sexta-feira, 28 de abril de 2023

A adolescência irresponsável da esquerda

Em nota, PT e mais seis partidos da base prometem trabalhar para desidratar ainda mais a proposta de arcabouço fiscal. Fascinados com a possibilidade de gastar, não aceitam limites

No dia 25 de abril, sete partidos de esquerda – PT, PSB, PDT, PV, PSOL, PCdoB e Rede – publicaram uma nota que parece ter sido escrita pela oposição, e não por legendas que, a rigor, fazem parte da base aliada do governo. Em vez de manifestarem apoio à principal proposta do Executivo apresentada até agora ao Legislativo – o Projeto de Lei Complementar (PLC) 93/2023, sobre o novo arcabouço fiscal –, elas informam que vão trabalhar por mudanças no texto. Querem “debater as novas regras fiscais encaminhadas pelo governo ao Congresso Nacional, de forma a aperfeiçoá-las às necessidades do programa eleito nas urnas e à reconstrução do País”.

É realmente peculiar o modo de atuar dessas legendas de esquerda, capitaneadas – eis o paradoxismo máximo – pelo próprio partido do presidente da República, o PT. Elas estão no governo federal, chefiam Ministérios, têm filiados presentes em toda a estrutura da União, participam prioritariamente na distribuição das verbas públicas, mas não querem a responsabilidade de ser governo. Querem brincar de ser oposição.

O mais estranho é que a proposta de novo arcabouço fiscal foi cuidadosamente elaborada para atender às demandas e idiossincrasias dos partidos de esquerda. Trata-se de texto tímido, sem nenhuma regra especialmente exigente e permeado de exceções liberando o governo para gastar. Mesmo assim, as sete legendas querem desidratar ainda mais a proposta no Congresso.

Com esse modo de atuar, os partidos de esquerda explicitam uma profunda e perigosa imaturidade política. Se nem eles estão fechados com o texto do governo, quem estará? A proposta de novo arcabouço fiscal será aprovada por passe de mágica?

Tal atitude de intransigência reitera também outro velho traço das legendas de esquerda: a incapacidade de diálogo e de negociação. Em sua pretensão de superioridade moral e de hegemonia política, elas não conseguem sequer chegar a uma posição consensual com seu próprio governo. Fica então a pergunta: se agem assim com seus aliados, esses partidos serão capazes de assumir compromissos com outras forças e grupos políticos?

Sob a aparência de defesa apaixonada de princípios e posições ideológicas, o que os sete partidos fazem é desautorizar, na prática, o governo de Lula da Silva. Julgam que o trabalho feito por seu grupo político não expressa o interesse público, precisando ser modificado para – assim diz a nota – “levar em conta as necessidades do povo brasileiro”.

A confirmar a grave incompreensão dessa turma sobre a política e o País, o texto afirma que o tal aperfeiçoamento do arcabouço fiscal seria necessário para “garantir que seja executado o programa que nos levou à vitória nas urnas”. É simplesmente acintosa a manipulação da realidade – talvez fosse mais correto dizer, “explícito negacionismo” – dessa turma. As eleições de 2022 não deram aval a nenhum programa de governo irresponsável, menos ainda acolheram as intransigências ideológicas dos partidos de esquerda. Até mesmo porque Lula da Silva não apresentou nenhum programa de governo ao eleitor.

Entre todas essas incompreensões, negacionismos e pretensas espertezas, quem mais sofre é o País. O interesse público fica desamparado. E os problemas nacionais permanecem à espera de um mínimo de responsabilidade, que as legendas de esquerda se esforçam em afirmar, com todas as letras, que não estão dispostas a ter. O fato de elas estarem no governo não as leva nem mesmo a simular alguma preocupação com as questões reais que afligem a população. Estão, antes, fascinadas com a oportunidade de gastarem recursos públicos em seus projetos e em seus rincões. E – como diz a mensagem da nota conjunta – farão ferrenha oposição a quem queira fixar limites, exigir alguma racionalidade ou lembrar que o País é um tanto maior que seus torcidos e limitados interesses.

Que os adultos na sala, especialmente no Congresso, não se deixem impressionar com as birras dos partidos de esquerda. Elas são velhas conhecidas – e atendê-las nunca fez o País andar para a frente.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S. Paulo, em 28.04.23

quinta-feira, 27 de abril de 2023

Democracias prisioneiras do medo

A perspectiva de uma reedição da disputa entre Biden e Trump nos EUA expõe dilemas de democracias que, como no Brasil, têm dificuldade de encontrar sangue novo e ideias novas

O presidente americano, Joe Biden, anunciou que concorrerá à reeleição em 2024. No fim do ano passado, o ex-presidente Donald Trump, derrotado por Biden em 2020, também anunciou que concorrerá à nomeação dos republicanos. É improvável que os democratas se amotinem contra o incumbente. As primárias republicanas são mais incertas, mas, hoje, Trump lidera as intenções de voto dos afiliados do partido.

O fenômeno desconcertante é que as pesquisas apontam que só 5% dos americanos gostariam de ver a disputa Biden-Trump reeditada – 70% não gostariam que Biden disputasse e a mesma proporção não gostaria que Trump disputasse. A se confirmar uma repetição de 2020, será uma batalha pela menor rejeição.

A disputa à reeleição de um incumbente é – não só, mas principalmente – um referendo. Biden tem resultados razoáveis. Valendo-se de sua experiência de 36 anos no Senado, ele conseguiu aprovar reformas no sistema de saúde e um pacote de US$ 1 trilhão para investimentos em infraestrutura e transição para a economia verde. Na política externa, fez mais do que ninguém para frear o assalto da Rússia à Ucrânia e tem se empenhado em revigorar as alianças ocidentais.

Mas não é nisso que aposta para ganhar as eleições. O vídeo em que anunciou sua candidatura não faz menção a conquistas passadas ou futuras, exceto uma: vencer Trump. Após uma sucessão de imagens da invasão do Capitólio e referências a “extremistas MAGA” (sigla para Make America Great Again, lema trumpista), Biden arrematou: “Vamos terminar o serviço”, insinuando que só ele pode fazê-lo. O anúncio de Trump também se resumiu a reciclar o medo: dos imigrantes, da epidemia de opioides, do crime, da sexualização de crianças, da China e outras ameaças que, de novo, só ele poderia superar.

A aposta de Biden pode render. Sua impopularidade líquida (a diferença entre os que o aprovam e desaprovam) é de 10 pontos; a de Trump, 19. Sua inclinação a abraçar o protecionismo e subsídios à indústria tem apelo popular e responde às ansiedades de potenciais eleitores de Trump com a globalização. O disruptivo Trump, por sua vez, motiva como ninguém os democratas a irem às urnas, desmobiliza os republicanos moderados e afasta os eleitores independentes, decisivos para as eleições americanas. Após 2016, Trump só colecionou reveses eleitorais.

Ainda assim, não se pode subestimá-lo. Os problemas que ele exagera não deixam de ser reais. A economia, crucial para um incumbente, ainda atravessa uma turbulência: a inflação (em parte pelos gastos de Biden) pressiona e os riscos de recessão não estão afastados. Uma crise geopolítica por viradas inusitadas na Ucrânia ou conflitos na Ásia pode desestabilizar o governo de Biden, ecoando o desastre no Afeganistão. E sua aposta pode malograr: as pesquisas de intenção de voto sugerem que ele venceria Trump, mas perderia para outros presidenciáveis republicanos.

Seja lá qual for seu resultado, a disputa presidencial que se avizinha expõe uma exaustão da política americana. Há uma dificuldade de encontrar ideias novas e sangue novo. O incumbente democrata terá 82 anos em 2024, enquanto Trump, seu possível adversário, terá 78. Ou seja, a política dos EUA parece ter sido incapaz de produzir líderes mais jovens depois do fenômeno Barack Obama, que se elegeu aos 47 anos.

Não é um fenômeno exclusivo dos EUA. O último segundo turno no Brasil registrou a maior média etária em toda a redemocratização. Se os dois candidatos tivessem enfatizado suas propostas, ficaria explícito que foram forjadas nas mentalidades de esquerda e de direita dos anos 70. Mas não precisaram, porque ambos também apostaram no medo um do outro. Ambos tinham altos índices de rejeição, e venceu o que teve ligeiramente menos.

EUA e Brasil são as duas maiores democracias do Ocidente. Assim como em outras, as disputas políticas estão sendo orientadas mais à repetição do que à inovação e estão sendo vencidas mais pelo temor do que pela esperança. Independentemente das preferências ideológicas à esquerda ou à direita, essa política gerontocrática e amedrontada sugere um esgotamento cívico que pede um profundo exame de consciência por parte da sociedade.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S. Paulo, em 27.04.23

terça-feira, 25 de abril de 2023

Sem Bolsonaro, não haveria 8 de Janeiro

CPMI do 8/1 tem tudo para ser uma grande confusão. Mas que os bolsonaristas não se enganem: falar daqueles eventos é expor a incontornável responsabilidade de Bolsonaro

Prevê-se para amanhã a leitura do pedido de instalação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre os atos do 8 de Janeiro. É preciso reconhecer: apesar da resistência do governo federal, poucas situações da vida nacional mereceram de forma tão cristalina a instauração de uma comissão de investigação por parte do Congresso como os eventos golpistas em Brasília do início do ano. O Poder Legislativo não podia ignorar tal barbárie cometida contra o Estado Democrático de Direito.

Ao mesmo tempo, poucas vezes na história nacional foi tão nítido o risco de uma CPMI ser convertida, mesmo antes de instaurada, no exato oposto de sua finalidade constitucional. Há indícios abundantes de que, em vez de investigar, apurar e esclarecer, o objetivo da comissão é não apenas confundir e dificultar o conhecimento dos fatos e das respectivas responsabilidades, mas reescrever a história.

Diante dessa manobra gestada por alguns parlamentares, torna-se necessário relembrar o óbvio. O 8 de Janeiro não é um caso sobre o qual faltam provas ou que os fatos sejam pouco conhecidos. Na verdade, há excesso de provas. Ao longo de anos, o País assistiu à trajetória de enfrentamento do bolsonarismo contra as instituições democráticas – de forma muito concreta, contra a Justiça Eleitoral –, alimentando a resistência a todo e qualquer resultado das urnas que lhe fosse desfavorável e criando as condições políticas e sociais para uma ruptura institucional.

Após o segundo turno das eleições de 2022, mais um passo de desestabilização democrática e de desordem republicana foi dado com acampamentos em todo o País pedindo intervenção militar e a manutenção de Jair Bolsonaro no poder. Não foi mero gesto tresloucado de alguns apoiadores mais exaltados. Basta ver que lideranças importantes do bolsonarismo atuaram para qualificar as manifestações golpistas, muitas delas em áreas militares, de exercício legítimo da liberdade de expressão.

Eis o fato que a CPMI do 8 de Janeiro não pode negar. Os lamentáveis eventos do segundo domingo deste ano não foram fruto de geração espontânea, tampouco se enquadram em meros atos de vandalismo. A cada novo elemento probatório – seja uma gravação das câmeras de segurança do Palácio do Planalto, um vídeo postado nas redes sociais pelos manifestantes, uma minuta de golpe na casa do último ministro da Justiça do governo Bolsonaro ou uma notícia de atuação aparelhada da Polícia Rodoviária Federal (PRF) –, torna-se mais nítida a digital do bolsonarismo.

Sem Jair Bolsonaro, não haveria 8 de Janeiro. É impossível narrar os fatos relacionados à tomada das sedes dos Três Poderes sem incluir o ex-presidente que, em toda sua carreira política, atacou a ordem democrática da Constituição de 1988 e defendeu a ditadura militar. Nesse sentido, o trabalho investigativo do Congresso pode não apenas ajudar a explicitar o inegável protagonismo de Jair Bolsonaro no curso de eventos que culminaram no 8 de Janeiro – ele se valeu até de uma reunião com embaixadores para criar condições para o golpe –, mas também colher novos elementos que sirvam para a devida responsabilização no âmbito da Justiça penal.

Essa é a grande cegueira dos parlamentares bolsonaristas. Acham que vão controlar o desenrolar dos trabalhos da comissão de inquérito tal como controlam as versões delirantes disseminadas por suas redes sociais. A CPMI do 8 de Janeiro, que nasce um tanto desacreditada, pode ser ocasião para o Congresso, em respeito à sua própria história e existência, expor a farsa bolsonarista e ajudar a identificar os envolvidos na intentona golpista. Afinal, sabe-se como uma CPI começa, mas não como ela termina.

Como já se criticou neste espaço, o governo de Lula da Silva tratou equivocadamente várias vezes o 8 de Janeiro, utilizando-o como pretexto seja para não enfrentar os problemas nacionais, seja para aprofundar divisões na sociedade. O bolsonarismo, no entanto, vai além. Insiste em usar o próprio crime em benefício político. Que os fatos venham a público e escancarem a sem-vergonhice.

Editorial / Notas e Informações, O Estado de S. Paulo, em 25.03.23

segunda-feira, 24 de abril de 2023

Favorito para assumir GSI, general que foi 'sombra' de Dilma se reúne com Lula

Para aliados, movimento indica que Lula não deve mexer na estrutura da pasta

General Marcos Antonio Amaro dos Santos, durante posse como chefe da Casa Militar da PresidênciaGeneral Marcos Antonio Amaro dos Santos, durante posse como chefe da Casa Militar da Presidência Roberto Stuckert Filho / Divulgação/Presidência

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já tem um favorito para assumir o comando do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) após a demissão do general Gonçalves Dias. Na quinta-feira, horas antes de embarcar para Portugal, ele chamou o general da reserva Marco Antonio Amaro dos Santos para uma reunião no Palácio do Planalto. A rapidez com que buscou um substituto, segundo aliados, indica que Lula não deve mexer por enquanto na estrutura da pasta, como defende uma ala do governo.

(Queda de braço: Saída de Gonçalves Dias do GSI fortalece diretor-geral da Polícia Federal)

(GSI: Múcio defende militar na chefia e expõe divergência no governo sobre mudanças no órgão)

O general Amaro, como é conhecido, foi uma espécie de sombra de Dilma, primeiro na Secretaria de Segurança Presidencial e, depois, como ministro-Chefe da Casa Militar, pasta que substituiu o GSI no governo da petista. Ele ficou no posto até o impeachment em maio de 2016. Depois, Amaro foi comandante militar do Sudeste e chefe do Estado-Maior do Exército. O general foi para a reserva em janeiro.

O encontro com Amaro foi um dos últimos compromissos de Lula antes da viagem à Europa. O ministro da Casa Civil, Rui Costa, também participou da reunião. O presidente ficou de conversar novamente quando retornar da Europa, na quinta-feira.

A saída de Gonçalves Dias deu força a um movimento pela extinção do órgão, tradicionalmente comandado por militares. A defesa dessa solução é encabeçada pelo delegado federal Alexsander Castro de Oliveira, que comanda a Secretaria Extraordinária de Segurança Imediata do Presidente da República.

O delegado-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, responsável pela indicação de Oliveira, também participa dessa articulação. A extinção do GSI conta ainda com o apoio da primeira-dama, Rosângela da Silva, a Janja.

A favor da manutenção do GSI sob comando militar estão Rui Costa e o ministro da Defesa, José Múcio. Em Portugal, Lula disse que decidirá se a pasta será comandada por um civil ou um militar quando voltar ao país. Na viagem, Múcio defendeu publicamente a escolha de um militar o GSI.

A ala do governo que trabalha para o ministério continuar em seu formato tradicional argumenta que a mudança provocaria um grande desgaste com os militares, num momento em que Lula trabalha para pacificar as relações com a caserna.

De forma interina, o GSI está segundo comandado pelo jornalista Ricardo Cappelli, secretário executivo do Ministério da Justiça. A sua escolha foi anunciada no mesmo dia da demissão de Gonçalves Dias

A Secretaria Extraordinária de Segurança Imediata do Presidente da República, responsável pela proteção do chefe do Executivo, foi criada em janeiro para atuar até 30 de junho, enquanto o governo trabalha na “desbolsonarização” do GSI. A nova estrutura é formada predominantemente por policiais federais.

Sérgio Roxo, de Brasília - DF para O GLOBO, em 24.04.23

Lula é um negacionista de si próprio

Quando o caldo entorna, petista camufla suas pegadas com falsas narrativas, ecoadas e legitimadas por comunicadores amigos

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante entrevista, em Lisboa, após particupar da XIII Cimeira Luso-Brasileira Foto: PATRICIA DE MELO MOREIRA / AFP - 22/4/23

Em Portugal, Lula negou (“eu nunca igualei os dois países”) o Lula da China (“a guerra só está interessando, por enquanto, aos dois”), o Lula dos Emirados Árabes Unidos (“a decisão da guerra foi tomada por dois países”; Putin e Zelenski não tomam “a iniciativa de parar”), o Lula do Brasil (“quando um não quer, dois não brigam”) e o Lula da revista Time (“ele é tão responsável quanto o Putin, porque numa guerra não tem apenas um culpado”).

Para Lula mudar de princípios, basta mudar Lula de ambiente. Repercutindo a propaganda russa, ele vem adulando com falsas equivalências o tirano que mandou invadir e atacar um país democrático vizinho; culpando a vítima pela invasão; e acusando os EUA e a Europa, que saíram em socorro da Ucrânia, de incentivarem a guerra e darem “contribuição para a continuidade” dela.

(A CPI vem aí e Lula alimenta o bolsonarismo, que é craque em inverter a verdade)

Como calhou de Portugal ficar na Europa, Lula foi questionado por uma repórter local “se mantém essas palavras” e, enquanto pensava em como sair da saia-justa, precisou fingir que não entende o português do país (cobrando que ela falasse “mais perto do microfone” e, diante da repetição, dizendo “sinceramente, eu não consigo entender”), até que seu homólogo, Marcelo Rebelo, “traduziu” a pergunta em seu ouvido e ele descaradamente negou as falas anteriores.

Lula é uma negação. Um negacionista de si próprio. Seus métodos não mudam.

Quando membros do Gabinete de Segurança Institucional apareceram com golpistas em cenas do 8 de janeiro, Lula vazou, por exemplo, a alegação de que havia pedido reiteradas vezes a Gonçalves Dias acesso às imagens das câmeras de segurança do Palácio do Planalto e tinha ouvido do então ministro-chefe do GSI que não seria possível. Por isso, alegaram aliados, ficou bastante irritado.

Há gente ingênua para acreditar, de novo, que, mesmo tratando-se de indicado dele, de sua mais alta confiança, Lula não sabia de nada e foi traído, o expediente número 1 do playbook lulista, também usado no mensalão. O governo, revelou o Estadão, ainda tentou esconder até 2028 as imagens, que indicam, segundo o ministro do STF Alexandre de Moraes, “a atuação incompetente das autoridades responsáveis pela segurança interna”, “inclusive com a ilícita e conivente omissão de diversos agentes do GSI”.

Quando o caldo entorna, Lula camufla suas pegadas com falsas narrativas, ecoadas e legitimadas por comunicadores amigos, todos eles com empregos garantidos durante seu mandato em mercados dependentes de verbas de governo, como os de TV e rádio.

É um cinismo sem fim.

Felipe Moura Brasil, o autor deste artigo, é joprnalista. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 24.04.23

Contradições da esquerda

O PT no poder esteve e está imerso em dilemas semelhantes aos da social-democracia alemã no final do século 19 e nas primeiras décadas do século 20

A social-democracia alemã, no final do século 19 e nas primeiras décadas do século 20, era um partido marxista inserido numa sociedade capitalista que se desenvolvia rapidamente, graças à indústria têxtil e, depois, à mineração e à metalurgia. Na perspectiva marxista, sua finalidade última (Endziel) era a implantação de uma sociedade comunista, baseada nos avanços da “luta de classes”, tendo como desfecho a revolução, identificada à salvação da Alemanha e da humanidade enquanto tal. No entanto, tal formulação era de pouca valia na condução dos assuntos corriqueiros e práticos do partido, que tinha se tornado uma grande organização, baseada em sindicatos fortes, com uma folha expressiva de salários e tendo suas próprias empresas, das quais extraía lucro.

Politicamente, propugnava pelo sufrágio universal, pela defesa da democracia, pela liberdade de imprensa (o partido era proprietário de vários jornais importantes) e por constituir uma forte representação parlamentar. Em seu combate social, estava voltado para a consolidação da previdência para os trabalhadores (implantada por Bismarck), melhores salários, redução da jornada de trabalho, entre outras medidas de melhorias sociais. Acontece, porém, que havia uma contradição evidente entre a narrativa marxista, com seus objetivos revolucionários, e a prática do partido, que era essencialmente reformista, voltada para uma luta no interior da sociedade capitalista.

O secretário-geral do partido, August Bebel, um homem pragmático, procurava equilibrar-se entre a retórica marxista e uma prática dela distante. Na sua ala mais à esquerda estava Rosa Luxemburgo, de pouca influência no aparelho partidário, pregando a revolução e o levante de massas do proletariado. Em sua ala mais à direita estava Eduard Bernstein, companheiro de Engels no final de sua vida e homem atento às mudanças em curso na economia, na sociedade e na política. Foi o grande teórico reformista de sua época, rompendo com a revolução e o marxismo, e propugnando pelo reconhecimento teórico da prática social-democrata. Quase terminou, por isso, expulso do partido, e não o foi graças à intervenção de Bebel e de Victor Adler, líder da social-democracia austríaca. Aliás, Bernstein foi a grande orientação da social-democracia alemã do pós-guerra, tendo sido uma figura emblemática para Willy Brandt, depois chanceler da Alemanha.

O PT no poder esteve e está imerso em contradições e dilemas semelhantes. Em seu primeiro mandato, Lula adotou uma prática reformista, seguindo as regras de uma economia de mercado, seguindo os passos de seu antecessor Fernando Henrique Cardoso. Sem dizê-lo, filiava-se à mesma linha social-democrata. Ampliou os programas sociais, tendo sempre em vista a melhoria das condições dos trabalhadores e dos desempregados. Contudo, a retórica esquerdista continuava. O MST funcionava como seu braço revolucionário, desrespeitando propriedades privadas e as invadindo. Teoricamente, essa organização auxiliar do PT fundava-se na “luta de classes”, combatendo por uma sociedade comunista.

O partido ainda se baseava na consideração da democracia não como valor universal, mas como instrumental na conquista do poder. O namoro com ditaduras de esquerda continuou – e continua –, tendo se traduzido, inclusive, pelo apoio explícito ao Foro de São Paulo, organização internacional dos partidos de esquerda, de orientação comunista. Note-se que essa filiação foi negada na campanha eleitoral de então. A política externa prosseguiu, portanto, nessa mesma linha, obedecendo a diretrizes anti-imperialistas, a saber, antiamericanas.

Agora, Lula enfrenta sérias dificuldades em se reconhecer plenamente em sua prática reformista. Considera qualquer regra de mercado um entrave para seus objetivos políticos, advogando pela irresponsabilidade fiscal e fazendo troça acerca de qualquer medida de saneamento das contas públicas. Em consequência, ataca sistematicamente o Banco Central. É como se uma economia de mercado fosse para ele algo completamente alheio, coisa da Faria Lima, como se uma sociedade capitalista fosse uma mera conspiração nacional de grandes empresários e banqueiros. No momento oportuno, pensa negociar com eles, seja lá o que isso signifique.

A demagogia esquerdista exacerba-se em razão de suas contradições, que se traduzem pela falta de medidas governamentais. O MST, enquanto braço revolucionário, retoma suas invasões, consideradas meios de sua luta política. A política externa acompanha o mesmo curso, com forte retórica antiamericana (anti-imperialista), alinhando-se com a China comunista e a Rússia, herdeira do stalinismo. A neutralidade diplomática se perde nas brumas dessa aliança, relegando o País à posição de mero coadjuvante. Chega-se à mais absurda das incoerências ao equalizar a Ucrânia e a Rússia como responsáveis pela guerra. A potência invasora e o Estado invadido, ou, em outra linguagem, o criminoso e sua vítima são igualmente culpados.

Denis Lerrer Rosenfield, o autor deste artigo, é professo de filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 24.04.23.

Queda do general G. Dias mostra Janja no centro das decisões no Palácio do Planalto

Após sair do GSI com interferência da primeira-dama, militar aponta para omissão da pasta de Anderson Torres nos atos golpistas e confirma depoimento de ex-comandante militar do Planalto

O presidente da República Federativa do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a primeira-dama, Janja, durante reunião sobre ações integradas das escolas, realizada no Palácio do Planalto em Brasília.  Foto: WILTON JUNIOR

Trinta e cinco parlamentares bolsonaristas, como os deputados federais Carlos Jordy (PL-RJ) e Carla Zambelli (PL-SP), pediram na quinta-feira, 20, a prisão do general Marco Edson Gonçalves Dias, o G. Dias. O militar foi defenestrado rapidamente pelo governo em um movimento que sugeriu haver alguma responsabilidade do oficial com o assalto às sedes dos Três Poderes. A oposição aproveitou o caso para acusar uma suposta conivência petista com a fracassada intentona do dia 8 de janeiro. E contou com uma ajuda inesperada: a ação da primeira-dama Rosângela Lula da Silva, a Janja, para derrubar o general.

Pessoas próximas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os militares têm visões distintas, mas complementares, sobre os fatos, pois as razões para a queda de G. Dias parecem múltiplas. Ele era o único general de confiança de Lula. Daí porque foi nomeado para o Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Se cometeu um erro na primeira semana de governo, foi o de não ter nomeado rapidamente para o GSI uma equipe de confiança para evitar ser pego de surpresa no dia 8. Colegas lembram que ele “não tinha equipe”.

Também agiu de forma temerária ao se dirigir sem escolta ao Palácio do Planalto invadido por criminosos na tarde do dia 8. As imagens agora liberadas das câmeras do prédio e exibidas pelo Estadão mostram o general chegando ao terceiro andar do Planalto às 16h19. Quando a porta do elevador se abre, o ministro percebe que o corredor está tomado pelos vândalos e se assusta. Aperta o botão e desce sozinho para a entrada do edifício, onde é flagrado por outra câmara, um minuto depois. O então ministro estava só. E sozinho não poderia deter ninguém. Eis a prova da temeridade que representou sua ida ao palácio.

Naquele momento, o Planalto era um local de crime e, como tal, só admitiria um tipo de conduta: a prisão imediata dos bandidos que depredavam o patrimônio público e tentavam até roubar um caixa eletrônico. Todos os que adentraram ao palácio teriam o mesmo desígnio: a “tomada do poder”, a consigna compartilhada pelos vândalos nas redes sociais. Não há dúvida para os investigadores da Polícia Federal quanto ao dolo dos criminosos. Todos concorreram para os resultados ali observados. A questão para a PF é separar a incompetência – a falha de quem devia proteger o prédio e não o fez – da omissão de quem, sendo do GSI ou da PM do DF, assumia os mesmos desígnios dos atacantes.

O desempenho de G. Dias durante a crise ficou exposto no depoimento aos delegados federais Raphael Soares Astini, Vinicius Barancelli e Alexandre Camões Bessa. Ele disse que desconhecia informações produzidas pela Abin, bem como o fato de o coronel Alexandre dos Santos Amorim, coordenador de Avaliações de Risco do GSI, ter classificado o evento do dia 8 como “risco laranja”, conforme revelado pelo ex-comandante militar do Planalto, general Gustavo Henrique Dutra de Menezes (leia aqui a íntegra do depoimento de G. Dias). Ou bem o general foi boicotado pelos subordinados ou bem não procurou de forma ativa se inteirar do que se preparava para aquele fim de semana em Brasília.

O depoimento de G. Dias à PF traz ainda revelações preciosas. A primeira é a de que os delegados estão seguindo a trilha das declarações do general Dutra. Dutra entregou a eles um documento que prova que a Segurança Pública do Governo do Distrito Federal (GDF), então comandada pelo ex-ministro da Justiça Anderson Torres, excluiu o Comando Militar do Planalto (CMP) e o GSI do plano de segurança para o dia 8. A pasta de Torres avisou a segurança do Congresso e a do Supremo, mas, de forma suspeita, deixou a sede do Executivo de fora. G. Dias afirmou que isso não era comum e citou como exemplo a operação para a posse de Lula, quando o CMP e seu gabinete foram convocados para as reuniões do GDF.

Sobre isso, seu depoimento registra: “Respondeu achar um absurdo o GSI não ser convidado para participar da reunião na Secretaria da Segurança Pública do DF, onde foram delimitadas, no Plano de Ações Integradas (PAI), as atribuições das instituições de Estado”. De acordo com ele, seu gabinete sempre é convidado a participar desses planos. “Inclusive participou da reunião para a elaboração do PAI referente à posse presidencial; que esses convites sempre existem quando há manifestações”, afirmou aos delegados.

Segundo G. Dias, o general Carlos Feitosa, da Secretaria de Coordenação da Segurança Presidencial, do GSI, era quem deveria ter sido convidado. Homem de confiança do antigo ministro-chefe do gabinete, general Augusto Heleno, Feitosa já foi ouvido pela PF, que queria saber por que o reforço para a guarda do Planalto enviado pelo CMP no dia 6 foi dispensado pelo GSI no dia 7. No momento da invasão, havia cerca de cem homens para proteger a sede do Executivo. No fim da tarde, o efetivo havia subido para 1.007.

A dispensa do reforço ocorreu apesar, segundo G. Dias, da adoção no dia 6 do Plano Escudo, de proteção aos palácios, “dentro do nível de criticidade avaliado pela Secretaria de Coordenação de Segurança (...), coordenada pelo general Feitosa”. Para o general, houve um “apagão da inteligência”, pois ninguém teria detectado o perigo da chegada de mais de uma centena de ônibus a Brasília para a “tomada do poder”.

Por fim, G. Dias afirmou que, apenas quando já estava no Planalto, retirando os vândalos dos quarto e terceiro andares, é que ligou para o coronel Wanderli Baptista da Silva Júnior, para requisitar o auxílio da Tropa de Choque da PM na prisão dos bandidos. E disse que, se tivesse visto o major do GSI José Eduardo Natale de Paula Pereira entregando água mineral aos vândalos, teria dado voz de prisão ao oficial. Nomeado por Jair Bolsonaro para o GSI, Natale afirmou à CNN que não tinha como prender sozinho os criminosos. Mas também não precisava confraternizar. Até em uma guerra há um limite em que a colaboração do prisioneiro com seu captor o transforma em um traidor. Essa é outra questão que a PF está analisando.

Aos fatos ligados ao desempenho de G. Dias na pasta, um outro se somou e definiu o destino do general: a pressão feita contra o militar pela primeira-dama. Foram Janja e sua sensibilidade para as redes sociais o peso decisivo na balança para derrubar o ministro, o primeiro do governo. Sua antipatia pelo general era conhecida por petistas desde a campanha de 2022. Mesmo assim, tornou-se o único homem de confiança de Lula a superar as cabalas de Janja e a obter um lugar no palácio. Sua queda ocorre apesar de o presidente, desde 8 de janeiro, saber do próprio general que ele estivera no Planalto, então tomado por “malucos”.

Petistas dizem que este foi só mais um episódio em que Janja conseguiu afastar do núcleo palaciano antigos conselheiros de confiança de Lula. Nessa conta estariam o ex-coordenador de campanha e ex-ministro Luiz Dulci, o jornalista Franklin Martins, o amigo Paulo Okamoto e o ex-senador Aloizio Mercadante, todos distantes do Planalto. Até mesmo Gleisi Hoffmann, a presidente da legenda, já sofreu com a ação da primeira-dama, cuja força no cotidiano do palácio ameaça transformar o Planalto na “Casa da Janja”, onde só se entra com a permissão de sua dona.

Nenhum dos antigos colaboradores restou a Lula para evitar gafes ou diminuir crises. Janja interfere em tudo, como verdadeira especialista em generalidades – das taxas para o comércio internacional às atividades da inteligência, passando por tudo o que é pop nas redes sociais. Se a atividade da primeira-dama causa tal rebuliço, deve-se buscar sua origem em quem lhe dá esse poder: Lula. Um general disse à coluna: “Cachorro late, gato mia e passarinho canta. Quando passarinho começa a ladrar, é bom desconfiar”. Lula, um político com seus 77 anos, parece ter esquecido a velha sabedoria popular.

PS.

Enquanto o País discutia as novas imagens das câmeras do Palácio do Planalto, o capitão Danilo Rapael Alcarde deixou a sede de sua companhia, a força tática do 4.º Batalhão da PM paulista, para rondar como um soldado as escolas da zona oeste paulistana. Por volta das 14h30, estacionou na Avenida Pacaembu e foi fazer mais uma visita. Nas casas de todo o País uma preocupação incomodava pais e mães naquele dia: a segurança escolar. O medo tomou conta de alguns e o receio de muitos. Mas o capitão foi às ruas como se desejasse provar que ainda existe um Estado organizado em torno do bem-estar comum e não dos interesses de uns poucos, que não se veem como participantes de um mesmo destino, o do povo brasileiro. O capitão não ganhou medalha, nem as crianças e professores se viram ameaçados. Mas todos chegaram à noite com uma sensação incomum: estavam em um mesmo barco.

Marcelo Godoy, o autor deste artigo, é jornalista especializado em assuntos militares. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 24.04.23

Depoimento de Bolsonaro à PF: o que pode ligar ex-presidente aos crimes de 8/1

A Polícia Federal vai ouvir na próxima quarta-feira (26/4) o ex-presidente Jair Bolsonaro como parte da investigação sobre quem foram os mentores intelectuais das invasões de 8 de janeiro ao Supremo Tribunal Federal, Congresso Nacional e Palácio do Planalto.

Para especialistas, maior desafio é estabelecer nexo de causalidade entre falas do presidente e invasões ao Planalto, Congresso e Supremo (Reuters)

O inquérito tramita no STF e o relator, ministro Alexandre de Moraes, havia determinado no dia 14 de abril, que a PF agendasse o depoimento em até dez dias.

Os policiais devem questionar Bolsonaro sobre mensagens postadas nas redes sociais em que ele questiona o resultado da eleição e sobre o fato de não ter determinado, quando ainda presidente, a retirada dos acampamentos bolsonaristas em frente aos quartéis.

Mas, para que as investigações resultem numa denúncia contra o ex-presidente, os investigadores terão que encontrar evidências de que os atos de Bolsonaro resultaram nas invasões aos prédios públicos.

Bolsonaro tem negado envolvimento no 8 de janeiro. Enquanto ainda estava nos EUA, disse, sem apresentar provas, que “pessoas de esquerda” programaram as invasões.

"As manifestações da direita ao longo de 4 anos foram pacíficas e não temos nada a temer. Jamais o nosso pessoal faria o que foi feito agora no dia 8 [de Janeiro]. Cada vez mais nós temos certeza que foram pessoas da esquerda que programaram aquilo tudo", disse o ex-presidente à emissora NBC.

A BBC News Brasil ouviu criminalistas para entender que crimes podem ser considerados nessa investigação, quais as possibilidades de o inquérito terminar em acusação penal contra o ex-presidente, e que condutas de Bolsonaro que devem ser investigadas.

Em 8 de janeiro, apoiadores de Bolsonaro invadiram prédios dos Três Poderes. Até agora cerca de 100 pessoas foram denunciadas (Reuters)

Os crimes

Segundo os professores de processo penal Juliana Bertholdi e Gustavo Badaró, se os investigadores encontrarem provas do envolvimento de Bolsonaro com os atos de 8/1, ele poderá ser enquadrado em algum (ou alguns) desses três crimes: o do Art. 286 do Código Penal, e os dos artigos 359-L e 359-M, que punem quem atenta contra o Estado Democrático de Direito.

O Art. 286 do Código Penal prevê pena de detenção de três a seis meses ou multa a quem incita publicamente a prática de crime.

Já o Art. 359-L pune com reclusão de 4 a 8 anos quem: "Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais."

E o Art. 359-M pune com reclusão de 4 a 12 anos quem: "Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído". Ou seja, pune quem tenta dar um golpe de Estado.

Até agora, 100 pessoas que participaram dos acampamentos e invasões foram denunciadas. Muitas delas foram enquadradas nos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e de golpe de Estado, além de associação criminosa armada e danos ao patrimônio público.

“Em relação ao Bolsonaro, obviamente ele não invadiu nenhum estabelecimento, nem permaneceu acampado em nenhum quartel. E não se tem notícia de que ele tenha financiado, num sentido material do termo, as invasões”, diz o professor de Processo Penal da Universidade de São Paulo Gustavo Badaró.

“Mas o que se coloca é se ele, fora da Presidência da República ou no final do mandato, incitou ou instigou a população na prática desses atos.”

Segundo especialistas, pelo menos três crimes podem ser considerados em inquérito que apura quem foram os mentores intelectuais das invasões (Reuters)

Segundo Juliana Bertholdi, professora de Processo Penal da PUC-PR, durante o depoimento, a Polícia Federal vai tentar esclarecer até que ponto as condutas de Bolsonaro e outros integrantes de seu governo contribuíram para as invasões do 8 de janeiro.

“Nós estamos tentando entender como toda essa articulação para os atos do dia 8/1 aconteceu. Existem diferentes formas do articulador participar dessa organização. Ele pode ser um financiador, ele pode ser um mentor intelectual ou alguém que participou desse planejamento”, explica.

“No depoimento, a força policial vai tentar recolher o máximo de informações possíveis sobre aquele fato que aconteceu e, a partir dessas informações, tentar tipificar ou não as condutas. Vai decidir se aquela pessoa deve ser indiciada ou não.”

Condutas de Bolsonaro

Ao pedir que Bolsonaro fosse investigado no inquérito que apura quem foram os autores intelectuais das invasões, a Procuradoria-Geral da República citou uma postagem do ex-presidente nas redes sociais feita no dia 10 de janeiro, dois dias após os atos.

A publicação, que rapidamente viralizou antes de ser apagada da conta de Bolsonaro, diz: “Lula não foi eleito pelo povo. Ele foi escolhido e eleito pelo TSE e o STF”.

Na representação feita ao Supremo, o subprocurador-geral da República, Carlos Frederico Santos, sugere que Bolsonaro fez incitação pública à prática de crimes contra o Estado de Direito ao questionar o resultado eleitoral.

Para ele, ainda que a postagem tenha sido feita após os episódios de violência e vandalismo do dia 8 de janeiro, as condutas do ex-presidente devem ser investigadas no inquérito sobre a autoria intelectual dos ataques.

“Não se nega a existência de conexão probatória entre os fatos contidos na representação e o objeto deste inquérito, mais amplo em extensão. Por tal motivo, justifica-se a apuração global dos atos praticados antes e depois de 8 de janeiro de 2023 pelo representado”, escreveu.

Para o professor da USP Gustavo Badaró, essa postagem tem relevância por ter sido feita pouco após as invasões.(Reuters)

Mas a Polícia Federal deverá avaliar também outras condutas do ex-presidente, como o fato de ele não ter desmobilizado as manifestações de bolsonaristas em frente aos quartéis antes de deixar a Presidência.

“As pessoas protestando pedindo abertamente a prática de um ato ilegal ficaram lá nos acampamentos pelo tempo que quiseram. Foram mobilizadas numa área de segurança que era uma área pertencente ao quartel”, lembra Badaró.

“Acho que o ponto principal da investigação vai ser esse: o fato de Bolsonaro, que é ex-militar, não ter agido para desmobilizar os acampamentos quando era presidente e, portanto, superior hierárquico do ministro da Defesa e de todas as forças.”

Outras condutas que, segundo os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, podem ser investigadas incluem os vários momentos em que Bolsonaro questionou o sistema eleitoral, em postagens, entrevistas e lives e em que defendeu os protestos nos acampamentos, antes da invasão.

Também deve ser levado em consideração pela PF o fato de o governo do ex-presidente ter pressionado para que o Exército pudesse auditar as eleições.

Dificuldade de estabelecer nexo causal

Mas, os criminalistas destacam que não será fácil estabelecer uma relação de causalidade entre as falas e omissões de Bolsonaro e os atos de 8 de janeiro.

Juliana Bertholdi explica que, para o ex-presidente ser enquadrado como mentor intelectual dos crimes de golpe de Estado e atentado violento ao Estado de Direito, é preciso ficar claro que ele tinha a intenção de induzir seus eleitores a invadir os Três Poderes.

“A gente tem que demonstrar que a pessoa tinha a intenção de, com aquele comportamento, atingir aquele resultado danoso. Então, a gente entra num espaço de subjetividade e complexidade bastante significativo”, disse à BBC News Brasil.

Para a criminalista, Bolsonaro foi cauteloso em suas manifestações, conseguindo se comunicar com seus apoiadores mais radicais sem incitá-los de maneira direta a cometer crimes.

“A forma como ele construiu o discurso foi seguramente muito pensada, porque em nenhum momento ele afirma o que ele parece querer afirmar. Ele sempre se utiliza de subterfúgios na hora de fazer as afirmações”, diz.

Gustavo Badaró também destaca que será um desafio estabelecer um nexo causal entre as falas de Bolsonaro e as invasões. Por isso, segundo ele, a PF deverá construir uma narrativa que agregue diferentes condutas e falas como evidência do possível envolvimento do ex-presidente com os atos de 8/1.

“A gente não tem um ato decisivo que a gente possa falar que claramente foi crime. A questão é verificar se, pelo conjunto da obra, os pequenos atos, sinalizações e omissões têm, do ponto de vista jurídico, relevância causal para o 8 de janeiro”.

Nathalia Passarinho, para a BBC News Brasil, em 24.04.23.

domingo, 23 de abril de 2023

Qual Brasil voltou?

Lula diz e repete que ‘o Brasil voltou’. De fato: voltou o Brasil do toma lá dá cá, das invasões de terra, do atraso econômico e da megalomania internacional, marcas do lulopetismo

O presidente Lula da Silva tem bradado que, com ele, “o Brasil voltou”. Pois bem. Imodéstia à parte, é o caso de perguntar: afinal, de que Brasil se está falando? Que país é esse que estaria de volta?

É seguro afirmar que não é o Brasil pelo qual ansiavam milhões de eleitores moderados que, mesmo conhecendo bem o passado de malfeitos dos governos petistas, entenderam que a eventual reeleição de Jair Bolsonaro, um dos mais desqualificados, indecorosos e patrimonialistas presidentes em toda a história republicana, representava uma tragédia a ser evitada a qualquer custo.

Esses brasileiros fundamentais para a apertada vitória do petista em 2022 foram descartados por Lula cedo demais – e sem o menor constrangimento, haja vista o discurso arrogante e as atitudes do presidente. Não que as expectativas fossem altas. A rigor, são pessoas que não esperavam muito mais do atual governo, além do resgate da decência no exercício da Presidência da República e alguns sinais de moderação e responsabilidade na condução do País.

Lula, porém, tem conduzido o Brasil por um caminho perigoso. O governo tem tomado um rumo que, se não chega a configurar estelionato eleitoral – pois só o mais lhano dos cidadãos haveria de acreditar que Lula, de volta ao poder, faria algo muito diferente do que está fazendo –, tampouco sinaliza que, se não os esqueceu, ao menos Lula teria aprendido alguma coisa com os erros cometidos em um passado não muito distante.

Esse Brasil que Lula diz que “voltou” parece ser um país que só existe na cabeça do presidente; um país forjado por seus dogmas, sua recalcitrância, seu voluntarismo na implementação de políticas públicas e quiçá por uma gama de sentimentos que possam ter moldado suas visões de mundo após o período de 580 dias na cadeia.

O Brasil dos fatos, da realidade implacável que está diante dos olhos de qualquer observador que não se deixa enviesar pela vaidade ou pelo fervor ideológico, é o Brasil do retrocesso em mais áreas do que Lula, alguns de seus ministros e apoiadores teriam coragem de admitir em público.

Por óbvio, é indisputável a verdade de que houve guinadas republicanas em áreas fundamentais para o País, como saúde, educação e meio ambiente, três dos setores que foram obliterados pela sanha destruidora de Bolsonaro. A derrota de Bolsonaro, por si só, já foi suficiente para melhorar a qualidade do ar que os brasileiros respiram. Literalmente, pois são perceptíveis os esforços da nova administração federal para reconstruir o aparato de proteção ambiental que conferiu ao Brasil um soft power nessa seara que, há décadas, alçou o País à condição de interlocutor indesviável em fóruns internacionais sobre as mudanças climáticas.

No governo de Lula, vacinas, ora vejam, também voltaram a ser tidas como indispensáveis para evitar mortes, e a cultura deixou de estar sob ataque permanente para voltar a ser tratada como traço de distinção e união de um povo, ou seja, um bem a ser preservado.

Mas, como já dissemos nesta página, não é vantagem alguma Lula posar como um presidente melhor do que seu antecessor porque é virtualmente impossível que haja um governo pior do que o de Bolsonaro. De Lula, esperava-se muito mais do que isso, não só por suas promessas, mas, sobretudo, pelo arco de apoios que o petista construiu – para além da esquerda e centro-esquerda – a fim de pôr fim à barbárie bolsonarista.

O que se viu até agora, no entanto, é igualmente uma política de destruição de marcos republicanos, tais como a lei das estatais, o marco legal do saneamento, a reforma do ensino médio, entre outros. É o voluntarismo megalomaníaco e o improviso de Lula pautando as relações internacionais do País. É o fisiologismo desbragado na relação entre Executivo e Legislativo. É a tolerância à invasão de terras pelos companheiros do MST.

O Brasil que tantos anseiam por ver de volta é o país que, unido, soube superar a ditadura militar, consolidar a democracia e derrotar a inflação e a instabilidade econômica. Com Lula, ao que parece, esse Brasil não voltará tão cedo.

Editorial / Notas e Informações, O Estado de S. Paulo, em 23.04.23

Lula perdido no vasto mundo

 Com muito falatório e pouco governo, Lula se afunda em bobagens, iguala agressor e agredido e assusta os parceiros ocidentais

O mundo, mundo, vasto mundo de Carlos Drummond de Andrade é certamente maior que o universo petista, insuficiente até para eleger o candidato Luiz Inácio Lula da Silva em 2022. Aparentemente esquecido da ampla diversidade política de seus eleitores, o presidente Lula insiste em agir como se o Brasil e o sistema internacional fossem extensões de Vila Euclides, berço sindical de sua carreira pública. Rebaixado à condição de pária pelo presidente Jair Bolsonaro, o País começou, com a mudança de governo, a retomar sua posição no sistema regional e na ordem global. Esse retorno seria mais fácil e mais seguro se o principal porta-voz brasileiro parasse de falar bobagens, levasse em conta o Direito Internacional, deixasse de afrontar sem razão Estados Unidos e Europa e considerasse mais seriamente os interesses nacionais.

O presidente brasileiro poderia, talvez, pensar no exemplo de seus gentis anfitriões na China, maior parceira comercial do Brasil. Sem descuidar de seus interesses, os chineses continuaram, nos últimos três anos, tomando espaço dos exportadores brasileiros nos maiores mercados sul-americanos. Em 2022, ocuparam o primeiro lugar nas vendas à Argentina.

O presidente Lula conseguiu impedir, por enquanto, acordos comerciais entre a China e outros países do Mercosul. Mas só impedirá a desorganização do bloco se coordenar uma negociação conjunta com os chineses. Isso dependerá muito mais de ação diplomática e de bons argumentos práticos do que de retórica. Paraguaios e uruguaios têm respeitáveis motivos, há muito tempo, para abandonar a fidelidade a um bloco estagnado e distante dos objetivos originais de cooperação produtiva e de inserção global.

Mas o presidente Lula tem mostrado mais inclinação para a retórica, para as picuinhas e para o falatório de palanque do que para a administração e para as políticas mais ambiciosas. Demorou cerca de três meses e meio para apresentar suas metas fiscais e formalizar o compromisso, ainda discutível, com o equilíbrio das contas públicas. Esse objetivo dependerá, como já indicaram analistas, de maior arrecadação, embora o ministro da Fazenda negue a intenção de impor maior peso aos contribuintes. Além disso, nenhum plano ou roteiro de governo foi apresentado até agora. Mas o presidente encontrou tempo para tolices administrativas, como a transferência da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), importante instrumento da política agrícola, para o insignificante Ministério do Desenvolvimento Agrário – uma decisão tecnicamente injustificada e obviamente ideológica.

Na política externa, as manifestações mais ostensivas têm sido grotescas ou desastrosas. A viagem à China foi encerrada com uma declaração infantil sobre a predominância do dólar em negócios internacionais. Sem se envolver no episódio ridículo, o presidente Xi Jinping até pode ter gostado da canelada nos Estados Unidos, mas certamente conservará o enorme volume de reservas cambiais em moeda americana, cerca de US$ 3,1 trilhões.

Se a segunda maior economia do mundo conserva esse dinheiro, deve haver uma razão ponderável, assim como deve haver uma boa razão para o uso do euro no dia a dia da União Europeia. Ninguém está proibido de negociar com outras moedas, especialmente em blocos econômicos, mas quem quer acumular reservas em reais, liras turcas ou pesos argentinos? Lula terá, em algum momento, considerado essas questões?

Nem todas as falas de Lula têm sido, no entanto, inconsequentes e engraçadas. Ao tratar como equivalentes um Estado agressor, a Rússia, e um Estado agredido, a Ucrânia, o presidente brasileiro atropelou uma das noções mais importantes do Direito Internacional, enunciada no artigo 51 da Carta das Nações Unidas e amadurecida em séculos de negociações e de elaborações teóricas.

Pelas normas internacionais, a violência só é admissível como resposta a um ataque. Também é inaceitável a chamada agressão preventiva – quando se fala, por exemplo, no perigo potencial gerado pela expansão da Otan ou quando se denuncia, com ou sem razão, a existência de armas de destruição em massa num país qualquer. O ataque à Ucrânia é tão contrário à regra internacional quanto foi a invasão do Iraque no começo deste século.

Pode-se até desculpar, em Lula, a ignorância da lei internacional, mas, neste caso, ele ignorou também uma norma simples do Código Penal e, é claro, uma regra básica da ética e da civilidade. Ao cometer esse erro, alinhou o Brasil à política criminosa de um autocrata. Diante da reação internacional, e certamente aconselhado por auxiliares mais informados e mais sensatos, o presidente mudou suas palavras e condenou, na terça-feira, a violação territorial da Ucrânia. Mas a tentativa de correção soou fraca e foi insuficiente para anular o enorme equívoco das declarações anteriores. Com tantos desastres, Lula talvez entenda, finalmente, a conveniência de falar menos, de consultar mais os assessores mais prudentes e de – afinal – dar mais atenção ao trabalho e começar, de fato, a governar o País.

Rolf Kuntz, o autor deste artigo, é jornalista. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 23.04.23

Mediação marqueteira da guerra ressoa como balido de ovelha

Em briga de cachorro grande, neutralidade já é uma forma de intermediação

Celso Amorim, assessor especial de Lula para assuntos internacionais - Adriano Machado - 5.dez.22/Reuters

Não veio a público o teor da conversa entre o assessor especial da Presidência brasileira e Putin. Discrição de Estado, pode ser. Homem ponderado, o brasileiro poderia ter aproveitado, porém, para atualizar junto ao russo a fábula do lobo e do cordeiro.

No original de Esopo, o lobo, naturalmente mais forte, rejeita os argumentos do outro porque pretende devorá-lo a qualquer custo. Numa versão atualizada, o cordeiro poderia estar marcialmente preparado para dar uma surra no atacante.

Foi mais ou menos isso o que aconteceu entre Rússia e Ucrânia. Não que esta última, guarnecida por elites militares declaradamente neonazistas, como o Batalhão Azov, vestisse pacífica pele ovina. A invasão russa, porém, foi um ataque lupino, pretensiosamente mais forte e com o "argumento" apocalíptico das armas nucleares. Não funcionou.

Apesar da terra arrasada, de milhares de mortes civis e militares, o "cordeiro" ucraniano, com ajuda americana e europeia, inflige derrotas importantes aos invasores em termos de soldados, generais e equipamentos. Era uma vez um lobo mau...

Frio como inverno siberiano, Putin não se abala com execuções de civis, estupros e decapitações, de que têm sido acusadas suas tropas. Nenhum Hitler, certo, mas um autocrata que ascendeu dos temíveis serviços secretos, dos bastidores de acordos com máfias e oligarcas, sem hesitar no envenenamento e aprisionamento de adversários. Alimenta um nacionalismo neoczarista com roupagem stalinista.

Se o brasileiro foi recebido na sala frequente nas imagens, Putin estaria sentado à mesa com inusitada distância entre cabeceira e ponta, truque de linguagem corporal: espreitado por olhos de sociopata, o interlocutor já se senta em desvantagem de fala.

O que ouviu não revelou, mas transpareceu em Lula ao dizer que os EUA deveriam parar de "incentivar" a guerra. E mais: "A Ucrânia não pode querer tudo". Tudo o quê? A integridade de seu próprio território.

A Guerra da Ucrânia, claro, mais complexa que o perfil de seus líderes, é um ponto de inflexão na nova luta pela divisão geopolítica da Terra. Para o neoimperialismo comercial e tecnológico, não existem fronteiras materiais, e sim horizontes.

É a realidade do poder norte-americano, assim como o sonho imperial de Putin, em choque com o nacionalismo vitalista da Ucrânia: ancoragem num solo nacional eurocentrado.

Nessa briga de cachorro grande, neutralidade (Áustria, Finlândia) já é mediação, especialmente por quem não tem nada a ver com isso. Mediar não é fazer marketing unilateral com retórica identitária, mais estética do que política, de esquerda caquética. Senão a voz apaziguadora ressoa como patético balido de ovelha.

Muniz Sodré, o autor deste artigo, é sociólogo, professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, autor, entre outras obras, de “Pensar Nagô” e “Fascismo da Cor”. Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, edição impressa, em 23.04.23

sábado, 22 de abril de 2023

O crime da Lava-Jato foi combater a corrupção

Estão soltando os condenados. Não por terem sido considerados inocentes, mas por cuidadosa manipulação de regras formais

O senador e ex-juiz Sergio Moro (Foto: Cristiano Mariz / O Globo)

Lula comete muitos equívocos. Na maior parte, são opiniões rasteiras sobre assuntos complexos que ele não conhece. Entram nessa categoria os comentários sobre os games — vistos como formadores de crianças violentas — e transtornos mentais — ou “desequilíbrio de parafuso” que afeta 30 milhões de brasileiros, potenciais causadores de “desgraça”. Tratava dos assaltos a escolas, tema sensível, mas essas falas não geram políticas públicas. Ao contrário. Nos ministérios da Saúde e da Educação, ficaram perplexos com os comentários do presidente. Calaram. Ainda bem.

Presente da Arábia Saudita: joias iriam para acervo pessoal de Bolsonaro, diz ex-assessor

É diferente quando se trata das incursões de Lula em política internacional. As declarações de apoio à China e à Rússia revelam um antiamericanismo que, antes de mais nada, é visceral. Lula acha — e diz — que sua prisão foi resultado de uma conspiração armada pelo Departamento de Justiça dos EUA. Tem muita gente importante no PT que racionaliza essa ideia, tornando-a base da diplomacia “Sul-Sul”. Se os americanos são capazes de destruir uma economia emergente, então o negócio é buscar outros parceiros.

(Janja vira alvo da oposição por ir a loja de grife em Lisboa)

En passant, fica dito que a corrupção no mensalão e, sobretudo, no petrolão foi coisa pequena, limitada a algumas pessoas, sem participação do PT, muito menos de Lula. Os grandes acordos de delação? Empresas, executivos e empresários chantageados. E os réus confessos que devolveram dinheiro? Também chantagem e mixaria. Assim mesmo, tudo duvidoso, porque a diretoria da Petrobras na época era formada por cúmplices da conspiração.

Para eles, a Petrobras quebrou, nas gestões petistas, não por má gestão e roubalheira, mas por ter sido saqueada por agentes do imperialismo. E por que saqueada? Porque a estatal e as empreiteiras associadas, Odebrecht à frente, se espalhavam pelo mundo ameaçando as companhias americanas. (Leiam artigos e livros de José Sérgio Gabrielli e Alessandro Octaviani, este agora indicado para a Superintendência da Susep. Ele, aliás, sustenta que a corrupção foi fator de crescimento em muitos países.) Dizem que, contra essa expansão brasileira, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos inventou o programa de combate à corrupção, com o propósito explícito de tirar do caminho as concorrentes das empresas americanas.

Como chegaram a isso? Partindo de um fato real: o governo americano, com a OCDE, liderou um programa de combate à corrupção que apanhou empresários, empresas e governos pelo mundo todo, inclusive entre os aliados europeus. Não foi, pois, uma ação contra o Brasil de Lula. Foi na sequência de investigações sobre terrorismo e tráfico de drogas, quando se adotou a linha follow the money. Quem financiava o crime? Como se dava a troca de dinheiro sujo por respeitáveis recursos no sistema financeiro global? No meio do caminho, com a colaboração de diversos governos, se topou com a corrupção dos Estados.

O programa desenvolveu métodos de rastreamento de dinheiro, praticamente quebrando o sigilo bancário e estabelecendo troca de informação entre os fiscos e os bancos centrais. A Lava-Jato fez parte desse programa. Foi assim, aliás, que achou dinheiro desviado em bancos suíços. Sim, Deltan Dallagnol e Sergio Moro estudaram nos EUA. Exatamente como juízes, promotores e policiais de diversos países. Obtiveram condenações notáveis.

Foi tudo uma farsa global?

No mundo, muita gente grande continua em cana. Aqui, estão soltando todos os condenados. Não por terem sido considerados inocentes, mas por uma cuidadosa manipulação de regras formais que vai anulando processo por processo. Em cima disso, o discurso petista vai ganhando espaço: o combate à corrupção, uma farsa americana, só serviu para destruir empresas brasileiras, gerar desemprego e recessão. A inversão está feita: não é a corrupção que corrói a economia, mas o combate a ela.

Pode?

Não pode. Leiam o livro de Malu Gaspar “A organização” e os escritos de Maria Cristina Pinotti.

Carlos Alberto Sardenberg, o autor deste artigo, é Jornalista. Publocado originalmente n'O Globo, em 22.04.23

Dez perguntas para dois chanceleres


Proponho questões para esclarecer a posição oficial do Brasil sobre a invasão russLula tem dois chanceleres: Mauro Vieira, que comanda o Itamaraty, e Celso Amorim, assessor presidencial. 

O primeiro representa a política institucional, que definiu o voto brasileiro na resolução da ONU exigindo a retirada das forças russas de ocupação da Ucrânia. O segundo representa a política ideológica, lulista e petista, que renegou aquele voto.

Fernando Haddad, Mauro Vieira e Celso Amorim durante evento em Buenos Aires, Argentina - Agustin Marcarian-24.jan.23/Reuters

Proponho dez perguntas a eles, destinadas a esclarecer a posição oficial do Brasil sobre a invasão russa:

1) A Carta da ONU e a Constituição brasileira consagram os princípios da soberania nacional e do respeito à integridade territorial das nações. É nesses princípios que o Brasil apoia sua pretensão de ajudar a mediar negociações entre Rússia e Ucrânia?

2) O encontro de Amorim com Putin, em Moscou, seguido pelas declarações de Lula na visita à China e pela recepção de Serguei Lavrov em Brasília, paralelamente à ausência de visitas à Ucrânia, indicam que o Brasil escolheu o lado russo. Ou existe explicação diferente para o desequilíbrio diplomático?

3) O Tribunal Penal Internacional (TPI), do qual o Brasil participa, emitiu ordem de prisão contra Vladimir Putin, pelo crime de deportação forçada de crianças ucranianas para a Rússia. O Itamaraty não se pronunciou sobre o tema e Amorim visitou Putin pouco depois do gesto do TPI. O governo brasileiro decidiu ignorar o TPI?

4) Lavrov declarou, em Brasília, que Rússia e Brasil compartilham "posição similar" sobre a "gênese" da guerra na Ucrânia. Lula afirmou, repetidamente, que a raiz da invasão russa é o alargamento da Otan –e, ainda, que os EUA e seus aliados europeus estimulam a continuidade da guerra. Deve-se concluir disso que, de fato, o governo brasileiro concorda com a declaração do chanceler russo?

5) Segundo Lula, a responsabilidade pela guerra cabe, igualmente, a Putin e Zelenski. O governo brasileiro não distingue o país agressor do país agredido, o invasor do invadido?

6) A Casa Branca classificou as afirmações de Lula como um alinhamento com a propaganda de guerra russa. Vieira reagiu, negando a interpretação do governo dos EUA –mas não negou a veracidade da declaração de Lavrov sobre a similaridade entre as visões russa e brasileira. Quem cala consente?

7) Tradicionalmente, Amorim abusa do conceito de soberania, usando-o para evitar qualquer crítica a ditadores amigos que violam os direitos humanos. Contudo, nega solidariedade à nação cuja soberania é destruída por uma guerra de agressão destinada a promover anexações territoriais. Na política externa do governo, soberania é um princípio com validade geral ou mero álibi utilizado para justificar alinhamentos ideológicos?

8) A Crimeia é território ucraniano internacionalmente reconhecido. A própria Rússia reconheceu as fronteiras ucranianas em tratado firmado em 1994 –pelo qual, aliás, a Ucrânia entregou suas armas nucleares à Rússia. Com que direito Lula sugere a cessão da Crimeia à Rússia como condição para futuras e hipotéticas negociações de paz?

9) A Carta da ONU suporta o princípio da "autodefesa coletiva", isto é, o direito de fornecer ajuda bélica a nações que resistem a uma invasão não provocada. Sem auxílio militar ocidental, a Ucrânia já não existiria como Estado independente. A "paz" pela rendição –é isso que deseja o governo ao criticar tal auxílio?

10) No seu pronunciamento sobre o diálogo com Lavrov, Vieira mencionou as "preocupações securitárias" russas e ucranianas mas não se referiu às anexações territoriais russas ou à soberania ucraniana. Lula pretende realmente ser aceito pela Ucrânia como mediador de negociações de paz ou simplesmente invoca a palavra paz para legitimar as narrativas imperiais russas?

O jornalismo adulatório faz, no máximo, as indagações fáceis. Haverá, ainda, jornalistas dispostos a confrontar os dois chanceleres com as perguntas difíceis?

Demétrio Magnoli, o autor deste artigo, é doutor em geografia humana pela USP. Sociólogo, escreveu e publicou “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, em 22.04.23

Lula diz que nunca igualou Ucrânia à Rússia na guerra

Em Portugal, presidente condena violação do território, diz que não vai visitar Ucrânia e nega ter igualado Kiev e Moscou sobre responsabilidade pelo conflito. Mas afirma que "quem não fala em paz contribui para guerra".

Presidente Lula se encontra em Lisboa com o Presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva iniciou neste sábado (22/04), em Lisboa, sua primeira visita oficial à Europa neste terceiro mandato. Após um encontro com o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, o brasileiro fez declarações sobre a guerra na Ucrânia, em que condenou a violação ao território ucraniano e negou ter igualado Kiev e Moscou sobre a responsabilidade pelo conflito.

Lula também disse que só visitará a Rússia ou a Ucrânia quando houver sinais de que os países estão dispostos a alcançar uma solução negociada para o fim da guerra.

"Eu não fui à Rússia nem à Ucrânia, só vou quando tiver um clima de construção de paz. Nunca igualei os dois países", disse o presidente. "​​Todos nós achamos que a Rússia errou. E já condenamos em todas as decisões da ONU. Mas a guerra já começou e é preciso parar a guerra. E para parar a guerra tem que ter alguém que converse, e o Brasil está disposto."

Lula continuou afirmando que seu "governo condena a violação à integridade territorial da Ucrânia", mas defende "uma solução política e negociada para o conflito". "Precisamos criar um grupo de países que se sentem à mesa tanto com a Ucrânia como com a Rússia para encontrar a paz."

A fala sobre uma solução política negociada ecoa declarações recentes de Lula sobre a guerra, mas anteriormente o presidente gerou controvérsias ao dizer que tanto Moscou como Kiev são responsáveis pelo conflito, uma vez que "quando um não quer, dois não brigam".

Atrito com UE e EUA

Recentemente o presidente também gerou atrito com os Estados Unidos e a União Europeia (UE) ao afirmar que essas potências contribuem para prolongar o conflito em solo ucraniano. Bruxelas e a Casa Branca chegaram a emitir reações de indignação à fala do brasileiro.

Questionado neste sábado sobre se ainda mantém esse posicionamento, Lula respondeu: "Se você não fala em paz, você contribui para a guerra."

Ele lembrou então de quando o chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz, o visitou em Brasília e pediu que o Brasil vendesse armamentos de guerra a Berlim para que fossem doados à Ucrânia. A solicitação foi negada por Lula.

"O Brasil se recusou a vender os mísseis, porque se a gente vendesse os mísseis e esses mísseis fossem doados à Ucrânia e esses mísseis fossem utilizados e morresse um russo, a culpa seria do Brasil. O Brasil estaria na guerra. E o Brasil não quer participar da guerra. O Brasil quer construir a paz", afirmou o presidente.

Portugal apoia Ucrânia

Na mesma coletiva de imprensa, o presidente português também comentou a guerra, afirmando que Portugal condena a invasão russa e expressando solidariedade ao povo ucraniano. Rebelo de Sousa ainda reafirmou o compromisso de Portugal com as políticas da Otan e da UE em relação à guerra.

"Portugal é aliado da UE, da Otan, definiu apoio à Ucrânia. A posição do Brasil é a que o presidente Lula defendeu", afirmou o líder português. "Portugal pensa que não é uma situação justa não permitir que a Ucrânia possa se defender e recuperar território que foi perdido devido à violação territorial."

Esta é a primeira viagem oficial de Lula à Europa neste terceiro mandato. Durante a manhã, ele foi recebido por Rebelo de Sousa com honras militares na Praça do Império, em Lisboa, e depois fez uma visita ao túmulo de Luís de Camões. Os dois presidentes seguiram então para um encontro em Belém, antes da coletiva de imprensa conjunta.

Neutralidade brasileira à prova

Por mais que Lula tenha negado que visitará pessoalmente a Ucrânia, ele decidiu enviar o assessor especial do Palácio do Planalto para assuntos internacionais, Celso Amorim, para se reunir com autoridades em Kiev e discutir a invasão da Rússia.

O presidente afirma que o Brasil tem posição neutra no conflito, mas suas falas que corresponsabilizaram a Ucrânia pela invasão de seu território e acusaram a UE e os EUA de prolongarem a guerra levantaram dúvidas em países do Ocidente e na comunidade ucraniana sobre a neutralidade de Brasília.

Contribuiu para essa percepção o contato frequente do governo brasileiro com o governo russo, sem que houvesse até o momento visitas oficiais de membros do alto escalão da gestão Lula a Kiev.

Amorim reuniu-se com o presidente russo, Vladimir Putin, e seu chanceler, Serguei Lavrov, em Moscou, no final de março. Lavrov foi também recebido em Brasília na última segunda-feira pelo chanceler brasileiro, Mauro Vieira, e por Lula.

Amorim foi ministro das Relações Exteriores de 2003 a 2011, nos dois primeiros governos Lula. Após sua viagem a Moscou, ele visitou Paris, onde conversou com representantes do governo francês sobre o tema.

Publicado originalmente por Deutsche Welle Brasil, em 22.04.23

sexta-feira, 21 de abril de 2023

Liberdade e desenvolvimento

O Brasil tem tudo para se tornar uma grande nação, mas, antes, precisa derrubar seus próprios muros. Porque ainda nos falta liberdade

Vianna Moog, em sua obra-prima de 1954, Bandeirantes e Pioneiros, procurava explicar o subdesenvolvimento do Brasil fazendo um paralelo entre a formação dos Estados Unidos e a nossa. Os Estados Unidos seriam a nação mais poderosa do mundo porque foi fundada por pioneiros, que vieram da Europa para se fixar e trabalhar no novo mundo. Enquanto isso, nossos fundadores vieram para o Brasil em busca de fortuna, voltando para Portugal depois de atingido seu objetivo. Essa seria a lógica dos bandeirantes. Procurar ouro, enriquecer rápido. Eles construíram a maior nação unificada do Hemisfério Sul, mas essa construção teria sido apenas subproduto de suas expedições, de suas lutas, de sua coragem.

Essa tese foi muito popular na época, mas hoje não nos serve mais.

Tivemos, sim, os bandeirantes, que foram grandes conquistadores. Eles impediram o domínio da infantaria espanhola sobre o continente e criaram um país grande, central e dominante na América do Sul, enquanto as antigas colônias espanholas se fragmentaram em países periféricos.

Temos extensão territorial de grande potência, população que se julga unificada, ausência de desertos, de terremotos, e até falamos português com sotaque próprio, que identifica e diferencia seus habitantes. O Brasil não cabe no rótulo América Latina. O Brasil é diferente, é outro tipo maior de país.

Hoje a tese de Vianna Moog precisa ser atualizada, porque temos tantos pioneiros quanto qualquer outro país novo do mundo. Será verdade? Se fosse vivo, ele logo nos perguntaria: E onde estão esses pioneiros? O que falta para caminharmos em direção ao desenvolvimento?

A primeira pergunta é fácil de responder. Os pioneiros estão em toda parte! Estão nos desempregados que iniciaram uma pequena empresa para sobreviver. Estão nos migrantes que levaram a agricultura empresarial aos confins de todo o País, tornando-o a maior potência emergente do mundo na produção de grãos. Estão nos empreendedores que criaram empresas capazes de rivalizar com as de melhor tecnologia do mundo desenvolvido.

Se não falta gente habilitada ao crescimento, apesar de nossas deficiências educacionais, se não falta garra, não falta precisão (no sentido que essa palavra tem para Ariano Suassuna), o que falta, então?

Para tentarmos responder a essa segunda pergunta precisamos, antes, entender o que conseguiram fazer os nossos pioneiros num determinado ramo de atividade que nos tornou referência em todo o mundo.

No Brasil de Vianna Moog, em 1954, produzíamos algo em torno de 25 milhões de toneladas de grãos, só exportávamos café e importávamos até milho. Hoje produzimos 300 milhões de toneladas e caminhamos para superar os Estados Unidos como maior exportador de grãos do mundo, apesar das estradas esburacadas, dos portos deficientes, da falta de ferrovias, da falta de silos, da falta de tudo que o governo deveria prover.

O que aconteceu de diferente ali, se sabemos que nosso PIB permanece estagnado? Ele teria caído nos últimos anos, não fosse o crescimento da agricultura. Teria acontecido conosco, em menor escala, o que aconteceu com a Argentina, que era um país rico no início do século passado e foi regredindo, assolada por ditaduras e pelo populismo peronista, até se tornar pobre. Como explicar o sucesso surpreendente de nossa agricultura empresarial neste mar de fracassos?

A resposta é a liberdade. A agricultura brasileira foi o único ramo da economia que viveu longe dos burocratas de Brasília e teve liberdade no Brasil. Ela nunca esteve enredada no cipoal retrógrado de normas, regulamentos, portarias, leis oportunistas, impostos escorchantes e processos judiciais bizantinos que sufocam os demais ramos de nossa economia.

A liberdade foi, nos Estados Unidos, e tem sido agora, no mundo, o motor do desenvolvimento.

Isso ficou muito mais claro depois da queda do Muro de Berlim, em 1989. O crescimento econômico de vários países emergentes começou naquela época, quando eles entenderam o que realmente significava a queda do muro. Nossos políticos não entenderam.

Passaram-se 33 anos da queda do muro. Vimos como se tornaram ricos, desde então, aqueles países pequenos, ou superpovoados, ou emergentes maiores sem recursos naturais, que entenderam o que precisavam fazer.

Nossos políticos também viram, mas ainda não entenderam. Talvez se aferrem a preconceitos ideológicos do passado. Ignoram que o progresso não tem ideologia. Que ele não é de esquerda nem de direita. Que ele só ocorre quando existem condições propícias: equilíbrio fiscal, inflação controlada, políticas econômicas favoráveis ao investimento, eliminação de estatais ineficientes ou cabides de emprego. É preciso reformar e abrir o Estado. Essa receita veio de Berlim, quando a queda do muro assinalou o fim de uma era.

Antonio José de Oliveira Costa, o autor deste artigo, é advogado pela Faculdade do Largo de S. Francisco (USP) e Pós-graduado em administração de empresas pela Fundação Getúlio Vargas-SP. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 21;04.23.

Ucranianos em Portugal condenam falas de Lula sobre guerra

Comunidade ucraniana entregará carta aberta à embaixada brasileira em Lisboa na sexta-feira, quando Lula chega ao país europeu para visita oficial. Texto afirma que "neutralidade" não pode ser confundida com "conivência"

A comunidade ucraniana em Portugal criticou em uma carta aberta as recentes declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a invasão russa da Ucrânia, e disse estar "muito preocupada e apreensiva" com a posição do Brasil sobre o conflito.

A carta foi obtida pela agência de notícias Lusa nesta quinta-feira (20/04) e será entregue na sexta-feira à embaixada do Brasil em Lisboa, quando Lula chega a Portugal para uma visita oficial de quatro dias.

O documento foi redigido em nome da comunidade ucraniana que vive em Portugal e nos demais países da União Europeia (UE), e pelos mais de oito milhões de ucranianos refugiados em todo o mundo devido à guerra.

A carta cita que o presidente brasileiro têm dito que a culpa pela guerra seria compartilhada entre a Rússia e a Ucrânia e que a solução para o fim do conflito passaria pela Ucrânia desistir de parte de seu território –  e lembra a recepção em Brasília ao ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov, na segunda-feira.

Dirigindo-se a Lula, o documento afirma: "Senhor presidente, se há momentos na história em que a neutralidade não se pode confundir com a conivência nem o temor este é, definitivamente, um deles".

O signatários também reforçam o convite feito pelo presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, para que o brasileiro vá à Ucrânia "para ver in loco e com os seus próprios olhos, o significado de 'paz russa'".

O que Lula disse

No início de abril, Lula sugeriu à Ucrânia que cedesse a Crimeia a Moscou a fim de negociar o fim da guerra. "[O presidente russo, Vladimir] Putin não pode ficar com o território da Ucrânia. A Crimeia pode ser discutida. Mas o que ele invadiu de novo, ele tem que repensar", disse o presidente em encontro com jornalistas no Palácio do Planalto.

A declaração gerou reação de Kiev, que "deixou claro que a Ucrânia não faz comércio com os seus territórios". A esmagadora maioria da comunidade internacional continua a considerar a Crimeia território da Ucrânia, nove anos depois de, com sua anexação, o presidente russo, Vladimir Putin, começar a retalhar o território ucraniano.

No último fim de semana, em visita aos Emirados Árabes Unidos, Lula disse que a Ucrânia seria corresponsável pelo início do conflito. "A construção da guerra foi mais fácil do que será a saída da guerra, porque a decisão da guerra foi tomada por dois países."

O brasileiro também acusou os EUA e a Europa de prolongarem o conflito no Leste Europeu. A declaração gerou reação internacional, e a Comissão Europeia e a Casa Branca rebateram na segunda-feira as críticas feitas pelo brasileiro.

Na terça-feira, Lula amenizou o tom e disse que seu governo condena a violação do território ucraniano, ao mesmo tempo que defende "uma solução política negociada para o conflito". O brasileiro defendeu a criação "urgente" de um grupo de países capazes de mediar o fim da guerra, "que tente sentar-se à mesa tanto com a Ucrânia como com a Rússia para encontrar a paz".

O que diz a carta

Assinada pelo presidentes do Congresso Europeu dos Ucranianos, Bogdan Raicinec, e da Associação dos Ucranianos em Portugal, Pavlo Sadokha, o documento afirma que "ninguém quer ver o bom nome do Brasil, enquanto nação democrática e livre, manchado como aliado do regime criminoso do Kremlin, pelo que as recentes declarações nos deixaram muito preocupados e apreensivos".

"Consideramos que qualquer tipo de apoio que o Brasil possa entender conferir à Federação Russa será desprestigiante, levará a uma desconfiança da comunidade internacional."

O documento diz que "qualquer acordo de paz justa proposto pela Federação Russa acabará em campos de concentração para o extermínio da nação ucraniana com a solução silenciosa 'Z'", uma referência à letra pintada nos veículos militares russos usados na invasão da Ucrânia.

 "Já vivemos a situação no século passado com a ação de extermínio perpetrada pelos nazis e que culminou com a organização comunista do Holodomor, numa tentativa de erradicar qualquer sobrevivente ucraniano. Resistimos e sobrevivemos", sublinham.

A carta afirma que os ucranianos vão "continuar a lutar", sobretudo pelas "crianças que [o presidente russo, Vladimir] Putin deporta para a Rússia ao mesmo tempo que executa os seus pais". "Permita-nos recordar que a deportação ilegal das nossas crianças foi, aliás, a base de acusação para a emissão de um mandato de captura contra Vladimir Putin emitido pelo Tribunal Penal Internacional", acrescenta.

A carta diz ainda que a guerra da Ucrânia já dividiu o mundo em dois polos, "um que defende a liberdade, a ordem e o progresso, e outro que põe os seus interesses imperialistas e oligárquicos acima do bem supremo da vida humana, da ordem e paz internacionais".

E, dirigindo-se a Lula, afirma: "Senhor presidente, se há momentos na história em que a neutralidade não se pode confundir com a conivência nem o temor este é, definitivamente, um deles".

"Os ucranianos nunca esquecerão os bravos militares brasileiros que ajudaram a libertar a Europa do jugo totalitário e, por isso, acreditamos que é chegada a hora de Vossa Excelência comandar o Brasil na direção do lado certo da história e alinhada com o mundo livre", conclui o documento.

Publicado originalmente por Deutsche Welle Brasil, em 21.04.23

Lula viaja a Portugal em busca de acordos e sob críticas por declarações sobre guerra na Ucrânia

Em Portugal, Lula participa da cúpula bilateral Portugal-Brasil, reunião conjunta dos dois governos

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chega nesta sexta-feira (21/4) a Portugal para uma visita oficial em meio a críticas de partidos de oposição em relação a suas declarações sobre a guerra na Ucrânia e com uma manifestação contra a sua presença convocada pela maior força de extrema-direita do país.

O petista decidiu antecipar seu embarque para Lisboa para a noite de quinta-feira (20/4) — inicialmente a previsão era que ele partiria de Brasília na manhã desta sexta-feira (21/4). Com a mudança, ele aterrissou na capital portuguesa ainda nesta manhã.

Ele fica em Portugal até a próxima terça-feira (25/4), quando viaja à Espanha. Em Madri, Lula deve permanecer por apenas um dia. Seu retorno ao Brasil está previsto para a noite de quarta-feira (26/4).

Em Portugal, Lula participa da cúpula bilateral Portugal-Brasil, reunião conjunta dos dois governos, e tem encontros marcados com o primeiro-ministro português, António Costa, e com o presidente, Marcelo Rebelo de Souza.

Também deve entregar o prêmio Luiz de Camões, a principal premiação de literatura em língua portuguesa, ao cantor, compositor e escritor Chico Buarque, que o venceu em 2019, mas até agora não o recebeu, entre outras razões, pela recusa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em assinar o diploma de concessão e, posteriormente, pelo confinamento imposto pela pandemia de covid-19.

Além disso, Lula deve participar de uma sessão solene de boas-vindas no Parlamento português (Assembleia da República) na próxima terça-feira (25/4), dia da celebração da Revolução dos Cravos, que pôs fim à ditadura militar em Portugal — inicialmente, Lula faria um discurso por ocasião da data comemorativa, mas o convite gerou polêmica, e partidos de oposição se manifestaram contra a iniciativa (ler mais abaixo). Ele seria o primeiro chefe de Estado estrangeiro a discursar na cerimônia.

Segundo o Itamaraty, a expectativa é que os representantes dos dois países assinem dez acordos e termos de cooperação.

Entre eles, estão o que concede equivalência aos Ensinos Fundamental e Médio do Brasil ao de Portugal e o que permite que a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) tenha validade permanente em Portugal, e vice-versa.

Na sequência, Lula viaja à Espanha, onde deve se encontrar com empresários, com o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, e com o rei Filipe 6º.

Polêmica sobre Ucrânia

A visita de Lula a Portugal acontece em meio à repercussão negativa das declarações do brasileiro sobre a guerra na Ucrânia

Membro da União Europeia e da Otan, a aliança militar ocidental, Portugal tem declarado apoio aberto ao país invadido pela Rússia e chegou, inclusive, enviar tanques Leopard a Kiev.

As críticas vieram de partidos de oposição e da associação de ucranianos em Portugal.

Em visita recente aos Emirados Árabes Unidos, onde fez uma parada depois de sua viagem à China, o petista atribuiu aos EUA e à União Europeia, a responsabilidade pelo prolongamento da guerra na Ucrânia.

"O presidente [Vladimir] Putin não toma a iniciativa de parar. [Volodymyr] Zelensky não toma a iniciativa de parar. A Europa e os Estados Unidos continuam contribuindo para a continuação desta guerra", disse.

No início do mês, Lula já havia afirmado que a Ucrânia poderia ceder a Crimeia, anexada pela Rússia em 2014, em nome da paz.

Após a polêmica, o petista condenou a invasão russa da Ucrânia.

"Ao mesmo tempo em que meu governo condena a violação da integridade territorial da Ucrânia, defendemos uma solução política negociada para o conflito", disse Lula em encontro com o presidente da Romênia, Klaus Werner Iohannis nesta semana.

O vice-presidente do PSD, Paulo Rangel, cobrou do governo "tomar uma posição pública e formal" sobre as falas de Lula.

Já Rui Rocha, líder do partido opositor Iniciativa Liberal, afirmou que o Parlamento português "não pode receber um aliado de Putin como Lula no 25 de abril". Ele lembrou que o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, discursou por videoconferência no local.

"A AR (Assembleia da República, o Parlamento português) que convidou Zelensky para discursar em 21 de Abril de 2022 não pode receber um aliado de Putin como Lula no 25 de Abril. E o Presidente da República que atribuiu a Ordem da Liberdade a Zelensky não pode estar confortável com a presença de um aliado de Putin como Lula na AR no 25 de Abril", escreveu Rocha em sua conta pessoal no Twitter.

Por outro lado, Jamila Madeira, vice-presidente da bancada parlamentar do PS, defendeu que Lula tem procurado fomentar "a busca pela paz" na Ucrânia, tal como o presidente da França, Emmanuel Macron.

Já o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, disse não estar arrependido de ter convidado Lula para discursar no Parlamento português.

Segundo ele, Portugal não teria relações com grande parte do mundo se as cortasse devido a divergências relativas à política externa.

"Não me arrependi coisa nenhuma. A posição portuguesa é clara: a Rússia é que invadiu a Ucrânia, não a Ucrânia que invadiu a Rússia. Portugal e a UE estão a apoiar a Ucrânia e vamos continuar. Direi-o ao presidente Lula e ao presidente da Índia, que vem a seguir, e aos presidentes do Senegal e da Argélia, que também virão a Portugal", disse.

Rebelo de Sousa acrescentou que os partidos da oposição têm todo o direito de criticar a posição de Lula, uma vez que "vivemos em democracia", mas que se trata de uma "relação entre Estados".

"Discordamos, mas não temos nada a ver com isso. Cada país tem a sua política externa, se estivermos de acordo melhor, mas se não estivermos de acordo com a nossa política interna e externa, não teríamos relações com 3/4 do mundo", completou.

A Associação dos Ucranianos em Portugal, por sua vez, preparou uma carta para entregar a Lula na noite desta sexta-feira em frente à embaixada do Brasil, segundo disse o presidente da entidade, Pavlo Sadokha, à BBC News Brasil.

Convocação para protesto contra Lula do Chega

O partido Chega convocou manifestação contra Lula para próxima terça-feira, 25 de abril, dia em que se comemora Revolução dos Cravos, que pôs fim à ditadura militar em Portugal

Manifestação

A oposição mais forte à visita de Lula vem do partido de direita radical Chega, capitaneado pelo deputado André Ventura.

A sigla divulgou nas redes sociais uma convocação para um protesto contra o petista no próximo dia 25 do lado de fora do Parlamento português.

"Lugar de ladrão é na prisão", diz a chamada para a manifestação, que faz referência à prisão de Lula em 7 de abril de 2018.

A convocação do ato foi compartilhada pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que descreveu a manifestação como "justa". O perfil do Chega no Twitter respondeu ao post do deputado dizendo que "Lula, não é bem-vindo em Portugal!".

Fundado em 2019, o Chega, que se define como um partido "conservador, liberal e nacionalista", tem no discurso anti-imigrante um de seus principais alicerces e é hoje a terceira maior força no Parlamento português, com 12 deputados. O Partido Socialista (PS), que governa o país, ainda tem maioria absoluta, com 120 deputados.

Em 13 de janeiro deste ano, em sessão no Parlamento português, Ventura chamou Lula de "bandido".

Na ocasião, o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva (Partido Socialista), reagiu e afirmou se tratar de "uma expressão ofensiva em relação ao presidente de um país muito amigo de Portugal".

Apesar disso, Ventura replicou e disse ser "difícil se referir ao presidente do Brasil de outra forma".

Ao fim de sua fala, o líder do Chega condenou, no entanto, "os ataques às instituições e a violência" dias antes, em 8 de janeiro, quando milhares de apoiadores de Bolsonaro invadiram as sedes dos três poderes em Brasília.

Mais recentemente, em vídeo enviado às redações em Portugal, Ventura reafirmou a promessa de que o partido vai "mesmo organizar a maior manifestação de sempre contra um dignatário estrangeiro em Portugal", mobilizando "portugueses e brasileiros, todos os que se quiserem juntar, para mostrar que o centro-direita e a direita portuguesa não são o PSD, não são este PSD". O PSD é o principal partido de oposição em Portugal e a segunda maior bancada no Parlamento, com 77 deputados.

Segundo Ventura, Lula deve ser condenado pela "proximidade com a Rússia", pela "incapacidade de ver o sofrimento do povo ucraniano", pela "sua proximidade à China", pela "hesitação em condenar as ditaduras sul-americanas" e "acima de tudo e sobretudo, pelo nível de corrupção que representa".

Para o líder do Chega, o PSD está enfraquecendo a direita e ajudando a esquerda a crescer.

"É ultrajante ver um partido que deve liderar a centro-direita dize que saúda a presença de Lula no dia 25 de abril em Portugal no dia da conquista democrática, no dia da nossa celebração democrática", disse Ventura em referência ao PSD.

"É muito triste ver a direita e a centro-direita em Portugal assim. É esta atitude medrosa, hesitante, mariquinhas que leva a que tenhamos a esquerda a crescer a nível mundial e sempre a apontar o dedo à direita, incapaz de resistir", acrescentou.

Em maio, Ventura deve receber Bolsonaro e o vice-primeiro-ministro da Itália, Matteo Salvini, além de outros nomes da extrema-direita para uma cúpula mundial organizada pelo Chega em Lisboa.

O objetivo, segundo Ventura, é transformar Portugal num dos "centros mundiais da ultradireita contra o socialismo".

Mal-estar

De fato, não foi apenas em Portugal que as falas de Lula sobre a guerra na Ucrânia foram mal recebidas.

John Kirby, coordenador de comunicação estratégica do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, nos Estados Unidos, chamou a postura do presidente brasileiro de "repetição automática da propaganda russa e chinesa" e "profundamente problemática".

"É profundamente problemático como o Brasil abordou essa questão de forma substancial e retórica, sugerindo que os Estados Unidos e a Europa de alguma forma não estão interessados na paz ou que compartilhamos a responsabilidade pela guerra", disse ele em conversa com jornalistas.

"Francamente, neste caso, o Brasil está repetindo a propaganda da Rússia sem olhar para os fatos", acrescentou.

Para Kirby, "os comentários mais recentes do Brasil de que a Ucrânia deveria considerar ceder formalmente a Crimeia como uma concessão pela paz são simplesmente equivocados, especialmente para um país como o Brasil que votou para defender os princípios de soberania e integridade territorial na Assembleia-Geral da ONU".

O porta-voz para Assuntos Externos da União Europeia, Peter Stano, também rebateu as falas de Lula sobre a guerra, destacando que a Rússia é a "única responsável" pelo conflito.

"O fato número um é que a Rússia — e apenas a Rússia — é responsável pela agressão ilegítima e não provocada contra a Ucrânia. Então não há dúvidas sobre quem é o agressor e quem é a vítima", disse Stano, lembrando que o Brasil condenou a invasão da Ucrânia na ONU (Organização das Nações Unidas).

Stano acrescentou que EUA e EU não estão contribuindo para prolongar a guerra, mas ajudando Kiev em sua legítima defesa.

"Caso contrário, a Ucrânia enfrentaria a destruição. A nação ucraniana e a Ucrânia como país seriam destruídos porque estes são os objetivos declarados da guerra de Putin", afirmou.

O mal-estar se agravou ainda mais com a viagem oficial do ministro das Relações Exteriores russo, Serguei Lavrov, a Brasília no início desta semana.

Uma das propostas do governo Lula é a criação de um "clube da paz", fórum de países que Brasília considera como não alinhados a nenhum dos lados do conflito para mediar as negociações entre Kiev e Moscou.

Na terça-feira (18/4), o governo da Ucrânia, por meio do porta-voz de sua chancelaria, Oleg Nikolenko, voltou a convidar Lula a visitar Kiev.

Em postagem no Facebook, Nikolenko afirmou que deseja que o brasileiro compreenda "as verdadeiras causas da agressão russa e suas consequências para a segurança global".

Lula já havia sido convidado pelo presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, no mês passado, quando os dois falaram por videoconferência pela primeira vez. Na ocasião, o petista afirmou que aceitaria o convite em momento oportuno.

Discurso vetado

Cravinho e Lula em Brasília (Ricardo Stuckert)

Lula seria o primeiro chefe de Estado estrangeiro a discursar no Parlamento português por ocasião da comemoração da Revolução dos Cravos, que pôs fim à ditadura militar em Portugal.

A participação do petista chegou a ser anunciada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, João Gomes Cravinho, em visita ao Brasil.

"É a 1ª vez que um chefe de Estado estrangeiro faz um discurso nesta data", disse Cravinho em entrevista a jornalistas em Brasília.

Mas partidos de oposição, como PSD, IL e Chega, se manifestaram contra o convite e, após uma reunião entre lideranças políticas, chegou-se a um consenso de que Lula discursaria, mas numa sessão solene de boas-vindas, à parte das comemorações da Revolução dos Cravos.

Em entrevista concedida recentemente à Folha de S.Paulo, o assessor especial do presidente Lula, Celso Amorim, esclareceu que a posição do governo brasileiro é a de que a Rússia errou mas defendem que russos e ucranianos conversem. "A guerra não é uma solução nem para a Rússia nem para a Ucrânia. Essa é a questão do Brasil", disse ele.

Luís Barrucho, enviado da BBC News Brasil a Lisboa, em 21.04.23