terça-feira, 27 de agosto de 2024

Em entrevista a Luciano Huck, Zelensky se diz disposto a devolver terras russas recém-ocupadas pelas tropas de seu país

Na conversa com o apresentador, presidente ucraniano disse que vai propor até novembro um plano de paz para encerrar o conflito


O apresentador Luciano Huck vai a Ucrânia e entrevista o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky — Foto: Divulgação / Exclusiva para O GLOBO

Os alarmes agudos soaram a partir das 3h. Sirenes nas ruas, alertas no celular, chamados nos alto-falantes do hotel, o alerta veio de todos os lados. Parecia um filme, mas era vida real. Hóspedes e funcionários foram prontamente encaminhados ao abrigo antiaéreo, no subsolo. Camas dobráveis tinham sido improvisadas, lado a lado. Mas como conseguir desligar, que dirá dormir?

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Minha primeira madrugada em Kiev, capital da Ucrânia, foi em claro, à mercê de um dos mais amplos e intensos ataques aéreos que a Rússia lançou desde o começo da guerra. Foram 127 mísseis e 109 drones, a maioria deles tendo como alvo instalações de infraestrutura. A estratégia de Vladimir Putin é clara: a Rússia tenta destruir os serviços de água e energia antes do início do rigoroso inverno europeu.

Por volta das 10h, quando o impacto do bombardeio ainda não era totalmente sabido, fomos autorizados a deixar o abrigo. Para minha surpresa, o presidente Volodymyr Zelensky manteve a agenda e me recebeu logo em seguida para uma entrevista exclusiva. Fui à Ucrânia para ouvi-lo e ver de perto o que está acontecendo na terra de 3 dos meus 4 avós, onde estão minhas raízes familiares.

O conteúdo completo da conversa com Zelensky sobre os mais de mil dias de resistência armada (e também sobre família, rotina no cargo, saúde mental, seu passado nos palcos e TV, judaísmo etc.) e os detalhes da minha viagem de ancestralidade pela Ucrânia em breve serão compartilhados na forma de um documentário na plataforma do Globoplay. Mas, em função do ataque russo de ontem e das declarações tempestivas de Zelensky, um trecho merecia ser publicado de imediato.

O quão distantes estamos do fim da guerra? O senhor tem um plano para a paz?

Tenho. Não posso dividir agora os detalhes, mas farei isso em breve. Nós sabemos o que é preciso.

É um plano para a vitória ou um plano para a paz?

Temos um plano de paz, que pretendo apresentar até novembro. Mas a pergunta que fica é: os russos concordarão?

O senhor está disposto a sentar-se com Putin para debater esse caminho para a paz?

Estou seguro de que a maioria dos países vai apoiar o plano que eu vou apresentar. E nós queremos os russos participando. Eles precisam estar no tratado de paz. É por isso que estou preparando um plano que vai pressionar o Putin a sentar e terminar a guerra.

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O senhor está disposto a devolver terras russas, se eles devolverem terras ucranianas?

Sim. Nós não precisamos da terra deles.

A recente incursão armada na cidade russa de Kursk mudou a posição da Ucrânia: de defensora de um ataque em seu território a também invasora do país vizinho. Quais são as implicações disso para a busca de uma solução pacífica para o conflito? O senhor invadiu a Rússia para ter uma moeda de troca?

São muitas as razões, é uma operação grande e ainda não acabamos. Você me pergunta se estamos prontos para devolver a terra deles se eles nos devolverem a nossa, e a resposta é sim. Mas a pergunta é: eles estão prontos? E para mim a resposta é que Putin não está pronto. Este é um momento muito importante da guerra. É muito importante que todo mundo abra os olhos porque Putin não está pronto. Isso significa que ele não valoriza seu povo. Não é sobre nós. É sobre ambição. Toda esta guerra é sobre a ambição de uma única pessoa.

O presidente dos EUA, Joe Biden, que foi um grande aliado seu até agora, está saindo de cena. Na semana passada, a convenção do Partido Democrata oficializou a candidatura da vice dele, Kamala Harris. E não podemos ignorar que há chances reais de Donald Trump ser eleito. Ele já disse que, no cargo, acabará com a guerra em 24 horas, o que significa o corte total do apoio à Ucrânia. O vice da chapa republicana, J.D. Vance, vai além: ele defende o congelamento das fronteiras como estão hoje, com a Rússia anexando as áreas que ocupou, e que os EUA deveriam se preocupar com a China, e não com a Rússia, e mandar armas para Taiwan, e não para a Ucrânia. Como o senhor enxerga a eleição nos EUA?

Eu estou preparando um plano vitorioso para a paz e preciso que alguns pontos desse plano comecem a ser mostrados ao mundo. E a primeira pessoa que eu vou procurar é o presidente Biden. Talvez eu também divida esse plano com Kamala Harris e com Trump, já que não sabemos quem vai ganhar.

O Brasil se nega a tomar partido abertamente na guerra, alegando neutralidade. O presidente Lula disse recentemente que “não há razão para procurar culpado na guerra”. O que o senhor acha disso?

Isso é apenas retórica política. Não é uma fala honesta. Não é honesta nem conosco nem com o povo brasileiro. Porque todo mundo sabe quem iniciou essa guerra. A equipe dele trouxe uma resolução para nós, antes do do “encontro pela paz” que organizamos, mas o Brasil não quis vir, o presidente Lula não quis vir. Foi uma pena. Eu me reuni com o time dele algumas vezes, mas até agora eles não se uniram a nós na busca de uma solução. Por outro lado, eles se somaram ao plano chinês. O primeiro-ministro Modi, da Índia, esteve aqui há dois dias e me perguntou: qual seu pensamento sobre o plano chinês? E eu disse que não é um plano. É apenas uma declaração política, só para dizerem que não estão alheios à guerra —mas é apenas algo no papel. Eu entendo apenas propostas concretas e honestas. Eu falo pelas nossas vítimas, pelos nossos mortos. Então, se você quer nos ajudar a parar a guerra, ou nos ajudar a fazer com que o Putin pare com a guerra, nós temos que nos unir.

O Brasil é uma liderança importante do Sul Global. Que mensagem o senhor mandaria para Lula e para o meu país?

Tive uma reunião com o presidente Lula e vi que ele me entendeu. Porque tivemos um diálogo muito bom, realmente bom. Estou agradecido por isso, mas ele vive as narrativas da União Soviética. É uma pena. Ele pensa na Rússia como se hoje ainda existisse a União Soviética. A China é um país democrático? Não. E o que dizer sobre o Irã? É um país democrático? Não. E o que dizer da Coreia do Norte? Eles não são países democráticos. Então, o que o Brasil, um grande país democrático, faz nessa companhia? Eu não consigo entender esse círculo de países. É normal quando você tem relações econômicas, mas estamos falando sobre uma guerra, não é sobre relações econômicas. É sobre geopolítica, é sobre valores, é sobre pessoas. É sobre democracia, propósito e liberdade. O que um país democrático e livre como o Brasil está fazendo junto com países que não respeitam estes valores? Quem vai ganhar essa queda de braço? O Brasil vai engolir esses quatro aliados ou esses quatro aliados vão engolir o Brasil?

Publicada n'O GLOBO, em 27.08.24

Onde está o líder da ‘frente pela democracia’?

Lula, que se elegeu prometendo defender a democracia, segue incapaz de denunciar a ditadura companheira de Maduro, mesmo diante da farsa oficializada pela Justiça venezuelana


Arthur Lira vai ao ataque contra Executivo e Judiciário em meio a tensões entre poderes Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

O roubo das eleições venezuelanas foi oficializado. A Suprema Corte declarou, sem mostrar qualquer evidência, a vitória de Nicolás Maduro. Pela lei venezuelana, as atas das urnas são públicas. Mas a presidente da Corte, uma ex-vereadora pelo partido de Maduro, não só anunciou que agora são secretas, como também que o candidato da oposição, Edmundo González, será punido pelo “crime” de divulgá-las.

Em entrevista ao New York Times, Juan Carlos Delpino, um membro isento do Conselho Nacional Eleitoral tolerado pelo regime para negociar a suspensão das sanções, declarou não haver nenhuma evidência da vitória de Maduro. Através da insubordinação de oficiais locais, a oposição divulgou registros de mais de 25 mil urnas, 80% do total. Observadores independentes atestaram a vitória esmagadora da oposição, com pelo menos 67% dos votos.

Não resta nenhuma dúvida sobre a vontade do povo venezuelano, e o sigilo imposto pela Corte equivale a uma confissão de culpa. A farsa eleitoral acabou. Começa agora a farsa da legitimação do regime e da criminalização da oposição.

Governos responsáveis e comprometidos com a democracia, à esquerda e à direita, já denunciaram o novo teatro. O presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, disse que “o regime de Maduro confirma o que a comunidade internacional tem denunciado: fraude”. O presidente esquerdista do Chile, Gabriel Boric, anunciou que seu país “não reconhece esse falso e autoproclamado triunfo de Maduro & cia.”, vocalizando sua solidariedade à oposição em sua luta pela “democracia, justiça e liberdade”.

Já o presidente Lula da Silva continua a cumprir ciosamente seu papel no jogo de sombras de Maduro. Junto ao presidente esquerdista da Colômbia, Gustavo Petro, Lula declarou que continua a “aguardar” a divulgação das atas, condenando quaisquer sanções internacionais.

Ainda na semana passada, seu chanceler de facto, Celso Amorim, voltou a falar em “novas eleições”. A outra proposta ventilada foi a de um “governo de coalizão nacional”. A primeira equivale a um reconhecimento tácito da fraude eleitoral. A segunda foi fabricada para “salvar as aparências” enquanto se espera que uma nova crise internacional mude o foco das atenções e deixe o dito pelo não dito. A prova é que não houve qualquer tentativa de diálogo com a oposição a propósito dessas “soluções”.

A fraude eleitoral começou bem antes do pleito. Enquanto opositores eram presos, candidaturas eram cassadas e imigrantes eram impedidos de votar, Lula estendia o tapete vermelho a Maduro, edulcorava sua “narrativa” contra os “inimigos” da Venezuela e lançava aos quatro ventos especulações filosóficas sobre a “relatividade” da democracia. Após as eleições, quase 30 opositores foram mortos e cerca de 2 mil foram detidos. O PT celebrou essa “festa da democracia”, enquanto os eufemismos do presidente oscilaram entre “nada de anormal” até no máximo “um regime desagradável”.

Dizer que Lula – e a reboque, o Brasil – foi o “idiota útil” da vez seria tentador, e errado. Lula continua a ser, como sempre foi, utilíssimo para Maduro e seus suseranos – a China e a Rússia –, mas não é idiota e sabe bem o que quer: uma ditadura alinhada ao tal “Sul Global” ao invés de uma democracia eventualmente simpática a Washington. Pouco importa que isso pulverize quaisquer resquícios da pretensão do Brasil a liderar uma integração da América Latina e desmoralize qualquer autoridade do País como protagonista de um movimento internacional pelo fortalecimento das democracias. A esse ponto, a “aliança em defesa da democracia” contra a “extrema direita” que Lula pretende encenar após a Assembleia Geral da ONU em setembro é uma piada de mau gosto que as lideranças sérias certamente se esquivarão de protagonizar.

Os brasileiros, por ora, não têm essa opção, e terão de esperar até 2026, e contar com uma candidatura decente da oposição, para pôr fim à tragicomédia de erros que é a tal “frente ampla democrática” de Lula. Mas as eleições municipais não deixam de ser uma oportunidade para ensinar ao lulopetismo que no Brasil a democracia não é “relativa”.

Editorial / Notas e Informações, O Estado de S. Paulo, em 27.08.24

domingo, 25 de agosto de 2024

Congresso e a democracia

Deputados e senadores, na última semana, se excederam no trabalho de demolir a confiança em deputados e senadores

Câmara vazia na promulgação da PEC da Anistia — Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

A sessão estava tão vazia que o senador Eduardo Gomes, um dos presentes, ironizou: “está difícil achar lugar no plenário”. Nem os presidentes das duas casas compareceram. Naquela ausência, e da maneira mais rápida possível, o deputado Marcos Pereira promulgou a PEC da Anistia. Por ela um poder político, dominado por homens brancos, perdoava-se por não ter cumprido a lei que mandou investir em candidaturas de pessoas negras. De cambulhada, os partidos davam a si mesmos perdão de todas as dívidas tributárias. Os partidos poderão pagar sem juros e sem multas o muito que devem à Receita. Tudo havia sido aprovado à sorrelfa, em 20 minutos.

Eles escondem seus rostos, eles dissimulam suas práticas, eles não comparecem à promulgação de seus próprios atos, mas continuam com seu projeto 8 de janeiro. Deputados e senadores nessa última semana se excederam no trabalho de demolir a confiança em deputados e senadores. Foi uma semana de esforço concentrado, em que parlamentares legislaram para si próprios e usaram o poder para ameaçar outros poderes.

A semana havia começado com um almoço em que o deputado Arthur Lira chegou enfezado e o senador Rodrigo Pacheco cooperativo. Isolado, Lira fez que cedeu no almoço servido no Supremo para pôr ordem na farra de emendas pix, pizza, rachadinhas, individuais, de bancada, de comissão, impositivas. Através delas e seus expedientes o Congresso tem subvertido o princípio de que, na divisão de papeis entre os três poderes, cabe ao executivo executar o Orçamento.

Ao voltar do almoço no STF que traçou uma linha de recuperação da institucionalidade, Lira abriu sua caixa dos horrores. De lá sacou duas propostas de ameaça ao Supremo. Uma delas chega a ser bizarra de tão inconstitucional. Daria ao Congresso o poder de reverter decisões do Supremo. A outra, que tem mais apoio, é a de limitar decisões monocráticas dos ministros do Supremo. Para que ficasse claro que era uma ofensa, e não uma proposta de aperfeiçoamento, a deputada Caroline de Toni entregou a análise da admissibilidade a um investigado pelo Supremo por atos golpistas, deputado Filipe Barros. Era uma provocação. Filipe Barros é suspeito de quebrar sigilo de investigação federal para entregá-la ao ex-presidente Jair Bolsonaro, de disseminar mentiras e promover ataques aos ministros do STF. Caroline, por sua vez, foi escolhida para a honrosa Comissão de Constituição e Justiça para tentar achar uma brecha que anistie Bolsonaro de seus ataques à democracia. E, também, pelas suas posições extremistas contra as vacinas e a favor favor do homeschooling.

O ato do Congresso sobre decisões monocráticas poderá ter efeito bumerangue. São incontáveis os parlamentares já beneficiados por decisões individuais dos ministros quando algo supostamente fere os seus direitos e garantias. Em setembro de 2023, o ministro Gilmar Mendes determinou à Polícia Federal que destruísse todos os áudios captados por ordem da Justiça Federal em Alagoas que pudessem atingir Arthur Lira. A operação Hefesto investigava suspeitas de irregularidades na compra de kits de robótica pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Gilmar havia anulado as provas que mandou destruir. Monocraticamente. Seguiu entendimento do PGR de que se a investigação envolvia deputado não poderia ter sido feita na instância estadual.

O Congresso dedicou-se na semana passada ao esforço concentrado em seus próprios interesses. A CCJ do Senado aprovou o mais forte ataque à lei da ficha limpa, diminuindo o tempo da inelegibilidade de políticos condenados. O projeto nasceu na Câmara e foi de autoria da deputada Dani Cunha, filha de Eduardo Cunha, que a lei beneficiará, antecipando o fim do seu tempo de afastamento da política, de 2027 para 2024. Assim, em causa própria, ou usando os poderes para ameaçar outros poderes, o Congresso continua o trabalho de desmonte interno. O prédio foi fisicamente atacado por golpistas no 8 de janeiro. Lá dentro propostas têm frequentemente atacado um bem imaterial, a confiança na instituição do Parlamento. Isso é mais demolidor.

Sou da geração que viu o Congresso ser fechado por tropas e tanques. Trago na memória a sensação do ar grosso e seco tentando chegar aos pulmões quando isso aconteceu. Tenho, por isso, uma enorme paciência com os erros dos parlamentares. Mas a maioria do país é mais jovem e pode achar que o Congresso não vale seu preço.

Míriam Leitão, a autora deste artigo, é Jornalista. Publicado originalmente n'O GLOBO, em 25.08.04.


quarta-feira, 31 de julho de 2024

É assim que funciona uma ditadura

Oposição jamais teve a chance de derrotar Nicolás Maduro no voto. Do início ao fim, o ditador fraudou o processo eleitoral e intimidou os venezuelanos para se aferrar ainda mais ao poder

Para surpresa de ninguém, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), um simulacro de Justiça Eleitoral na Venezuela que há anos se submete às ordens do Palácio de Miraflores, declarou a vitória de Nicolás Maduro na eleição presidencial de domingo passado. Segundo o órgão chavista, o ditador teria recebido 51,2% dos votos válidos, ante 44,2% dados ao oposicionista Edmundo González Urrutia. Qualquer número poderia ter sido chutado, pois a eleição, evidentemente, foi uma fraude.

Maduro não sobreviveria politicamente se fosse exposto ao ar das liberdades individuais e da soberania da vontade popular. Ciente disso, mais uma vez, o caudilho exerceu seu controle total sobre o Estado e suas instituições na Venezuela. Do início ao fim, o processo eleitoral foi conspurcado. Nesse sentido, a oposição jamais teve a chance real, por mínima que fosse, de derrotar Maduro nas urnas. É assim, afinal, que funciona uma ditadura.

O grande mérito de Urrutia e María Corina Machado – hoje a principal líder da oposição ao chavismo, a mulher que teria enfrentado Maduro caso não tivesse sido cassada pelo regime sob a falsa alegação de corrupção – foi ter reafirmado para o povo venezuelano e para o mundo, tal como uma anticandidatura, que a assim chamada “democracia” na Venezuela é uma farsa. “Todas as regras foram violadas”, afirmou Urrutia ainda na noite de domingo. Maduro não demorou para se autoproclamar oficialmente o vencedor, em clara demonstração de desdém com as preocupações da comunidade internacional.

A fim de não correr o menor risco de ser defenestrado do poder pela força das urnas, o que teria acontecido não fosse o recurso à fraude, Maduro cometeu uma pletora de arbitrariedades ao longo dos últimos meses, a começar pela cassação sumária de todas as candidaturas que, em dado momento da campanha eleitoral, cresceram como uma ameaça real a seus interesses.

Diversos oposicionistas foram presos – e os que não foram sofreram a brutal intimidação do regime antes, durante e depois do pleito. No dia da eleição, as temidas Milícias Bolivarianas, conhecidas como “Coletivos”, circularam em suas motos pelas seções eleitorais de Caracas armadas até os dentes, mostrando aos eleitores até onde ia, de fato, sua liberdade de escolha. Cerca de 4,5 milhões de venezuelanos exilados e aptos a votar no exterior foram impedidos por Maduro de exercer seus direitos políticos.

Jamais se tratou de uma eleição justa na Venezuela, em que pese a demonstração de união das forças de oposição ao regime ter representado a melhor chance de derrotar o chavismo nos últimos 25 anos. A rigor, Maduro se proclamou vitorioso em uma eleição na qual foi derrotado.

Não surpreende que o CNE tenha resistido a fornecer as atas de votação das seções eleitorais à oposição e aos escassos observadores internacionais presentes na Venezuela. Esses documentos, que poderiam atestar que Urrutia foi o grande vencedor das urnas, talvez jamais vejam a luz do dia.

Por meio de nota, o governo brasileiro saudou o “caráter pacífico da jornada eleitoral” na Venezuela, de resto um teatro para iludir incautos de que a reeleição de Maduro teria transcorrido dentro da mais absoluta normalidade democrática. Mas ao menos cobrou a publicação das atas de votação, gesto classificado pelo Itamaraty como “um passo indispensável para a transparência, credibilidade e legitimidade do resultado do pleito”. Já é alguma coisa, sobretudo em se tratando do governo de Lula da Silva, aquele para quem há “excesso de democracia” na Venezuela chavista.

Enquanto o Brasil tenta se equilibrar entre suas obrigações constitucionais de defesa da democracia e os compromissos ideológicos de Lula com o chavismo, outros governos foram muito mais firmes. Os EUA, por exemplo, manifestaram “sérias preocupações de que o resultado anunciado não reflita a vontade ou os votos do povo venezuelano”. E o insuspeito presidente do Chile, Gabriel Boric, que é de esquerda, disse que “é difícil de acreditar” na vitória de Maduro. Quem preza verdadeiramente a democracia também não acredita.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S. Paulo, em 30.07.24

O custo insustentável do populismo

O populismo da Câmara nos levará a pagar um dos IVAs mais altos do mundo para financiar os regimes fiscais especiais que a reforma deveria ter eliminado

O propósito da reforma tributária é introduzir o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) para simplificar as regras, acabar com a cumulatividade dos tributos e taxar mais a renda do que o consumo. O País convive com um dos piores e mais disfuncionais sistemas tributários do mundo. No Brasil, a judicialização tributária representa 75% do PIB, enquanto a média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é 0,28%. Mas a regulamentação da reforma na Câmara dos Deputados mostrou que tantos os políticos como a iniciativa privada estão dispostos a renunciar aos princípios da reforma para salvaguardar seus privilégios. Quando o populismo e a safadeza se encontram na Praça dos Três Poderes, o resultado é desastroso para o País.

Ao fatiar a relatoria da reforma e conduzir uma discussão açodada e rasa, o presidente da Câmara, Arthur Lira, abriu as portas para os lobbies do corporativismo. Da Zona Franca de Manaus ao produtor de carne, os regimes especiais garantiram os seus privilégios tributários. Como não tem almoço grátis, a conta desses benefícios será repassada para todos os brasileiros em forma de aumento de imposto. O populismo da Câmara nos levará a pagar um dos IVAs mais altos do mundo para financiar os regimes fiscais especiais que a reforma deveria ter eliminado!

O Senado tem o poder de rever o projeto da Câmara, mas parece difícil esperar algo virtuoso de uma Casa que acabou de aprovar uma das propostas mais imorais do ano. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, inventou um falso problema (a dívida “inafiançável” dos Estados) para resolver uma questão política (a dívida de Minas Gerais), cuja solução é de seu interesse eleitoral (ele aspira a ser candidato ao governo de Minas em 2026). O “socorro” aos Estados é uma bomba fiscal que pode custar R$ 28 bilhões ao ano, agravando a já periclitante situação fiscal do País.

O populismo do Senado é uma afronta aos Estados que promoveram um ajuste fiscal exemplar, como foi o caso do Espírito Santo, Mato Grosso, Pará e Mato Grosso do Sul, entre outros. O “problema” da dívida dos Estados se resume a São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. São Paulo tem a maior dívida, mas possui receita suficiente para pagar o serviço da dívida e honrar suas obrigações financeiras. O Rio de Janeiro é um Estado governado há décadas por populistas que não se envergonham de dar calote nos credores e recorrer à União para pagar suas dívidas. Esse foi o caso recente da privatização da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae). O governo carioca não pagou os bancos e obrigou a União a pagar os empréstimos do Estado com bancos. Trata-se de um ato de safadeza política, endossado pelo Supremo Tribunal Federal.

O desastre financeiro do Rio Grande do Sul e Minas Gerais é fruto da trágica herança de governos populistas. Os governadores Romeu Zema e Eduardo Leite estão trabalhando duro para resolver o rombo financeiro deixado pelos seus antecessores. Leite conseguiu um aval da União, suspendendo por três anos o pagamento da dívida do Estado para atender às demandas urgentes da reconstrução do Rio Grande do Sul, castigado pela pior enchente da sua história. Já o governador Zema vem esbarrando no populismo da Assembleia Legislativa mineira, que insiste em postergar a privatização das estatais como a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) e Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig).

Nenhum país do mundo avançou com a agenda de reformas quando o populismo e a safadeza ditam a política de Estado. O legado do populismo no Brasil é trágico. Somos o país com uma das maiores cargas tributárias do mundo. Possuímos a menor taxa de crescimento econômico entre os principais países emergentes e estamos entre os 20 piores países do mundo na atração de investimento. Populistas são fiscalmente irresponsáveis e não se cansam de sabotar a economia de mercado, debilitar a democracia e cercear as liberdades individuais, jogando o País numa espiral de insegurança jurídica, imprevisibilidade e descrédito. Esperar algo positivo de populistas é plantar vento para colher tempestade, como ilustra a vã esperança dos incautos que votaram em Lula da Silva.

As únicas pessoas que podem mudar essa realidade somos nós, por meio das nossas escolhas. Há 30 anos, elegemos um estadista para a Presidência da República que concebeu o Plano Real, sepultou a hiperinflação e promoveu uma ousada agenda de reformas que incluiu privatização, quebra de monopólio estatal, Lei de Responsabilidade Fiscal e restauro da dignidade do exercício da Presidência da República. Infelizmente, o legado do presidente Fernando Henrique Cardoso foi sepultado por duas décadas de governos populistas.

Precisamos urgentemente eleger lideranças políticas que estejam dispostas a resgatar a credibilidade da democracia, a confiança nas instituições e a crença nas virtudes do livre mercado. Temos de nos mobilizar para livrar o Brasil do populismo, do nacional-estatismo e do Estado ineficiente. Se fracassarmos nessa missão, os nossos filhos viverão sob ditaduras. Está na hora de transformarmos a nossa indignação em ação política.

Luiz Felipe D'avila, o autor, é cientista político, autor do livro "10 Mandamentos - do País que somos para o Brasil que Queremos". Foi candidato à Presidência da República.

Aprendiz de Fidel

Como franquia da ditadura cubana, chavismo aprendeu a sufocar os que ousam se lhe opor. Com apoio chinês e russo, Maduro parece querer transformar a Venezuela de vez numa nova Cuba


O ditador Nicolás Maduro decidiu dar uma banana para a comunidade internacional e fechar ainda mais seu regime de opressão, que há 11 anos subjuga os venezuelanos de todas as formas pelas quais um povo pode ser subjugado por seu próprio governante. Suas ações nesse sentido são inequívocas desde aquele farsesco ato de “diplomação” encenado no Conselho Nacional Eleitoral (CNE), um quintal do Palácio de Miraflores, horas após o pleito. Ali se ouviu a coda da ópera-bufa que apresentou Maduro como um legítimo candidato que teria triunfado sobre os adversários dentro das regras do jogo democrático, e não como o tirano sanguinário que ele é.

Maduro parece determinado a transformar a Venezuela em um Estado pária perante a comunidade das nações democráticas, entre as quais o Brasil. E ele só se movimenta com tamanho desassombro, malgrado todas as consequências políticas e econômicas que podem advir de seu novo golpe contra a soberania popular, porque conta com o imprescindível apoio da China e, a reboque, da Rússia, dois países que, como é notório, tratam as liberdades individuais e os direitos fundamentais dos cidadãos como excentricidades ocidentais.

Enquanto Estados Unidos e União Europeia se uniram para manifestar desconfiança em relação às condições da “vitória” de Maduro, China e Rússia foram rápidas na direção diametralmente oposta. Vieram de Pequim e de Moscou as mais importantes entre as escassas manifestações de apoio ao ditador venezuelano nas horas que se seguiram à proclamação do resultado pelo CNE no domingo passado.

A China de Xi Jinping, que conta com o petróleo da Venezuela para sustentar seu crescimento econômico, saudou Maduro e disse estar “disposta a enriquecer a associação estratégica com o país”. Ato seguinte, a Rússia do delinquente Vladimir Putin, outro capacho de Pequim, felicitou o ditador sul-americano e afirmou acreditar que “a associação estratégica” entre Moscou e Caracas se desenvolverá “em todas as áreas” a partir de agora. Engana-se quem pensa que essa coincidência de expressões empregadas foi mera obra do acaso.

Hoje, a Venezuela está para a China e Rússia como Cuba já esteve para a então União Soviética na década de 1960 – um posto avançado a serviço dos interesses chineses e russos contra os interesses americanos na América Latina. Não é força de expressão: é sabido que o regime chavista há tempos é uma franquia da ditadura cubana, que forneceu a Hugo Chávez e a Nicolás Maduro sua eficientíssima tecnologia de repressão a dissidentes, tanto políticos quanto militares. Maduro, devotado aprendiz de Fidel Castro, pretende se aferrar ao poder assim como o longevo ditador cubano.

Eis o teatro geopolítico que tem autorizado Maduro a não só desafiar, como a humilhar os países da América Latina e do Caribe que ousaram desconfiar de sua fajuta vitória ou guardar, no mínimo, um providencial silêncio nesse momento de crise, como fizeram Brasil e Colômbia, em que pese a hora grave impor uma condenação inequívoca da violência em curso no país vizinho.

No caso do Brasil, em particular, Maduro tem sido especialmente agressivo, tanto do ponto de vista retórico como militar. Recorde-se que, há poucos dias, o ditador recomendou que o presidente Lula da Silva tomasse um “chá de camomila” após o brasileiro se dizer “assustado” diante da ameaça feita pelo ditador companheiro de que haveria um “banho de sangue” na Venezuela caso ele não fosse reeleito. Ademais, Maduro segue inabalável em suas agressões contra a soberania da Guiana, mantendo tropas na região de fronteira com o Brasil.

A bem da verdade, Maduro sabe muito bem com quem está lidando ao se portar com esse misto de petulância e desdém pelo governo brasileiro. Fiel à tradição petista de condescendência com o chavismo, Lula afirmou ontem à noite que “nada tem de grave ou de anormal” na suspeitíssima eleição na Venezuela. De fato, sob a sanha persecutória e a sede de poder de Maduro, normal é ver os cadáveres de quem se opõe ao regime estendidos nas ruas, como já se vê. E isso é apenas o começo.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S. Paulo, em 31.07.24

Barroso diz que decisões do STF atrapalharam combate à corrupção no paí

Presidente do tribunal afirma que ter sido voto vencido não 'impele a tratar com desrespeito pessoas que pensam de maneira diferente'

O ministro do STF, Luís Roberto Barroso, em evento nesta terça-feira (30) promovido pela Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro - Michael Félix/Divulgação ABL

O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso, afirmou nesta terça-feira (30) que decisões da corte atrapalharam o combate à corrupção no país.

Ele citou três decisões contrárias à Operação Lava Jato em que foi derrotado nas votações do plenário.

O ministro fez referência ao fim de prisão em segunda instância, à submissão do afastamento do então senador Aécio Neves (PSDB) ao Senado e à anulação de sentenças em razão da ordem de fala de delatores nos processos.

"O Supremo anulou o processo contra um dirigente de empresa estatal que tinha desviado alguns milhões porque as alegações finais foram apresentadas pelos réus colaboradores e pelos réus não colaboradores na mesma data, sem que isso tivesse trazido nenhum prejuízo. Também acho que atrapalhou o enfrentamento à corrupção", disse Barroso durante palestra na sede da ABL (Academia Brasileira de Letras), no Rio de Janeiro.

O ministro, no auge da Lava Jato, era um dos principais defensores de bandeiras da operação no Supremo. Ele chegou a se desentender publicamente com críticos da investigação, como Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, durante sessões da corte.

No evento desta terça, Barroso disse também: "Portanto houve algumas decisões do Supremo em matéria de enfrentamento à corrupção que não corresponderam à expectativa da sociedade. Porém, como disse, o fato de eu discordar não me impele a tratar com desrespeito a posição das pessoas que pensam de maneira diferente".

Sobre a prisão de réus condenados em segunda instância, barrada em julgamento em 2019, afirmou que o Brasil hoje contraria "o padrão mundial" e que os processos "muitas vezes se eternizam e prescrevem".

Barroso destacou outras decisões, com as quais concorda, que também provocaram polêmica e geraram reações em setores da sociedade. Mencionou a autorização de aborto para fetos anencéfalos, a equiparação da homofobia ao crime de racismo e o reconhecimento da união civil entre casais homossexuais.

Disse, porém, que nenhuma das decisões foi tomada visando a aprovação popular da corte. Para ele, "a importância de um tribunal não pode ser aferida em pesquisa de opinião pública, porque existem na sociedade interesses conflitantes e sempre haverá queixas e insatisfações".

O presidente do tribunal defendeu a participação de ministros em eventos bancados por empresários no exterior. Ele disse haver "preconceito contra a livre iniciativa, contra empresários" e declarou que os magistrados também participam de encontros com outros atores sociais, como sindicalistas, indígenas e advogados.

"Aqui o Eduardo Maneira, meu querido amigo, vive me convidando para evento da OAB. Quando eu vou lá, eu acho que eu é que estou fazendo por ele, não ele está fazendo por mim. Vou com muito gosto, mas a gente está dando quando vai participar de um evento, fazer um palestra. Não está recebendo", disse Barroso.

Ele afirmou também: "'Ah, mas eles pagaram a passagem'. Só faltava eu ter que pagar a passagem para ir atender o evento da OAB. Portanto eu acho que há uma certa incompreensão, uma certa má vontade em relação a esse tema, porque, quando vai ao congresso da OAB, não tem problema".

Ministro diz que recusou ida a Paris por viagem ao Acre

Em entrevista após o evento, o presidente do Supremo disse não descartar a criação de um código de conduta para ministros do tribunal. "Não descarto a ideia. Não chamaria de um código de conduta, mas talvez de uma consolidação de princípios já praticados, mas que não custa nada colocar no papel."

Nos últimos meses, houve episódios que desgastaram a corte, como o pagamento de R$ 39 mil em diárias para um segurança do ministro Dias Toffoli por uma viagem ao Reino Unido que incluiu ida à final da Champions League, em junho.

Barroso disse ainda no evento ter recusado um convite para participar da cerimônia de abertura das Olimpíadas de Paris para visitar escolas públicas no Acre.

"Eu tinha um convite para ir na abertura das Olimpíadas de Paris, mas eu tinha mesmo me comprometido a ir a Rio Branco, no Acre, e a Porto Velho, aproveitando o recesso para encontrar juízes, e eu sempre visito escolas públicas, e eu não quis desmarcar. Me considerei um pouco um mártir do direito. Não fui a Paris, mas fui muito bem recebido, com carinho e alegria, em Rio Branco e em Porto Velho. Mas eu queria dizer que eu fui às Olimpíadas 2016, abertura aqui no Rio."

Eu tinha um convite para ir na abertura das Olimpíadas de Paris, mas eu tinha mesmo me comprometido a ir a Rio Branco, no Acre, e a Porto Velho, aproveitando o recesso para encontrar juízes, e eu sempre visito escolas públicas, e eu não quis desmarcar. Me considerei um pouco um mártir do direito

Presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre viagens de ministros

Ele também afirmou ver, "como todos os cidadãos democratas do mundo, com grande preocupação o que está acontecendo na Venezuela", em referência às suspeitas de que Nicolás Maduro fraudou a eleição do último fim de semana. Durante a palestra, o magistrado criticou a tentativa de reimplantação do voto impresso no Brasil, defendida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus apoiadores.

"Se essas pessoas achavam que podiam invadir a sede dos três Poderes, imagina o que não fariam nas sessões eleitorais em que achassem que fosse perder", afirmou.

Presidente do tribunal afirma que ter sido voto vencido não 'impele a tratar com desrespeito pessoas que pensam de maneira diferente'

O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso, afirmou nesta terça-feira (30) que decisões da corte atrapalharam o combate à corrupção no país.

Ele citou três decisões contrárias à Operação Lava Jato em que foi derrotado nas votações do plenário.

O ministro fez referência ao fim de prisão em segunda instância, à submissão do afastamento do então senador Aécio Neves (PSDB) ao Senado e à anulação de sentenças em razão da ordem de fala de delatores nos processos.

"O Supremo anulou o processo contra um dirigente de empresa estatal que tinha desviado alguns milhões porque as alegações finais foram apresentadas pelos réus colaboradores e pelos réus não colaboradores na mesma data, sem que isso tivesse trazido nenhum prejuízo. Também acho que atrapalhou o enfrentamento à corrupção", disse Barroso durante palestra na sede da ABL (Academia Brasileira de Letras), no Rio de Janeiro.

O ministro, no auge da Lava Jato, era um dos principais defensores de bandeiras da operação no Supremo. Ele chegou a se desentender publicamente com críticos da investigação, como Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, durante sessões da corte.

No evento desta terça, Barroso disse também: "Portanto houve algumas decisões do Supremo em matéria de enfrentamento à corrupção que não corresponderam à expectativa da sociedade. Porém, como disse, o fato de eu discordar não me impele a tratar com desrespeito a posição das pessoas que pensam de maneira diferente".

Sobre a prisão de réus condenados em segunda instância, barrada em julgamento em 2019, afirmou que o Brasil hoje contraria "o padrão mundial" e que os processos "muitas vezes se eternizam e prescrevem".

Barroso destacou outras decisões, com as quais concorda, que também provocaram polêmica e geraram reações em setores da sociedade. Mencionou a autorização de aborto para fetos anencéfalos, a equiparação da homofobia ao crime de racismo e o reconhecimento da união civil entre casais homossexuais.

Disse, porém, que nenhuma das decisões foi tomada visando a aprovação popular da corte. Para ele, "a importância de um tribunal não pode ser aferida em pesquisa de opinião pública, porque existem na sociedade interesses conflitantes e sempre haverá queixas e insatisfações".

O presidente do tribunal defendeu a participação de ministros em eventos bancados por empresários no exterior. Ele disse haver "preconceito contra a livre iniciativa, contra empresários" e declarou que os magistrados também participam de encontros com outros atores sociais, como sindicalistas, indígenas e advogados.

"Aqui o Eduardo Maneira, meu querido amigo, vive me convidando para evento da OAB. Quando eu vou lá, eu acho que eu é que estou fazendo por ele, não ele está fazendo por mim. Vou com muito gosto, mas a gente está dando quando vai participar de um evento, fazer um palestra. Não está recebendo", disse Barroso.

Ele afirmou também: "'Ah, mas eles pagaram a passagem'. Só faltava eu ter que pagar a passagem para ir atender o evento da OAB. Portanto eu acho que há uma certa incompreensão, uma certa má vontade em relação a esse tema, porque, quando vai ao congresso da OAB, não tem problema".

Em entrevista após o evento, o presidente do Supremo disse não descartar a criação de um código de conduta para ministros do tribunal. "Não descarto a ideia. Não chamaria de um código de conduta, mas talvez de uma consolidação de princípios já praticados, mas que não custa nada colocar no papel."

Nos últimos meses, houve episódios que desgastaram a corte, como o pagamento de R$ 39 mil em diárias para um segurança do ministro Dias Toffoli por uma viagem ao Reino Unido que incluiu ida à final da Champions League, em junho.

Barroso disse ainda no evento ter recusado um convite para participar da cerimônia de abertura das Olimpíadas de Paris para visitar escolas públicas no Acre.

"Eu tinha um convite para ir na abertura das Olimpíadas de Paris, mas eu tinha mesmo me comprometido a ir a Rio Branco, no Acre, e a Porto Velho, aproveitando o recesso para encontrar juízes, e eu sempre visito escolas públicas, e eu não quis desmarcar. Me considerei um pouco um mártir do direito. Não fui a Paris, mas fui muito bem recebido, com carinho e alegria, em Rio Branco e em Porto Velho. Mas eu queria dizer que eu fui às Olimpíadas 2016, abertura aqui no Rio."

Eu tinha um convite para ir na abertura das Olimpíadas de Paris, mas eu tinha mesmo me comprometido a ir a Rio Branco, no Acre, e a Porto Velho, aproveitando o recesso para encontrar juízes, e eu sempre visito escolas públicas, e eu não quis desmarcar. Me considerei um pouco um mártir do direito

Ele também afirmou ver, "como todos os cidadãos democratas do mundo, com grande preocupação o que está acontecendo na Venezuela", em referência às suspeitas de que Nicolás Maduro fraudou a eleição do último fim de semana. Durante a palestra, o magistrado criticou a tentativa de reimplantação do voto impresso no Brasil, defendida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus apoiadores.

"Se essas pessoas achavam que podiam invadir a sede dos três Poderes, imagina o que não fariam nas sessões eleitorais em que achassem que fosse perder", afirmou.

Italo Nogueira, do Rio de Janeiro. originalmente para a Folha de Paulo (edição impressa), em 31.07,24

segunda-feira, 29 de julho de 2024

Biden anuncia plano para reformar a Suprema Corte dos EUA e limitar mandatos de juízes; Kamala declara apoio à medida

Analistas apontam como improvável a aprovação do plano, em meio à corrida eleitoral

O presidente dos EUA, Joe Biden, em discurso à nação após deixar corrida eleitoral — Foto: Evan Vucci / AFP

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, anunciou nesta segunda-feira um plano urgente de reforma da Suprema Corte do país, que busca acabar com a vitaliciedade dos magistrados no cargo e impor um código de ética. O projeto ambicioso, nos últimos meses de mandato de Biden, também conta com o apoio da vice-presidente e candidata democrata, Kamala Harris, que declarou apoio ao projeto.

Biden se absteve por muito tempo de atender a pedidos para reformar o tribunal, composto por nove juízes que ocupam o cargo de forma vitalícia. A composição atual é desfavorável aos interesses dos democratas, uma vez que inclui seis ministros conservadores, três deles nomeados pelo ex-presidente Donald Trump, com ratificação do Congresso.

A possibilidade de uma presidência impor influência indevida às gerações futuras". Também pretende impor um código de ética que seja "obrigatório", com aplicação garantida e semelhante ao dos juízes da instância federal.

O presidente deve abordar o plano durante um discurso na Biblioteca e Museu Presidencial Lyndon B. Johnson em Austin, nesta segunda-feira, em seu primeiro compromisso público desde que anunciou sua decisão de abandonar a campanha presidencial na semana passada.

Espera-se que Biden repita o argumento antecipado pela Casa Branca, e que proponha um processo no qual cada presidente nomearia um juiz a cada dois anos, para passar 18 anos no tribunal.

Suprema Corte dos EUA, em Washington — Foto: Drew ANGERER / AFP

Ativistas do direito ao aborto protestam em frente à Suprema Corte dos EUA que, dominada por conservadores, revogou a decisão histórica de 1973 conhecida como "Roe x Wade", que consagrava o direito da mulher ao aborto e disse que os estados individuais podem permitir ou restringir o procedimento por conta própria — Foto: OLIVIER DOULIERY / AFP

Manifestantes pró-escolha e antiaborto se reúnem do lado de fora da Suprema Corte dos EUA em Washington — Foto: MANDEL NGAN / AFP

Em uma declaração enviada por sua campanha, a vice-presidente Kamala Harris, única candidata democrata a espera de confirmação, elogiou os esforços para mudar o tribunal e disse que era uma parceira no esforço.

— O presidente Biden e eu acreditamos fortemente que o povo americano deve ter confiança na Suprema Corte — disse a presidente. — Essas reformas populares ajudarão a restaurar a confiança na corte, fortalecer nossa democracia e garantir que ninguém esteja acima da lei.

Biden criticou decisões recentes da Corte que causaram controvérsia, incluindo a que anulou o precedente da decisão do caso Roe v. Wade, de 1973, que garantia o direito ao aborto em nível federal. Em um artigo de opinião no The Washington Post, o presidente disse que a decisão do tribunal de conceder ampla imunidade a presidentes por crimes cometidos no cargo foi um exemplo de tomada de decisão "perigosa e extrema" que colocou o povo americano em risco.

"O que está acontecendo agora não é normal e prejudica a confiança do público nas decisões do tribunal, incluindo aquelas que afetam as liberdades pessoais", escreveu Biden.

Steven Schwinn, especialista em direito da Universidade de Illinois em Chicago, explicou à AFP que Biden tem "quase zero" chance de aprovar seu plano e que provavelmente procura "sensibilizar a opinião pública" e colocar a Suprema Corte como uma questão eleitoral. (Com AFP e NYT)

Publicado originalmente por O Globo, com agências internacionais — Washington, em 29.07.24

Vitória de Nicolás Maduro na Venezuela é mais uma farsa do regime chavista

Ao longo de duas décadas, o regime chavista tem manipulado os processos eleitorais de modo a desacreditá-los e induzir a oposição a boicotar as votações

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, acena para apoiadores em Caracas, Venezuela Foto: Juan Barreto/AFP

A ditadura venezuelana montou uma aparente fraude eleitoral acompanhada de uma versão fantasiosa de “ataque de hackers” ao sistema de transmissão dos resultados da votação para justificar a suspensão dos envios das atas, o enquadramento da oposição em crime de “terrorismo” e o recrudescimento da repressão contra protestos populares,

Ao anunciar uma improvável vitória do autocrata Nicolás Maduro por 51,2% dos votos, ante 44,2% para o representante da oposição, Edmundo González, o presidente do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), Elvis Amoroso, afirmou ter resolvido “problemas causados por agressões ao sistema, que causaram atrasos”. E que solicitou ao procurador-geral Tarek Saab, um dos braços da repressão do chavismo, “investigações contra o sistema eleitoral e contra seções e funcionários”.

Em geral quando se frauda uma apuração eleitoral, o sistema é derrubado da internet, enquanto se inserem os números escolhidos pelo regime. Aconteceu por exemplo na própria Venezuela na eleição para a Assembleia Constituinte, que eu cobri, em 2017. Dessa vez, os chavistas inovaram: aproveitaram a queda do sistema para enquadrar líderes oposicionistas pelo grave crime de terrorismo.

Em seguida, Maduro discursou em frente ao Palácio Miraflores, sede da presidência, numa trama claramente coreografada. “O fascismo na Venezuela, a terra de Bolívar e de Chávez, não passará hoje nem nunca”, prometeu ele. “O povo de Cristo foi mais forte frente aos demônios e demônias”, continuou, numa aparente referência a María Corina Machado, a única líder de oposição feminina, cuja candidatura foi impedida pelo regime.

“A Venezuela sofreu ataque de hackers durante a noite”, assegurou o ditador. “Não vou revelar o autor. Ataque doméstico ao sistema de transmissão do Conselho Nacional Eleitoral porque os demônios não queriam a certificação da nossa vitória. Já sabemos o mandante”, afirmou Maduro, causando um frio na espinha de quem conhece os métodos violentos de seu regime. “O Ministério Público vai entregá-lo para fazer justiça para o povo venezuelano.”

Segundo ele, trata-se de pessoas feias. “As pessoas belas estão aqui, cheias de amor, patriotismo e cristianismo”, disse ele, elogiando a multidão de chavistas reunidos para festejar a “vitória” do ditador, no poder desde 2013, e do regime, que já dura 25 anos. Reforçando a intimidação, Maduro advertiu: “Não vamos permitir que essas pessoas provoquem uma espiral de violência. O povo quer tranquilidade, estabilidade”.

María Corina Machado já está impedida de deixar o país, por uma condenação que também a tornou inelegível, embora tenha sido escolhida por nove partidos a candidata da oposição unida. Portanto, não tem a opção do exílio para escapar da prisão, como fizeram Juan Guaidó, que está em Miami, Leopoldo López, Julio Borges e Antonio Ledezma, que estão em Madri, para citar apenas alguns expoentes da oposição.

Machado discursou logo depois, ao lado de González. Ela afirmou que, segundo as atas que haviam recebido, González venceu com 70% dos votos, ante 30% para Maduro. “Essa é a verdade, maior margem de vitória na história”, festejou a líder oposicionista. Ela afirmou que foram retirados fiscais de centenas de mesas, nas quais era impedida a impressão das atas. Jornalistas presenciaram alguns desses incidentes, em que policiais e militantes dos “coletivos” chavistas impediram o acesso dos fiscais da oposição aos locais de apuração dos votos.

Machado rebateu a acusação de que oposicionistas teriam atacado o sistema para impedir a transmissão. “Os principais interessados na chegada das atas somos nós”, argumentou ela. “Por que acham que interromperam o envio das atas? Todos sabem o que aconteceu. Sabemos que essas pessoas são capazes de qualquer coisa, mas isso não é qualquer coisa, é violar a soberania popular. Não podem fazer isso, não com a informação que nós temos”, afirmou Machado, referindo-se às atas da contagem dos votos.

A líder da oposição, María Corina Machado, participa de uma coletiva de imprensa ao lado do candidato presidencial Edmundo González, em Caracas, após a divulgação dos resultados 

A líder da oposição, María Corina Machado, participa de uma coletiva de imprensa ao lado do candidato presidencial Edmundo González, em Caracas, após a divulgação dos resultados  Foto: Federico Parra/AFP

“Toda a comunidade internacional, até os que foram aliados em algum momento, sabem o que aconteceu”, disse Machado, numa aparente referência ao Brasil. O assessor especial da presidência Celso Amorim acompanhou a votação em Caracas. Antes do anúncio dos resultados, Amorim havia se declarado contente com o transcurso da votação.

Ao enviar Amorim, o governo Lula se obrigou a emitir um veredicto do processo eleitoral venezuelano. Dificilmente denunciará a fraude com todas as letras, ao julgar pela complacência diante da declaração de Maduro, de que a eleição brasileira não é auditável. Se Lula e Amorim recebem em silêncio um questionamento da legitimidade da eleição do próprio presidente, numa calúnia idêntica à que Jair Bolsonaro fez, por que desafiaria a legitimidade da eleição de Maduro?

Machado fez também um apelo às Forças Armadas, cooptadas pelo chavismo. “Os militares sabem, porque estiveram lá na primeira fila e viram as pessoas”, disse ela. “O dever das Forças Armadas é fazer que se respeite a soberania popular expressa nos votos. Isso é o que esperamos.” É improvável. Os generais venezuelanos estão inteiramente envolvidos no regime, e em seus crimes.

A líder oposicionista também rejeitou a ameaça de Maduro de reprimir as manifestações. “O que não vamos aceitar é dizer que a defesa da verdade é violência”, avisou ela. “Violência é ultrajar a verdade.” Machado, que diz que a oposição contou com 1 milhão de funcionários, num país onde restaram 23 milhões de habitantes, voltou a pedir que os mesários e testemunhas não saíssem das seções eleitorais enquanto não tivessem as atas impressas.


A líder da oposição, María Corina Machado, abraça apoiadores após votar em Caracas, Venezuela  Foto: Matias Delacroix/AP

Ela convocou os manifestantes a saírem de casa com suas famílias, incluindo parentes idosos. “Quem sai com a família não quer violência”, justificou. “Nos próximos dias, continuaremos anunciando ações para defender a verdade. Iremos até o fim. Nosso movimento cívico, popular e pacífico não será interrompido.” É improvável que os venezuelanos se exponham à truculência da polícia, dos milicianos irregulares do regime, e ao risco de prisão. Atualmente há 305 presos políticos na Venezuela, dos quais 130 desde janeiro.

Boca-de-urna realizada pela empresa especializada americana Edison Research indicou vitória de González por 65% a 31%. Os números são consistentes com outras pesquisas independentes nos dias anteriores, que indicavam a vitória do candidato da oposição unida por uma margem de 25 a 50 pontos porcentuais.

Ao longo de duas décadas, o regime chavista tem manipulado os processos eleitorais de modo a desacreditá-los e induzir a oposição a boicotar as votações. Com isso, bastava inflar o dado do comparecimento, para dar uma aparência de legitimidade às eleições.

Foi assim na primeira reeleição de Maduro, em 2018, quando o CNE anunciou vitória dele com 68% dos votos e comparecimento de 46%, o mais baixo da história da democracia da Venezuela, instaurada em 1958. A União Europeia e a Organização dos Estados Americanos, entre outros, denunciaram fraude no processo. Isso deve se repetir agora.

 

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, participa de um compromisso de campanha ao lado da primeira-dama, Cillía Flores, em Caracas, Venezuela  Foto: Fernando Vergara/AP

Vieram a invasão da Ucrânia e as sanções dos Estados Unidos e da União Europeia contra o petróleo e gás da Rússia. Aumentou o interesse do Ocidente de levantar as sanções contra o petróleo venezuelano. Com mediação da Noruega e aval do Brasil, o governo e a oposição firmaram em outubro o Acordo de Barbados, que previa a realização de eleições livres e justas, incluindo a libertação dos presos políticos.

O acordo foi firmado dia 17 de agosto. Cinco dias depois, Machado foi eleita nas primárias da oposição unida, com 92% dos votos.

Como parte do incentivo, para o regime, os Estados Unidos voltaram , por cerca de quatro meses, a comprar o petróleo venezuelano. Calculo que o regime tenha obtido US$ 1 bilhão em vendas extras de petróleo.

Já no início do ano, no entanto, ficou claro que o governo venezuelano não cumpriria sua parte no acordo. Machado foi inabilitada no fim de janeiro. Ela escolheu para seu lugar a professora Corina Yoris que, por ter o mesmo nome, atrairia os seus votos. O regime vetou também. Ela indicou então o diplomata aposentado Edmundo González, de 74 anos.

Um venezuelano segura um cartaz de apoio a Edmundo González no Rio de Janeiro  Foto: Bruna Prado/AP

O regime aceitou, porque imaginou que os votos da oposição se diluiriam entre os candidatos de diversos partidos, e que a população se sentiria desencorajada a votar, como em 2018. Entretanto, a oposição se mobilizou em torno do nome de González. Os candidatos de outros partidos pediram a retirada de seus nomes das cédulas, mas o CNE os manteve, na tentativa de dispersar os votos da oposição e confundir os eleitores.

Nos comícios da oposição, policiais e militantes dos coletivos bloqueavam o acesso de ruas e avenidas para dificultar a checada dos participantes. Só havia cartazes de propaganda eleitoral de Maduro. A imprensa, o Judiciário, o Ministério Público e o Parlamento são controlados pelo regime. E agora, a fraude está consumada. Maduro gostaria de normalizar as relações com os Estados Unidos e a União Europeia, e vender mais petróleo. Mas não ao ponto de sacrificar sua perpetuação no poder.

Lourival Sant'Anna, o autor deste artigo, é colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 29.07.24

Os Estados Unidos, a UE, a Espanha, o Chile e a Colômbia pedem que os resultados na Venezuela sejam verificados

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, questiona se a vitória de Maduro “reflete a vontade dos venezuelanos”. Gabriel Boric acha “difícil de acreditar” e Albares pede “total transparência” na contagem

O presidente do Chile, Gabriel Boric. (Crédito: Cesar Olmedo - Reuters)

A reação internacional ao anúncio da vitória de Nicolás Maduro pelo poder eleitoral controlado pelo chavismo foi imediata. Os Estados Unidos, Chile e Espanha foram alguns dos países que questionaram os resultados eleitorais. Venezuela. O secretário de Estado de Joe Biden, Antony Blinken, expressou desde Tóquio, onde se encontra em digressão, as “sérias preocupações” da Casa Branca de que “os resultados anunciados não refletem a vontade ou os votos do povo venezuelano”. “A comunidade internacional está a observar isto muito de perto e responderá em conformidade”, alertou.

“É de vital importância que cada voto seja contado de forma justa e transparente”, disse Blinken. Pouco depois da meia-noite em Caracas, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela concedeu a vitória a Maduro com 51,2% dos votos , contra 44,2% do opositor Edmundo González.

O primeiro a reagir à questionada vitória foi o presidente chileno, o esquerdista Gabriel Boric, que alertou que não acredita nos resultados divulgados pela CNE. “O regime de Maduro deve compreender que os resultados que publica são difíceis de acreditar. A comunidade internacional e especialmente o povo venezuelano, incluindo os milhões de venezuelanos no exílio, exigem total transparência das atas e do processo, e que observadores internacionais não comprometidos com o Governo prestem contas pela veracidade dos resultados. Do Chile não reconheceremos nenhum resultado que não seja verificável”, escreveu em suas redes sociais.

A resposta venezuelana veio minutos depois , através do seu ministro das Relações Exteriores, Yvan Gil. “Talvez a sua incompetência seja a razão para não saber que os filhos de Bolívar e Chávez não precisam do seu desvalorizado reconhecimento, aqui derrotamos o fascismo com votos e com o apoio popular, e também estamos livres de tutela, algo que infelizmente o seu governo não pode. diga nunca. Cuide dos seus problemas!”, escreveu o ministro.

Na manhã de segunda-feira, hora espanhola, o ministro dos Negócios Estrangeiros espanhol, José Manuel Albares, também se pronunciou para apelar à “transparência total” sobre os resultados eleitorais. Em declarações à Cadena SER, pediu que “as atas das assembleias de voto sejam tornadas públicas uma a uma para que os resultados possam ser verificados”.

Albares pede “total transparência” sobre o resultado das eleições venezuelanas (Crédito da foto: Claudio Alvarez)

O chefe da diplomacia espanhola tem sido muito cauteloso, garantindo que apenas são conhecidos “dados brutos” e nem todos os votos foram contados, razão pela qual não quis comentar o vencedor das eleições. Recordou a presença na Venezuela de observadores internacionais, como o Centro Carter e as Nações Unidas, cujos relatórios o Governo espanhol espera ver, e sublinhou que a oposição exigiu acesso a informação detalhada sobre os resultados, relata Miguel González. O ministro espanhol, que garantiu estar em contacto com o Alto Representante da UE, Josep Borrell, e com os ministros dos Negócios Estrangeiros latino-americanos, garantiu que Espanha não teve nenhum candidato nestas eleições e que trabalhará para que o processo se desenvolve com calma, tranquilidade e liberdade, como foi assegurado no dia das eleições de domingo.

Precisamente, perguntou o chefe da diplomacia europeia esta segunda-feira de manhã numa mensagem na rede social eleitoral”. Na votação deste domingo não houve observadores da União Europeia depois da Venezuela ter revogado o convite.

Por sua vez, o ministro das Relações Exteriores da Colômbia, Luis Gilberto Murillo, emitiu um comunicado na manhã desta segunda-feira, no qual solicitou uma auditoria independente dos resultados eleitorais: “Pedimos que, o mais rápido possível, prossiga com a contagem total de os votos, sua verificação e auditoria independente”, escreveu na rede social

Peru, Uruguai e Costa Rica falam sobre fraude

Outros países como Peru, Uruguai e Costa Rica falaram em fraude. O governo peruano de Dina Boluarte alertou que não reconhecerá a vitória de Maduro. O Ministro das Relações Exteriores, Javier González-Olaechea, condenou “o somatório de irregularidades com intenção de fraude por parte do governo da Venezuela”. O responsável anunciou que decidiu telefonar ao seu embaixador em Caracas para uma consulta. Junto com o Uruguai e a Costa Rica, foram alguns dos países que falaram abertamente em “resultados fraudulentos”.

Horas antes de serem conhecidos os resultados divulgados pela CNE, os chanceleres da Argentina, Costa Rica, Equador, Guatemala, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai pediram em comunicado que o voto dos venezuelanos fosse respeitado. “Consideramos fundamental ter garantias de que os resultados eleitorais respeitarão integralmente a vontade popular manifestada pelo povo venezuelano nas urnas. Isto só pode ser conseguido através de uma contagem de votos transparente, que permita a verificação e controlo dos observadores e delegados de todos os candidatos.”

Cuba, Nicarágua, Bolívia e Honduras parabenizam Maduro

Houve também felicitações dos países que compõem informalmente o chamado eixo bolivariano. Os presidentes de Cuba, Nicarágua, Bolívia e Honduras, todos ideologicamente ligados ao chavismo, parabenizaram Nicolás Maduro na manhã desta segunda-feira. “Falei com o irmão Nicolás Maduro para lhe transmitir calorosas felicitações em nome do Partido, do Governo e do povo cubano pela histórica vitória eleitoral alcançada, após uma impressionante manifestação do povo venezuelano. Reafirmei a solidariedade de Cuba", escreveu o presidente cubano, Miguel Díaz-Canel, na rede social

Por sua vez, o casal presidencial da Nicarágua formado por Daniel Ortega e Rosario Murillo enviou a Maduro uma carta publicada pelo ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Yvan Gil, na qual saúdam a “grande vitória” que o “povo heróico entrega ao eterno comandante [ como "Eles se referem a Hugo Chávez] em seu aniversário."

Os presidentes da Bolívia, Luis Arce, e de Honduras, Xiomara Castro, também se referiram a Chávez em suas felicitações. “Parabenizamos o povo venezuelano e o presidente Nicolás Maduro pela vitória eleitoral deste histórico 28 de julho. Ótima maneira de lembrar o Comandante Hugo Chávez. “Acompanhamos de perto este partido democrático e saudamos o facto sobrede a vontade do povo venezuelano ter sido respeitada nas urnas”, escreveu o boliviano

O presidente hondurenho enviou “felicitações democráticas, socialistas e revolucionárias e saudações ao presidente Nicolás Maduro e ao corajoso povo da Venezuela pela sua vitória inquestionável, que reafirma a sua soberania e o legado histórico do comandante”.

O silêncio do Brasil

Diante da cascata de reações internacionais após o anúncio da CNE, há dois países que permanecem em silêncio: o México e o Brasil, a nação que recebe mais atenção no momento por dois motivos: seu chanceler, Celso Amorim, é um dos observadores internacionais que participaram do processo desde o terreno como parte do Grupo Puebla, do qual também fizeram parte o ex-presidente espanhol José Luis Rodríguez Zapatero e o dominicano Leonel Fernández.

Além disso, na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva instou Maduro, um tradicional aliado do brasileiro, a respeitar o processo eleitoral e a sair caso perdesse, em declarações inusitadas nas quais reconheceu que se sentiu "assustado" ao ouvir o seu homólogo venezuelano dizer dizer, num vídeo supostamente divulgado online sem o seu consentimento, que uma vitória do candidato da oposição, Edmundo González, poderia levar a “um banho de sangue” ou a “uma guerra civil fratricida”.

Federico Rivas Molina, de Buenos Aires e Lorena Arroyo, da Cidade do México para o EL PAÍS, em 29.07.24

Por que oposição da Venezuela rejeita vitória de Maduro

A líder da oposição venezuelana, María Corina Machado, rejeitou a vitória de Nicolás Maduro nas eleições presidenciais que foram anunciadas no domingo (28/7) pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) do país. 

González e Corin Machado disseram que a oposição venceu as eleições realizadas no domingo (28/7) (Reuters)

Machado diz ter todas as atas de votação que foram entregues aos observadores da oposição, que ainda estavam nos centros de votação da Venezuela à meia-noite no horário local.

A opositora disse que o seu cálculo aponta 70% dos votos para Edmundo González, o representante da oposição nas urnas, e 30% para Maduro.

Minutos antes, o CNE havia anunciado resultados que davam 44,2% a González e 51,1% a Maduro, com 80% das urnas apuradas.

Enquanto os números de Machado se baseiam em 40% das atas, o primeiro boletim do CNE, que considera 80% das urnas apuradas, afirma refletir uma "tendência irreversível".

"Ganhamos e todos sabem disso", disse Machado. "Isto não é uma fraude, é ignorar e violar a soberania popular. Não há forma de justificar isso, não com a informação que temos", acrescentou ela.

Na Venezuela, cada local de votação emite uma ata, que é impressa diversas vezes.

Esse documento é, ao mesmo tempo, transmitido ao CNE e entregue aos observadores de cada partido.

Portanto, todos têm, em teoria, acesso aos resultados.

Machado afirmou que a oposição vai anunciar algumas medidas nos próximos dias.

"Agora cabe a nós defender a verdade, porque isso influencia a vida de todos", disse. "Todas as regras foram violadas. Nossa luta continua."


Elvis Amoroso (ao centro), um antigo aliado político de Maduro (à esquerda) e agora presidente do CNE

As eleições venezuelanas foram observadas pelo Carter Center, dos Estados Unidos, e pela Organização das Nações Unidas (ONU), duas entidades com pouca influência política e com fortes limitações para analisar as informações.

Durante a campanha, Machado percorreu o país — apesar de encontrar em todas as rodovias ou aeroportos postos de controle militar ou bloqueios espontâneos que fechavam o caminho da comitiva. A oposição relatou 130 prisões de militantes e ativistas.

Existem 8 milhões de venezuelanos no exterior, ou 15% da população total. Destes, apenas 1% puderam votar por causa das dificuldades no registo de eleitores em embaixadas e consulados.

O presidente do CNE, Elvis Amoroso, é um político ligado ao chavismo e atuou em entidades que impedem pessoas de concorrer às eleições.

Apesar disso, e das reclamações de que a votação não teve condições justas, como a inabilitação o de Machado, desde 2013 a oposição não via tantas possibilidades de derrotar o chavismo.

De acordo com sondagens divulgadas antes das eleições, a oposição apresentava vantagem.

As atas e as testemunhas

Edmundo González é o principal candidato da oposição (Getty Images)

*Análise de Daniel Pardo, jornalista da BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC

Apesar do ceticismo, a oposição venezuelana participou das eleições porque tinha uma possibilidade de pensar que seria uma disputa parcialmente competitiva, com a participação de 90 mil testemunhas nos 30.026 locais de voto espalhados por todo o país.

Essas testemunhas poderiam transmitir os resultados ao vivo por meio das atas de votação impressas em cada centro.

Machado diz que as testemunhas da oposição conseguiram compilar os resultados de 40% das atas e que, com uma vantagem tão grande quanto a que ela alega, fica evidente a vitória de González.

A outra parcela dos registros segue aparentemente nos centros de votação, assim como muitas das testemunhas: 90 mil pessoas em todo o país que, segundo denúncias, sofreram assédio das autoridades ao longo do domingo (28/7).

Especialistas em eleições descreveram o pleito na Venezuela como o "mais oportunista" da história recente da Venezuela.

Porém, mesmo assim, a oposição diz que teve um resultado avassalador. E a prova estaria justamente nas tais atas de votação.

Publicado originalmente por BBC News, em 27.07.24

domingo, 14 de julho de 2024

Unidos na indecência

O PT de Lula e o PL de Bolsonaro brigam por quase tudo. Mas, quando se trata de se livrar de multas eleitorais, os dois partidos dão as mãos e ajudam a aprovar mais uma obscena anistia

Atoque de caixa e por ampla maioria, a Câmara dos Deputados aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que perdoa as multas impostas aos partidos políticos pelo descumprimento das cotas de repasse do fundo eleitoral a candidaturas de negros e mulheres. Não se trata de um valor trivial. As multas aplicadas pela Justiça Eleitoral entre 2018 e 2023 foram estimadas em R$ 23 bilhões, mas o valor pode ser ainda maior.

O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), até fez uma mise-en-scène ao não votar a PEC na semana passada. Não havia acordo com o Senado, e o PT havia manifestado discordância sobre alguns pontos do texto. Lira não queria que o ônus da proposta recaísse apenas sobre os deputados e disse que o texto só seria pautado quando houvesse apoio de todos os partidos e da Casa ao lado.

Não se sabe exatamente o que ocorreu nos últimos dias, mas o fato é que o cenário, aparentemente, mudou da água para o vinho. Logo após a aprovação do primeiro projeto de lei que regulamenta a reforma tributária, a tramitação da PEC ganhou velocidade e quase unanimidade.

Pudera. Nada menos que 29 partidos podem ser beneficiados pelo texto, capaz de gerar uma trégua na perniciosa polarização que domina praticamente todas as discussões legislativas, inclusive a própria reforma tributária.

Para facilitar esse tipo de acordo suprapartidário, nada como a proximidade do início do recesso legislativo. Ansiosos por se dedicar às disputas eleitorais em seus municípios no segundo semestre, os deputados apresentam uma produtividade sem igual.

A admissibilidade da PEC havia sido aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) no ano passado, mas o parecer final jamais chegou a ser votado pela comissão especial criada justamente para discutir seus termos com profundidade. Mero detalhe, a ser ignorado quando convém à maioria.

Assim, Lira aproveitou para submetê-la diretamente ao plenário na quinta-feira, e a PEC foi aprovada por 344 votos a 89, em primeiro turno, e por 338 a 82, no segundo turno. Agora, o texto precisa do apoio de ao menos 49 dos 81 senadores para ser promulgado.

Com a PEC, penalidades aplicadas na eleição passada serão perdoadas. A Câmara inovou e criou um “Refis” para os partidos, permitindo que dívidas mais antigas possam ser pagas em até 15 anos, sem cobrança de juros, e as obrigações previdenciárias, em até cinco anos.

Os repasses de verba dos fundos partidário e eleitoral não apenas serão mantidos, como poderão ser usados para pagar esses débitos, inclusive os aplicados pelo uso de recursos de “origem não identificada”, vulgo caixa dois. Não é só isso. A exemplo de igrejas, partidos e federações passam a ter imunidade tributária, e sanções em fase de execução ou já transitadas em julgado serão anuladas.

Para garantir que o montante de multas não volte a crescer, a PEC facilita a vida dos partidos que descumprem a determinação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de alocar a verba eleitoral e tempo de propaganda eleitoral gratuita de forma proporcional entre candidatos brancos e negros.

Candidaturas de negros receberão 30% dos recursos dos fundos, mas um único candidato ou região poderá receber toda a verba. Não há qualquer garantia de que essa cota será mantida no futuro, mas quem descumpriu a norma em 2020 e 2022 poderá se livrar da punição se compensá-la nas próximas quatro disputas eleitorais.

Solenemente ignoradas, mais de 30 entidades manifestaram repúdio ao teor da PEC em nota e a classificaram como uma “inaceitável irresponsabilidade”. À exceção do PSOL e do Novo, a maioria dos integrantes das siglas, do PT ao PL, deu aval a essa farra que estimula o caráter perdulário do uso dos recursos dos fundos que, é sempre importante destacar, têm origem pública e ocupam espaço que poderia ser destinado a qualquer outra política pública.

Trata-se da quarta anistia concedida pelos partidos a si mesmos, mais um episódio a reforçar a necessidade de acabar com o indecente financiamento público para forçar as siglas e suas lideranças a trabalhar, conquistar apoiadores e se sustentar por conta própria.

Editorial / Notas e Informações, O Estado de S. Paulo, em 14.07.24

Thomas Matthew Crooks, o homem de 20 anos suspeito do ataque de Trump

 O atirador, residente na Pensilvânia e registrado como eleitor do Partido Republicano, disparou do telhado de um edifício a cerca de 120 metros de Trump



Atiradores dos serviços secretos manuseiam assuas armas este sábado em Butler, Pensilvânia, onde o antigo Presidente Donald Trump sobreviveu a um ataque. (David Maxwell (EFE)

Homem branco. 20 anos. Nasceu em Bethel Park (Pensilvânia), cidade localizada a cerca de 60 quilômetros do local do incidente. Nomeado, Thomas Matthew Crooks. O processo policial do suspeito do ataque a Donald Trump na tarde deste sábado, num comício do ex-presidente na pequena cidade de Butler, foi gradualmente concluído nas horas seguintes à tentativa de assassinato.

Entre os dados surpreendentes que surgiram está o facto de a lista de eleitores do estado o ter registado como simpatizante republicano. Nas eleições de 5 de novembro, Crooks foi chamado a participar pela primeira vez numa eleição presidencial; Nos últimos anos ele ainda era menor de idade. Após o tiroteio, no qual Trump ficou levemente ferido, ele foi morto por atiradores do Serviço Secreto. Além disso, um participante do evento eleitoral morreu imediatamente e outros dois ficaram em estado crítico.Ainda não se sabe muito sobre a sua história ou o que o motivou a subir ao telhado de um edifício e abrir fogo contra um ex-presidente que fazia campanha para regressar à Casa Branca. Surgiram certos indícios, ainda inconclusivos, de que a sua filiação republicana era recente.



Ainda não se sabe muito sobre a sua história ou o que o motivou a subir ao telhado de um edifício e abrir fogo contra um ex-presidente que fazia campanha para regressar à Casa Branca. Surgiram certos indícios, ainda inconclusivos, de que a sua filiação republicana era recente.

De acordo com os poucos factos que se conhecem sobre a sua história, Crooks tinha 17 anos quando doou 15 dólares (13,7 euros) à ActBlue, uma comissão de ação política que angaria dinheiro para políticos democratas e de esquerda, segundo registos do Eleitoral Federal. Comissão de 2021, citada pela Reuters. A doação foi destinada ao Projeto de Participação Progressista, grupo nacional que mobiliza eleitores democratas para irem às urnas

Uma captura de tela de um vídeo mostra o suspeito de ter baleado Donald Trump já morto por agentes de segurança, em 13 de julho de 2024 em Butler (Pensilvânia). (Anadolu - Getty)

Crooks se formou em 2022 na Bethel Park High School, de acordo com a mídia local Pittsburgh Tribune-Review . Ele recebeu um “prêmio estrela” de US$ 500 da Iniciativa Nacional de Matemática e Ciências, segundo o jornal citado.

A identificação de Crooks não foi imediata após a tentativa de ataque. Ele não trazia consigo nenhum documento de identificação, segundo as autoridades, e foi necessário recorrer a outros métodos. As autoridades, que realizaram uma conferência de imprensa conjunta entre o FBI e a polícia local e estadual na qual partilharam poucas informações, ainda não sabem o motivo que levou Crooks a atacar o ex-presidente. Seu pai, Matthew Crooks, 53 anos, disse à CNN que ainda estava tentando descobrir o que aconteceu e disse que esperaria até falar com as autoridades antes de dizer qualquer coisa sobre seu filho.

O atirador disparou do telhado de um edifício industrial próximo, localizado a cerca de 120 metros do palco onde o ex-presidente discursava num dos comícios que costuma realizar todos os fins de semana em qualquer canto do país. Os bandidos miravam de fora do local, para que ele não tivesse que passar pelos arcos de triagem de armas, semelhantes aos de aeroportos, rotineiramente implantados nos comícios de Trump. Uma testemunha disse à BBC que avisou a polícia da presença do suspeito durante vários minutos e que os agentes demoraram a intervir.

Nos vídeos feitos pelos participantes, membros do serviço secreto podem ser vistos estacionados em uma estrutura respondendo aos tiros do atirador. A troca começou por volta das 18h10. Foi nesse momento que o ex-presidente percebeu que os sons secos que de repente se ouviam correspondiam a uma saraivada de balas, levou a mão ao ouvido, caiu no chão para se abrigar atrás do púlpito e dos agentes encarregados de sua seguranças se jogaram em cima dele para proteger a vida de Trump com seus corpos. Em poucos segundos, que pareceram uma eternidade, conseguiram colocá-lo sob proteção no carro blindado em que costuma viajar, uma réplica daquele que usava quando era inquilino da Casa Branca.

Minutos depois, um porta-voz do ex-presidente disse que ele estava “bem”. Ele foi submetido a um exame em um hospital próximo ao local do comício. Quatro horas depois do ataque, Trump deu a sua versão através da Truth, a sua rede social: “Recebi uma bala que atravessou a parte superior da minha orelha direita. Eu soube imediatamente que algo estava errado porque ouvi um zumbido, tiros e imediatamente senti a bala rasgando a pele. “Eu estava sangrando muito e então percebi o que estava acontecendo”, escreveu ele.

Nas horas seguintes à tentativa de atentado, repletas de confusão, também circularam nas redes fotos do corpo do suspeito no telhado após ser baleado pelos agentes, que posteriormente recuperaram um fuzil semiautomático tipo AR-15, arma mais usado nos tiroteios em massa que ocorrem diariamente em todo o país.

Iker Seisdedos, correspondente em Washinston (DC), originalmente,  para o EL PAÍS, em 14.07.24