terça-feira, 7 de julho de 2020

Vitória de Biden nos EUA ampliaria pressão por preservação da Amazônia

Depois de investir por mais de um ano e meio no estreitamento das relações entre Brasil e Estados Unidos, o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) parece cada vez mais próximo de perder seu aliado preferencial: o atual presidente americano e candidato à reeleição pelo partido republicano Donald Trump.

Joe Biden discursa

                                  Revista britânica The Economist aponta que Joe Biden 
                                           tem 90% de chances de vencer a eleição

Depois de investir por mais de um ano e meio no estreitamento das relações entre Brasil e Estados Unidos, o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) parece cada vez mais próximo de perder seu aliado preferencial: o atual presidente americano e candidato à reeleição pelo partido republicano Donald Trump.

Atrás nas pesquisas eleitorais e amargando taxas de popularidade próximas ao seu piso no mandato, em meio a uma grave crise pandêmica e econômica, que já custou a vida de 130 mil americanos e mais de 30 milhões de empregos, Trump hoje tem menos chances estatísticas do que o democrata Joe Biden de ser o ocupante da Casa Branca a partir do ano que vem.

O modelo da revista britânica The Economist, por exemplo, aponta Biden com 90% de chances de vencer no colégio eleitoral americano, que define o novo presidente.

"Na nossa trajetória de mais de cem anos de política externa republicana tivemos pelo menos outros quatro momentos de alinhamento com os americanos: no início do século, com o Barão do Rio Branco, no governo Dutra, nos anos 1940, na ditadura militar, a partir de 1964 e no governo Collor, nos anos 1990. Mas nesse grau que vemos hoje é inédito. E é inédito também porque é um alinhamento ideológico, parece um alinhamento mais entre governos do que entre países", diz Dawisson Belém Lopes, professor de relações internacionais da UFMG.

A harmonia não é evidente apenas em gestos de simpatia, como no convite de Trump para que o filho do presidente brasileiro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, estivesse na reunião privada dos dois mandatários no salão oval da Casa Branca em março de 2019, ou nos bonés com slogans do político americano como "Make America Great Again" ou "Trump 2020", que o mesmo Eduardo gosta de vergar em público.

O Brasil também alterou significativamente sua posição histórica no xadrez global e ancorou suas opiniões na agenda de Trump. Isso aconteceu, por exemplo, na proposta de mudar a embaixada brasileira em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém, o que apenas os Estados Unidos fizeram até agora, e que foi considerado um desrespeito pelos árabes já que os palestinos disputam o controle de parte da cidade.

Ou em posturas agressivas contra a China e contra órgãos multilaterais, como a Organização das Nações Unidas ou a Organização Mundial da Saúde. Ou mesmo na posição negacionista e cética em relação ao coronavírus e ao aquecimento global.

E se der Biden na Casa Branca?

A eventual retomada da Casa Branca pelos democratas mudaria sensivelmente ao menos parte desse cenário. "É certo que a agenda do meio ambiente, direitos humanos e direitos trabalhistas que não está na mesa hoje na relação dos dois presidentes deve ser incorporada às discussões bilaterais caso Biden vença", afirmou à BBC News Brasil Abrão Árabe Neto, vice-presidente executivo da Câmara Americana de Comércio (Amcham) no Brasil.

A possibilidade de mudança tem gerado certa especulação e tensão entre brasileiros, alguns dos quais temem que o país possa ser ostracizado diante das diferenças entre Biden e Bolsonaro - o que anularia todo o investimento feito em uma aproximação que, segundo especialistas em relações internacionais, por enquanto trouxe menos benefícios do que custos ao Brasil.

Contribuiu para o mal-estar uma carta que 24 deputados democratas da Comissão de Orçamento e Assuntos Tributários enviaram ao representante comercial dos Estados Unidos, Robert Lighthizer, no começo de junho.

Na comunicação os deputados diziam: "Nós nos opomos fortemente a buscar qualquer tipo de acordo comercial com o governo Bolsonaro no Brasil. O aprimoramento do relacionamento econômico entre os Estados Unidos e o Brasil, neste momento, iria minar os esforços dos defensores dos direitos humanos, trabalhistas e ambientais brasileiros para promover o Estado de Direito e proteger e preservar comunidades marginalizadas".

Os dois países têm se esforçado para chegar a consenso sobre temas comerciais não tarifários e há a expectativa de que haja algum anúncio nesse sentido até o fim do ano.

Trecho da floresta amazônica

Biden já avisou que o meio ambiente será uma das suas prioridades


A embaixada brasileira foi a campo, por meio de uma carta, tentar desfazer o mal-estar. O indicado a embaixador do Brasil em Washington, Nestor Forster, também passou a procurar individualmente os congressistas que assinaram a carta para uma conversa.

Há cerca de três semanas, por vídeo, ele se reuniu com o congressista Earl Blumenauer, o responsável por comércio na Comissão.

Mas, de acordo com ex-auxiliares de Biden e democratas ouvidos pela BBC News Brasil, não existe o risco de que o Brasil passe a ser tratado como uma espécie de Venezuela da direita em um eventual novo governo democrata.

Primeiro porque o Brasil é visto como um país de relevância regional para ajudar a alterar o regime venezuelano, uma das prioridades no continente tanto para democratas quanto para republicanos.

Segundo porque, lembram os auxiliares, Biden não é Trump e vai atuar para trazer para a mesa de negociação o máximo de aliados possíveis, especialmente em um momento em que o status da China como o adversário a ser batido se tornou um consenso suprapartidário na política americana.

"Ideologia não deve ser a régua com a qual os Estados Unidos medem os seus aliados. O que importa são as áreas de interesse em comum que os dois países têm, independentemente de quem seja o presidente do Brasil no momento", afirmou à BBC News Brasil Juan Gonzalez, ex-conselheiro para assuntos de América Latina do então vice-presidente Joe Biden durante a gestão Obama.

"Biden é um político profissional, sabe muito bem separar retórica de pensamento estratégico", concorda Gabrielle Trebat, ex-secretária adjunta de negócios do Tesouro americano e atualmente diretora da consultoria McLarty, cujo fundador, Nelson Cunningham, também tem sido ouvido por Biden em temas de América Latina.

Segundo Trebat, a carta dos congressistas democratas fala mais sobre o momento político polarizado nos Estados Unidos - e sobre o interesse em impor derrota a Trump em ano eleitoral - do que sobre a relação com o Brasil em si.

"Com Biden tende a ser uma relação mais estável e previsível do que o que estamos vendo agora. Pode até ser bom para o Brasil", opina Trebat.

Em ao menos um aspecto, a deportação em massa de brasileiros, isso parece ser verdade. Trump tem como base de sua agenda políticas anti-imigração e desde o fim do ano passado adotou a prática de enviar aviões fretados pelo governo americano brasileiros que cruzassem a fronteira com o México irregularmente.

Biden provavelmente suspenderia esse tipo de deportação sumária, que gerou críticas ao governo de Bolsonaro, acusado de não defender os brasileiros no exterior.

Biden está para o meio ambiente como Carter esteve para os direitos humanos?
Mas há ao menos um tema em que uma eventual gestão democrata deve aumentar a pressão sobre o governo Bolsonaro.

Biden já anunciou que o meio ambiente será uma das suas prioridades: se vencer, vai recolocar os americanos no Acordo do Clima de Paris, do qual foram retirados por Trump, em um movimento que o próprio Bolsonaro disse ter interesse em imitar.

Da mesma forma, o democrata já avisou que, em sua gestão, nenhum acordo comercial será fechado "sem que haja um ambientalista na mesa de negociações".


Trump faz discurso

Trump está atrás nas pesquisas eleitorais e amarga 
taxas de popularidade próximas ao seu piso no mandato

Em março, durante um debate democrata em que foi perguntado sobre o que faria para colocar em prática seu plano de US$1,7 trilhões anti-aquecimento global, Biden mencionou especificamente a questão do desmatamento em território brasileiro em sua resposta: "Eu estaria agora organizando o hemisfério (ocidental) e o mundo para fornecer US$ 20 bilhões para a Amazônia, para o Brasil não queimar mais a Amazônia, para que pudessem manter as florestas".

Diferentemente do que aconteceu no ano passado, durante a temporada de queimadas na Amazônia, quando a Europa - especialmente França, Alemanha e Noruega - se levantou contra a devastação da floresta e o governo Trump atuou para baixar a fervura da discussão internacional e impedir que recomendações fossem feitas ao governo Bolsonaro pelos membros do G7, um governo Biden tenderia a atuar no caminho oposto.

Para um embaixador brasileiro com experiência em Estados Unidos, ouvido reservadamente pela BBC News Brasil, o governo Biden poderia funcionar em relação ao meio ambiente como o governo do democrata Jimmy Carter (1977-1981) atuou em favor dos direitos humanos no Brasil e na América Latina durante os regimes militares na região.

Carter substituiu a política externa dos antecessores republicanos Ronald Reagan e Gerald Ford de indiferença em relação a torturas, assassinatos e abusos cometidos pelos governos ditatoriais locais que eram simpáticos aos americanos e anti-soviéticos. Passou a pressionar pelo fim dessas práticas e influenciou, em certa medida, o processo de redemocratização brasileira.

Em suas denúncias das violações de direitos humanos no Brasil, houve na equipe de Carter quem defendesse sanções econômicas ao Brasil. Assim como na época, essa é uma saída improvável de ser aplicada pela gestão Biden.

Mas tanto a ideia do fundo de apoio quanto um acompanhamento mais próximo da questão e eventual vocalização de críticas públicas ou via Embaixada Americana no Brasil seriam muito prováveis, de acordo com membros do Itamaraty consultados pela reportagem.

Um governo Biden daria mais um empurrão no ministro Ernesto Araújo para fora da cadeira de chanceler.

Araújo é frequentemente lembrado em Washington justamente por um discurso que fez na capital americana, em setembro de 2019, no think tank conservador Heritage Foundation, em que negava o aquecimento global e dizia que críticas na condução do país em relação à devastação da Amazônia eram meros ataques à soberania brasileira.

Para parte dos democratas, Araújo deixou de se mostrar um interlocutor respeitável nesse momento.

A crise do ano passado, aliada ao ciclo atual de desmatamento, que já supera o de 2019, ajudam a explicar por que, há duas semanas, 29 instituições financeiras que gerenciam mais de R$ 3,7 trilhões em investimentos enviaram ao Brasil uma carta em que afirmavam que "é provável que os títulos soberanos brasileiros sejam considerados de alto risco se o desmatamento continuar".

O agronegócio brasileiro também passou a enfrentar resistências aos produtos exportados para Europa.

Em um possível governo Biden, o mal-estar também poderia chegar aos Estados Unidos. Mas, argumentam auxiliares do democrata ouvidos pela BBC News Brasil, erra quem apostar em medidas duras e corte de vias diplomáticas.

Citam como exemplo do estilo diplomático de Biden sua condução da crise aberta com a então presidente brasileira Dilma Rousseff, em 2013, diante das denúncias de que a Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês) havia espionado comunicações dela, de outros integrantes do governo brasileiro e da Petrobras.

Dilma cancelou viagem que faria aos Estados Unidos, durante a qual seria recebida em jantar de gala na Casa Branca por Obama. Biden se empenhou pessoalmente em se desculpar e desfazer o mal-estar.

Tanto assim que em 2014, o então vice-presidente veio ao Brasil para se encontrar com Dilma e tentar reestabelecer o relacionamento. Conseguiu costurar uma nova visita da mandatária brasileira aos Estados Unidos para 2015.

"Ele não fez isso porque era a Dilma Rousseff ou qualquer outro. Ele fez isso porque ele é Joe Biden. Ele sempre trabalhou para aproximar Brasil e Estados Unidos. Esse interesse de aproximação do Brasil existe, ele não vai fechar a porta para isso", afirma um ex-auxiliar de Biden à BBC News Brasil.

Mariana Sanches - @mariana_sanches
Da BBC News Brasil em Washington

segunda-feira, 6 de julho de 2020

Por duas polegadas a mais

Primeira miss Brasil, Martha Rocha morre no Rio de Janeiro aos 83 anos


Por duas polegadas a mais

Edson Vidigal

(Em 14 de Março de 2019 escrevi e publiquei a crônica que segue, após saber que Marta Rocha passara a morar num abrigo de idosos, por questões financeiras).


No que mais se fala é na reforma da previdência social, a realidade econômica do País anuncia que se não houver uma nova previdência o Governo não terá mais dinheiro para pagar as atuais aposentadorias, portanto, se o Congresso não aprovar a reforma da previdência, nem pensar em como será o amanhã dos que não tendo mais emprego nem mais idade e saúde para algum trabalho precisarem se aposentar.

Batendo na tecla de retrocesso da datilografia mental, me reencontro a mirar na mesa da sala, na casa do meu pai, na Rua São Benedito, em Caxias, a capa da revista O Cruzeiro, espreitando um descuido dos olhares adultos para ir tê-la comigo, sozinha comigo, a moça docemente sensual em seu maiô catalina, que atiçava em mim aquele o fogo reprimido na fantasia púbere, natural na pré-adolescência.  

No primeiro carnaval, decorei a marchinha – por duas polegadas a mais, passaram a baiana prá trás. Eu não entendia direito o enredo, mas de pronto notei que ela, a moça da capa, tinha sido vítima de alguma maldade muito séria.

À medida em que o tempo me enchia os olhos e as esperanças com coisas novas da vida mais eu descobria que muitos outros homens se achavam namoradinhos dela.

O inconsciente do mundo masculino foi encontrando maneiras de convivência com aquela saudável fixação. Seu nome virou sinônimo de beleza pura para os homens e sua estampa fonte inesgotável de imitação para as mulheres.

Em Long Beach, nos Estados Unidos, em 1954, a moça baiana já estava aclamada como a mulher mais bonita do mundo. Um juiz apareceu com uma fita métrica e depois o veredito – duas polegadas a mais nos quadris.

Os olhos delas são duas contas azuis. Sua pele parece louça. Isso ela ouvia desde criança. De ascendência alemã, falava francês, inglês e espanhol. Mas não era do tipo alto e peituda que os gringos até hoje adoram. Talvez daí o preconceito contra as duas polegadas a mais nos quadris da moça.

O Brasil, acompanhando tudo pelas ondas do rádio, que se contentasse com a segunda posição no pódio da beleza universal.

Tímida, vendo aquele mundo novo pelas meninas azuis dos seus olhos levemente míopes, a moça baiana bem que seria hoje comparada com essas legiões de brasileiros que, acreditando no direito adentram os cancelos da Justiça – ganham, mas não levam!

Teria mesmo que ser a segunda, a número dois. O presidente do Júri mandou que o cetro e a coroa fossem entregues à americana Miriam Stevenson, sobre quem, e não demorou muito, quase ninguém soube mais. Por onde andará Miriam Stevenson? Por onde andará?

Marta Rocha, viúva do primeiro casamento com o milionário português, aliás banqueiro na Argentina, Álvaro Piano, com quem se casou quando tinha 23 anos de idade, retorna de Buenos Aires voltando a morar no Brasil. Guardou luto. Sua herança foram dois filhos.

Uma geração inteira de homens seguiu fixado nela, sonhando adivinhações com que pudessem alcança-la. Convivi de perto com alguns, uns ricos, outros poderosos, todos querendo as suas graças, um deles querendo mesmo casar com ela.

Seu segundo casamento foi com Ronaldo Xavier, que visto hoje talvez coubesse bem no samba de Miguel Gustavo na voz de Jorge Veiga – “Café Soçaite”. Com o Ronaldo, uma filha.

O tempo não esquece a idade e a idade nunca para consumindo a vida. Marta como todo mortal viveu agruras, atravessou dificuldades e hoje, aos 82 anos de idade, segue antenada no mundo.

Hoje estou muito triste pela Marta, depois que li sua mensagem numa rede social, assim:

 “Meus amigos, participo que estou morando numa pousada para idosos por questões financeiras. Não me sinto diminuída, humilhada por isso. Pelo contrário, pois a minha dignidade segue sem mácula.”

Marta Rocha não é aposentada, nem tem plano de saúde.

Edson Vidigal, Advogado, foi Presidente do Superior Tribunal de Justiça e Presidente do Conselho da Justiça Federal.

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14.03.19

Brasil tem mais de 65 mil mortes por coronavírus confirmadas

País soma 1.613.351 casos confirmados de Covid-19 e 65.120 mortes pela 

O Brasil passa da marca de 65 mil mortes por coronavírus em pouco mais de quatro meses de pandemia, aponta um levantamento feito pelo consórcio de veículos de imprensa a partir de dados das secretarias estaduais de Saúde.

O país é o 2º com os maiores números de óbitos e de infectados no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos: segundo dados da universidade americana Johns Hopkins, o Brasil tem 12% das mortes e 14% dos casos no planeta.

A atualização do balanço inclui os estados que atualizaram os dados até as 13h desta segunda-feira (6). Veja:

65.120 mortes
1.613.351 casos confirmados

Antes da atualização das 13h, o consórcio divulgou o balanço das 8h, com os dados mais atualizados das secretarias estaduais naquele momento. Eram 1.604.683 casos confirmados de Covid-19 e 64.909 mortes.

(No domingo, 5, às 20h, o balanço indicou: 64.900 mortes, 535 em 24 horas; e 1.604.585 casos confirmados. Desde então, CE, DF, GO, MG, MS, PE, RN, RR, SP e TO divulgaram novos dados.)

Fonte: Por G1 / O Globo
 

Porandubas Políticas

Por Gaudencio Torquato

Abro com uma historinha de JK e Jânio no Ceará.

O guidão de fora

Juscelino Kubitschek, presidente da República, foi ao Ceará com Armando Falcão, ministro da Justiça. Sebastião Nery conta que Falcão, cearense, levou JK a um desafio de cantadores. Um cego estava lá, com sua viola, gemendo rimas. Juscelino chegou, cumprimentou-o. O cego respondeu na hora:

- Kubitschek, ai, meu Deus, que nome feio. Dele eu só quero o cheque porquê do resto ando cheio.

Um ano depois, a mesma cena. Jânio Quadros, presidente, vai a Fortaleza, há um desafio de cantadores. Chega com os óculos grossos e longos bigodes, um cantador o vê, saúda:

– Vou louvar o meu patrão que já vem chegando agora. Engoliu a bicicleta e deixou o guidão de fora.

Nunca mais ninguém levou presidente para ouvir cantador no Ceará.

Entrando em julho

Julho chega com inverno e poucas esperanças. Os governos, a partir do Estado de São Paulo, o mais populoso da Federação, decidiram abrir as atividades negociais, mesmo sob regime de progressão. Mas a expansão dos números de mortos e contaminados mostram que a decisão foi um pouco apressada. O fato é que os governos notaram que suas decisões vinham sendo quebradas pela reação do comércio. A essa altura, mesmo com receio de contaminação, as pessoas fazem pressão para abertura de seus pequenos e médios negócios. A morte, de tão banalizada, já não é um bicho-papão: fulano morreu, que pena... Esse é o ligeiro desabafo de uma sociedade que se torna fria, calculista, pragmática. Tempos duros os nossos.

Eleições à vista

Mais ao fundo, começa-se a ver a onda eleitoral. De início, partidos do Centrão queriam realizar as eleições em outubro. Agora, com a promessa do governo de liberar R$ 5 bilhões para as prefeituras combaterem a pandemia da Covid-19, já aceitam o adiamento para novembro. Claro, com grana a mais nos cofres candidatos à reeleição, principalmente, contam com mais chances de vitória. Mais adiante, voltarão a combater os males da administração, incluindo micro-ondas de vírus, que irão embora e voltarão, segundo os prognósticos.

Campanha negativa

Este ano a tendência é a da volta da propaganda eleitoral. Negociação dos partidos. No Brasil, é comum fazer-se propaganda negativa. Muito cuidado com isso. A Revolução Francesa de 1789 pode ser considerada o marco da propaganda agressiva nos termos em que hoje se apresenta. Ali, os jacobinos, insuflados por Robespierre, produziram um manual de combate político, recheado de injúrias, calúnias, gracejos e pilhérias que acendiam os instintos mais primitivos das multidões. Na atualidade, é a nação norte-americana que detém a referência maior da propaganda agressiva, mola da campanha negativa. Biden e Trump devem abusar da propaganda negativa. Este formato, cognominado de mudslinging, apresenta efeitos positivos e negativos. No contexto dos dois grandes partidos que se revezam no poder - democrata e republicano -, diferenças entre perfis e programas são mais nítidas e a polarização sustentada por campanhas combativas ajuda a sociedade a salvaguardar os valores que a guiam, como o amor à verdade, a defesa dos direitos individuais e sociais, a liberdade de expressão, entre outros. Nem sempre a estratégia de bater no adversário gera eficácia.

Impactos I

Os impactos a serem deixados pela pandemia serão de monta, principalmente na esfera de valores e costumes. A proximidade maior com a morte baixará uma cortina de frieza entre as pessoas. O pragmatismo se elevará no processo decisório, a exigir políticas de resultados. A pressa e ações intempestivas se expandirão na esteira de recuperação do tempo perdido. Alguns analistas chegam a projetar os efeitos em escala mundial.

Impactos II

Os EUA deixarão de ser o principal protagonista da política mundial ao perderem sua condição de fonte de estabilidade no planeta; a cooperação internacional definhará, eis que as Nações foram incapazes de lidar conjuntamente com as ameaças; a austeridade fiscal vai para o beleléu, ante a inevitável condição de governos aumentarem gastos para enfrentar as turbulências provocadas pela epidemia e a globalização, cantada e tão decantada, perderá seus eixos por conta dos controles rígidos que os países adotarão para proteger suas fronteiras e economias. Moisés Naím é um desses analistas.

Novas ondas

China, Índia e países europeus, como a Alemanha, começam a registrar novas ondas da pandemia. Na China, o vírus se espalha pelos porcos.

Paz e amor?

Lê-se que o presidente Jair Bolsonaro entrou na fase do "Jairzinho Paz e Amor". Está mais calmo e silente. Menos tosco e agressivo. Coisa de passagem. Bolsonaro cultua estratégia de guerra. Aprecia ir à luta. Guerra, guerra, guerra, ferocidade à moda Hitler. Sem medo de enfrentar as intempéries do inverno russo, por exemplo. Teria sido aconselhado pelos generais a maneirar sua índole. Precisa arrefecer o ânimo dos parlamentares, muitos ávidos para abocanhar nacos da administração. O Centrão está de olho nas sobras. Ele tem de enfrentar os casos que assombram o filho n° 1, o senador Flávio, cercado pela "rachadinha", caso Queiroz e, ainda, a CPI das fake news, que correrá pelo TSE. E a guerra é o palco onde Bolsonaro tenta segurar sua base de 30%.

Lula sobrevivente

O PT ainda não fez com que Lula descesse do altar onde está entronizado como salvador do lulopetismo. E ele continua a acreditar que é mesmo o Todo-Poderoso. Ora, Lula só tem chance em clima de débâcle geral, caos no país. Seu nome já não tem muito apelo para convocação de multidões. Soa como caneco enferrujado. Ideias são as mesmas. Fazer a revolução na política e nos costumes. Desbancar as elites. Não sente o que se passa ao redor dele. Tornou-se insensível. Não abre o partido para novas lideranças. E os novos, como Fernando Haddad, fazem loas e o aplaudem esperando sua benção para voltarem a ser candidatos.

Bodódromo

No meio da pandemia – o pico só virá no final de julho – o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, escolheu uma prioridade: investir R$ 30 milhões no bodódromo de Petrolina, onde se come um farto bode assado a céu aberto, como lembra o jornalista José Casado em O Globo.

Início do marketing político

"Rastreie, vá ao encalço de homens de toda e qualquer região, passe a conhecê-los, cultive e fortaleça a amizade, cuide para que em suas respectivas localidades eles cabalem votos para você e defendam sua causa como se fossem eles os candidatos". (Quinto Túlio Cícero aconselhando o irmão Marco Cícero, o grande tribuno, em 64. A. C., quando este fazia campanha para o Consulado de Roma)

Frente pouco ampla

A tão falada Frente Ampla, apontada como solução para sair do impasse dos extremos do arco ideológico em 2022, terá dificuldades para se constituir. Cada parceiro partidário quer ganhar uma grande fatia do bolo. Os partidos maiores pretendem dominar os protagonistas. É muito cedo ainda para uma tentativa de organização. Mas a bagunça no cenário inviabiliza por enquanto a ideia. Faltam líderes, sobra orgulho.

Alcolumbre quer ficar

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, vai tentar mudar o regimento da Casa para poder se reeleger em fevereiro do próximo ano. Só poderia na legislatura seguinte. Tem chances de conseguir. Já Rodrigo Maia confessa ter dado sua cota de sacrifício, não desejando, assim, mudar o regimento da Câmara para poder se reeleger. Mas como ficará o princípio da igualdade? O que será permitido no Senado será proibido na Câmara? Estranho.

Municipalização x nacionalização?

Questões importantes que florescem na seara eleitoral: campanhas tendem a ser municipalizadas ou a receber inputs federais? Micropolítica – política das pequenas coisas – ou macropolítica, temáticas abrangentes? O discurso da forma (estética) suplantará o discurso semântico? Campanhas privilegiarão pequenas ou grandes concentrações? Qual é o papel das entidades de intermediação social (associações, movimentos, sindicatos, federações, clubes, etc.)? Telegráficas respostas: 1) Ambiente geral – estado geral de satisfação/insatisfação – adentra esfera regional/local (temas locais darão o tom, mas a temperatura ambiental será sentida); 2) Micropolítica, escopo que diz respeito ao bolso e a saúde, estará no centro dos debates; 3) O discurso semântico – propostas concretas e viáveis – suplantará a cosmética; 4) Pequenas concentrações, em série, gerarão mais efeito que grandes concentrações; 5) Organizações sociais mobilizarão eleitorado.

Decotelli

Acusado de ter feito plágio na dissertação de mestrado, flagrado na mentira pelo reitor da Universidade de Rosário, na Argentina, que desmentiu ser ele doutor, e também desmentido por não feito pós-doutorado na Alemanha, o quase ministro da Educação, Carlos Alberto Decotelli, mentiu descaradamente. Como alguém diz ser doutor sem sê-lo? Como alguém se apresenta como mestre em uma dissertação plagiada? Logo alguém que vai comandar a Educação no Brasil? Que compromissos terá com o zelo, a verdade, a disciplina, a honestidade, a dignidade, a integridade? Professor, assuma seu erro, mas não assuma o Ministério. Foi o que fez. Pediu demissão. Essa mancha vai acompanhá-lo por toda a sua carreira.

Bill Gates

Bill Gates acredita que a situação atual dos Estados Unidos frente à pandemia do coronavírus é "mais sombria" do que imaginou no começo da crise. Em entrevista ao canal americano CNN, o fundador da Microsoft afirmou que os EUA não foram rigorosos o suficiente em questões de proteção, como o uso de máscaras, monitoramento do distanciamento social e esforços de quarentena no território.

Aeroporto em terra alheia

O novo aeroporto de Natal, em São Gonçalo do Amarante, foi construído pela iniciativa privada a partir de 2011, começou a operar em 2014 e é reconhecido como um grande incentivo para a indústria do turismo do Rio Grande do Norte. O terreno foi passado pelo Estado para a União. A empresa que o construiu e ainda opera, a Inframérica, está desistindo do negócio, pois o retorno é baixo.

Negócios da privatização

Diante da desistência da Inframérica, o Ministério da Infraestrutura resolveu relicitá-lo, dentro de seu programa de privatização. Só tem um detalhe: aquelas terras ainda pertencem a ¾ de seus originais proprietários, que há 20 anos lutam na Justiça pelo pagamento das desapropriações. O Estado se exime de culpa. E a União finge que não há nada, mas recorre de todos os processos. Uma notificação extrajudicial tenta barrar a relicitação, pois "conceder uso do que não lhe pertence é contra o princípio de moralidade pública e sem amparo legal".

Fecho a Coluna com uma historinha da Bahia.

Conjunção rachativa

Grande de nome e pequeno de corpo. Magricela, esperto, inteligente, José Antônio Wagner Castro Alves Araújo de Abreu, sobrinho-neto de Castro Alves, herdou o DNA, o talento e a vadiagem existencial do poeta. Não gostava de estudar. No esporte, era bom em tudo. Colega de Sebastião Nery no primeiro ano do seminário menor, na Bahia, em 1942, na aula de português, o padre Correia lhe perguntou o que era "mas".

– É uma conjunção.

– Certo, mas que conjunção?

Zé Antônio olhou para um lado, para o outro e respondeu:

– Conjunção rachativa, professor.

– Não existe isso, Zé Antônio.

– Existe, professor. Quando a gente quer falar mal de alguém, sempre diz assim:

– Fulano até que é um bom sujeito, mas... E aí racha com ele.

Gaudêncio Torquato, Professor Titular na USP, é cientista político e consultor de marketing político.
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Brasil, nosso problema

Bolsonaro nada propôs em lugar do que tenta destruir, constata Flávio Miragaia Perry, embaixador aposentado, neste artigo publicado originalmente em O Globo, edição de hoje.

Não acredito na conversão de Bolsonaro. Sua ignorância é espantosa.

O governo tentou “governar” pelo confronto: disputou com todo mundo, em critérios sobre costumes, na desmontagem da política ambiental, na contestação dos valores e vantagens do multilateralismo. Conduziu uma política externa à deriva dos fatos internacionais, contra a busca do entendimento, a solução de conflitos, a moderação dos excessos, a defesa da história e cultura brasileiras, a ampliação do horizonte econômico, a defesa dos direitos humanos e desdobramentos válidos, o que sempre fizemos no cuidadoso comportamento diplomático, para aproveitar as ocasiões de afirmação do interesse nacional, na defesa da paz, entre tantos aspectos que nos qualificaram como um país e uma diplomacia confiáveis. Bolsonaro nada propôs em lugar do que tenta destruir.


O governo Bolsonaro tem sido um despropósito internamente, no confronto com o Congresso e com o Supremo Tribunal Federal, no desprezo pela Constituição, nos maus conceitos jurídicos, numa discutível adesão à economia chamada liberal, numa generalização da ideia do Estado mínimo e numa suposta solução do problema do desenvolvimento econômico via investimento privado e clara despreocupação social, num país desequilibrado e desigual. Franca oposição ao ambiental.

A pandemia implantou-se no Brasil com força, por falta de planejamento e coordenação entre União, estados e municípios, por uma idiossincrasia do presidente alimentada pela frieza dos números de seu ministro da Economia. É frontal a falsa oposição entre a economia e a vida humana. Bolsonaro desprezou a vida humana. Na economia, sob pressão da opinião nacional ofendida, tomou providências que não se completaram. O auxílio emergencial, para atender a cerca de 50 milhões de brasileiros desprovidos de recursos para sobrevivência, não chegou a um número expressivo de cidadãos pobres: o método foi falho. Pequenas e microempresas não conseguiram acesso ao crédito, apesar da propaganda governamental. Há falências e assustador desemprego.

A recuperação da economia, assim que a crise da pandemia acalmar, não tem um plano discutido com a sociedade: sim, faremos a reforma tributária, para amenizar as diferenças de tratamento e as sobrecargas, mas ninguém reformulou os projetos conhecidos, que já não têm a mesma serventia, pois eram focados apenas no equilíbrio fiscal. O que o país necessita é de um forte socorro do Estado aos 50 milhões de desassistidos e apoio decidido à pequena empresa. É preciso encontrar a fórmula para assistir a esse terço de cidadãos que estiveram à margem das considerações da economia. Isso deve ser feito com uma perspectiva, projetada, de realização anos à frente do equilíbrio fiscal.

Não acredito na solução do problema do desequilíbrio crônico de contas com a simples alienação de bens que o estatismo nos legou. Muito pode ser desmobilizado, nunca na bacia das almas, e sem dúvida não deve incluir alienação de símbolos da confiança nacional, Banco do Brasil, Correios e Petrobras, nem pode alienar investimentos em andamento na área nuclear.

O país não é simples e tem uma história de patrimonialismo e centralização. Esse pecado histórico deve ser amenizado e desconstituído.

Não acredito em Bolsonaro e sua ostensiva incompetência nem no apoio que o possa socorrer da parte de alguns generais de boa vontade. Governo se faz com as disponibilidades de cidadãos bem formados (universidades, centros de pesquisa, organizações sociais), militares ou não, desimpedidos de suas amarras corporativas. Por isso acredito que a nova proposta de reforma tributária há de acontecer a par com uma reforma do Estado, supondo um novo pacto federativo, criador de uma autêntica federação, e uma nova estrutura de reforma de atividades e funções na estrutura do Estado, nos três níveis, superando o empreguismo e formando inteligências a seu serviço, nos três ramos, Legislativo, Executivo e Judiciário.

A qualquer governo é preciso cabeças mais capazes, sem preconceitos, para enfrentar a crise que nos sufoca e encaminhar soluções.

Bolsonaro não irá longe.

O Senado e o Supremo

Cada uma dessas cortes foi concebida para assegurar um país livre e democrático

Desde o fim da 2.ª Grande Guerra no final da primeira metade do século 20, os países desenvolvidos moldaram suas cortes supremas conforme suas tradições jurídicas. Na França, os presidentes da República, do Senado e da Câmara escolhem um terço dos ministros do Conselho Constitucional cada um. Na Itália, o presidente, o Parlamento e os tribunais superiores indicam um terço da Corte Constitucional cada um. Na Alemanha, o Tribunal Constitucional Federal é dividido em duas turmas integradas por oito ministros e metade das indicações é feita pela Câmara e metade pelo Senado. Para neutralizar pressões políticas e garantir a neutralidade da corte, ela está instalada em Karlsruhe, a 700 quilômetros da capital, Berlim. Nos Estados Unidos, os ministros são indicados pela Casa Branca e só são nomeados depois de serem rigorosamente sabatinados e aprovados pelo Senado.

Cada uma dessas cortes foi concebida para assegurar um país livre e democrático. Além disso, quase todas são integradas por operadores jurídicos oriundos do Ministério Público, da advocacia e das faculdades de direito, e não só por juízes. Não se ater a requisitos vinculados a uma carreira do próprio Judiciário foi o modo encontrado para assegurar a indicação de profissionais destacados e dotados de reputação ilibada, notável conhecimento jurídico, experiência profissional e credibilidade. E como em toda discussão constitucional sempre há uma convergência entre o direito e a política, esse também foi o modo como esses países procuraram neutralizar as pressões partidárias e dotar a corte suprema de uma visão pluralista, capaz de respeitar as forças sociais majoritárias e as minorias sociais. É por isso que a indicação de um ministro não é um ato de escolha exclusiva de um presidente, mas um processo de construção de consenso.

A história mostra que essa experiência deu certo, pois, independentemente de os ministros escolhidos poderem ser conservadores ou progressistas, eles, sem abrir mão de suas convicções, sempre levam em conta os interesses da sociedade, e não os desejos de quem os indicou. Nas cortes supremas francesa, italiana, alemã ou americana, os ministros sabem que, se por um lado não há formas predeterminadas de interpretar uma norma constitucional, por outro, o que deles se espera é que estabilizem as expectativas normativas da sociedade num horizonte de médio e longo prazos.

Em decorrência da instabilidade institucional do Brasil, pois desde sua ascensão ao poder o presidente Jair Bolsonaro passou a criticar sistematicamente o STF e a afirmar que a vontade do povo está acima das instituições democráticas representativas, o modo de escolha dos ministros da mais alta Corte voltou a ser objeto de acirradas discussões. Entre outros motivos porque, dentro de meses, Bolsonaro indicará o sucessor do ministro Celso de Mello, que se aposentará compulsoriamente. E o maior receio é que, em vez de respeitar os requisitos fixados pela Constituição para a escolha, como reputação ilibada e notável saber jurídico, ele indique alguém que jamais se destacou na vida jurídica e que, ao vestir a toga, passe a agir no STF como mero auxiliar para a consecução dos objetivos obscurantistas do chefe do Executivo. Pelos nomes já aventados pelo Planalto, o temor procede, pois nenhum tem notável saber jurídico. Podem até ser ministros de Estado, mas, em matéria de saber jurídico, são o que Ruy Barbosa chamava de “nulidades”.

Por isso, se quiser de fato defender a democracia, o Senado precisa deixar claro desde já como agirá quando Bolsonaro formalizar a indicação do sucessor de Celso de Mello. Deve afirmar que seus membros exercerão a prerrogativa de sabatiná-lo com rigor e que não hesitarão em rejeitá-lo caso não atenda aos requisitos constitucionais. Se assim não procederem, os senadores não poderão reclamar mais à frente, quando ficar claro que o nome indicado por Bolsonaro para o STF passar a agir como uma espécie de cavalo de Troia, valendo-se do cargo para servir ao seu padrinho como auxiliar na destruição do Estado de Direito.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
06 de julho de 2020 | 03h00

A Constituição e a defesa do regime democrático

Os ministros do STF são os guardiães da vontade do povo expressa na Assembleia Constituinte

A Constituição estabelece que todo o poder emana do povo e em seu nome é exercido, por intermédio de representantes eleitos ou diretamente. A soberania popular é norma constitucional. E o voto direto, secreto, universal e periódico é cláusula pétrea. Na democracia representativa, contudo, as maiorias são eventuais. Daí a importância da preservação das liberdades e dos direitos fundamentais – não apenas no período eleitoral, mas durante todo o mandato dos eleitos. O eleitorado – sobretudo as novas gerações de eleitores – precisa ter garantida a plenitude das liberdades e do acesso às informações dos governantes para avaliar seu desempenho e votar livremente nas eleições seguintes.

No regime presidencialista – adotado no Brasil desde o início da República, nos moldes do presidencialismo originário dos Estados Unidos da América – a maioria elege o presidente da República e os membros do Congresso Nacional para exercerem o poder durante os respectivos mandatos. Na República e na democracia, portanto, por definição, o poder político é temporário e limitado. Deve ser exercido, durante o mandato eletivo, com o devido respeito à Constituição e às leis do País e observado o princípio da separação dos Poderes – que é também cláusula pétrea, assim como a Federação e os direitos e garantias individuais.

Na célebre obra De l’Esprit des Lois, em 1748, Montesquieu criou a doutrina da separação dos Poderes exatamente para evitar a concentração de poder e preservar as liberdades e os direitos fundamentais. E nos The Federalist Papers, escritos durante o período de realização da Convenção de Filadélfia, que deu origem ao presidencialismo e à Constituição americana de 1787, James Madison foi além e preconizou a adoção do sistema de freios e contrapesos (checks and balances) para realizar o controle recíproco dos Poderes no exercício de suas funções constitucionais, evitando abusos e excessos do que denominou majority tyranny (Federalist n.º 51). Finalmente, Alexander Hamilton observou ainda que a garantia da supremacia da Constituição é responsabilidade do Poder Judiciário em razão da natureza de suas funções: “... the judiciary, from the nature of its functions, will always be the least dangerous to the political rights of the Constitution” (Federalist n.º 78).

O Poder Executivo dirige a administração pública (“holds the sword”), o Poder Legislativo controla as finanças do Estado (commands the purse) e prescreve as normas legais (“prescribe the rules”...) e o Poder Judiciário julga de acordo com a Constituição e as leis (“The interpretation of the laws is the proper and peculiar province of the courts”).

Os ministros do Supremo Tribunal Federal – tal como os justices da Suprema Corte americana – não são eleitos pelo voto popular. São, todavia, os guardiães da vontade do povo expressa na Assembleia Constituinte e formalizada na Constituição. E sua nomeação transcende o mandato do presidente que os nomeou após prévia aprovação do Senado. A vitaliciedade garante sua independência para realizar os julgamentos. A vedação de atividade político-partidária lhes confere isenção e imparcialidade ao interpretar a Constituição e as leis do País, sem estar adstritos às contingências de mandato eletivo, o que assegura a estabilidade jurídica e a promoção do bem comum, e não de interesses de facções políticas.

No livro A Preface to Democratic Theory, Robert Dahl observa que James Madison, ao referir-se ao princípio republicano, preconiza a necessidade de instituição “that will blend stability and liberty” de maneira a assegurar os interesses comuns e permanentes da comunidade (Federalist n.º 63). Alexander Bickel, professor de Yale, na obra The Least Dangerous Branch – The Supreme Court at the Bar of Politics, argumenta que, desde Marbury versus Madison em 1803, quando a Suprema Corte criou o judicial review, esta tem a última palavra sobre a interpretação da Constituição. E observa que a Suprema Corte tem mantido contínuo colóquio com as instituições políticas para alcançar acomodação e compromisso sem abandono de princípio, destacando o caráter contramajoritário do seu papel. Laurence Tribe, professor de Harvard, no livro On Reading the Constitution argumenta que interpretar a Constituição não é reescrevê-la. E a despeito de teorias de interpretação e hermenêutica com alto grau de abstração dos princípios e normas constitucionais, é preciso estabelecer linha divisória entre o que a Constituição diz e o que o intérprete deseja que ela diga, sob pena de violação da vontade do povo manifestada na assembleia constituinte. Alexander Hamilton já observara que não se deve supor que o Judiciário seja superior ao Legislativo, mas sim que o poder do povo expresso na Constituição é superior a ambos.

O governo democrático deve respeitar a liberdade de expressão e de imprensa, admitir críticas e garantir o acesso de todos às informações governamentais. Não há democracia sem liberdade, pluralidade de ideias e de partidos políticos e tolerância recíproca na convivência e na diversidade. E a Constituição estabelece que compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição. E ao Ministério Público, a defesa da ordem jurídica e do regime democrático.

O autor deste artigo, Geraldo Brindeiro, doutor em Direito pela Universidade Yale, é Professor Titular na UnB. Foi Procurador Geral da República (1995-2003). Publicado originalmente n'O Estado de São Paulo, edição de hoje.

Os valores e a nova normalidade

Medo da morte, medo da insegurança social e econômica. Como viver sob tais circunstâncias? Professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande Sul, Dennis Lerrer Rosenfield analisa esses medos tão em voga atualmente. 
   
Talvez não nos tenhamos dado conta devidamente de que o mundo mudou. O que vivíamos antes não se faz mais presente senão sob o modo da lembrança e do anseio, enquanto o que nos espera está sendo apenas vislumbrado. Falamos uma linguagem fruto de nossa condição anterior, como quando verbalizamos a nossa situação sob o modo da pré e da pós-pandemia, como se este período atual fosse passageiro, a ser apenas atravessado.

Se há, estrito senso, um pós-pandemia, ele se situa posteriormente à descoberta, industrialização e distribuição maciça de uma nova vacina, capaz de controlar esta doença, se é que não teremos no futuro outros eventos do mesmo tipo.

Religiosos diriam que voltamos a ter pandemias, tempestades, pragas bíblicas como a dos gafanhotos e mortes que se acumulam em escala planetária. Moralmente, as relações humanas estão mudando, seja na quarentena, seja no desrespeito a regras que sejam melhores para a saúde de todos. A transgressão não deixa de ser um reconhecimento de que há uma nova normalidade, por mais que possamos ter dificuldades de admiti-la.

Seria tentado a dizer que antes de um “pós-pandemia” viveremos ainda bons meses, nãos se sabe quantos, de um lento e doloroso processo de saída, em que os caminhos a serem trilhados estão sendo somente vislumbrados. E nesta travessia as relações humanas estão sendo transformadas, comparecendo outros valores e formas de comportamento. A pandemia nos põe diante dos limites da condição humana e do seu próprio significado.

A finitude da condição humana, enquanto questão, surge com a irrupção do coronavírus, atingindo o corpo mesmo das pessoas e confrontando-as com a ameaça da morte súbita, imprevista. As pessoas são extraídas do seu cotidiano, passam a viver uma reclusão forçada e são levadas, queiram ou não, à introspecção. Algumas se voltam para a solidariedade, o fortalecimento da família, outras se sentem desorientadas ou mesmo abandonadas. Dentre elas aparecem diferentes demandas, como a ajuda familiar, o apoio dos amigos, até as mais propriamente “políticas”, decorrentes de pedidos de maior intervenção estatal.

A sociedade foi atingida por um inimigo presente e invisível, que tudo controla e ameaça, não deixa nenhum espaço para o descuido. Qualquer um pode ser atingido, sem sequer se dar conta de que o seu destino pode ter mudado, quiçá para sempre. Milhões de pessoas são afetadas pela crise econômica, o desemprego é estratosférico, a renda familiar cai vertiginosamente, as empresas menores não têm como se sustentar, cria-se um clima geral de insegurança. De um lado, o medo da morte; de outro, a insegurança social e econômica. Como viver sob tais circunstâncias?

Atentemos para o uso de máscaras e a relação que assim se estabelece com o outro. Crianças nas escolas, na volta às aulas, serão obrigadas a usar máscaras e a guardar uma distância sanitária dos colegas. O que isso significa? Significa que o outro não é uma companheira ou um companheiro, mas uma ameaça, nela e nele serão vistas a doença e a morte. Num shopping, num comércio, numa empresa, numa repartição pública surge o medo do outro, o sentimento de uma ameaça constante. Os valores morais sofrem uma grande transformação, seja ela consciente ou não. Em todo caso, as relações humanas estão sendo profundamente alteradas.

Pensa-se hoje na retomada da economia, como se estivéssemos na iminência de uma volta à normalidade anterior, com, por exemplo, os mesmos patamares de renda e de consumo. Há uma questão que se impõe: será que as pessoas voltarão a consumir da mesma maneira? Será que o consumo como valor não teria ele mesmo se tornado problemático? Talvez não baste a reabertura de shoppings e de comércios se essa mudança de valores e de comportamentos não for pensada e outras mensagens não forem transmitidas, baseadas na vida e na valorização dos outros.

Na quarentena as pessoas aprenderam a viver com menos bens materiais e apreciando mais as relações humanas nos microcosmos em que foram obrigadas a se inserir, como a família, o casamento, as relações amorosas e os amigos. Desapareceu a noção do entretenimento como era antes: ida a bares, restaurantes, lojas, shoppings, cinemas. Surgiram outros entretenimentos, como os streamings, a leitura de livros e a conversa – ou mesmo o silêncio – com o próximo. Todavia, para além desses entretenimentos, perguntas relativas à doença, à morte e à vida ganharam relevância. Sentimentos como o medo e a insegurança tomaram conta das pessoas.

Nos Salmos já aparecia a ideia de que “o início da sabedoria é o medo do Senhor”, que pode também ser lida em nosso contexto como uma indagação sobre o sentido mesmo da condição humana no recurso a um Senhor que venha em nosso auxílio se o soubermos reconhecer. Em Hegel aparece a mesma ideia: o “início da sabedoria é o medo (da morte violenta)”; em nossa condição, o medo da morte que pode irromper a qualquer momento sob a forma do coronavírus. Não caberia uma indagação sobre o saber e os nossos valores?

Publicado originalmente n'O Estado de São Paulo, edição de hoje.

"É possível dialogar com bolsonarismo popular moderado"

Autora de estudo sobre perfil dos apoiadores de Bolsonaro defende que partidos políticos deveriam parar de tratá-los de forma pejorativa e começar a buscar o diálogo. Segundo ela, boa parte não é radicalizada.

Coronavirus | Brasilien Wandgemälde mit Tauziehen zwischen Gesundheitspersonal Präsident Bolsonaro (picture-alliance/AP Photo/A. Penner)

Buscar o diálogo. Segundo ela, boa parte não é radicalizada. (    
AP Photo/A. Penner)

Os brasileiros que votaram em Jair Bolsonaro em 2018 hoje se dividem em três grupos: fiéis, apoiadores críticos e arrependidos. Os fiéis seguem ao lado do presidente e atribuem as crises que ele enfrenta a um boicote de instituições e da mídia. Os críticos veem erros do chefe do Executivo e consideram votar em outros nomes em 2022. E os arrependidos querem que ele saia do cargo, por renúncia ou impeachment.

Essa é uma das conclusões de uma pesquisa realizada por Camila Rocha, do Cebrap, e Esther Solano, da Unifesp. Outra conclusão é que, mesmo entre os eleitores que gostariam de votar em outro nome nas próximas eleições ou que o presidente saia já do cargo, há insatisfação sobre alternativas políticas e insegurança sobre o que viria depois.

Em entrevista à DW Brasil, Rocha afirma que o hiato entre os partidos de tradição democrática e o que ela define como "bolsonarismo popular moderado” foi provocado pela decepção com o envolvimento do PT em escândalos de corrupção, que maculou o sistema político como um todo, e por uma reação conservadora ao avanço de pautas progressistas nas esfera dos valores, como cotas para universidades e união homoafetiva, nos quais o presidente conseguiu "surfar” e se eleger.

Para reduzir essa distância, ela afirma que militantes de partidos políticos deveriam parar de tratar eleitores de Bolsonaro de forma pejorativa, o que ocorre quando eles são chamados de "gado” ou "estúpidos”. "As pessoas veem isso e se sentem mal, ficam com raiva. Ninguém quer ser tratado desse jeito”, diz Rocha.

"É possível estabelecer diálogo com boa parte do eleitorado do Bolsonaro. Não são [pessoas] radicalizadas, fazem parte das classes trabalhadoras e experimentam uma insegurança muito grande do ponto de vista trabalhista ou nas relações sociais. Estão desempregadas ou ameaçadas de perder o emprego e sentem todos os efeitos da espoliação urbana das grandes cidades”, afirma.

A pesquisa usou uma metodologia qualitativa que convida grupos pequenos, com três eleitores de Bolsonaro em cada, para conversas acompanhadas por uma moderadora, com o objetivo de captar argumentos e sentimentos dessa parcela da população. Foi financiada e publicada pela Fundação Friedrich Ebert, ligada ao Partido Social-Democrata (SPD) da Alemanha. Foram ouvidos 27 eleitores das classes C e D e moradores da região metropolitana de São Paulo, de 9 a 18 de maio, em conversas que duraram de uma hora e quarenta minutos a três horas e meia.

DW Brasil: Como é a metodologia da pesquisa?

Camila Rocha: Usamos o minigrupo focal. Diferente do grupo focal clássico, que coloca várias pessoas que não se conhecem numa sala e o mediador simula uma conversa, fazemos com um grupo menor de pessoas. Isso cria um ambiente mais intimista. São grupos de três pessoas, só homens ou só mulheres, que se conhecem previamente. Ficamos várias horas conversando com elas para entender os argumentos e as emoções que usam e sentem, com maior profundidade.

Que resultado encontraram?

Queríamos explorar os argumentos que o eleitorado popular do Bolsonaro vem utilizando. Depois a gente os separou em três grupos: os apoiadores fiéis, que mantêm apoio constante ao presidente, os apoiadores críticos, que continuam o apoiando mas fazem críticas mais contundentes, e os arrependidos, que votaram no Bolsonaro, mas se arrependem e querem que ele deixe o poder.

Como os apoiadores fiéis avaliam o presidente?

Eles entendem que Bolsonaro é um político autêntico e verdadeiro e que sua postura seria um indicativo dessa autenticidade, em comparação a outros políticos, que essas pessoas acham falsos e manipulados pelo marketing. Acham Bolsonaro coerente e comprometido com os valores e as políticas que anunciou na campanha de 2018. Para elas, a dificuldade do presidente para governar é atribuída ao que esse grupo entende como boicotes, principalmente por parte da mídia, mas também por parte do Congresso e do  Supremo. A frase mais recorrentes dessas pessoas é "O presidente quer fazer um bom governo, mas não deixam ele trabalhar”. Contudo, mesmo entre os apoiadores fiéis, a grande maioria não compartilha da ideia do presidente de que a pandemia seria uma gripezinha, principalmente as mulheres.

Esse grupo em geral apoia o fechamento do Congresso e do Supremo?

Essa é uma uma questão mais complicada. O fechamento do Congresso é um tema que se espraia para os três grupos, que não está necessariamente ligado a uma fidelidade ao presidente. O que essa parcela do eleitorado sente é uma decepção profunda com o sistema político, entendem que o Congresso, que deveria representar o povo, está corrompido. Então, se ele está corrompido, não representa mais o povo. É uma frustração emocional. O sentimento é que não está funcionando, então deveria fechar e recomeçar do zero. Claro que algumas pessoas têm uma visão autoritária, mas o que a maioria das pessoas sente é essa decepção, e as falas de fechamento do Congresso são um sintoma disso.

Como o grupo dos mais fiéis consome informação?

Todos os grupos têm uma dieta de mídia variada, se informam por canais de televisão, redes sociais, Youtube, portais de internet. Mas entre os apoiadores fiéis existe uma tendência de se informar também por canais mais ligados ao discurso do presidente, canais de Youtube de direita ou programas de rádio que tenham ressonância com esse discurso. E entre os mais fiéis existe incômodo com canais de televisão aberta, especialmente com a Rede Globo, que as pessoas percebem como um canal que manipula as informações e que é contra Bolsonaro.

E como o grupo dos apoiadores críticos avalia o presidente?

Entre eles a narrativa se divide. Existem os que que argumentam que o presidente estaria sendo boicotado, mas menos se comparado aos fiéis. Também aparece que o comportamento do presidente seria fonte de instabilidade, e que ele adicionaria às crises que a gente vem vivendo. Falam que é autêntico, mas passa dos limites e deveria obedecer mais aos protocolos do cargo. Também veem como ponto de instabilidade a atuação política dos filhos do presidente, especialmente em relação às investigações sobre fake news e o possível caso de corrupção da Alerj [Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro] do senador Flávio Bolsonaro, e à postura do Bolsonaro em relação à condução das investigações. Isso aparece nos três grupos com intensidade diferenciada: falam que se for provado que Bolsonaro tentou obstruir as investigações, então estaria cometendo um crime, e é melhor que deixe o poder.

E como o grupo dos arrependidos vê Bolsonaro?

Estão profundamente decepcionados com ele, decepção que ficou maior frente à pandemia, e querem que o presidente deixe o poder. Mas ao mesmo tempo há certa hesitação. Falam: "Quero que ele saia, porque a permanência dele vai causar muito estrago. Agora, a gente não sabe o que vai acontecer, tem medo do que pode acontecer. O vice entraria no lugar? Ou teria novas eleições?”. Algumas eleitoras falaram: "Na época do impeachment da Dilma, a gente achava que ia ter novas eleições e não teve, entrou o Temer no lugar e foi pior”. É uma das principais conclusões dessa pesquisa, existe uma aflição em relação ao vácuo no poder que representaria uma possível saída do presidente do cargo. Esse abismo de possibilidades dificulta que essas pessoas pensem em alternativas políticas viáveis.

Como esses três grupos se comportariam na eleição de 2022? Votariam de novo em Bolsonaro?

Eles se dividem. Alguns sim. Outros dizem que dependeria de quem estivesse concorrendo. Alguns arrependidos dizem "não votaria no Bolsonaro de jeito nenhum” e algumas chegam a dizer "até no PT eu votaria contra o Bolsonaro”. Mas outros falam "a depender de quem fosse concorrer, me veria obrigada a votar no Jair de novo”. Esse voto no menos pior por falta de alternativa é algo que a gente detectou, que de novo remete à decepção com as elites políticas.

A conclusão da pesquisa cita uma sensação de falta de alternativa por parte dos eleitores. Por que os partidos com tradição democrática não estão conseguindo se comunicar com eles?

Primeiro, estamos falando de eleitores de Bolsonaro que fazem parte das classes populares e trabalhadoras. Pessoas que já votaram no PT e se decepcionaram com os escândalos de corrupção. No começo dos anos 2000, o PT seria uma promessa de que representava os trabalhadores e que não era envolvido com corrupção. Os que votaram no PT têm um sentimento de traição muito forte. E esse impacto também atingiu a imagem que as pessoas tinham do sistema político [como um todo].

Outra coisa é relacionada à esfera dos valores. De 2011 a 2014, observamos um avanço muito rápido das pautas progressistas, não só na institucionalidade, mas também na sociedade. Na mídia, teve marcha das vadias, a pauta da transexualidade. Na institucionalidade, a criação da Comissão Nacional da Verdade, foi liberado o aborto de fetos anencéfalos, teve a Lei da Palmada, o STF deu segurança jurídica para as cotas raciais nas universidades e para a união estável entre pessoas do mesmo sexo. A sociedade passou por uma série de avanços nessas pautas progressistas.

Isso gerou uma reação forte na esfera dos valores. Boa parte da população era contrária a várias dessas pautas, e o Bolsonaro conseguiu surfar nessa reação conservadora. Juntou a desconfiança que as pessoas têm das instituições políticas e a confiança que nas Forças Armadas e nas instituições religiosas. Como militar que depois se aproximou dos setores evangélicos conservadores, ele capturou esse sentimento na esfera dos valores. Há dificuldade não só dos políticos do campo progressista para se comunicar com esses setores, mas também de setores da mídia tradicional.

Teria recomendações para os partidos tentarem superar esse hiato?

A primeira coisa é que a postura de tratar setores da população, até o próprio eleitor do Bolsonaro, de forma pejorativa — como, por exemplo, chamar as pessoas de gado ou dizer que são estúpidas — não ajuda. As pessoas veem isso e se sentem mal, ficam com raiva. Ninguém quer ser tratado desse jeito. Por exemplo, uma mulher evangélica falou: "As pessoas acham que sou burra só porque sou evangélica e não vêm conversar comigo”. Elas sentem que existe um preconceito em relação a elas, e de fato existe, porque se parte do pressuposto de que, se uma pessoa votou no Bolsonaro, ela é autoritária e super conservadora. Aí você já corta qualquer ponte de diálogo.

Por mais difícil que seja, é possível estabelecer diálogo com boa parte do eleitorado do Bolsonaro, especialmente com as pessoas que fazem parte do que a gente chama de bolsonarismo popular moderado. Não são radicalizadas, fazem parte das classes trabalhadoras e experimentam uma insegurança muito grande do ponto de vista trabalhista ou nas relações sociais. Estão desempregadas ou ameaçadas de perder o emprego e sentem todos os efeitos da espoliação urbana das grandes cidades.

Publicado originalmente por Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas. 

sexta-feira, 3 de julho de 2020

Enquanto isso, o Brasil emparedado pelo coronavírus soma 1.508.991 pessoas infectadas e 62.304 mortas

O Brasil tem 62.304 mortes por coronavírus confirmadas até as 13h desta sexta-feira (3), aponta um levantamento feito pelo consórcio de veículos de imprensa a partir de dados das secretarias estaduais de Saúde.

Veja os dados atualizados às 13h desta sexta-feira (3):

62.304 mortes
1.508.991 casos confirmados
Antes da atualização das 13h, o consórcio divulgou um primeiro boletim, às 8h. Segundo os dados disponibilizados naquele horário, pela manhã, o Brasil contava 62.045 mortos e 1.502.424 casos confirmados.

O consórcio divulgou na quinta-feira (2), às 20h, o 25º balanço, com os dados mais atualizados das secretarias estaduais naquele momento. Desde então, CE, DF, GO, MG, MS, PE, PI, RN, RR e TO divulgaram novos dados.

(Na quinta-feira, ontem, dia 2, às 20h, o balanço indicou: 61.990 mortes, 1.277 em 24 horas; e 1.501.353 casos confirmados.)

Consórcio de veículos de imprensa

Os dados sobre casos e mortes de coronavírus no Brasil foram obtidos após uma parceria inédita entre G1, O Globo, Extra, O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo e UOL, que passaram a trabalhar, desde o dia 8 de junho, de forma colaborativa para reunir as informações necessárias nos 26 estados e no Distrito Federal.

O objetivo é que os brasileiros possam saber como está a evolução e o total de óbitos provocados pela Covid-19, além dos números consolidados de casos testados e com resultado positivo para o novo coronavírus.

A parceria entre os veículos de comunicação foi feita em resposta à decisão do governo Jair Bolsonaro de restringir o acesso a dados sobre a pandemia da Covid-19. Personalidades do mundo político e jurídico, juntamente com entidades representativas de profissionais e da imprensa, elogiaram a iniciativa.

Mudanças feitas pelo Ministério da Saúde na publicação de seu balanço da pandemia reduziram por alguns dias a quantidade e a qualidade dos dados. Primeiro, o horário de divulgação, que era às 17h na gestão do ministro Luiz Henrique Mandetta (até 17 de abril), passou para as 19h e depois para as 22h. Isso dificultou ou inviabilizou a publicação dos dados em telejornais e veículos impressos. “Acabou matéria no Jornal Nacional”, disse o presidente Jair Bolsonaro, em tom de deboche, ao comentar a mudança.

A segunda alteração foi de caráter qualitativo. O portal no qual o ministério divulga o número de mortos e contaminados foi retirado do ar na noite de 4 de junho. Quando retornou, depois de mais de 19 horas, passou a apresentar apenas informações sobre os casos “novos”, ou seja, registrados no próprio dia. Desapareceram os números consolidados e o histórico da doença desde seu começo. Também foram eliminados do site os links para downloads de dados em formato de tabela, essenciais para análises de pesquisadores e jornalistas, e que alimentavam outras iniciativas de divulgação.

Entre os itens que deixaram de ser publicados estão: curva de casos novos por data de notificação e por semana epidemiológica; casos acumulados por data de notificação e por semana epidemiológica; mortes por data de notificação e por semana epidemiológica; e óbitos acumulados por data de notificação e por semana epidemiológica.

No dia 7 de junho, o governo anunciou que voltaria a informar seus balanços sobre a doença. Mas mostrou números conflitantes, divulgados no intervalo de poucas horas.

Apenas no dia 9 de junho, o ministério voltou a divulgar os dados completos, obedecendo a ordem do STF.

Nesta quinta (2), o órgão divulgou um novo balanço. Segundo a pasta, houve 1.252 novos óbitos e 48.105 novos casos, somando 61.884 mortes e 1.496.858 casos desde o começo da pandemia.

Fonte: G1
03/07/2020 08h01  Atualizado há 43 minutos

Devassa

A guerra da PGR contra a Lava Jato está só começando e pode virar uma devassa, é a avaliação de Eliane Cantanhede no artigo publicado na edição de hoje de O Estado de São Paulo.

A guerra da Procuradoria-Geral da República (PGR) com a força-tarefa da Lava Jato está só começando, com troca de críticas em público e de acusações nos bastidores. Vem aí uma devassa numa operação anticorrupção que ganhou fama mundo afora, mobilizou o Brasil e, com a prisão de um ex-presidente, ex-governadores, ex-presidentes da Câmara e os maiores empreiteiros do País, gerou a esperança de que a lei valeria para todos.

Segundo o procurador-geral, Augusto Aras, em conversa ontem com a coluna, “não se trata de linchar quem quer que seja, até porque isso seria cair nos mesmos vícios”. Ele, porém, admite: “Mas é preciso corrigir rumos e seguir regras universais para todos os procuradores. Não podemos ter animais que são mais iguais do que os outros, como em A Revolução dos Bichos (George Orwell)”.

Aras não diz isso tão claramente quanto outros integrantes da PGR, mas a avaliação é de que a Lava Jato foi ótima, até “virarem a chave”. Ou seja, até os procuradores de Curitiba passarem a ultrapassar limites e driblar a falta de provas. Assim, há um “esgotamento” do modelo e é preciso transparência e tirar o excesso de poder e voluntarismo da Lava Jato, garantindo compartilhamento de dados e a participação da PGR. “Eu sou procurador-geral e não tenho o direito de saber o que acontece em Curitiba?”, reclama Aras.

Isso cria mais uma situação estranha num ambiente político já tão estranho. A PGR de Aras, acusado de “bolsonarista”, faz um discurso semelhante ao do PT quando o foco é Lava Jato e Curitiba, algozes do ex-presidente Lula. Como ficam os petistas? Contra Aras, mas a favor da intervenção na Lava Jato? Ou contra tudo e todos?

Aliás, pouco se fala sobre isso, mas o procurador-geral tem tomado sucessivas decisões que contrariam o Planalto. Exemplos: no combate à pandemia; na denúncia contra o deputado Arthur Lira (PP), do Centrão e aliado do presidente Jair Bolsonaro; nas “apurações preliminares” sobre declarações do deputado Eduardo Bolsonaro e do general Augusto Heleno (GSI) com viés antidemocrático. O seu teste de fogo, porém, será denunciar ou não Bolsonaro por intervenção política na PF.

O fato é que as acusações da PGR contra a Lava Jato, e da Lava Jato contra a PGR, vão piorar, com forte questionamento a ações e decisões de Curitiba. Na lista, as delações premiadas. Na avaliação da PGR e outros órgãos de controle, as multas aplicadas aos delatores não chegam a 10% de um valor razoável e eles estão leves, livres, soltos – e nadando em dinheiro desviado.

Na versão da Lava Jato, a intenção da PGR e do próprio Aras é destruir não só a operação, mas o próprio combate à corrupção. Eles dizem que é o oposto: retomar e aprofundar o combate à corrupção, que parou, em novas bases e práticas. Eles acusam a força-tarefa de ter engavetado 1.450 relatórios prontos, sem nenhuma consequência.

A lista da Lava Jato divulgada pelo site Poder 360, camuflando investigações indevidas contra os presidentes da Câmara (“Rodrigo Felinto”) e do Senado (“David Samuel”), foi só um aperitivo para tentar provar o uso de “métodos heterodoxos” da força-tarefa. Eles também não usavam simples gravadores, mas sim interceptadores. Ou seja: a PGR suspeita que grampeavam seus alvos sem autorização judicial.

Nessa guerra, ninguém está totalmente certo nem errado, mas a previsão é de que, entre mortos e feridos, os mais atingidos sejam os líderes da Lava Jato que tanta esperança trouxeram ao Brasil. Aí se chega a Sérgio Moro, o inimigo número um do PT, que passou a ser também dos bolsonaristas e agora corre o risco de ver a Lava Jato, a maior operação de combate à corrupção da história, virar um sonho de verão – ou um pesadelo.

PSDB declara ‘absoluta confiança’ em Serra após denúncia da Lava Jato

Partido disse apoiar as apurações sobre desvios de recurso público e que fatos seriam esclarecidos; senador ainda não se manifestou

O PSDB defendeu uma investigação ‘ampla e irrestrita’, mas afirmou ter ‘absoluta confiança’ no senador José Serra, denunciado nesta sexta, 3, por suposta lavagem de dinheiro no âmbito da operação Lava Jato. O senador e sua filha, Verônica Allende Serra, foram denunciados pelo Ministério Público Federal.

O partido se manifestou por meio de seu perfil oficial no Twitter. “O PSDB acredita no sistema judicial do País e defende as apurações na utilização de recursos públicos, ao mesmo tempo em que confia na história do Senador José Serra e nos devidos esclarecimentos dos fatos”, diz o comunicado.

Segundo a denúncia, Serra, entre 2006 e 2007, ‘valeu-se de seu cargo e de sua influência política para receber, da Odebrecht, pagamentos indevidos em troca de benefícios relacionados às obras do Rodoanel Sul’.

O presidente do Diretório Estadual do PSDB em São Paulo, Marco Vinholi, reafirmou confiança no senador e no esclarecimento dos fatos pela Justiça.

“O PSDB de São Paulo defende a ampla e irrestrita investigação dos fatos sempre que houver questionamentos envolvendo recursos e agentes públicos. Ressaltamos nossa absoluta confiança no senador José Serra, na sua história e conduta, e na Justiça, onde as ações serão devidamente esclarecidas.”

Além da denúncia, uma operação da força-tarefa da Lava Jato cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços no Rio e em São Paulo para aprofundar as investigações em relação a outros fatos relacionados ao esquema. Os endereços são ligados ao senador, ao empresário Ronaldo Cézar Coelho e a José Amaro Pinto Ramos, apontado como operador de Serra.

COM A PALAVRA, O SENADOR

“Causa estranheza e indignação a ação deflagrada pela Força Tarefa da Lava Jato de São Paulo na manhã desta sexta-feira (3) em endereços ligados ao senador José Serra. Em meio à pandemia da Covid-19, em uma ação completamente desarrazoada, a operação realizou busca e apreensão com base em fatos antigos e prescritos e após denúncia já feita, o que comprova falta de urgência e de lastro probatório da Acusação.

É lamentável que medidas invasivas e agressivas como a de hoje sejam feitas sem o respeito à Lei e à decisão já tomada no caso pela Suprema Corte, em movimento ilegal que busca constranger e expor um senador da República.

O Senador José Serra reforça a licitude dos seus atos e a integridade que sempre permeou sua vida pública. Ele mantém sua confiança na Justiça brasileira, esperando que os fatos sejam esclarecidos e as arbitrariedades cometidas devidamente apuradas.”

Renato Vasconcelos / O Estado de São Paulo
03 de julho de 2020 | 12h09
Atualizada às 12h24 com posicionamento do senador*

O abuso do poder religioso

É mais que hora de a lei ser aplicada, coibindo o abuso do poder religioso. As liberdades política e religiosa não podem ser manipuladas para fins eleitorais

Ao proferir voto em recurso que discute a cassação de uma vereadora do município de Luziânia (GO), o ministro Edson Fachin, relator do caso no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), propôs que, a partir das próximas eleições, “seja assentada a viabilidade do exame jurídico do abuso de poder de autoridade religiosa em sede de ações de investigação judicial eleitoral”. Atualíssimo, o tema envolve diretamente as liberdades política e religiosa, merecendo discussão criteriosa à luz dos princípios constitucionais e da legislação eleitoral. É preciso proteger tanto o caráter laico do Estado como o pleno exercício dos direitos e garantias fundamentais de todos os cidadãos, professem ou não uma religião.

“O princípio da laicidade estatal supõe a preservação de uma autonomia recíproca entre Estado e igrejas, sem impor a ideia de que religião e política devem excluir-se mutuamente”, disse Edson Fachin. “As visões religiosas habitam a normalidade democrática e incidem, legitimamente, sobre a configuração dos sistemas partidários, tendo em vista que, ao lado das miradas seculares, as concepções religiosas sobre a vida ou o cosmos animam, com especial relevância, o ideário relativo à procura do bem comum.” Por isso, “o próprio regime inerente ao sufrágio assegura, a cada indivíduo, plena autonomia para a seleção dos critérios definidores da opção eleitoral”, afirmou o relator.

Se a liberdade política assegura o direito de cada um votar como bem entender (e pelas razões que quiser, seja qual for sua origem ou motivação), essa mesma liberdade não pode sofrer restrição, seja qual for sua origem ou motivação. “A defesa da liberdade religiosa (...) não pode servir para acobertar práticas que atrofiem a autodeterminação dos indivíduos”, disse o ministro Fachin, lembrando que “a intervenção das associações religiosas nos processos eleitorais deve ser observada com zelo, visto que as igrejas e seus dirigentes possuem um poder com aptidão para enfraquecer a liberdade de voto e debilitar o equilíbrio entre as chances das forças em disputa”.

Em deferência à liberdade religiosa, as igrejas recebem um tratamento diferenciado do poder público. Por exemplo, a Constituição veda a criação de impostos sobre os templos. Não há cabimento, portanto, que igrejas aproveitem seu estatuto diferenciado para fazer proselitismo eleitoral. E, de fato, a Lei 9.504/97 proíbe a veiculação de propaganda eleitoral em templos religiosos.

A proibição de proselitismo eleitoral em templos religiosos é expressão de um princípio fundamental do regime democrático – a igualdade de condições entre os candidatos. O regime jurídico especial das igrejas, que existe em função da liberdade religiosa, não pode ser usado para favorecer candidato político de uma liderança religiosa. Em não poucos casos, são os próprios líderes religiosos que se lançam candidatos, fazendo do púlpito um palanque eleitoral.

Longe de inventar uma nova regra jurídica, a proposta do ministro Fachin alerta para um fato evidente – as lideranças religiosas exercem uma autoridade sobre seus fiéis, o que pode ter consequências sobre a liberdade política. “A imposição de limites às atividades eclesiásticas representa uma medida necessária à proteção da liberdade de voto e da própria legitimidade do processo eleitoral, dada a ascendência incorporada pelos expoentes das igrejas em setores específicos da comunidade. Dita interpretação finca pé na necessidade de impedir que qualquer força política possa coagir moral ou espiritualmente os cidadãos, em ordem a garantir a plena liberdade de consciência dos protagonistas do pleito”, disse o relator. Aos que imaginam tratar-se de ativismo judicial, sugere-se a leitura do Código Eleitoral, que proíbe propaganda eleitoral destinada “a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais”. A mesma lei também estabelece que “a interferência do poder econômico e o desvio ou abuso do poder de autoridade, em desfavor da liberdade do voto, serão coibidos e punidos”.

É mais que hora de a lei ser aplicada integralmente, coibindo o abuso do poder religioso nas eleições. Fundamentais, as liberdades política e religiosa não podem ser manipuladas para fins eleitorais.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
03 de julho de 2020 | 03h00

quinta-feira, 2 de julho de 2020

E enquanto isso, o Brasil tem 1.277 mortes por coronavírus em 24 horas e passa de 1,5 milhão de infectados

País soma 61.990 mortes por Covid-19 e chega a 1.501.353 infectados confirmados, segundo secretarias estaduais de Saúde.


O Brasil teve 1.277 mortes registradas por conta do novo coronavírus em 24 horas e passou da marca de 1,5 milhão de infectados, mostra levantamento feito pelo consórcio de veículos de imprensa junto às secretarias estaduais de Saúde nesta quinta-feira (2). Com isso, são 61.990 óbitos pela Covid-19 no país no total.

Veja os dados, consolidados às 20h:

61.990 mortes; eram 60.713 até 20h desta quarta (1º); uma diferença de 1.277 óbitos.
1.501.353 casos confirmados; eram 1.453.369 infectados até a noite de quarta, ou seja, houve um aumento de 47.984 infectados.

Antes deste balanço, o consórcio divulgou dois boletins parciais, às 8h e às 13h. No boletim da tarde, o país chegou a 1.476.884 casos confirmados e 61.314 óbitos. Mais cedo, com os dados disponibilizados às 8h, o Brasil contava 60.813 mortes e 1.456.969 casos confirmados.

Consórcio de veículos de imprensa

Os dados sobre casos e mortes de coronavírus no Brasil foram obtidos após uma parceria inédita entre G1, O Globo, Extra, O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo e UOL, que passaram a trabalhar, desde o dia 8 de junho, de forma colaborativa para reunir as informações necessárias nos 26 estados e no Distrito Federal.

O objetivo é que os brasileiros possam saber como está a evolução e o total de óbitos provocados pela Covid-19, além dos números consolidados de casos testados e com resultado positivo para o novo coronavírus.

A parceria entre os veículos de comunicação foi feita em resposta à decisão do governo Jair Bolsonaro de restringir o acesso a dados sobre a pandemia da Covid-19. Personalidades do mundo político e jurídico, juntamente com entidades representativas de profissionais e da imprensa, elogiaram a iniciativa.

Mudanças feitas pelo Ministério da Saúde na publicação de seu balanço da pandemia reduziram por alguns dias a quantidade e a qualidade dos dados. Primeiro, o horário de divulgação, que era às 17h na gestão do ministro Luiz Henrique Mandetta (até 17 de abril), passou para as 19h e depois para as 22h. Isso dificultou ou inviabilizou a publicação dos dados em telejornais e veículos impressos. “Acabou matéria no Jornal Nacional”, disse o presidente Jair Bolsonaro, em tom de deboche, ao comentar a mudança.

A segunda alteração foi de caráter qualitativo. O portal no qual o ministério divulga o número de mortos e contaminados foi retirado do ar na noite de 4 de junho. Quando retornou, depois de mais de 19 horas, passou a apresentar apenas informações sobre os casos “novos”, ou seja, registrados no próprio dia. Desapareceram os números consolidados e o histórico da doença desde seu começo. Também foram eliminados do site os links para downloads de dados em formato de tabela, essenciais para análises de pesquisadores e jornalistas, e que alimentavam outras iniciativas de divulgação.

Entre os itens que deixaram de ser publicados estão: curva de casos novos por data de notificação e por semana epidemiológica; casos acumulados por data de notificação e por semana epidemiológica; mortes por data de notificação e por semana epidemiológica; e óbitos acumulados por data de notificação e por semana epidemiológica.

No dia 7 de junho, o governo anunciou que voltaria a informar seus balanços sobre a doença. Mas mostrou números conflitantes, divulgados no intervalo de poucas horas.

Apenas no dia 9 de junho, o ministério voltou a divulgar os dados completos, obedecendo a ordem do STF.

Nesta quinta (2), o órgão divulgou um novo balanço. Segundo a pasta, houve 1.252 novos óbitos e 48.105 novos casos, somando 61.884 mortes e 1.496.858 casos desde o começo da pandemia.

Fonte: G1
02/07/2020 08h00  Atualizado há 40 minutos

O nosso lado Gil


Gilberto Gil (álbum de 1968) – Wikipédia, a enciclopédia livre

Nos tempos da Tropicália

A toda hora alguém escreve -- e outros tantos alguéns lêem -- que só a arte salva. Sabemos que é verdade. Todos já fomos salvos por um poema numa hora de necessidade, por uma boa música num momento ruim. Poucas vezes, porém, se viu exemplo tão perfeito do poder de redenção da arte quanto na live de Gilberto Gil que foi ao ar sexta-feira passada e que, durante quase duas horas, fez brilhar de novo o Brasil de que tanto sentimos falta -- um país hospitaleiro e alegre, generoso e humano, que talvez nunca tenha existido de verdade, mas cuja imagem carregamos no coração. 

Continue lendo o artigo de Cora Rónai, publicado hoje em O Globo:

Gil em família, se apresentando com Nara, Preta, Bem e José (mais Bela fazendo as honras da casa), cantando e explicando xotes, baiões e xaxados, com Jorginho Gomes na zabumba e o sanfoneiro Mestrinho, o palco improvisado no sítio em Araras, luzes e bandeirinhas de São João: coisa que, se a gente ouve no estrangeiro, desata a chorar de saudade desesperada.

Estávamos, ao contrário, todos em casa, bem trancados pela quarentena, ainda que ilhados nesse Brasil hostil e esquisito que nos espanta várias vezes por dia, todos os dias, fechando a semana com mais uma live perdida num mar de lives, quem é que ainda aguenta lives?

A questão é que, há tempos, Gil deixou de ser apenas Gil.

"Apenas Gil" é uma contradição em termos, mas Gil é mais do que jamais foi, o homem que viu tudo antes de todos, a suavidade em pessoa, o sábio da tribo.

Ver Gil não é bem "ver Gil"; é algo mais perto do "darshan" dos hindus, uma palavra que define o sentimento que se tem diante dos gurus.

De modo que a live começa como começam todas as lives, mas logo nos leva emocionalmente para um lugar melhor do que aquele em que estamos. O Brasil da live do Gil é um endereço superior, um espaço de tal felicidade que, horas depois de terminar, ainda estamos lá, sorrindo, as músicas nossas velhas conhecidas tocando na alma.

O sentimento foi geral.

Minha amiga de Facebook Rubia Coelho, por exemplo, deixou um recado: "Já que você consegue falar com ele, diga-lhe que somente hoje, depois desses quase cem dias de tristeza, pude ficar tão feliz que estou chorando! Dancei o tempo todo! Cantei, me emocionei e queria muito agradecer o bem que ele me fez!". Jaqueline Oliveira e Lucila Vigneron Villaça confirmaram que se sentiram exatamente assim. Mas de alto a baixo a internet reafirmava essa onda de alegria em milhares de comentários emocionados: "Maravilhosa! Dancei aqui, cantei junto todas as músicas e, por uma hora, esqueci das trevas", "Foi minha festa junina!", "Que saudade do meu Brasil!", "Maravilhosa, emocionante, massagem no coração!", "Esse é o nosso país!", "O ar ficou até mais leve! Ainda existe o meu Brasil!", " Trouxe uma alegria meio perdida, motivo de orgulho para nós brasileiros!", " Que presente maravilhoso que ele deu para todos nós!".

Muito obrigada, querido Gil.

A essa altura, o vídeo da live já foi assistido mais de um milhão de vezes. Você pode encontrá-lo procurando por "Devassa Tropical ao vivo -- Fé na festa". E pode também, até essa sexta, dia 3, seguir o QR code da tela e fazer uma doação para instituições que ajudam profissionais de bastidores de shows afetados pela pandemia.

Gilberto Gil e a mulher, Floral Gil, vão ao lançamento do filme 'O ...

Gil e Flora uma canção - cantada. Literalmente, uma cantada. Deu certo. E lá se vão 40 anos.


Flora, a canção

Imagino-te já idosa
Frondosa toda a folhagem
Multiplicada a ramagem
De agora
Tendo tudo transcorrido
Flores e frutos da imagem
Com que faço essa viagem
Pelo reino do teu nome
Ó, Flora
Imagino-te jaqueira
Postada à beira da Flora, a estrada
Velha, forte, farta, bela
Senhora
Pelo chão, muitos caroços
Como que restos dos nossos
Próprios sonhos devorados
Pelo pássaro da aurora
Ó, Flora
Imagino-te futura
Ainda mais linda, madura
Pura no sabor de amor e
De amora
Toda aquela luz acesa
Na doçura e na beleza
Terei sono, com certeza
Debaixo da tua sombra
Ó, Flora
Ó Flora
Ó Flora