quinta-feira, 17 de agosto de 2023

Um governo apegado a fórmulas antigas

Lula continua dedicado a buscar no passado perdido uma visão de futuro. A postura vale especialmente para a economia (mas também para política externa), e seu exemplo mais recente foi o relançamento do PAC.

Há consenso sobre o fato de o PAC original não ter sido uma história de sucesso. Ao fim do período petista a economia contraiu, o desemprego aumentou e fracassaram alguns dos principais projetos de industrialização.

Qual a razão de se insistir agora mais uma vez em indústria naval, diante do fracasso das anteriores? Ou de se utilizar estatais e bancos públicos no mesmo tipo de empreitadas que trouxeram maus resultados?

A mesma indagação vale para a expansão da política fiscal, bancada agora por uma enorme campanha de aumento de receita, já que é mínimo o esforço de contenção de despesas públicas. Se gasto é vida e PAC acelera o crescimento, como assim estamos vivendo mais de uma década perdida?

Uma parte da resposta está na inexistência no Brasil de um acompanhamento de políticas públicas que indique se vale a pena prosseguir nelas. Para permanecer no inglês, o tal do “spending review” não passa de “wishful thinking”.

Mas a outra parte da resposta está no fato de que a análise que Lula 3 faz de suas iniciativas no passado é essencialmente política. Ele considera que as políticas (fiscal ou econômica via PAC) não estavam erradas em si, mas foram vítimas de sabotagem, interrupções e de um golpe aplicados por adversários políticos insatisfeitos com um “governo popular”.

Em outras palavras, na visão do atual governo o que deu de errado foi causado por golpes, e não pela natureza equivocada das políticas. E teria menos culpa ainda o conjunto de ideias que dão tanta relevância ao papel do Estado. Não é outro o símbolo de Lula exibindo Dilma Rousseff (a impichada “mãe” do PAC) no relançamento do programa.

Lá fora, curiosamente, são colegas presidentes de esquerda que estão dizendo a Lula como é perigoso ficar preso ao passado. O do Chile, ao lembrá-lo de que valores democráticos são universais e é o que está em jogo na guerra da Ucrânia. O da Colômbia, ao reiterar que combustíveis fósseis não podem mais ser uma proposta de futuro, e é o que está em jogo na transição energética.

Aqui dentro quem indica o perigo para o presidente é o Centrão. É profundamente irônico que seja um personagem com as características de Arthur Lira, mais afeito às truculências da política cotidiana do que a ideias literárias, que ofereça a Lula um “momento Proust”: a busca do tempo perdido é uma tarefa inútil. 

William Waack, o autor deste artigo, é Jornalista. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 17.08.23

Um comentário:

Unknown disse...

Sua seleção é a de um leitor sagaz, com.capacidade da síntese indispensável para o ritmo de nosso tempo.