quarta-feira, 17 de junho de 2020

Promotor de instabilidade, Trump está em declínio

"O presidente alienou os militares em sua resposta divisiva aos protestos antirracismo."

Pesquisador Sênior do Brazil Institute do Woodrow Wilson International Center para Scholars, em Washington,DC, o Jornalista Paulo Sotero analisa em artigo para O Estado de São Paulo as repercussões para o Brasil de uma eventual, e provável, derrota de Donald Trump nas próximas eleições presidenciais.

A pandemia fez evaporar o argumento econômico – crescimento forte com baixo desemprego – da campanha à reeleição de Donald Trump. O Federal Reserve, o banco central dos EUA, projeta recuperação lenta e desemprego próximo de 10% em dezembro. Faltando quatro meses para as eleições, as sondagens sugerem vitória do candidato democrata, o ex-vice-presidente Joe Biden. Elas são apenas um dos dados negativos para Trump. Se a tendência se confirmar até o pleito de 3 de novembro, o atual ocupante da Casa Branca entrará para a História como o quarto presidente a não se reeleger na dúzia de pleitos realizados desde 1976.

Com 80% dos americanos a dizer nas pesquisas que o país está no rumo errado, as dissidências ganham espaço no Partido Republicano – antes solidamente aliado a Trump – e reforçam a percepção de que o personalíssimo populismo encarnado pelo empresário e ex-animador de programas de reality television tem data de validade próxima a expirar. Outros indícios estão nos detalhes de várias pesquisas, que mostram perdas significativas de apoio em dois segmentos, o das eleitoras brancas de certa idade e o dos muito ricos, que negaram votos à democrata Hillary Clinton em 2016 e garantiram o inesperado triunfo de Trump, por uma ínfima margem de menos de 80 mil votos no colégio eleitoral em três Estados, depois de perder por 3 milhões a eleição popular. Interessados acima de tudo em estabilidade e previsibilidade, qualidades opostas à aposta no caos que Trump alimenta com seus tuítes, esses dois grupos de eleitores migraram para Biden.

É evidente também a perda de espaço por Trump nos dois temas que dominam as preocupações dos eleitores: os efeitos da pandemia, que tornou evidente o despreparo e a incompetência do presidente para lidar com uma crise de saúde pública que já custou mais de 120 mil vidas e custará muitas mais e jogou o país na recessão, e a questão racial, que ganhou enorme espaço com a divulgação das imagens do linchamento do negro George Floyd, asfixiado na rua pela polícia de Minneapolis depois de ser preso e algemado.

A arrogante e incompetente reação de Trump aos protestos desencadeados pelo assassinato de Floyd fez aumentar a repulsa nacional causada pelo injustificado abuso da polícia e mobilizou contra o presidente outro grupo influente na opinião pública que tradicionalmente se abstém de participar da política: os militares. Nada menos que quatro ex-chefes do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, o atual ocupante do posto e mais de uma dúzia de ex-generais de quatro estrelas desassociaram-se da presepada que Trump montou no início de junho na praça em frente à Casa Branca empunhando uma Bíblia, depois de o lugar ter sido esvaziado com uso de gás lacrimogêneo contra os manifestantes.

O primeiro ministro da Defesa de Trump, o condecoradíssimo ex-general do Corpo de Fuzileiros Navais James Mattis, fez a crítica mais contundente à tentativa do presidente de militarizar a resposta aos protestos. “Donald Trump é o primeiro presidente da minha vida que não tenta unir o povo americano – e nem sequer pretende tentar”, escreveu Mattis. “Estamos assistindo às consequências de três anos desse esforço deliberado”, continuou ele, conclamando os americanos a se unirem “sem ele, captando energia” da sociedade civil e recusando tentativas de criar uma divisão artificial entre militares e civis.

A tendência de rejeição a Trump é reforçada por projeções que apontam a manutenção de folgada maioria dos democratas na Câmara dos Representantes e uma possível mudança do mando no Senado, hoje sob controle dos republicanos por uma margem de três em cem cadeiras.

A se confirmarem, as implicações do atual panorama eleitoral são obviamente negativas para o governo Bolsonaro, que julga ter em Trump um aliado ao quem devota uma lealdade capacha, não correspondida. Diante disso, o que esperar de um governo Biden? Membros da assessoria internacional do candidato democrata mal disfarçam sua repulsa ao presidente brasileiro e ao que ele representa em dois temas, nos quais o País se isolou de seus aliados tradicionais nas democracias da Europa e das Américas: 1) democracia e direitos humanos e 2) preservação da Amazônia e política climática. A postura americana ficou visível na carta que a maioria democrata da Comissão de Orçamento da Câmara dirigiu recentemente à Casa Branca fechando a porta a acordos comerciais com o Brasil.

Eleito Biden, a postura da Casa Branca certamente será moderada pelos interesses políticos e econômicos dos EUA, que incluem a preocupação de não alienar o Brasil na disputa pelo poder global que Washington trava com Pequim. Na prática, isso significa privilegiar relações com governos estaduais, entidades cívicas, associações empresariais, universidades e as relações entre empresas, especialmente nas áreas de saúde, educação e tecnologia. Mas o Brasil ficará no fim da fila enquanto Bolsonaro estiver no Planalto.

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