mil, enquanto outros seis países ultrapassarão a barreira das 10 mil mortes: Argentina, Chile, Colômbia, Equador, Guatemala e Peru.

E esses números nem são os projetados pelo cenário mais fatalista.

Mortes por covid-19 na América Latina
Mortes registradas até 3 de julho* Mortes projetadas para 1º de outubro**
Argentina 1.385 24.721
Bolívia 1.271 7.334
Brasil 61.884 166.362
Chile 5.920 25.344
Colômbia 3.641 35.314
Costa Rica 17 39
Cuba 86 306
República Dominicana 765 5.665
Equador 4.639 20.260
El Salvador 191 4.357
Guatemala 843 10.090
Haiti 110 1.377
Honduras 591 4.958
México 29.189 88.160
Nicarágua 83 280
Panamá 667 2.802
Paraguai 19 271
Peru 10.045 36.210
Uruguai 28 340
Venezuela 57 2.893
Fonte: *ECDC, **Instituto de Métricas e Avaliação da Saúde (IHME)

O modelo

O IHME não é o primeiro nem o único instituto medindo o curso da pandemia de covid-19 a partir do número de pessoas suscetíveis à doença, daquelas expostas ao vírus, de infectados e de recuperados.

Mas a equipe do instituto vai além e está em contato com governos da Colômbia, do Peru, do Brasil, do Chile e dos EUA, entre outros tomadores de decisão.

"A grande vantagem do modelo que estamos usando é que nos baseamos em uma série de variáveis que ajudam não apenas a estabelecer dados concretos como também em que momento haverá uma demanda maior por leitos hospitalares", diz Lozano.

Para isso, são levados em consideração "elementos como o número de pessoas que circulam pelas ruas, quando as normas de distanciamento social entraram em vigor e o grau de aceitação destas normas, ou que proporção da população usa máscara."

Além disso, leva em consideração outros determinantes "menos tradicionais" entre modelos matemáticos, segundo ele, como densidade demográfica, perfis de mortalidade no país ou padrões sazonais de pneumonia — que atualmente estão no auge no hemisfério Sul.

Mas talvez o mais interessante seja como seu gráfico interativo simplesmente mostra o efeito que diferentes decisões políticas e individuais têm na trajetória da pandemia.

Os 3 cenários
Lozano explica que, ao construir o modelo matemático, conversaram com governantes, equipes técnicas e encarregados de setores de saúde pública das partes mais distintas do mundo.

"Primeiro, eles queriam saber em que momento haverá uma pressão maior por leitos", conta Lozano, tanto gerais quanto em unidades de terapia intensiva (UTI), e também por respiradores artificiais.

Depois, segundo Lozano, os países queriam entender quando é o momento de sair da mitigação da pandemia, do distanciamento social severo.

"E agora, estamos com o debate entre não fazer nada ou forçar muito a abertura, e é sempre bom para o político e a população em geral ter em vista esses cenários."

O primeiro cenário é o "pessimista". Ele supõe que as medidas de quarentena (obrigação de ficar em casa, fechamento de escolas e serviços não essenciais, proibição de eventos coletivos etc.) vão se flexibilizando de forma contínua e constante.

Segundo Lozano, "se as medidas preventivas forem flexibilizadas, estimamos para a região da América Latina e do Caribe que haverá cerca de 900 mil mortes em 1º de outubro".

"Não há governo que possa aceitar esse tipo de cenário, mas não mostrá-lo é deixar de informar", afirma o pesquisador.

Nos outros dois cenários, as projeções também se baseiam na ideia de que as medidas vão sendo relaxadas, mas aqui, se a taxa diária de mortes atinge a marca de 8 por 1 milhão de habitantes, o país volta a impor medidas de restrição de circulação por seis semanas.

A diferença desses dois cenários está na utilização ou não de máscaras.

Na projeção que o IHME chama de "tendência atual", a população não usa máscaras de forma abrangente. Mesmo assim, como resultado, a estimativa de mortes por covid-19 para toda a região passa a ser 438 mil em 1º de outubro.

No terceiro cenário, em que, além da volta de medidas de distanciamento, o uso de máscara passa a ser generalizado, as mortes cairiam para 389 mil.

"É uma ação que mistura a responsabilidade dos indivíduos, toda vez que saímos para as ruas, com a dos governantes, que são os que estão gerando essas válvulas de escape para reabrir a economia", diz Lozano.

Quais são as projeções para o Brasil?

O modelo matemático da Universidade de Washington aponta três perspectivas para o Brasil.

No cenário "pessimista", em que a flexibilização do distanciamento social segue em frente mesmo quando a situação se agrava, o país atingiria a marca de 4,5 mil mortes por dia em 7 de setembro. Em comparação, o Brasil registra em 7 de julho uma média de quase mil mortes por dia.

No cenário considerado como "tendência atual", o país estaria em torno do patamar de 900 mortes por dia. E caso haja uma adoção abrangente de máscaras pela população, haveria cerca de 760 mortes por dia.

Em números absolutos, o modelo prevê 340 mil mortes no pior cenário, 166 mil na perspectiva de abre e fecha e 147 mil com uso abrangente de máscaras.

A Universidade de Washington também estima que, por causa da subnotificação, o número de casos novos diários de covid-19 é seis vezes maior que o oficial. Ou seja, segundo o modelo, 250 mil pessoas contraem atualmente o vírus no país por dia. Em comparação, os dados oficiais indicam uma média de 40 mil casos por dia.

Daqui a um mês, seriam 900 mil no pior cenário, cerca de 110 mil na tendência atual e quase 100 mil com uso abrangente de máscara.

O caso do Equador

Ao analisar os gráficos, os cenários parecem não oferecer soluções simples para os governos da região.

O exemplo mais dramático é o do Equador, onde o IHME projeta uma segunda onda a partir de agosto.

Segundo o modelo, se as medidas de flexibilização avançarem sem qualquer recuo, o país sul-americano passará das 4.781 mortes registradas em 6 de julho para mais de 21,3 mil em 1º de outubro. No cenário em que o distanciamento é readotado, morreriam 20,2 mil. Na projeção que considera uso abrangente de máscaras, as mortes totalizariam 19,5 mil.

"A epidemia no Equador é completamente diferente da epidemia no Brasil, no México e na Colômbia. É muito parecida com a europeia. Teve seu crescimento nos meses de março e abril e depois um platô por muitos meses", explica Lozano.

Segundo ele, a pequena diferença entre os três cenários do Equador mostram que quando os níveis de propagação do vírus são muito elevados, as intervenções perdem sua eficácia.

Os bem-sucedidos Paraguai e Uruguai

Por outro lado, as projeções preveem um crescimento considerável de infecções e mortes em países que têm sido elogiados mundialmente por suas exitosas estratégias de contenção do coronavírus.

É o caso do Paraguai, que em 6 de julho tinha 20 mortes pela covid-19 e pode ter 271 mortes em 1º de outubro, segundo o IHME. Nos mesmos três meses, o Uruguai passaria de 28 para 340 mortes.

Em relação a esses dois países, Lozano afirma que a explicação dos números está na sazonalidade e na prevalência de pneumonias. "O inverno no Sul é dentro e fora de casa, e não apenas fora, como acontece nos países europeus. Isso faz uma enorme diferença."

Segundo Lozano, do IHME, "a narrativa sobre a pandemia deve começar em busca de esperança, de saídas".

Para isso, ele acredita que é importante fornecer dados que permitam aos governos tomar medidas fundamentadas, mas também que as pessoas possam avaliar e decidir se devem ou não visitar seus avós ou encontrar seus amigos.

Descobrir qual é a prevalência de casos na área, se a reunião ocorrerá em um espaço aberto ou fechado e quanto tempo durará, por exemplo, "permite que um comportamento mais colaborativo reduza a propagação do vírus", defende o médico mexicano.

"O que precisamos é melhorar nossos indicadores para que as pessoas possam avaliar a situação dia a dia e se sentirem confiantes em sair."

Ana Pais (@_anapais)
BBC News Mundo

Ele colocou em risco outras pessoas', avalia infectologista após Bolsonaro testar positivo para covid-19

Para infectologista, Bolsonaro 'é um péssimo exemplo para outras pessoas'

bolsonaro concede entrevista para anunciar que está com covid-19

Nos últimos dias, o presidente Jair Bolsonaro participou de uma live com outras seis pessoas, foi a um encontro com empresários e esteve em um almoço em Brasília. Durante esses compromissos, que foram alguns dos diversos que teve recentemente, Bolsonaro estava sem máscara e não respeitou o distanciamento social, medidas recomendadas por autoridades médicas para evitar a propagação do novo coronavírus.

Após sucessivos eventos nos quais não seguiu as orientações para combater a pandemia, Bolsonaro testou positivo para a covid-19. Ele confirmou a informação na terça-feira (7). O presidente afirmou que teve os primeiros sintomas no domingo (5).

O infectologista Roberto Focaccia, professor livre docente pela Universidade de São Paulo (USP), afirma que o presidente contraiu o novo coronavírus como consequência das atitudes que tem adotado desde o início da pandemia.

Desde os primeiros casos registrados no país, o presidente costuma minimizar a importância do vírus e chegou a classificá-lo como uma “gripezinha”. Bolsonaro também se mostra contrário a medidas de isolamento social e ao uso de máscaras — recentemente, ele vetou a obrigatoriedade do acessório em locais como estabelecimentos comerciais e igrejas.

O que a ciência diz sobre a eficácia de tratamentos citados por Bolsonaro ao revelar que está com covid-19
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Focaccia considera que o próprio anúncio de Bolsonaro sobre a doença foi irresponsável. “Ele colocou em risco os repórteres que estavam ali perto, principalmente após retirar a máscara”, diz à BBC News Brasil.

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Bolsonaro disse que está com a covid-19 durante entrevista à imprensa. Enquanto conversava com os jornalistas, o presidente estava próximo a eles e não manteve o distanciamento social de, ao menos, 1,5 metro. Ao fim da entrevista, se afastou e retirou a máscara para, segundo ele, mostrar que está bem.

A conduta de Bolsonaro ao anunciar que está com o novo coronavírus foi duramente criticada por especialistas.

Apesar de não respeitar o isolamento social e usar máscaras em eventos pontuais — muitas vezes de modo inadequado —, Bolsonaro disse, ao revelar o diagnóstico da covid-19, que ficou preocupado, pois não queria infectar outras pessoas com o vírus.

Ao analisar eventos recentes em que o presidente participou, porém, é possível constatar que ele pode ter exposto outras pessoas ao vírus nos últimos dias.

Rotina de Bolsonaro nos últimos dias

Na última quinta-feira, presidente fez live com apoiadores e tossiu durante transmissão

Na noite da última quinta-feira (2), Bolsonaro fez uma live com outras seis pessoas, entre elas o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, e o secretário da Pesca, Jorge Seif. Sem máscara e sem adotar o distanciamento adequado das outras pessoas, o presidente tossiu em alguns momentos durante a transmissão ao vivo.

É possível que Bolsonaro estivesse infectado quando fez a live. Ele disse que os primeiros sintomas surgiram no domingo, quando começou a se sentir indisposto. Depois, segundo ele, teve também dor muscular, cansaço e febre.

Estudos sobre a covid-19 indicam que os primeiros sintomas do novo coronavírus podem surgir de dois a 14 dias após a infecção; o mais comum é que a pessoa apresente os sinais a partir do quinto dia. Antes mesmo dos primeiros sintomas, segundo os estudos, a pessoa pode transmitir o vírus.

Desta forma, é muito provável que o presidente tenha colocado muitas pessoas em risco. Nos últimos dias, ele teve diversos encontros com ministros e outros compromissos. Uma reportagem da BBC News Brasil apontou que Bolsonaro se encontrou com, pelo menos, 36 pessoas desde a última sexta-feira (3).

Na sexta, ele se encontrou com o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, e um grupo de empresários. Fotos do evento mostram que o presidente não usou máscara e ficou perto dos convidados.

No sábado (4), sobrevoou áreas atingidas pelo "ciclone bomba", em Santa Catarina, que deixou 12 mortos. No mesmo dia, seguiu para um almoço na casa do embaixador dos Estados Unidos, Todd Chapman, em Brasília. O evento comemorou a independência americana. Imagens mostram que os convidados não respeitaram o distanciamento social e também não usaram máscaras. Em uma das imagens, Bolsonaro aparece abraçado ao ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.

Bolsonaro bebendo água

Mesmo após apresentar sintomas, Bolsonaro continuou se encontrando com apoiadores. Na segunda-feira, por exemplo, ele cumpriu agenda com ministros, como Braga Netto, da Casa Civil, e Jorge Oliveira, da Secretaria-Geral da Presidência.

Os ministros que tiveram contato com Bolsonaro nos últimos dias fizeram exames, após a confirmação de que o presidente está com a covid-19.

Também na segunda-feira, Bolsonaro recebeu o líder do governo na Câmara dos Deputados, o Major Vítor Hugo (PSL-GO), para um almoço.

Os riscos

Para o infectologista Roberto Focaccia, não há dúvidas de que o presidente colocou outras pessoas em risco, principalmente em eventos recentes, por não seguir medidas como o uso de máscaras e o distanciamento social.

"No ponto de vista científico, a conduta do Bolsonaro, desde o princípio da pandemia, é um absurdo. O mundo inteiro ensina que é preciso seguir o distanciamento físico e as pessoas precisam usar máscaras. Isso é dito por todas as entidades de saúde, como a Organização Mundial de Saúde e o Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos", destaca o médico.

Focaccia explica como a transmissão do novo coronavírus pode se dar em locais fechados com várias pessoas, como alguns dos que o presidente esteve dias atrás. "Os locais mais fechados, sem muita ventilação, têm um risco maior, porque qualquer pessoa que tenha o vírus pode transmiti-lo ao falar, não precisa nem tossir ou espirrar", diz.

Bolsonaro em frente a mesa em que churrasqueira serve carne, em área aberta e arborizada


Bolsonaro em evento comemorativo pela independência americana no último dia 4; presidente afirmou que começou a sentir sintomas da covid-19 no domingo

"Quando a pessoa está falando, está soltando gotículas que podem ter o vírus. Esse vírus pode ficar no ar por até três horas e ser transmitido para aquelas pessoas que estão naquele local. Depois, essas gotículas e aerossóis caem em superfícies, onde se depositam. Se alguém tocar nessa superfície e depois tocar no rosto, vai contrair o vírus", detalha o médico.

Estudos apontam que o vírus pode ficar ativo por períodos distintos em diferentes superfícies. Em aço inoxidável e plástico, ele pode permanecer por até três dias. Em papelão, o Sars-Cov-2, nome oficial do novo coronavírus, sobrevive por até 24 horas.

Segundo estudos, o risco de transmissão do novo coronavírus também está presente em lugares abertos com aglomeração, principalmente quando falam, espirram ou tossem e liberam partículas que podem conter o Sars-Cov-2. Por diversas vezes, Bolsonaro participou de atos com aglomerações ao ar livre sem máscara, que é fundamental para reduzir as possibilidades de transmissão do vírus, e abraçou e cumprimentou apoiadores, desrespeitando também a medida de distanciamento social.

O anúncio da doença

Ao comunicar que está com a covid-19, Bolsonaro convocou três jornalistas — da CNN, Record e TV Brasil. Próximo a eles e usando uma máscara, confirmou que o exame deu positivo.

Focaccia comenta que, por ser um paciente sintomático, as chances de Bolsonaro transmitir o vírus durante a entrevista eram grandes, ainda que com máscara.

"Mesmo com máscara, ele não deveria ter dado uma entrevista presencialmente. A máscara reduz o risco, mas não é zero. Como ele é uma pessoa que está com o vírus, deveria permanecer isolado. Para piorar, ele estava muito perto dos repórteres", diz Focaccia.

"Na hora em que uma pessoa testa positivo para o coronavírus, tem que ficar completamente isolada por 14 dias, para evitar propagar o vírus. Foi um péssimo exemplo", diz o infectologista.

A atitude de tirar a máscara durante a entrevista piorou a situação, avalia Focaccia. O médico detalha que, ao falar, o presidente pode ter soltado partículas que podem conter o vírus. Ainda que ao ar livre, há a possibilidade de transmissão do vírus.

"Mesmo distante, ele não deveria ter feito aquilo. O Bolsonaro tentou mostrar que é uma gripezinha. Pareceu uma provocação", diz Focaccia.

Jair Bolsonaro

Apesar de defender o uso da hidroxicloroquina , Bolsonaro admitiu saber que não há comprovação científica de que ela ajuda no combate ao coronavírus
O médico avalia como extremamente preocupante a conduta de Bolsonaro durante a entrevista. "É um péssimo exemplo para outras pessoas”, diz. Ele acredita que muitos podem, influenciados pela postura do presidente, deixar de adotar medidas severas de isolamento por 14 dias, caso sejam infectados.

Outro ponto que incomodou Focaccia foi o fato de Bolsonaro ter revelado que usou composto de hidroxicloroquina com o antibiótico azitromicina. O presidente defendeu os medicamentos no tratamento contra a covid-19, mesmo sem nenhuma comprovação científica.

"Ele está tentando fazer o caso dele como uma propaganda da cloroquina. Está tentando mostrar que o coronavírus é só uma gripezinha para as pessoas que tomam essa medicação", declara o infectologista.

Para Focaccia, que perdeu diversos colegas de profissão que contraíram a covid-19 no trabalho, a conduta de Bolsonaro é uma afronta. "Toda a conduta adotada pelo presidente sobre o coronavírus é um absurdo. Muitas vidas foram perdidas e ele tenta adotar um tom de deboche para falar sobre o assunto. É um desrespeito, principalmente, aos profissionais que estão arriscando suas vidas nos hospitais", declara.

Vinicius Lemos
Da BBC News Brasil em São Paulo

terça-feira, 7 de julho de 2020

Brasil tem 1.312 mortes por coronavírus em 24 horas, mostra consórcio de veículos de imprensa; são 66.868 no total

País soma 1.674.655 de infectados; mais de 48 mil em um dia.

O Brasil teve 1.312 mortes registradas por conta do novo coronavírus em 24 horas e tem 1.674.655 milhão de casos confirmados, segundo o levantamento feito pelo consórcio de veículos de imprensa a partir de dados das secretarias estaduais de Saúde nesta terça-feira (6). São 66.868 mortes provocadas pela Covid-19 no país no total.

Veja os dados, consolidados às 20h:

66.868 mortes; eram 65.556 até 20h desta segunda-feira (6); uma diferença de 1.312 óbitos. Este é o quarto maior registro de mortes em 24 horas no país desde o começo da pandemia. No dia 4 de junho, foram registrados 1.471 óbitos.

1.674.655 casos confirmados; eram 1.626.071 infectados até a noite de segunda, ou seja, houve um aumento de 48.584 infectados.

Antes deste balanço, o consórcio divulgou dois boletins parciais, às 8h e às 13h. No boletim da tarde, o país chegou a 1.643.539 casos confirmados e 66.093 óbitos. Mais cedo, com os dados disponibilizados às 8h, o Brasil contava 65.631 mortes e 1.628.283 casos confirmados.

07/07/2020 08h00  Atualizado há 24 minutos

Por G1 / O Globo

O cqd triunfal de Bolsonaro

O presidente contaminado manteve o comportamento irracional que sempre teve com relação à covid-19.
Em artigo para O Estado de São Paulo, Rosângela Bittar comenta o coronavírus em Bolsonaro, anunciado pelo próprio.

A euforia com que o presidente Jair Bolsonaro anunciou ter conseguido o atestado médico de contaminação pela covid-19 só foi superada pela revelação final de que ficou bom com duas doses da cloroquina que, “como queria demonstrar”, é o medicamento mais adequado e prodigioso para o tratamento da doença pandêmica. Não importa se a ciência e o mundo civilizado tenham provado o contrário, o que importa é tornar a propaganda mais eficiente para baixar os imensos estoques.

Ao longo dos últimos cinco meses, Bolsonaro procurou demonstrar que todas as teorias que haviam lhe rendido protestos, críticas e o título de pior líder mundial no combate à pandemia estavam corretas. Ele condenou tudo o que a ciência recomendou e fez uma bula homicida, agravada por ser da lavra de um presidente da República que serve de mau exemplo; condenou o isolamento social, quis o fim da quarentena com a abertura do comércio, vetou o uso de máscaras e evitou usá-las, incentivou a aglomerações, buscou a própria contaminação e levou risco aos próximos.

O presidente brasileiro submeteu os ouvidos da nação a considerações absurdas, como a que atletas são resistentes ao vírus e brasileiros não se contagiam facilmente porque estão acostumados a mergulhar no esgoto. Não foram poucas as escandalosas interferências, na marra, para impor sua vontade, entre elas a demissão de dois ministros da Saúde médicos que ousaram contestar sua conduta leiga.

Aprendeu-se com Bolsonaro que, como todos vão morrer, um dia, não tem importância morrer agora, desde que esteja aberto o salão de beleza. Conseguiu o que sempre quis, o que procurou ao andar à beira do abismo, incluir-se no rebanho da contaminação ampla por desobediência às regras sanitárias.

Recusando a autoria da devastação do Brasil, Bolsonaro, ontem, covardemente, eximiu-se mais uma vez de responsabilidade pela crise sanitária avassaladora insistindo que as atribuições de combate à doença são exclusivas de Estados e Municípios.

Os últimos dias foram pródigos em transgressões: fez inauguração, viajou a Estados, reuniu-se com empresários, encontrou políticos, recebeu ministros, sempre sem proteção. Porém, a irresponsabilidade de Bolsonaro e a personalidade subserviente dos ministros e auxiliares atingiu o paroxismo no sábado, dia 4, data nacional dos Estados Unidos.

Uma foto do almoço na residência do embaixador Todd Chapman revela Bolsonaro abraçado ao ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, ladeado pelos generais Fernando Azevedo (Defesa), Braga Netto (Casa Civil) Luiz Eduardo Ramos (secretário de governo) no almoço da embaixada americana, em Brasília. Todos sem máscara.

Duvida-se que a cena, emblemática por todos os seus aspectos, tenha ocorrido na embaixada dos Estados Unidos no Japão, na Índia ou na Alemanha. Ou que, no 7 de setembro, Donald Trump compareça à embaixada brasileira com seu staff de guerra para erguer uma taça de caipirinha.

O presidente contaminado manteve o comportamento irracional que sempre teve com relação à covid-19, enquanto se mantém elevado também o número de mortes diárias pela doença.

A crise continuada da Educação

Que educadores com biografia impecável aceitarão servir a um governo como o atual?

Seja qual for o nome escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro para ser o quarto titular do Ministério da Educação (MEC), em apenas um ano e meio de governo, ele quase certamente assumirá o cargo com pouca autoridade para liderar o desafio da reforma do combalido sistema educacional brasileiro. Entre outras razões porque, dados os critérios mais políticos do que técnicos que devem prevalecer em sua escolha, ele tem tudo para ser, mesmo que tenha a vontade de acertar, o que os repórteres e colunistas políticos de Brasília chamam de “relevo submarino”.

Em termos metafóricos, a expressão é usada para descrever o que está no fundo do mar, rios ou lagoas e só aparece nos períodos mais rigorosos de estiagem, quando o nível da água cai drasticamente. No plano político, a expressão é utilizada para classificar ministros escolhidos em final de mandato ou, então, por presidentes intempestivos, incoerentes e intelectualmente limitados.

Em ambos os casos, quem tem biografia, currículo sólido e sem informações falsas e bom nome quase sempre recusa o convite para não macular sua imagem profissional ou não perder a oportunidade de ser lembrado para compor o ministério de um futuro governo. Com isso, presidentes em final de mandato ou aqueles que perderam credibilidade sem ter chegado a completar o segundo ano de gestão só conseguem chamar para compor seu governo figuras menores, que em circunstâncias normais jamais seriam lembradas para ocupar um cargo de ministro. Esses são os “relevos submarinos” da vida política.

Desde que Abraham Weintraub se demitiu do MEC e fugiu do País, há 20 dias, quase todos os nomes cogitados pelo Palácio do Planalto para suceder-lhe têm esse perfil. Seja por pressão da ala ideológica liderada por um astrólogo apoiado pelos filhos do presidente, seja por intrigas palacianas e confabulações do Centrão, do ponto de vista de sua formação são profissionais com currículo bastante inferior ao dos membros do Conselho Nacional de Educação (CNE), muitos dos quais são professores titulares em instituições consagradas, e até mesmo ao de vários secretários estaduais de Educação.

Desse modo, em que condições o quarto titular do MEC no governo Bolsonaro negociará com os demais dirigentes do setor educacional um plano cuidadoso de retomada das aulas, que leve em conta a distância mínima de alunos em sala de aula? Ou, então, que leve em conta a eventual necessidade de um novo período de isolamento, contrariando o voluntarismo de um chefe do Executivo que só vê a educação como uma arena do que chama de “guerra ideológica”? Nesta semana, o CNE aprovará um parecer para dar orientações sobre esse retorno. Mas, para serem adotadas, elas precisam ser homologadas por um ministério que, apesar de sua importância para a formação das novas gerações, se encontra acéfalo. Se tiver alguma discordância programática ou política, o novo ministro conseguirá negociar essas orientações?

Além disso, como durante a pandemia de covid-19 o MEC foi omisso com relação ao esforço dos Estados para implantar às pressas um sistema de ensino a distância, o novo ministro terá de se superar para conseguir impor uma política nacional de ensino virtual. Por fim, os esforços que Estados e municípios desprenderam para tentar adequar suas redes de ensino ao período de pandemia aumentaram seus gastos com educação num momento de queda acentuada de arrecadação. Evidentemente, isso exige mais repasses da União. Que força um ministro que já assume sem peso político terá para lidar com uma equipe econômica que vê a austeridade fiscal como dogma?

Sem esses repasses, em alguns Estados a situação ficará crítica e, com isso, o País ficará ainda mais distante das metas preconizadas pelo Plano Nacional de Educação para 2020. Infelizmente, os critérios que Bolsonaro já usou na escolha de três titulares do MEC não garantem que o quarto ministro será diferente dos anteriores. Se isso ocorrer, será um ganho surpreendente.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
07 de julho de 2020 | 03h00

Cientistas alertam para transmissão do coronavírus pelo ar

Em carta à OMS, grupo de 239 pesquisadores de vários países alerta que vírus pode se espalhar através de microgotículas por até dezenas de metros. Risco de contágio é maior em ambientes fechados e lotados, apontam.

    Pessoas de máscara no transporte público

Pessoas de máscara no transporte público
Cientistas recomendam que se evitem aglomerações, especialmente no transporte público e em locais fechados

Uma equipe de 239 cientistas de vários países pediu nesta segunda-feira (06/07) à Organização Mundial de Saúde (OMS) o reconhecimento da "potencial de transmissão aérea" do coronavírus Sars-Cov-2 para além da distância recomendada de dois metros entre as pessoas, além de medidas preventivas para esse tipo de contaminação, sobretudo em espaços lotados.

A OMS considera como principal via de transmissão as gotículas respiratórias expelidas durante a fala ou tosse, motivo pelo qual a entidade sugere uma distância de segurança de dois metros entre as pessoas, além do uso de máscara de proteção.

No entanto, o grupo de pesquisadores, em carta enviada à OMS, afirma "para além de qualquer dúvida razoável" que, por meio de respiração, fala, espirros ou tosse, o vírus se espalha em microgotículas suficientemente pequenas para permanecer no ar e constituir "um risco de exposição a distâncias superiores a um ou dois metros de uma pessoa infectada".

Segundo os cientistas - entre eles o infectologista brasileiro Paulo Saldiva, professor do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da USP -, o problema se torna especialmente grave em ambientes interiores ou fechados, especialmente os que estão lotados e sem ventilação adequada para o número de ocupantes.

As gotículas, que medem entre cinco ou dez micrômetros – menos do que a espessura de um fio de cabelo –, caem ao chão em segundos dentro uma distância de um ou dois metros. Entretanto, microgotículas de tamanho menor podem permanecer suspensas no ar por várias horas no chamado aerosol, viajando por dezenas de metros.

A transmissão da doença pelas microgotículas é tema de debates na comunidade científica, no contexto da disseminação da covid-19.

"Apelamos à comunidade médica e às instituições internacionais e nacionais responsáveis para que reconheçam o potencial da transmissão aérea da covid-19", afirma o grupo de cientistas. A iniciativa está associada a um artigo científico chamado É hora de abordar a transmissão aérea da covid-19, cuja principal autora é Lidia Morawska, do Laboratório Internacional de Qualidade do Ar e Saúde da Universidade Tecnológica de Queensland, na Austrália.

O artigo publicado na revista Clinical Infectious Diseases, da Universidade de Oxford, apoiado pelos 239 cientistas, menciona como exemplo um restaurante chinês que se tornou foco de contaminação em janeiro, mas onde não houve contato direto nem indireto entre a pessoa infectada e as foram contaminadas, o que pôde comprovado através das gravações das câmaras de segurança. A transmissão deve ter ocorrido através da circulação do vírus pelo ar condicionado.

Manter o distanciamento físico e lavar as mãos com frequência são medidas apropriadas, mas insuficientes para garantir a proteção das microgotículas contaminadas transportadas através do ar, consideram os cientistas.

O grupo de pesquisadores recomenda ventilação adequada e suficiente, com entrada de ar fresco ou o mínimo de reutilização de ar, especialmente em edifícios públicos, locais de trabalho, escolas, hospitais e casas de repouso. Além disso, é necessário evitar aglomerações, especialmente no transporte público e em locais fechados.

Ações simples como abrir portas ou janelas aumentam "de forma radical a taxa de fluxo de ar em muitos edifícios", explicam os cientistas na carta á OMS. Embora reconheçam que "ainda não há consenso sobre a transmissão aérea" do coronavírus, eles afirmam que "há provas que apoiam de forma mais que suficiente a aplicação do princípio da precaução".

"As pessoas podem pensar que estão completamente protegidas se seguirem as recomendações atuais, mas, na verdade, são necessárias intervenções adicionais na transmissão por via aérea para reduzir ainda mais o risco de infeção", concluem.

Publicado originalmente por Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas. 

'Uma loucura', diz ex-presidente colombiano e Nobel da Paz sobre ações de Bolsonaro na pandemia

O ex-presidente da Colômbia e Prêmio Nobel da Paz, Juan Manuel Santos, disse que é "uma loucura" como o Brasil, governado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), está conduzindo a pandemia do novo coronavírus. "É uma loucura. É uma liderança que em vez de estar ajudando a resolver o problema, está contribuindo para piorar o problema", disse durante entrevista exclusiva à BBC News Brasil.

Juan Manuel Santos

Ele acha que os presidentes da região deveriam chamar Bolsonaro "à sensatez".

Santos, visto como de centro-direita no espectro ideológico, afirmou que esse quadro brasileiro repercute no resto da região. "Nessa situação, o Brasil é um péssimo exemplo na região. Uma política que está produzindo um fracasso total, uma verdadeira tragédia para os brasileiros e para o mundo", disse, falando da Colômbia.

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Nesta entrevista à BBC News Brasil, Santos, que foi jornalista, militar e ex-ministro da Defesa, disse que a atitude do líder brasileiro ameaça as comunidades indígenas da Amazônia de extinção. Leticia, do lado colombiano, na fronteira com o Brasil, é o lugar mais afetado pelo coronavírus em seu país.

Quando perguntado sobre a forte presença de militares no governo brasileiro, ele disse que não tende a dar bons resultados. Santos falou ainda sobre os avanços e falhas do Acordo de Paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), assinado quando era presidente e que foi o motivo para receber o Prêmio Nobel da Paz.

Leia os principais trechos da entrevista:

BBC News Brasil - A América Latina é a região mais desigual do planeta e agora está no foco da pandemia do novo coronavírus. As economias da região, como as do Brasil e da Argentina, já mostram queda acentuada. O que fazer?

Juan Manuel Santos - A região já não vinha crescendo economicamente, já tinha uma série de problemas, antes da pandemia. A América Latina é a região com um dos sistemas de saúde mais fracos e populações muito vulneráveis, como as comunidades indígenas, os presidiários e os pobres que vivem em condições muito precárias, além dos imigrantes, como os venezuelanos aqui na Colômbia. São populações ainda mais vulneráveis à pandemia. Tudo isso se juntou. E piorou com as políticas erradas dos líderes da América Latina. Dói dizer isso, mas o Brasil não fez um trabalho positivo. E o México também não.

Não existe nenhum tipo de liderança regional para fazer valer a região em nenhuma instância do mundo. Estamos um pouco à deriva. É como um barco que não tem capitão, que está no meio de uma tormenta e o que nós precisamos nesse momento são lideranças efetivas. Mas, infelizmente, ninguém está fazendo isso.

BBC News Brasil - O senhor citou o Brasil. O Brasil é o maior país da América Latina em termos de população e econômicos e faz fronteira com a Colômbia. O presidente Bolsonaro disse que o coronavírus era uma gripezinha. Hoje, o Brasil já tem mais de 50 mil mortos por Covid-19. O que o senhor opina sobre esta política do presidente Bolsonaro?

Santos - Vou ser um pouco duro. É uma loucura. É uma loucura o que está acontecendo no Brasil. É uma liderança que em vez de estar ajudando a resolver o problema, está contribuindo para piorar o problema. E isso repercute no resto da região porque o Brasil é um país muito grande. Então, essa situação no Brasil é um péssimo exemplo da região. É uma política que está produzindo um fracasso total, uma verdadeira tragédia para os brasileiros e para o mundo.

BBC News Brasil - Na Colômbia, a cidade de Leticia, que faz fronteira com o Brasil, era até poucos dias atrás a mais afetada por coronavírus no país. O Brasil faz fronteira com dez países da região. O Brasil virou uma ameaça nesta pandemia por não ter uma política contra a Covid-19?

Santos - Sem dúvida. Nós estamos muito preocupados porque essa região amazônica (onde está Leticia) não está apenas sofrendo pela pandemia, mas as comunidades indígenas, que devemos preservar, porque são os melhores guardiões de um ecossistema que é fundamental para o mundo, podem desaparecer. Estão totalmente desprotegidas.

Essa falta de política por parte do Brasil repercute imediatamente, como ocorre no caso colombiano. Como você acaba de mencionar, uma das regiões com mais casos, e contágios mais rápidos, e mais mortes é exatamente a região que faz fronteira com o Brasil, na Amazônia. Por isso, a política do Brasil influencia o resto da América Latina e a influencia que está tendo é muito negativa.

BBC News Brasil - Como Prêmio Nobel da Paz, o senhor pensou ou pensa telefonar para o presidente Bolsonaro para uma conversa, para falar sobre essa ameaça à região?

Santos - Olha, tomei como decisão de vida não intervir em política, em assuntos internos de um país. Espero que outros o façam. Quem dera meu presidente (Iván Duque) pudesse falar com Bolsonaro. Ou que outros presidentes da América Latina pudessem falar com Bolsonaro para que ele 'entre en razón' (tenha sensatez). Por isso, eu dizia que estamos vendo uma total falta de liderança na América Latina. Mas são os presidentes, os chefes de Estado atuais, e não os anteriores, aos quais corresponde realizar ações concretas.

Jair Bolsonaro

'Considerar uma pandemia como uma gripezinha. Dar sinal para que ninguém exerça nenhuma disciplina social, que ninguém acate as recomendações dos cientistas, dos médicos, isso só agrava o problema. E vemos os resultados.'


BBC News Brasil - Quando o senhor fala em total falta de liderança, o senhor fala em relação a cada país ou uma liderança unificada na região? Pode explicar melhor?

Santos - Vou lhe dar um exemplo. Um dos problemas mais graves que a América Latina tem e vai ter é o financiamento, porque nós não temos a capacidade dos países desenvolvidos de fazer o que é necessário. Todos os países da América Latina têm limitações fiscais e estamos com necessidades cada vez maiores de financiamento. No entanto, em nenhuma instância, na arquitetura financeira mundial, a América Latina está levando uma voz concreta. Não está fazendo nenhuma proposta. Pior ainda, estão nos tirando, neste momento...

BBC News Brasil - A presidência do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento)...

Santos - A única representação importante, exato, que era a presidência do BID. E isso com o apoio dos presidentes da América Latina. Isso não entra na minha cabeça. Acho totalmente contraproducente. É a única instância que temos para pelo menos sermos ouvidos nas discussões internacionais sobre financiamento, sobre a economia.

BBC News Brasil - O Brasil tinha um pré-candidato e a Argentina também. E o atual presidente do BID é o colombiano Luis Alberto Moreno. O Brasil (o chanceler Ernesto Araújo) disse que viu "positivamente" a indicação feita pelos Estados Unidos. Outros países da região também apoiaram o nome do indicado dos EUA.

Santos - Eu não sei o que podem ver de positivo que nos tirem algo que tínhamos há 60 anos. Houve um acordo tácito, quando o BID foi criado, que o BID seria localizado em Washington, mas que a presidência do BID sempre seria de um latino-americano. E o senhor Trump rompeu com essa tradição e quer impor um candidato que, além de tudo, tinha sido vetado pelo atual presidente do BID para a vice-presidência. Então, estamos, nesse sentido, numa situação muito ruim.

BBC News Brasil - Na sua opinião existe um novo xadrez politico na região? Por exemplo, a Unasul deu lugar ao Prosul, o Brasil saiu da Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos). São vários movimentos. O senhor acha que isso também está ligado à postura do Brasil, que parece ser muito próximo dos Estados Unidos, ou melhor, de Trump?

Santos - Existem vários fenômenos. O México tem um presidente (López Obrador) que não quer saber nada de assuntos internacionais. Do Brasil, já sabemos a postura. São dois países que, tradicionalmente, deveriam exercer alguma forma de liderança na região. A falta desses dois países complica. Existem outros países que não atuaram e não houve coordenação.

O que está acontecendo no BID é um dos vários exemplos. Está se destruindo a pouca institucionalidade regional que existia. E isso é muito ruim. Espero que isso gere uma reação e que todos possamos entender que somente colaborando entre nós, dialogando, cooperando entre nós, vamos poder sair adiante nessa pandemia. Existe uma frase que diz que ninguém está salvo até que todo o mundo esteja salvo. Se não entendemos isso, vamos ter problemas muito sérios. E a América Latina unida é uma grande força. Mas precisamos que os atuais líderes entendam isso e trabalhem para unir-se. Não que cada um trabalhe para seus próprios interesses políticos porque isso enfraquece a região. E enfraquece cada país.

BBC News Brasil - Na prática, cada país fechou suas próprias fronteiras, nessa pandemia, e aplicou medidas que foram as mesmas da China, como a quarentena. Mas não há dialogo entre os presidentes para uma política comum. Essa semana haverá reunião virtual do Mercosul, mas Bolsonaro e o presidente da Argentina, Alberto Fernandez, não se falam. O que está acontecendo?

Santos - O fenômeno Trump influenciou muito o resto do mundo. Trump buscou enfraquecer o multilateralismo, enfraquecer as organizações internacionais, as Nações Unidas, a Organização Mundial de Comércio, e isso repercute nas regiões. E de certa forma o que aconteceu na América Latina, por problemas políticos como divisões em torno da Venezuela e outros problemas específicos, foi que em vez de diálogo para encontrar um denominador comum, os países decidiram assumir uma posição de isolamento. E isso no longo prazo é muito negativo.

BBC News Brasil - No Brasil, são mais de 50 mil mortos por coronavírus; na Colômbia e na Argentina, relativamente, há menos mortes; Uruguai, Paraguai estão numa situação melhor, mas, apesar de estar melhorando, ela é grave no Peru. O que se pode fazer? Hoje (terça-feira, 30), por exemplo, o ministro interino da Saúde do Brasil, Eduardo Pazuello, participou de uma cerimônia no Palácio do Planalto sem máscara. E o presidente Bolsonaro também aparece sem máscara. Como o senhor vê essa situação?

Santos - Muito mal. Inclusive, meu país, Colômbia, que ainda tem alguns bons indicadores, tem tendência muito ruim. No Chile e no Peru, que começaram bem, com disciplina, a situação foi sendo deteriorada porque as medidas não foram complementadas com medidas necessárias, como o distanciamento social e o uso de máscaras. O isolamento não serve, se temos ferramentas e não as usamos.

Estamos vendo que a América Latina tem problemas sérios. Talvez com algumas exceções, como Uruguai e Costa Rica, mas o restante dos países está com problemas. No caso colombiano, a tendência é de alta (de casos). Por isso, a liderança e a coordenação são importantes. E bons exemplos. O que você disse sobre o ministro da Saúde do Brasil é um mau exemplo. Está acontecendo também nos Estados Unidos, com Trump. E isso também é mau exemplo.

pessoas na feira

'Quando existe confiança (nos governantes) as pessoas têm maior disciplina. Quando a confiança não existe, impera a indisciplina e é o que estamos vendo aqui no meu país, no Brasil, no México, no Chile, no Peru.'

BBC News Brasil - Mas Bolsonaro e outros presidentes defendem que a economia funcione. Na Colômbia, por exemplo, o desemprego em maio foi acima de 20%. No Brasil, a recessão foi agravada. Paralisar a economia não é pior?

Santos - Existe um dilema muito complicado. Qual é o equilíbrio conveniente entre economia e saúde? Ninguém tem a fórmula perfeita. Mas pelo menos é possível tentar enviar mensagens que gerem confiança na população. É o que as autoridades deveriam fazer.

Acho que um dos motivos do sucesso no Uruguai é a confiança que os uruguaios têm em relação ao que seus governos, o nacional e os locais, estão dizendo na pandemia. Quando existe confiança (nos governantes) as pessoas têm maior disciplina. Estão mais inclinadas a fazer o correto. Quando a confiança não existe, impera a indisciplina e é o que estamos vendo aqui no meu país, no Brasil, no México, no Chile, no Peru. Estamos vendo uma grande indisciplina e sem disciplina por parte da população, vai ser difícil combater a pandemia.

BBC News Brasil - Existe um novo populismo na região?

Santos - Isso já existia. Bolsonaro é um populista de direita. O presidente do México, de esquerda. E sem contar a Venezuela. Isso não é pela pandemia. Mas espero que a pandemia acabe levando a cidadania a valorizar cada vez mais a ciência. E que o populismo perca força.

BBC News Brasil - O senhor com outros ex-presidentes, como Fernando Henrique Cardoso, do Brasil, Ricardo Lagos, do Chile, e Ernesto Zedillo, do México, assinaram um documento público dizendo que alguns líderes atuam bem na pandemia e outros não. Defenderam a ciência e que o FMI esteja mais presente, com mais recursos para a região. Esse documento tem mais de um mês. Mudou alguma coisa após esse pedido?

Santos - A relevância desse documento está mantida. E voltaria a assiná-lo. O Fundo Monetário Internacional precisa dar mais recursos à região. Precisamos ser criativos, de inovações que geram mais recursos financeiros para enfrentar a catástrofe econômica na região.

BBC News Brasil - Como o senhor disse, a região já vinha mal em termos econômicos e sociais quando surgiu a pandemia. Então, o que esperar depois da pandemia?

Santos - As Nações Unidas estimam que vamos retroceder 30 anos. O Banco Mundial diz que vamos retroceder 20 anos, que voltaremos a ter os índices de pobreza que tínhamos no começo do século e que vamos ter um desemprego alto durante muito tempo.

Mas ao mesmo tempo a pandemia deu visibilidade aos problemas graves que temos de desigualdade, de falta de produtividade, de pobreza, de vulnerabilidades. Mas podemos aproveitar a pandemia para reconstruir nossos países com melhores políticas, ou seja, políticas sociais justas e verdes. Precisamos de mais justiça social e precisamos ser muito mais conscientes de combater as mudanças climáticas porque essa pandemia é uma pequena situação diante da tragédia das mudanças climáticas, se não atuamos com maior determinação para deter as mudanças climáticas.

BBC News Brasil - Como?

Santos - Por exemplo, em vez de retroceder ao uso de energia poluentes, fósseis, como está acontecendo, estimular a economia, poder aproveitar para estimular a criação de energias renováveis. Políticas que tenham como finalidade a sustentabilidade ambiental. Este é o momento para isso.

BBC News Brasil - Voltando à política brasileira, existe preocupação em alguns setores com os rumos da democracia desde que Bolsonaro participou de um ato com manifestantes que pediam a intervenção no Supremo Tribunal Federal. Na sua visão, a democracia brasileira corre riscos?

Santos - O que vejo é uma tendência no mundo todo de usar a pandemia para que os governos saiam fortalecidos, mas com o custo de afetar a divisão de poderes, enfraquecendo os Supremos e até o Congresso. Isso é o contrário do que defende qualquer democrata. Acho que é preciso estar atento. E isso está acontecendo não só na América Latina, mas em vários lugares do mundo todo. Os governos gostam de ter todo o poder, ter controle de tudo e isso pode virar um costume. Claro que sabemos que existem situações excepcionais em função da pandemia e o governo precisa de mecanismos para atuar. Mas isso não pode ser uma regra e sim uma exceção.

BBC News Brasil - O governo brasileiro conta com forte participação de militares. Bolsonaro tem um discurso de que a ditadura militar não foi negativa para o país. Qual a sua opinião?

Santos - Como democrata, não gostei nunca que militares respondam pelos governos. Os militares - e eu fui militar - devem cumprir com seu mandato constitucional. E não virar um co-governo. O governo deve estar nas mãos dos civis. A essência da democracia exige que os militares cumpram seu dever e não interfiram na administração dos assuntos públicos porque essa fórmula, geralmente, gera consequências negativas.

Juan Manuel Santos

Santos continua a defender o processo de paz que ajudou a criar, mas se diz preocupado

BBC News Brasil - O senhor assinou o acordo de paz com as Farc em 2016. Como vê o acordo hoje? Existem notícias de que as células das Farc continuam atuando no interior da Colômbia. Não está preocupado com essa situação?

Santos - Estou preocupado, mas ao mesmo tempo tranquilo. O Acordo de Paz foi blindado juridicamente pela Corte Constitucional. Nenhum governo, ou os próximos três governos, pode aprovar leis ou decretos que contrariem o cumprimento dos acordos. O que sim me preocupa é que esse governo (presidente Iván Duque) foi muito lento em organizar o cumprimento dos acordos. Também me preocupa que certos líderes sociais estejam sendo assassinados em algumas regiões como resultado do acordo. Camponeses que perderam a terra pela violência ou líderes que estão estimulando a substituição dos cultivos ilícitos (folha de coca). Sei que ainda temos muitos problemas, mas vejo com satisfação e otimismo que a grande maioria dos integrantes das Farc, que se desmobilizou e se desarmou, continua atendendo ao processo de paz e se incorporando à vida civil. As Farc são hoje um partido político com representação no Congresso.

BBC News Brasil - Mas o senhor acha que chegará o dia em que, além de representação no Congresso, os integrantes das Farc terão empregos dignos e serão mais bem aceitos pela sociedade colombiana?

Santos - Acho que estão sendo cada vez mais aceitos. E existem ex-combatentes que estão trabalhando em empresas normais. E as pessoas cada vez mais os aceitam como uma parte fundamental da nossa vida social e política.

BBC News Brasil - Há poucos dias, um brasileiro e seu namorado suíço foram sequestrados no interior da Colômbia. Foi notícia no Brasil. A Colômbia ainda não é um país seguro para o turismo?

Santos - É um país muito mais seguro do que era. Antes, a metade do país era 'zona vermelha' (perigoso). Mas ainda temos problemas. Existem lugares onde as quadrilhas de criminosos, estas dissidências das Farc que estão dedicadas ao narcotráfico, operam. Ainda temos problemas. Mas somos um país diferente daquele que tínhamos há alguns anos porque não podemos comparar o que era a Colômbia há seis ou sete anos com o que o país é hoje. Mas não ignoramos que ainda temos problemas.

BBC News Brasil - O que mudou na sua vida ser Prêmio Nobel da Paz? Mudou alguma coisa?

Santos - Sim. Me fez estar mais comprometido a continuar ajudando as causas importantes ligadas ao que tem a ver com viver em um mundo mais pacífico. Para mim abriu uma janela, como disseram os indígenas, para entender que a paz não se faz somente entre seres humanos, mas que a paz também deve ser com a natureza. E nós vínhamos, de certa forma, destruindo a natureza. E se queremos paz entre seres humanos, temos que ter paz com a natureza. E estou me dedicando a isso, a promover a paz entre seres humanos e a promover a paz com a natureza.

BBC News Brasil - Onde o senhor está nesse momento? Há muito barulho de pássaros.

Santos - A Colômbia é o país com maior diversidade de pássaros do mundo. E estou em uma zona que está a uns 70 quilômetros de Bogotá. É uma zona onde há muitos e muitos pássaros.

BBC News Brasil - No final do ano passado foram realizados fortes protestos no Chile, na Colômbia, no Equador e em outros lugares da América Latina. Sua percepção é que eles estão adormecidos pela pandemia, mas voltarão? Ou não?

Santos - Voltarão, com certeza. A desigualdade social será um denominador comum dos protestos. Vamos ver mais desigualdade, mais desemprego, mais pequenos empresários quebrados. E em países como o meu, até os mais velhos, confinados na marra, também saem para protestar. Então, acho que os protestos estão congelados, mas quando a pandemia passar, serão retomados. Mas é quando os governantes teriam a oportunidade de ouvir a voz dos manifestantes, dos indignados e canalizar essa indignação para políticas melhores, mais justas, mais verdes. Parte desses protestos são os ambientalistas que viram como os países não se comprometem de verdade com os compromissos como o Acordo de Paris. Eu sou otimista nato e acho que essa combinação, se tivermos uma boa liderança, pode canalizar para a criação de nova economia e politicas que corrijam os problemas que existem há 200 anos na América Latina.

Trump

'O fenômeno Trump influenciou muito o resto do mundo. Trump buscou enfraquecer o multilateralismo, enfraquecer as organizações internacionais, as Nações Unidas, a Organização Mundial de Comércio, e isso repercute nas regiões'

BBC News Brasil - Podem ocorrer mudanças geopolíticas se o presidente Trump ganhar ou perder a eleição em novembro?

Santos - Essa eleição é muito importante para a América Latina. Se o senhor Trump seguir na Presidência, vamos continuar vendo uma política de total desconhecimento em relação à América Latina. Uma política improvisada que não nos deu nenhum benefício. Acho que o candidato democrata (Joe Biden) conhece a região e trabalhou pela América Latina, gosta e admira a nossa região. A relação entre Estados Unidos e América Latina melhoraria muito com uma mudança de governo nos Estados Unidos.

BBC News Brasil - Como o senhor vê a situação da Venezuela hoje? Não há previsão de novas eleições (presidenciais com maior participação da oposição) e o opositor Juan Guaido, que contou com apoio de vários países, parece ter perdido forças.

Santos - Acho que nesse momento está tudo parado. Continuo insistindo que a única solução e a mais favorável que temos na América Latina e, principalmente na Colômbia que é o mais prejudicado com a situação venezuelana, e não por causa dos venezuelanos, óbvio, é uma solução negociada, pacífica, onde devem estar presentes os jogadores determinantes. São eles Rússia, China, Cuba, Estados Unidos e América Latina. Essa tem que ser a solução e nunca é tarde.

BBC News Brasil - O senhor disse no início da entrevista que acha uma loucura como o presidente brasileiro está lidando com a situação da pandemia. Por quê?

Santos - Considerar uma pandemia como uma gripezinha. Dar sinal para que ninguém exerça nenhuma disciplina social, que ninguém acate as recomendações dos cientistas, dos médicos e isso só agrava o problema. E agora vemos os resultados.

BBC News Brasil - As pessoas tendem a seguir a seu líder?

Santos - Sim, claro. Os líderes devem dar exemplos. Os líderes têm responsabilidades com sua população. O que vemos hoje no Brasil e nos Estados Unidos são líderes que dão maus exemplos.

BBC News Brasil - Como Prêmio Nobel da Paz, se tivesse que mandar alguma mensagem ao Brasil, qual seria?

Santos - O Brasil é um país maravilhoso, com grande futuro. A América Latina sempre foi a região do futuro. Mas acontece que não permitimos que esse futuro chegue. Mas tomara que essa pandemia nos faça acordar. E nos mostre que podemos mudar certas políticas para que este futuro vire o presente. O Brasil e a América Latina temos tudo o que o mundo precisa. Temos biodiversidade, temos água, temos energia, temos uma população engajada e também os melhores jogadores de futebol.

Marcia Carmo
De Buenos Aires para a BBC Brasil