sábado, 8 de outubro de 2022

Lula faz aceno à participação de Simone Tebet no governo e senadora defende âncora fiscal

Ex-presidente afirma que não montará equipe antes de ganhar, mas adiantou que ministério não será formado por ‘uma única ideologia’

Simone Tebet apoia Lula no segundo turno da eleição presidencial contra Bolsonaro Foto: ALEX SILVA/ESTADÃO

O ato conjunto de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Simone Tebet (MDB) para selar o apoio da senadora à candidatura do ex-presidente aconteceu nesta sexta-feira, 7, com acenos dos dois lados sobre o encaminhamento da campanha eleitoral contra o presidente Jair Bolsonaro (PL). Lula sinalizou que a emedebista pode ser convidada a participar de eventual governo, se for eleito. Simone, por sua vez, defendeu a adoção pelo PT de uma “âncora fiscal mínima” em substituição ao teto de gastos.

Datafolha no segundo turno: Lula tem 49% das intenções de voto; Bolsonaro, 44%

Lula disse que não poderia “montar governo antes de ganhar”, mas reiterou que o Brasil “não será governado por um único partido, uma única ideologia, esse país é muito grande, precisamos juntar muitas pessoas para montar um governo”. O petista também disse esperar que Simone “esteja junto para ajudar a executar” as propostas que pediu que a senadora pediu que a campanha de Lula incorporasse.

“Com muita tranquilidade eu vou trabalhar para ganhar as eleições. A participação da Simone vai nos ajudar muito. Depois que a gente ganhar, vamos sentar numa mesa e vamos começar a discutir como a gente monta a equipe para dar vazão aquilo que são nossas propostas”, afirmou Lula, que se encontrou com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso depois do ato conjunto com Simone Tebet – o tucano já declarou voto no petista no segundo turno.

O encontro dos dois diante da imprensa foi celebrado por aliados de Lula, que consideram este o maior trunfo da campanha no segundo turno. Dois dias antes, os dois almoçaram na casa da ex-prefeita Marta Suplicy e Simone anunciou seu voto no candidato do PT à Presidência.

Simone apresentou propostas a Lula na quarta-feira e, no mesmo dia, o ex-presidente disse que elas seriam incorporadas em seu plano de governo e abriu caminho para o evento público desta sexta-feira, que aconteceu em um hotel em São Paulo. A senadora irá participar dos programas de Lula na TV, durante o horário eleitoral, e estará em palanques com o ex-presidente.

Segundo ela, o encontro é “exigido pela história”. “Temos nossas diferenças políticas, econômicas, mas são infinitamente menores do que nos une”, disse, ao lado do petista.

“Hoje eu estou aqui muito feliz para dizer que o presidente Lula, a sua equipe econômica, de assessores, acaba de receber e incorporar todas as sugestões que fizemos no nosso programa de governo ao seu programa de governo. Com isso, o que nós estamos dizendo aqui é que pensamos da mesma forma o Brasil que queremos”, afirmou.

Já Lula agradeceu o apoio de Simone e disse que as mulheres do País devem ter sentido orgulho de ver o desempenho da senadora na disputa presidencial deste ano. Em fala direcionada à Tebet, ele disse que a missão de recompor o Brasil não será fácil visto que o adversário, o presidente Jair Bolsonaro (PL), não é um “adversário qualquer” ou um “político normal”. “Estamos diante de um homem sem alma, sem coração”, afirmou o petista.

Senadora pelo Mato Grosso do Sul, Simone Tebet disse que assumirá as missões que a campanha exigir, incluindo na articulação com o agronegócio, e garantiu que irá se engajar, afirmando que seu apoio não é apenas uma declaração de voto. Ao lado de Lula, ela afirmou não ter dúvidas de que é possível reverter a vantagem do presidente Jair Bolsonaro (PL) no ramo. “Sou do agronegócio e estou pronta, inclusive, para desmistificar essa tese equivocada que só interessa ao atual presidente, que o agronegócio ou o meio ambiente. Quando, na verdade, os dois andam juntos”, disse.

Lula endossou a fala da senadora e disse que o agronegócio pode ser sua própria vítima se não tiver empresários com preocupação sustentável, “com mentalidade que Planeta pede socorro e que clima não é mais questão secundária”.

Em entrevista ao Estadão publicada nesta sexta-feira, Simone Tebet criticou a falta de detalhamento do programa de Lula e afirmou que “ao olhar apenas para o retrovisor e falar dos possíveis acertos do passado”, o petista “menosprezou e não deu conforto para o eleitor”. Nesta sexta-feita, questionado se pretendia detalhar propostas no segundo turno, Lula afirmou que “o detalhamento das propostas já está no programa de governo”.

Simone defendeu a existência de “alguma âncora fiscal mínima”. A campanha Lula-Alckmin já indicou que irá revogar o teto de gastos e que adotará nova regra fiscal. Em reportagem publicada nesta quinta-feira, o Estadão mostra a divisão que existe dentro da campanha sobre o novo arcabouço fiscal para substituir o teto de gastos. A coordenação do programa de governo da chapa Lula-Alckmin informou ao Estadão que o formato de uma nova regra fiscal para as contas do governo dependerá das condições das contas públicas que o novo governo irá encontrar, caso seja eleito, e do processo de negociação com o Congresso e a sociedade brasileira.

“Entendo a posição do PT que é contra o teto de gastos, mas também é preciso entender que é preciso alguma âncora fiscal mínima até para que o orçamento público - hoje, privado e no bolso de meia dúzia -, possa voltar para o Executivo”, afirmou Simone Tebet, ao lado de Lula. “O orçamento secreto de R$ 19 bilhões neste ano só não virou R$ 30 bilhões porque quando bateu lá no Ministério da Fazenda eles viram que batia no teto de gastos que eles não tinham condições de liberar”, afirmou a senadora, indicando que a âncora fiscal é também um instrumento para limitar o orçamento secreto.

Tebet afirmou que a equipe econômica “tem que entender qual é o melhor caminho” e que “não necessariamente” é um teto de gastos. “Alguma âncora mínima que dê conforto ao mercado, tranquilidade para os investidores para que a gente possa ter uma economia equilibrada, mas isso é por conta da própria equipe econômica . E isso vai fazer com que tenhamos uma forma de blindar da má política de parte do Congresso Nacional”, defendeu a emedebista.

Lula voltou a citar seus governos passados para indicar que tem compromisso com a responsabilidade fiscal. “Quando eu peguei esse país em 2003, a gente tinha uma dívida pública interna de 60,5% e reduzimos para 37,7%. A gente tinha uma dívida do FMI de 30 bilhões. Pagamos e emprestamos ao FMI. Levamos a inflação à meta e reduzimos o desemprego gerando 22 milhões de empregos”, afirmou Lula. “E você sabe que dentro do PT esse negócio de fazer superávit primário fez com que muita gente saísse do PT. O PSOL foi criado disso, de racha do PT por causa do superávit primário. Eu passei a vida toda contra superávit primário, quando cheguei na Presidência eu vi que era preciso fazer e fizemos”, afirmou o petista.

“Então, responsabilidade fiscal temos e não precisamos de lei garantindo isso”, disse Lula, repetindo o discurso que tem mantido sobre o tema. O petista também afirmou que uma âncora fiscal não pode significar o fim do investimento em saúde e educação. “É preciso definir o que é investimento e o que é gasto”, disse Lula.

Beatriz Bulla, Luiz Vassallo e Giordanna Neves para O Estado de S. Paulo, em 07.10.22, às 19h44

Riscos e oportunidades do Supremo

Senado bolsonarista traz riscos para a separação dos Poderes. É hora de o Supremo renovar, livre e corajosamente, sua compreensão sobre seus limites e seus deveres constitucionais

As eleições geraram uma nova camada de pressão sobre o Supremo Tribunal Federal (STF). Jair Bolsonaro, o político que, desde a redemocratização do País, mais enfrentou e atacou o Supremo, elegeu 20 aliados para o Senado, entre as 27 cadeiras disputadas neste ano. Na composição da próxima legislatura, o PL, partido de Jair Bolsonaro, terá a maior bancada da Casa, com 13 senadores, seguido por União Brasil (12), PSD (10), MDB (10), PT (9), PP (7) e Podemos (6). As outras legendas somam 14 cadeiras.

O novo cenário traz riscos para o funcionamento do Estado Democrático de Direito. Não custa lembrar que, no ano passado, Jair Bolsonaro apresentou ao Senado uma denúncia de crime de responsabilidade contra o ministro Alexandre de Moraes. O pedido de impeachment não tinha nenhum fundamento. Foi uma tentativa nada sutil de constranger o magistrado responsável por inquéritos envolvendo bolsonaristas e o próprio Bolsonaro. Felizmente, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, rejeitou prontamente a denúncia, por absoluta inépcia. No entanto, a depender de quem venha a ocupar a chefia da Casa no próximo biênio, esse tipo de denúncia pode ter outros encaminhamentos, interferindo na separação dos Poderes. Com a turma bolsonarista, todo cuidado é pouco.

Ao mesmo tempo, a composição do Senado após as eleições pode ser uma excelente oportunidade para que o STF renove, sem medo e sem acanhamento, sua compreensão sobre suas próprias competências. Mais do que nunca, é necessário que a Corte esteja consciente de seus limites e seus deveres constitucionais.

Não é fácil a posição do Supremo. A Constituição de 1988 é abrangente e, ao longo do tempo, o Congresso ampliou ainda mais seu alcance. Ou seja, o STF tem, por força do próprio texto constitucional, uma amplíssima competência sobre o Estado e a sociedade. Não há como escapar disso, seja qual for a composição política do Senado. Afinal, a missão do Supremo é defender a Constituição.

Para piorar, o próprio Executivo e membros das Casas Legislativas recorrem muitas vezes ao Supremo para tentar reverter derrotas políticas sofridas no Congresso. Há uma frequente judicialização da política, com a tentativa de que o STF seja instância revisora da política. Trata-se de manobra que viola a independência dos Poderes. Cabe ao Supremo sumariamente rejeitá-la.

No Estado Democrático de Direito, questões políticas são decididas por quem recebeu voto – e os ministros do Supremo não receberam nenhum voto. A função dos magistrados é aplicar o Direito, e não arbitrar disputas políticas. Infelizmente, como este jornal alertou diversas vezes, o Supremo não tem sido, ao longo deste século, muito rigoroso em seus limites, usando interpretações expansivas para dar a algumas matérias o encaminhamento político da preferência dos magistrados – ou de parte da população que os pressiona.

A renovada compreensão por parte do STF de suas competências constitucionais não significa, no entanto, apenas reduzir sua atuação. É também uma maior consciência de seus deveres. Seja qual for a composição do Congresso, o Supremo tem a tarefa de defender a Constituição. Não foi por acaso que Jair Bolsonaro transformou o STF em seu adversário político. Toda a trajetória política do presidente está centrada na rejeição da Constituição de 1988 e de suas garantias fundamentais. Alguém que louva a ditadura e homenageia torturadores certamente atritará com o Supremo. Assim, um Senado mais bolsonarista é alerta para os ministros do STF.

A maior consciência de seus deveres – a percepção da relevância de seu trabalho para o País – deve levar o Supremo a ter uma nova velocidade. Os processos precisam ter duração de tempo razoável. Liminares não podem durar anos. A Justiça que tarda não é justiça. Em concreto, o STF deve enfrentar, de forma técnica e articulada, sem deixar brechas para novas manobras, a inconstitucionalidade gritante do orçamento secreto. Que a nova legislatura possa estrear num outro ambiente de moralidade e transparência, plenamente constitucional.

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 08.10.22, às 03h00

Duelo de rejeições de Lula e Bolsonaro afunila na largada do 2º turno

Disputa tem faixa considerável de eleitores disposta a olhar vitrines antes de decidir

Montagem combina fotos do presidente Jair Bolsonaro, à esq., e do ex-presidente Lula - Adriano Machado e Ueslei Marcelino/Reuter

Numa disputa consolidada como um duelo de rejeições, a nova pesquisa Datafolha deve reforçar os apelos de Lula (PT) e Bolsonaro (PL) a quem ainda pode escolher um lado para evitar a vitória do outro.

A concorrência entre os candidatos recomeça relativamente apertada nesse quesito. Segundo o Datafolha, 42% dos eleitores afirmam rejeitar apenas Lula, enquanto 48% dizem que só não votam em Bolsonaro. Outros 3% declaram que não votam em nenhum dos dois, e 6% não rejeitam nenhum.

As cifras sugerem que as campanhas têm um caminho para brigar por 9% dos votos –somados os 6% que estão abertos a ambos e os 3% que recusam os dois, mas podem ser convencidos a optar por um lado.

Nas intenções de voto, boa parte da vantagem de Lula se explica pela votação construída no primeiro turno. O ex-presidente mantém a preferência dos eleitores de baixa renda (54% a 37%) e do Nordeste (66% a 28%) –região em que saiu das urnas com uma frente de quase 13 milhões de votos sobre Bolsonaro

O novo embate direto com o petista, no entanto, oferece ao atual presidente um clima menos árido do que aquele dos últimos meses. A avaliação do desempenho do governo se tornou um peso menor para a campanha de Bolsonaro, com sua taxa de reprovação caindo de 44% para 40% desde a semana passada.

A melhora desses indicadores é um fator a ser monitorado no segundo turno. Se houver menos gente disposta a punir Bolsonaro por sua passagem pelo governo, o presidente pode investir em outros elementos para obter novos votos, como a rejeição ao rival.

Uma das principais metas do candidato à reeleição na atual fase da disputa é aumentar os números negativos de Lula, uma aposta do presidente para conquistar eleitores que não votaram em nenhum dos dois candidatos no primeiro turno, mas também uma maneira de manter o engajamento de seus apoiadores –aumentando as chances de que eles apareçam para votar, com o objetivo de derrotar o PT.

Os novos índices de rejeição não podem ser comparados com os de pesquisas anteriores porque o Datafolha muda a forma de fazer essa pergunta. No primeiro turno, os eleitores são instados a apontar numa cartela os nomes dos candidatos nos quais não votariam. No segundo, cada entrevistado deve dizer se "votará com certeza", "talvez vote" ou "não votará de jeito nenhum" em Lula e Bolsonaro.

Essa divisão ajuda a medir o grau de incerteza das preferências dos eleitores neste segundo turno, além de permitir a identificação de potenciais focos de crescimento para cada candidato

Os dados indicam que, apesar de boa parte do eleitorado já ter escolhido um lado, há espaço para mudanças. Com Lula, há 47% que se dizem convictos e outros 6% que poderiam votar no petista. Com Bolsonaro, 42% afirmam votar nele com certeza, enquanto outros 6% dizem que podem fazer o mesmo.

Há bolsões de eleitores em potencial para Lula entre os jovens (13%), entre apoiadores de Ciro Gomes e Simone Tebet (24%) e até entre os evangélicos (8%). Já Bolsonaro tem chance de conquistar os votos de 10% dos entrevistados mais jovens, 8% dos evangélicos e 22% dos eleitores de Ciro e Simone.

Com quatro semanas de duração, a campanha para o segundo turno dá aos eleitores a oportunidade de olhar mais uma vez as vitrines antes de fazer uma escolha. No início dessa etapa, alguns grupos específicos se mostraram mais interessados em refletir antes de decidir o voto.

Os eleitores de 16 a 24 anos são aqueles que estão menos decididos: 12% podem mudar de voto –acima da média de 7% detectada no universo da amostra. Já 9% dizem que podem mudar de ideia.

Uma parcela larga dos eleitores de Ciro e de Simone começou a se posicionar cedo, ainda que haja a chance de muitos deles mudarem de ideia. Entre aqueles que optaram pela senadora do MDB no primeiro turno, 69% se dizem decididos, enquanto 31% admitem trocar o voto. Esses entrevistados se dividem em fatias praticamente iguais entre votos em Lula, Bolsonaro e nulos.

Já os apoiadores de Ciro pendem levemente para Bolsonaro –e muitos deles também já estão decididos. Entre eleitores do pedetista, 73% dizem ter escolhido seu candidato, e 26% falam em mudar de ideia.

+DATAFOLHA PRESIDENCIAL

Lula tem 49%, e Bolsonaro, 44%; indecisos somam 2%, e brancos e nulos, 6%

51% dizem não votar em Bolsonaro de jeito nenhum, ante 46% em Lula

Aprovação de Bolsonaro sobe para 37%; reprovação recua para 40%

93% dizem já estar totalmente decididos sobre voto a presidente

Confiança total nas falas de Bolsonaro tem pico e vai a 28%

53% dos eleitores acham que Tebet deve apoiar Lula no segundo turno

Bruno Boghossian, o autor deste artigo é colunista da Folha de S. Paulo. Publicado originalmente em 07.10.22, às 18h25

Celso de Mello diz ser inaceitável fala de Bolsonaro sobre Nordeste e lista filhos ilustres da região

O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello divulgou mensagem com repúdio às declarações em que o presidente Jair Bolsonaro (PL) associa o analfabetismo no Nordeste à votação de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na região.

O ex-ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal - Carlos Moura/SCO/STF

No texto, Mello chama as declarações de Bolsonaro de "reprováveis, preconceituosas e inaceitáveis", além de caracterizar seu comportamento de "indigno e vergonhoso". O ex-decano do STF lista na mensagem brasileiros ilustres nascidos no Nordeste.

"Torna-se necessário fazer, para repelir suas insultuosas alegações, breve relação de alguns nomes dos incontáveis nordestinos ilustres que, para honra do Brasil, brilharam na história de nosso país nos diversos setores da atividade humana", afirma.

Confira a relação feita por Mello:

Josué de Castro, Aloísio Azevedo, Anísio Teixeira, Frei Caneca, José de Alencar, Manuel Bandeira, Nise da Silveira, Irmã Dulce, Paulo Freire, Ariano Suassuna, Augusto dos Anjos, Tobias Barreto, Clovis Beviláqua, Bárbara de Alencar, Deodoro da Fonseca, Epitácio Pessoa, Ruy Barbosa, Pedro de Araújo Lima (Marquês de Olinda) , Visconde de Rio Branco, Condessa de Barral, Jorge Amado , Gonçalves Dias , Cipriano Barata, Matias de Albuquerque , Gilberto Freyre , Pontes de Miranda, Francisco de Paula Batista, Aníbal Bruno, Braz Florentino Henriques de Souza, Luiz Pinto Ferreira, Sílvio Romero, Gilberto Amado, Graça Aranha, Anibal Freire da Fonseca, Laudelino Freire, Francisco de Assis Rosa e Silva , Zacarias de Góis e Vasconcelos, José Higino Duarte Pereira, Franklin Dória, Odylo Costa Filho, Arthur Azevedo, Raimundo Correia, José Américo de Almeida, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz, João Maurício Wanderley (Barão de Cotegipe), Freitas Henriques, Nísia Floresta , Cardeal Dom Eugênio Sales, Dom Helder Câmara, Cardeal Dom Joaquim Arcoverde, Manoel de Carvalho Pais de Andrade, Conselheiro João Alfredo, José de Barros Lima, Cruz Cabugá, Henrique Dias, André Vidal de Negreiros, Antonio Felipe Camarão, general José Inácio de Abreu e Lima.

Publicado originalmente no PAINEL, coluna da Folha de S. Paulo, em 07.10.22, às 15h50

Abuso de poderes desequilibrou eleição em favor de Bolsonaro

Em escala global, 80% dos governantes que pleiteiam a recondução têm sucesso

O presidente Jair Bolsonaro em coletiva de imprensa com Datena no Palácio da Alvorada - Gabriela Biló/Folhapress

O pleito presidencial deste ano ainda não foi concluído, mas já tem um grande derrotado, o equilíbrio da corrida eleitoral. Em teoria, um presidente não deveria em hipótese nenhuma se servir do cargo que ocupa para obter vantagem na disputa por votos. A teoria não funciona.

O problema é em alguma medida insolúvel, pois a própria democracia já vem com um forte viés situacionista. Em escala global, 80% dos governantes que pleiteiam a recondução têm sucesso. O destaque na mídia, o controle da máquina pública e até a psicologia conspiram a seu favor.

No caso brasileiro, o desequilíbrio é agravado por outros fatores. A reeleição aqui surgiu através de um casuísmo, o que deixou uma trilha de assimetrias na legislação. Um exemplo: o governante que pretende renovar seu mandato não é obrigado a se desincompatibilizar. De fato, seria esquisito forçá-lo a renunciar para depois voltar ao cargo. O problema é que seus adversários, se tiverem postos no Executivo, são. No caso do pleito presidencial, o postulante mais poderoso tem o privilégio de fazer campanha no cargo e seu eventual desafiante, não.

Tudo isso, porém, é brincadeira de criança perto do que fez e faz Jair Bolsonaro. Sem temor ou pudicícia, ele colocou verbas e instituições públicas a serviço da reeleição. Aprovou uma série de propostas que visam essencialmente a mantê-lo no cargo, como a PEC dos Precatórios, o Auxílio Brasil só até dezembro, a redução de impostos sobre a energia etc. Levou até as Forças Armadas para atos de campanha. Agora está perdoando dívidas.

O remédio contra esses abusos seria a cassação da chapa por abuso de poder político e econômico. Mas o TSE reluta em utilizá-lo. É de fato complicado tirar no tapetão um candidato que recebeu mais de 50 milhões de votos.

O retrocesso institucional é brutal. Pelos precedentes estabelecidos, o próximo candidato à reeleição que não barbarizar é um trouxa.

 Hélio Schwartsman, o autor deste artigo, é Jornalista. Foi editor de Opinião da Folha de S. Paulo. E autor de "Pensando Bem…". Publicado originalente em 07.10.22 às 16h15

Uma forte explosão destrói parte da única ponte que liga a península da Crimeia à Rússia

As autoridades russas denunciam que a explosão de um caminhão danificou a principal infraestrutura de comunicação do território anexado por Moscou. O governo ucraniano não assume responsabilidade por um possível ataque

Danos à ponte sobre o Estreito de Kerch que liga a Crimeia à Rússia, neste sábado. (Foto AFP)

A Ucrânia acordou neste sábado com uma das notícias mais esperadas por suas forças armadas: a ponte do Estreito de Kerch, a única que liga a Rússia à Crimeia, foi seriamente danificada por uma forte explosão e incêndio em vários vagões de trem. Essa infraestrutura é fundamental no fornecimento de recursos para a península anexada ilegalmente por Moscou em 2014e para a máquina de guerra do invasor. Autoridades russas na Crimeia acusam Kyiv de estar por trás de um ataque com caminhão-bomba. O governo ucraniano não confirma a responsabilidade pela ação, como fez em ataques anteriores contra alvos russos na Crimeia, embora tenha comemorado os danos causados ​​à ponte sobre o estreito de Kerch, inaugurada em 2018, com várias mensagens nas redes sociais. pelo Presidente Vladimir Putin como símbolo da anexação da península e da ocupação das forças russas na Ucrânia.

Os vídeos divulgados pela mídia russa e contas do Telegram relacionadas a Moscou mostram uma forte explosão nesta manhã na ponte quando um caminhão passou. As imagens tiradas horas depois confirmaram que uma parte da rodovia havia sido destruída, caída na água, enquanto outra havia sido danificada. A explosão ocorreu também quando um comboio de comboios com camiões-cisterna que transportavam combustível passou pela via férrea da ponte, na parte superior da infraestrutura, segundo a polícia russa, que também danificou aquele troço. A explosão provocou um incêndio em vários carros do comboio e uma espessa coluna de fumaça preta na ponte.

A equipe da promotoria russa responsável pela investigação informou que pelo menos três pessoas morreram na explosão. Seriam os passageiros de um veículo que passou pelo local da detonação, segundo a agência estatal russa Ria Novosti. Os investigadores encontraram documentação no local sobre o caminhão e seu proprietário, morador da região russa de Krasnodar, para onde as investigações também foram transferidas.

O presidente do Parlamento pró-Rússia da Crimeia, Vladimir Konstantinov, atribuiu o evento à sabotagem da Ucrânia. A explosão ocorreu ao lado da ponte em território ucraniano, tomada por Moscou em 2014. Kiev não confirmou sua autoria, embora Mikhailo Podoliak, conselheiro do presidente Volodymyr Zelensky, tenha escrito no Twitter : “Crimeia, a ponte, o começo. Tudo ilegal deve ser destruído, tudo roubado deve voltar para a Ucrânia, tudo que foi ocupado pela Rússia deve ser expulso”.

Mensagens confusas de Kyiv

Mais tarde, Podoliak surpreendeu ao assegurar que a responsabilidade pelo ataque tinha que ser encontrada na Rússia, e que por trás da sabotagem estava a luta pelo poder entre os serviços secretos russos e o Ministério da Defesa: “Não é óbvio quem fez a explosão? O caminhão veio da Rússia.” Apesar disso, o Ministério da Defesa publicou uma mensagem no Twitter assumindo implicitamente a responsabilidade pela deflagração: “O cruzador Moskva e a ponte Kerch, dois importantes símbolos do poder russo na Crimeia, caíram. O que vem a seguir, russos? O Moskva , o carro-chefe da frota russa do Mar Negro, foi afundado em abril por um Neptune, um míssil de fabricação ucraniana .

As Forças Armadas da Ucrânia planejaram ataques à ponte de Kerch no passado, sem sucesso, em parte devido às defesas antiaéreas que protegem essa infraestrutura. Analistas de mídia influentes na região, como Nexta ou Bellingcat, enfatizaram que o método de ataque pode ser diferente porque a ponte possui sistemas de segurança tecnológica em suas entradas que detectam a presença de explosivos nos veículos.

O Ministério dos Transportes da Rússia garante que a comunicação rodoviária através da ponte será restabelecida neste sábado. Apenas uma via será habilitada em direção ao continente e a infraestrutura será reforçada. O governador russo da Crimeia, Sergei Aksionov, também garantiu que as linhas de ferry entre o território russo e a península anexada serão reforçadas. Alexander Kots, uma das vozes mais conhecidas da propaganda russa que acompanha as tropas invasoras desde o início da guerra, escreveu em sua conta do Telegram que o mais significativo sobre o ataque é que a Ucrânia provou que a segurança da ponte e da Crimeia como um todo eles não são garantidos: “Nada é impossível, os ucranianos provaram isso”.

Golpe na logística russa

O certo é que os danos causados ​​à ponte do Estreito de Kerch complicam ainda mais a logística do exército russo. A ponte da Criméia facilita a passagem tranquila de trens e caminhões militares sem a constante ameaça de guerrilheiros ucranianos, membros da resistência que lutam contra Moscou desde 2014. A outra alternativa é a faixa de terra conquistada no sul da Ucrânia, a rota que passa por Mariupol e Melitopol e abastecendo a frente de Kherson, embora esteja mais perto da artilharia e dos sabotadores. Algumas semanas atrás, uma grande explosão destruiu um trecho de trem próximo à estação de Nizyana. Essa ação dificultou o transporte de suprimentos militares e obrigou as forças russas a reforçar sua segurança na área. “Mais uma vez o regime criminoso em Kyiv atinge a infraestrutura em Zaporizhia”,

A Ponte Kerch foi inaugurada em 2018 pelo presidente russo Vladimir Putin. É uma obra faraônica de quase 17 quilômetros de extensão, e era uma prioridade do Kremlin para que a península ucraniana ilegalmente anexada fosse rapidamente incorporada à Rússia. Neste verão, a Ucrânia realizou os primeiros ataques contra a frota do Mar Negro , com base na Crimeia, o mais significativo, que ocorreu em 9 de agosto contra a base aérea de Saki . Também nesta ocasião, Kyiv evitou relatar como os ataques ocorreram.

A conexão da Crimeia é um dos símbolos de duas décadas de Putinismo. O presidente a inaugurou dirigindo um caminhão em mais uma de suas demonstrações de poder, e sua propaganda chegou a filmar filmes sobre essa infraestrutura. Atualmente, existem cerca de 50.000 turistas russos na Crimeia. Cerca de 4.000 estavam programados para deixar a região nos próximos quatro dias. "Estamos trabalhando para garantir que os hotéis e resorts da Crimeia ofereçam acomodações gratuitas aos seus hóspedes", anunciou o chefe do órgão de turismo russo Rosturism nas redes sociais.

A logística interna da península também preocupa seus cidadãos. A Procuradoria-Geral da Rússia ordenou que as autoridades da cidade independente de Sebastopol e da própria península monitorem qualquer possível aumento nos preços dos alimentos e combustíveis nos próximos dias. Por sua vez, o Ministério do Comércio russo tentou tranquilizar seus habitantes com uma declaração dizendo que há "comida suficiente" na região.

A explosão também ocorreu na retirada total das tropas em Kherson , uma província na qual as forças russas foram empurradas para as margens do Dnieper. "[O ataque] foi planejado pelo Serviço de Segurança ucraniano com a intenção não apenas de cumprir seu desejo simbólico de destruir a ponte da Crimeia, mas também de dificultar a logística e o reforço do exército russo nas fronteiras de Kherson", disse ele. O primeiro vice-presidente do Comitê de Segurança da Duma do Estado, Yuri Afonin, disse à agência Tass.

O ataque no coração da Crimeia coincidiu com uma nomeação muito significativa no alto comando russo. O ministro da Defesa, Sergei Shoigu, promoveu o chefe das Forças Aeroespaciais, Sergei Surovikin, a comandante do grupo conjunto de forças que realiza a campanha na Ucrânia. Sua eleição vem além de outras grandes mudanças nas últimas semanas, incluindo vários chefes de distritos militares russos e o chefe de logística desde 1997. Surovikin é mais conhecido por seu papel na repressão dos protestos em 21 de agosto de 1991 contra o golpe comunista. Liderança. Seu batalhão de fuzileiros foi responsável pelas únicas mortes naquele dia, as de três civis que mais tarde foram reconhecidos como heróis da União Soviética. Surovikin,

Sepultura em massa em Donetsk

A nordeste desta província, à medida que o exército ucraniano avança pela frente oriental, novos horrores da invasão russa continuam a surgir. Pavlo Kirilenko, governador de Donetsk, anunciou este sábado a descoberta de 200 sepulturas e uma vala comum nas proximidades de Liman, um dos municípios de Donbas reconquistados pela Ucrânia nas últimas semanas, após meses de ocupação por tropas do Kremlin.

Kirilenko compartilhou imagens das 200 sepulturas e do poço, em uma área de campo. As sepulturas estão marcadas com cruzes, e o governador de Donetsk adiantou que são corpos civis. Na vala comum, segundo Kirilenko, haveria um número indeterminado de cadáveres, tanto civis quanto soldados. Nas ruas e parques da vizinha Sviatohirsk, também foram exumados cerca de vinte corpos que não puderam ser enterrados no cemitério devido ao perigo causado pelas operações militares dos últimos meses.

A descoberta de Liman ocorre apenas três semanas depois que em Izium, outro município libertado no leste do país, cerca de 400 corpos não identificados foram encontrados em uma área arborizada , alguns com sinais de tortura. A província de Kharkov, onde fica Izium, foi reconquistada em setembro pelas tropas ucranianas. Até agora, 534 corpos civis foram recuperados na região, segundo as autoridades locais. Uma investigação das Nações Unidas descobriu no mês passado que as forças russas cometeram crimes de guerra em pelo menos 16 municípios nas províncias de Kiev, Chernihiv, Kharkov e Sumi.

CRISTIAN SEGURA e JAVIER G. CUESTA, de Kyiv e Moscou para O EL PAÍS, em 08.10.22, às 11:37hs 

Como "Deus, Pátria e Família" entrou na política do Brasil

Manifesto divulgado 90 anos atrás pelo autor Plínio Salgado lançou o integralismo. Movimento de extrema direita é antecessor de discursos ultraconservadores da atual política nacional.


Plinio Salgado (o magrelo ao centro na foto) inspirou-se em Mussolini, o criador do fascismo na Itália, para lançar a sua Ação Integralista Brasileira (AIB). A farda, no entanto, em cor esverdeada, remete aos camisas pardas de Hitler, na Alemanha. O lema "Deus, Pátria e Familia" foi tirado do fascismo italiano, o qual nunca quis confronto com a Igreja Católica, poderosamente majoritária entre os italianos. Naquele tempo, muitos religiosos se aliaram aos fascistas.

Eram princípios conservadores, de inspiração cristã e fortemente influenciados pelo fascismo italiano e pelo integralismo português, os formulados pelo escritor e jornalista Plínio Salgado (1895-1975). Ele chamou seu arrazoado de Teoria do Estado Integral, e em 7 de outubro de 1932 lançou o Manifesto de Outubro. Ali nascia a Ação Integralista Brasileira (AIB), a versão nacional da extrema-direita que ganhava corpo na Europa.

Dividido em dez partes, o manifesto trazia já em seu primeiro item a importância da valorização de Deus, da Pátria e da Família – os três termos com inicial maiúscula. Salgado tinha a companhia de outros intelectuais na elaboração dessa doutrina, entre eles o escritor e advogado Gustavo Barroso (1888-1959) e o advogado, filósofo e professor Miguel Reale (1910-2006).

Com seus símbolos ultranacionalistas, os trajes verdes e o discurso de oposição ao comunismo, o movimento cresceu. Estimativas publicadas pela imprensa dão conta de que, em 1936, eram quase 1 milhão os adeptos e simpatizantes. "Os integralistas alçaram cargos políticos, com vários prefeitos e vereadores integralistas pelo país", enfatiza o historiador Leandro Pereira Gonçalves, professor na Universidade Federal de Juiz de Fora e autor de O fascismo em camisas verdes: Do integralismo ao neointegralismo.

Manifestações públicas eram organizadas e havia um interesse claro de Salgado em cada vez mais influenciar os rumos da nação. "Fazia parte do cotidiano do brasileiro. É considerado o primeiro movimento de massa da história do Brasil, a primeira grande organização política do século 20", sublinha Gonçalves.

Trajetória de Plínio Salgado

Salgado se apresentou como pré-candidato à presidência para as eleições de 1938 – mas a disputa não ocorreu porque Vargas deu o autogolpe que criaria o Estado Novo – e chegou a pleitear o posto de ministro da Educação no governo Getúlio Vargas (1882-1954).

Como não conseguiu seus objetivos e ainda viu Vargas decretar a proibição dos partidos políticos, deixando a AIB na clandestinidade, Salgado e outros integralistas organizaram um levante. Em 11 de maio de 1938, atacaram o Palácio da Guanabara, cerca de 1.500 foram presos. Salgado exilou-se em Portugal.

"Oficialmente, o ataque representa o fim do integralismo, que já havia sido encerrado com o decreto do Estado Novo, quando passou para a ilegalidade", diz Gonçalves. Mas é claro que a ideologia não desapareceu.

"Milhares de seguidores e simpatizantes permaneceram ativos e ocuparam cargos fundamentais no Estado", ressalta o historiador Francisco Carlos Teixeira da Silva, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e coautor do livro Passageiros da tempestade: fascistas e negacionistas no tempo presente. "Nas Forças Armadas, a Marinha, seu oficialato era dominantemente integralista. Muitos integralistas, com seu ideário, permaneceram ativos na magistratura, nas academias militares e na política."

Apoiadores de Bolsonaro festejam na rua com bandeiras brasileiras e camisas verde-amareloApoiadores de Bolsonaro festejam na rua com bandeiras brasileiras e camisas verde-amarelo

Historiadores traçam analogia entre farda verde dos integralistas e apropriação do verde-amarelo pelo bolsonarismoFoto: Bruna Prado/AP/picture alliance

Em Portugal, Salgado aprofundou sua doutrina, num intercâmbio com a intelectualidade católica conservadora. Quando, em 1945, partidos tornaram a ser permitidos no Brasil, o integralismo voltou, mas com outra roupagem.

"No pós-Segunda Guerra, um partido fascista não teria sucesso no Brasil. Então eles formam o PRP [Partido de Representação Popular], com formação fascista, com grupos fascistas, mas sem dizer que era fascista. Foi um fascismo legalizado, mas no discurso se dizia democracia cristã", relata Gonçalves. Pela legenda, Salgado candidatou-se à presidência em 1955. Depois acabaria eleito deputado federal.

O idealizador do integralismo foi um dos oradores da famosa Marcha da Família com Deus pela Liberdade, em 1964, e apoiador do golpe militar que instauraria a ditadura naquele mesmo ano.

"Na ditadura, o destino político dos integralistas foi a Arena [partido da Aliança Renovadora Nacional]. Com a morte de Salgado [em 1975], há o fim do integralismo, já que os adeptos ficam sem o chefe, a referência", explica Gonçalves.

Neointegralismo e Bolsonaro

Segundo o historiador, os anos 1980 assistem ao início de um movimento que pode ser qualificado de neointegralismo, quando os simpatizantes das ideias se relacionando com skinheads neonazistas nas grandes cidades brasileiras. "Na década de 1990, eles voltam a participar de partidos políticos existentes, como o Prona [Partido da Reedificação da Ordem Nacional], de Enéas Carneiro e também o PRTB [Partido Renovador Trabalhista Brasileiro], de Levy Fidelix. Eles tentam, sem sucesso, fundar um partido político próprio", contextualiza Leandro Pereira Gonçalves.

Nessa época, grupos integralistas passam a utilizar a ainda incipiente internet para divulgar suas ideias e congregar os simpatizantes. No início do século 21, com o advento das redes sociais, eles também ingressam nessas plataformas.

De acordo com o pesquisador, em 2022 há três grupos integralistas relevantes em atividade: a Frente Integralista Brasileira (FIB), o Movimento Integralista e Linearista Brasileiro (Milb) e a Associação Cívica e Cultural Arcy Lopes Estrella (Accale).

"Nas eleições deste ano, o legado integralista está presente no PTB [Partido Trabalhista Brasileiro]. Padre Kelmon, que foi candidato do partido, participou de reuniões integralistas e possui relações [com o movimento]", destaca Gonçalves.

Em texto publicado em seu site em setembro, a FIB recomendou nominalmente o voto nos candidatos "que demonstram compromisso de lutar por Deus, pela Pátria, pela Família" e citou nominalmente a pastora e ex-ministra Damares Alves, eleita senadora pelo Distrito Federal, entre outros nomes.

Da farda verde à camisa da Seleção

Gonçalves lembra que essa ética integralista é enfatizada de forma recorrente nos discursos do presidente e candidato a reeleição Jair Bolsonaro. "'Deus, Pátria e Família' é o slogan fascista mais repetido ao longo deste governo. Foi naturalizado dentro da política. O integralismo representa a extrema direita mais ideologicamente consistente da história do Brasil."

Para o historiador e sociólogo Wesley Espinosa Santana, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie, é possível fazer uma analogia com o uso do uniforme da seleção brasileira em manifestações políticas de direita hoje com a farda verde dos integralistas de Plínio Salgado.

"Temos uma situação muito parecida: o Bolsonaro dizendo que é o dono do verde-amarelo, que quem é adepto dele é Brasil e quem é contra não é Brasil. Isso é integralismo puro, psicológico e simbólico. O discurso é :'Ou você está ao meu lado ou é contra a pátria'. O fascio italiano e a AIB previam isso, em meio à tríade Deus, pátria, família."

Na visão de Teixeira da Silva, "o fascismo à brasileira é um amálgama complexo de fatores culturais de longa duração". "A extrema direita e o bolso-fascismo brasileiro hoje possuem várias fontes doutrinárias", comenta, citando o integralismo, suas inspirações portuguesa e italiana, e o nazismo alemão. "Mas possui também bases puramente nacionais, como o racismo anti negros e pardos."

Santana vê, nas pautas de Bolsonaro, o legado do integralismo, expresso no conservadorismo, do militarismo, da defesa das armas e do que ele chama de "cristianismo enviesado". Além, é claro, do ultranacionalismo.

Edison Veiga, o autor deste artigo é jornalista. Publicado originalmente pela Deutsche Welle Brasil, em 07.10.22 / |A legenda da foto é da autoria do editor do blog.

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

Tebet é aplaudida em restaurante reduto da elite paulistana

Senadora foi ovacionada no Parigi durante encontro com economistas de seu programa de governo

A senadora Simone Tebet, ao lado da economista Laura Muller Machado, que participou da redação de seu programa de governo, no restaurante Parigi, em SP - Acervo pessoal

A senadora Simone Tebet (MS), que disputou a Presidência da República pelo MDB, foi aplaudida de pé na quarta-feira (5) no restaurante Parigi, reduto da elite no Itaim Bibi, em São Paulo.

Ela foi ao local para encontrar integrantes da comissão que fez seu programa de governo, que se reuniam para uma confraternização.

Tebet chegou para a sobremesa, após ter almoçado na casa da ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy com Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a quem manifestou apoio. Ao entrar no restaurante, recebeu aplausos de clientes que estavam no local.

Tebet divulgou na campanha ideias liberais na economia, defendidas por empresários e agentes do mercado financeiro.

Texto do Painel, coluna da Folha de S. Paulo, em 07.10.22, às 12h50. Editado por Fábio Zanini, espaço traz notícias e bastidores da política. Com Guilherme Seto e Juliana Braga.

Antibolsonarismo X Antipetismo

Lula e Bolsonaro não deveriam ignorar a ojeriza que despertam em alguns cidadãos

À esquerda, o ex-presidente Lula participa de evento do PT, à direita, o presidente Jair Bolsonaro participa do Dia do Soldado na Concha Acústica do Exército, em Brasília (DF) - Pedro Ladeira e Gabriela Biló/Folhapress

Jair Bolsonaro tem um adversário maior do que Lula, ele mesmo. Na última pesquisa Ipec, 50% dos entrevistados disseram que não votariam nele de jeito nenhum. A rejeição enfrentada pelo candidato do PT bate nos 40%.

Você pode estar desconfiado dos institutos, mas essa eleição é tão atípica que parece evidente que os votos têm mudado de destino por variáveis difíceis de serem detectadas. Uma coisa é certa: a força do antibolsonarismo e do antipetismo. Os dois candidatos não deveriam ignorar a ojeriza que despertam num punhado importante de cidadãos.

Bolsonaro sabe o quanto é odiado e se movimentou rapidamente. Adotou de imediato uma fala mansa, mesmo ao criticar os institutos de pesquisa, o STF e a imprensa. Acenou aos eleitores que não votaram nele. De lá pra cá, elogiou a mídia, chamou nordestinos de "irmãos", depois de relacioná-los ao analfabetismo.

Sua rejeição cai quando ele diminui o tom. Tivesse dito as atrocidades que perfilou nos últimos anos em voz baixa e com sorriso no rosto, estaria eleito. É difícil entender o que passa na cabeça de quem vota num sujeito desse. Por outro lado, o antipetismo é uma realidade que o partido e seus apoiadores precisam encarar e a essa altura ainda parecem não saber como lidar.

O anúncio de tentar mobilizar a militância para bater de porta em porta na periferia é uma boa estratégia. Maravilha, mas os voluntários estarão preparados para responder questões sobre corrupção, sobre o desastre econômico do governo Dilma? Vão chamar de golpe o impeachment apoiado por potenciais novos eleitores? É sobre isso.

Vídeo de artista fazendo L, foto com 13 livros empilhados, Dilma no palanque funcionam para deixar quentinho o coração do convertido. O eleitor que não sabe se odeia mais Bolsonaro do que Lula precisa ser ouvido, orientado, convencido. Pergunto novamente, querem ganhar a eleição ou ter razão?

Mariliz Pereira Jorge, a autora deste artigo, é Jornalista e roteirista de TV. Publicado originalmente na  Folha de S. Paulo, em 06.10.22, às 21h30

A urna e o cofre

Bolsonaro compromete o erário por reeleição e realimenta teorias conspiratórias


Jair Bolsonaro (PL), em entrevista após o primeiro turno da eleição  (Ueslei Marcelino/Reuters)

A tentativa desesperada de reeleger o presidente Jair Bolsonaro (PL), que terminou o primeiro turno em desvantagem inédita para um incumbente, compromete cada vez mais o futuro das contas públicas. O Planalto empilha promessas que não cabem no Orçamento.

Não bastassem os múltiplos furos já produzidos no teto de gastos federais e as carências de recursos para despesas humanitárias básicas —inexiste, por exemplo, previsão de receitas para manter o Auxílio Brasil de R$ 600 a partir de janeiro de 2023—, o mandatário flerta com mais irresponsabilidades na sanha de arrebatar o pleito.

Se o problema imediato do candidato situacionista é a rejeição das mulheres e do eleitorado mais pobre, ele não hesita em financiar a sua resposta no Tesouro Nacional. Promete um 13º pagamento do auxílio que substituiu o Bolsa Família, mas direcionado apenas às beneficiárias do programa.

Uma ação mais descaradamente eleitoreira seria possível apenas caso se exigisse da receptora do pagamento extraordinário uma comprovação de voto no presidente.

O ciclo eleitoral de 2022 terá sido um marco do enfraquecimento das instituições fiscais e políticas que refreiam o uso da máquina e dos dinheiros públicos para finalidades eleitorais. As chamadas emendas de relator, o fundo partidário recorde, as soberbas reduções de impostos e a abrupta elevação de gastos desequilibram a disputa a favor de quem tem mandato e dos oligarcas que controlam as siglas.

Às favas também foram mandadas as preocupações com a manutenção dos programas e das organizações federais. Corta-se sem pestanejar verba para fármacos e educação, e semeiam-se descontinuidades de políticas públicas para os meses vindouros, a fim de alimentar o vórtice da caça ao voto.

Mesmo com toda a vantagem extraída do erário, o presidente não parece contentar-se com a hipótese de vencer ou perder a reeleição nas urnas no próximo dia 30.

Voltou a ventilar a ideia estapafúrdia de que teria sido vítima de fraude na apuração dos votos no primeiro turno, como se uma conspiração implantada no mecanismo de divulgação da Justiça Eleitoral lhe tivesse tirado a vitória à medida que a contagem avançava.

A pilhéria não resiste à constatação de que as regiões mais bolsonaristas do país tiveram a sua votação divulgada antes das mais petistas. O resultado de uma eleição é o mesmo independentemente da ordem em que se contam os votos.

A maluquice propagada pelo presidente da República se presta a manter acesa a centelha da baderna em caso de derrota nas urnas. Arrombar seja o cofre, seja a institucionalidade democrática, continua em seus planos delirantes.

Editorial da Folha de S. Paulo, em 07.10.22 / e-mail: editoriais@grupofolha.com.br

Eduardo Leite decide por neutralidade e diz que não vai declarar seu voto

O petista Tarso Genro afirmou que as negociações com Leite não avançaram, mas declarou voto no tucano para o governo do RS

O ex-governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB)O ex-governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB) Reprodução/Facebook

As investidas do PT e da campanha de Lula sobre o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, não avançaram e o tucano decidiu pela neutralidade.

— Não vou abrir o meu voto para presidente para não contaminar o debate, para que não se discuta o Rio Grande do Sul, apenas o Brasil (…). Nem o Lula nem o Bolsonaro vão vir aqui resolver os problemas do Rio Grande. Vou continuar no lado onde sempre estive, no centro — disse Leite em entrevista nesta manhã na sede do comitê da campanha, em Porto Alegre. Ele afirmou que não se trata de “ficar em cima do muro”, mas de não permitir que se “ergam muros para dividir os gaúchos”.

Nesta sexta-feira, o ex-governador gaúcho Tarso Genro, uma das lideranças petistas que vinha conversando com Leite, disse no Twitter que as negociações não avançaram. Mesmo assim, declarou que votará no tucano, que disputa o segundo turno com o bolsonarista Onyx Lorenzoni (PL).

— Governador Leite me ligou ontem, como fará com todos os ex-governadores, para avaliação do quadro político no Estado. Não avançamos, é óbvio, para nenhuma "negociação", pois não tenho mandato do PT para isso. Agradeci a sua gentileza e confirmei que meu voto será dele, pois sustento que os tempos que atravessamos recomenda que devemos compor uma Frente Eleitoral em defesa do Estado de Direito, contra os radicais extremistas e neofascistas, que querem acabar com a democracia de 88, já sob ataque do bolsonarismo.

No primeiro turno, Lorenzoni teve 37% dos votos e o governador 26,81%. Nos bastidores, a avaliação feita pelo tucano e seus aliados é que o posicionamento a favor de Lula teria mais potencial de lhe tirar votos do que dar, já que a maioria de seus eleitores é de centro-direita. Além disso, Bolsonaro teve uma votação mais expressiva do que Lula no estado, com 48,89% dos votos, contra 42,28% do petista.

Mesmo sem a declaração de voto em Lula, uma associação regional de prefeitos do estado do PT irá manifestar apoio a Leite. O PSB e PDT já anunciaram que estão com o governador no segundo turno.

Bela Megale para O Globo, em 07.10.22, às 10h27

A guerra da Rússia na Ucrânia ilumina um novo projeto europeu

44 líderes europeus lançam as bases de uma comunidade política que simboliza o isolamento de Putin e a rejeição da disputa do Kremlin

Chefes de Estado e de Governo de 44 países no Castelo de Praga, numa cimeira da nova Comunidade Política Europeia, esta quinta-feira. (Crédito foto: Felipe Singer / EFE)

Com a guerra da Rússia na Ucrânia , as ameaças nucleares e o apetite imperialista de Vladimir Putin como catalisador, a Europa está lançando as bases para uma nova comunidade política. Com um encontro simbólico para tornar visível uma frente unida contra a agressão do Kremlin, 44 líderes reuniram-se esta quinta-feira em Praga para lançar uma constelação europeia destinada a encontrar soluções para as profundas divisões no continente em matéria de migração, segurança ou energia.

O líder russo, encurralado por suas derrotasna Ucrânia e com frentes cada vez mais abertas em casa, conseguiu o que há apenas um ano parecia impensável: unir, apesar das diferenças, os 27 parceiros da UE com um país que decidiu abandoná-los, o Reino Unido; com outro, a Turquia, que não tem clareza sobre querer entrar no clube comunitário apesar de seu status de candidato e aproveitou uma cúpula em um momento crítico para a segurança da Europa para tornar visível sua fratura com a Grécia às custas de Chipre ; e ao lado de vários países que têm a adesão à UE em sua lista de tarefas – como Ucrânia, Macedônia do Norte ou Geórgia – mas não têm data de entrada à vista. A Rússia e sua aliada Bielorrússia, governada por outro autocrata que justificou a invasão e que praticamente se tornou um satélite de Moscou,

“Esta reunião, a Comunidade Política Europeia, tem uma possibilidade real de se tornar uma Comunidade Europeia de Paz”, disse o presidente ucraniano, Volodímir Zelenski, que, novamente simbolicamente, abriu a sessão com um discurso por videoconferência. "Membros de todos os formatos de cooperação existentes na Europa, baseados em nossos valores comuns, participam da reunião", observou o líder ucraniano, "e não há representantes da Rússia, um Estado que geograficamente parece pertencer à Europa, mas que desde o início ponto de vista de seus valores e comportamento, é o estado mais anti-europeu do mundo”.

"Isso não significa que queremos excluir a Rússia para sempre", enfatizou o Alto Representante da UE para Política Externa, Josep Borrell, "mas esta Rússia, a Rússia de Putin, não tem assento". O presidente russo provavelmente se orgulhará da exclusão de um grupo que pode simbolizar aquele Ocidente que, em sua opinião, é o culpado por todos os males. Mas o chefe do Kremlin, que sempre descartou a UE como interlocutor e optou pelas relações bilaterais, para fragmentar e desestabilizar, pode encarar como desafio a presença no novo projeto de países que considera parte de sua esfera de influência , da Moldávia e da Armênia à Geórgia, passando pelo Azerbaijão.

O novo projeto, ainda borbulhante, incipiente, carece de linhas claras de prospecção além da cola russa que os une e da crise energética. Tanto a sua magnitude como a sua variedade - também de certa forma a componente geográfica - levantam a questão de saber se a chamada Comunidade Política Europeia avançará para uma comunidade de valores ou interesses, com incertezas como as provocadas pela presença de O Azerbaijão, com sérios problemas de direitos humanos, mas com grandes reservas de gás e interesse em novos acordos de fornecimento com os Vinte e Sete, ansioso por encontrar novos fornecedores para se desvincular do gás do Kremlin.

Turquia e um começo difícil

Uma dualidade encenada nesta quinta-feira pelo presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, que depois de receber o toque de países como a França por ajudar a Rússia a pular as sanções, acrescentou que "uma paz justa não tem perdedores". Erdogan protagonizou um duro discurso contra a Grécia em Chipre —onde mantém a chamada República Turca de Chipre do Norte, ocupada em 1974 pela Turquia , e reconhecida apenas por Ancara— durante o jantar oficial, que foi respondido pelo primeiro-ministro grego, Kyriakos Mitsotakis, numa intervenção que não foi planeada e que irritou o líder turco, que aproveitou a conferência de imprensa após o jantar para sublinhar que a Turquia se opõe à entrada da Suécia na NATOe acusar a Grécia de “basear suas políticas em mentiras” e emitir uma ameaça velada ao apontar que Atenas entendeu a mensagem de Ancara quando seus funcionários disseram que “poderíamos chegar de repente uma noite”. Erdogan coroou assim um início nada pacífico para o novo projeto europeu.

A Comunidade Política Europeia, que começou em Praga – capital da presidência rotativa da UE, mas também da Tchecoslováquia, que era um país ocupado pela URSS, que viu como os tanques soviéticos ceifaram sua primavera reformista em 1968 – e que continuará na Moldávia em seis meses e na Espanha em um ano, foi ideia do presidente francês, Emmanuel Macron, em maio passado. O chefe do Eliseu propôs então uma nova estrutura política que permitiria aos países que estão a décadas de cumprir os requisitos de entrada na UE em um quadro de cooperação sem precedentes. "É um passo muito importante reforçar esta cooperação solidária muito além da UE, com países com os quais a União mantém relações muito intensas e muito importantes há muitos anos", disse o presidente espanhol, Pedro Sánchez, que listou: "A Balcãs, Turquia, Reino Unido agora desde a sua partida e também todos os países da frente oriental".

O resultado ainda está para ser visto. Por enquanto, apesar de muitos terem visto isso como um prêmio de consolação para, por exemplo, os Balcãs Ocidentais ou a Geórgia, esses mesmos países apoiam a iniciativa que lhes permitiu um vínculo tangível e mais imediato e outro fórum de encontro. É, disse o presidente lituano, Gitanas Nauseda, como as “Nações Unidas na Europa”. Um "evento histórico", disse sua contraparte islandesa, Katrin Jakobsdóttir. Uma ágora que servirá, salientou Macron, para se defender contra ameaças e encontrar potenciais projetos - comuns e bilaterais - e avançar noutras linhas, como a que reuniu esta quinta-feira os líderes do Azerbaijão e da Arménia,

A participação na cimeira da primeira-ministra britânica, Liz Truss, que falou de "unidade e determinação" face à "maior crise na Europa desde a Segunda Guerra Mundial", foi também um sinal das perspetivas do novo projeto. E é visto como um sinal de que Londres pode estar aberta a fazer concessões em acordos comerciais na Irlanda do Norte. A Truss, que propôs o Reino Unido como uma das próximas sedes do novo projeto europeu, enfrenta sérios problemas internos, buscando manter seus pactos energéticos com a UE e a Noruega, e também um quadro de cooperação com a França em matéria de migração.

Crise de energia

Apesar do simbolismo do evento, a crise energética também marcou profundamente a agenda da cúpula às portas de um inverno que se espera complicado e no qual muitos líderes temem que acenda a chama do descontentamento que acabará por fragmentar não só a unidade demonstrada até agora, e que se cristalizou na reunião desta quinta-feira, mas também a sua posição na política interna. O primeiro-ministro polonês Mateusz Morawiecki criticou a injeção da Alemanha em sua economia para combater o aumento dos preços da energia, que pode estar colocando em risco o mercado único. Chove muito, aliás, segundo várias capitais revoltadas porque há cada vez mais evidências de que Berlim dita parte da política energética comunitária.

E nessa dualidade da nova constelação europeia, entre uma união de valores e outra de interesses, Macron, que já fez um mantra de criticar o gasoduto trans-Pireneus Midcat —desta vez, como outros, com dados tendenciosos, posteriormente refutado da Espanha pela Ministra da Transição Ecológica, Teresa Ribera —, falou da prioridade de construir mais conexões elétricas na Europa e reduzir os preços do gás. “Partilhamos o mesmo espaço, a mesma história. Estamos destinados a escrever nosso futuro juntos”, disse ele. "Espero que consigamos projetos comuns", lançou. Projetos como a caixa de “ferramentas conjuntas” que Noruega e Bruxelas assinaram esta quinta-feira para enfrentar a crise do gás na Europa.

A Comunidade Política Europeia, especificou o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, não pretende substituir a UE nem ser um fórum dos Vinte e sete com satélites. Mas com 44 líderes, os formatos de discussão não são fáceis. Na cúpula desta quinta-feira, os chefes de Estado e de governo se reuniram por tema em duas mesas. Uma dedicada à energia, clima e economia, na qual participou o espanhol Pedro Sánchez, e outra à paz e segurança no continente europeu.

Maria R. Sahuquillo, de Praga para o EL PAÍS, em 06.10.22, às 17h:49. Maria é chefe da sucural do EL PAÍS em Bruxelas. Antes, trabalhou em Moscou, de onde lidava com Rússia, Ucrânia, Bielorrússia e o resto do espaço pós-soviético. Ela cobre a guerra na Ucrânia, desde o início. Desenvolveu quase toda a sua carreira no EL PAÍS. Além de questões internacionais, é especialista em igualdade e saúde.

A realidade não é o que você vê

O mundo é uma construção do nosso cérebro. E não há dois cérebros


Uma mulher trabalha com óculos de realidade virtual.

Como lemos a palavra inconstitucionalidade? O i com o n, in, o c com o, co e assim por diante por 10 minutos? Não, pelo amor de Deus. Isso só é feito por crianças que estão aprendendo a ler. O resto de nós, que somos leitores experientes, reconhecemos a palavra de relance. E se diz inconstitucionalidade , o mais provável é que continuemos a reconhecê-la, mesmo que falte uma sílaba. Os corretores automáticos percebem o erro imediatamente, mas nós, humanos, não somos muito bons nisso. O cérebro usa massivamente o processo de preenchimento,que pode ser visto muito bem com o exemplo do ponto cego. Em todo o centro do campo visual não vemos nada, porque a retina tem um orifício por onde sai o nervo óptico. Mas nossa consciência não percebe o buraco, porque os processadores cerebrais de nível superior o preenchem com o que eles acham que deveria estar lá. O preenchimento não é uma peculiaridade do ponto cego da retina. Funciona em todos os níveis de percepção e pensamento.

Um corolário desses fatos é que nosso modelo interno do mundo não é o mundo, mas uma construção ativa do cérebro, baseada em experiências anteriores, cultura recebida e conhecimento adquirido. Como não há dois cérebros iguais, nem duas biografias iguais, isso implica que cada pessoa tem um modelo de mundo diferente. Cada um chama isso de realidade, mas nenhum está certo. Não conhecemos a realidade diretamente, apenas suas sombras projetadas em uma parede, como na alegoria da caverna de Platão.

As ideias atuais sobre a percepção talvez tenham origem em Hermann von Helmholtz , o grande físico e filósofo alemão do século XIX. O cara era uma aberração que fez contribuições essenciais à ótica, meteorologia, matemática e eletrodinâmica, além de formular a lei da conservação da energia, mas também era um fisiologista talentoso que recebeu o melhor treinamento em Berlim em troca de servir como Médico do Exército por oito anos. Agora isso é um milhão. Helmholtz propôs que a percepção é na verdade um processo de inferência inconsciente. Ninguém prestou muita atenção a ele, mas sua ideia foi adotada por neurocientistas e cientistas da computação em nosso tempo. Eles chamam isso de processamento preditivo e consiste no seguinte.

A função do cérebro não é perceber o mundo, mas predizê-lo. O córtex cerebral, onde residem nossa percepção e mente, usa informações dos sentidos para atualizar seu modelo de mundo e, portanto, suas previsões. Mas esse modelo já havia sido formado antes, por experiências anteriores. Sem ela não podíamos ver nada nem pensar nada. Seríamos como a criança que demora 10 minutos para ler a inconstitucionalidade.

A ciência, aliás, é a melhor estratégia que temos para conhecer a realidade. Uma teoria científica não só explica de forma compacta os milhões de fatos que já eram conhecidos, mas também prevê aspectos do mundo que ninguém imaginava, como aconteceu com Einstein com os buracos negros. Elas emergiam de suas equações, mas ele não conseguia acreditar nelas. Uma teoria vê mais longe do que seu criador.

Xavier Sampedro para o EL PAÍS, em 07.10.22, às 00:00hs

Lula precisa fazer jus a tanto apoio

Pedro Malan, Arminio Fraga, Persio Arida e Edmar Bacha cedem valor de seu legado à candidatura do petista, o que não é endosso à desconhecida política econômica de sua campanha

A candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu um apoio de peso do mundo econômico nos últimos dias. Os economistas Pedro Malan, Arminio Fraga, Persio Arida e Edmar Bacha, que tiveram papel-chave na implantação do Plano Real, declararam voto no petista por meio de uma nota pública tão sucinta quanto simbólica. “Votaremos em Lula no 2.º turno; nossa expectativa é de condução responsável da economia”, afirmam.

A nota diz tudo sobre o posicionamento do grupo – e, a despeito de seu tamanho, não é pouco. Não há imposição de condições para o anúncio de apoio à candidatura de Lula. Não há sugestão sobre a âncora a ser adotada em substituição ao teto de gastos. Não há críticas à heterodoxia que marcou o segundo mandato do petista e que foi extrapolada por sua sucessora, a ex-presidente Dilma Rousseff. Esses são conceitos que estão implícitos no pensamento liberal que norteou a atuação desses economistas, e que foram deixados de lado pelo retrocesso civilizatório e pela ameaça democrática que o grupo vê na reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Logo, é dever de Lula e sua equipe de campanha fazerem jus a esse inestimável voto de confiança e apresentarem compromissos claros e críveis que conduzam o País a uma rota de desenvolvimento econômico sustentável.

O Plano Real – que, convém lembrar, foi hostilizado pelo PT – foi um divisor de águas na história brasileira. Domar a hiperinflação proporcionou a estabilidade que a sociedade desconhecia e almejava. Foi a maior conquista do plano econômico, mas ele não se limitou a isso. Além de devolver o poder de compra à moeda brasileira, ele deu início a um período de aumento de receitas e redução de despesas e de uma política fiscal alinhada à política monetária, sem gastança desenfreada e marretadas artificiais nos preços dos combustíveis. Reduzir a inflação teria sido impossível sem o compromisso de atingir, também, o equilíbrio fiscal – o oposto do que o governo de Jair Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes promoveram nos últimos anos.

O sucesso do Plano Real não rendeu apenas frutos econômicos, mas também políticos – o líder da equipe do Real, Fernando Henrique Cardoso, elegeu-se e reelegeu-se presidente, sempre no primeiro turno. Mas nem tudo foram flores. Logo após a reeleição, o País teve que fazer ajustes para enfrentar crises internacionais, mas a adoção do tripé macroeconômico, composto por câmbio flutuante, metas de inflação e metas fiscais, deu sustentação ao crescimento que se seguiu nos anos posteriores.

Foi somente depois do Plano Real que o País aprendeu que o equilíbrio das contas públicas não é um dogma, mas uma premissa para a execução de qualquer política econômica, independentemente da linha defendida pelo governante de plantão. É esse o significado de uma “condução responsável da economia”, e é em nome disso que Pedro Malan, Arminio Fraga, Persio Arida e Edmar Bacha emprestam agora seu legado à candidatura de Lula – o que evidentemente não se traduz em endosso à política econômica da campanha, que, por sinal, nem sequer é conhecida.

Como mostrou o Estadão, a equipe de campanha do petista tem sido incapaz de se entender em relação ao rumo da política fiscal que seu governo seguirá caso seja eleito. Enquanto a ala política defende o retorno dos superávits primários e a fixação de bandas, a ala econômica é favorável a um mecanismo de controle de gastos que permita aumentar as despesas acima da inflação. Em ambos os casos, o diabo mora nos detalhes e, como Arminio Fraga disse ao Estadão, no escuro da irresponsabilidade fiscal, os pobres são os mais prejudicados.

É preciso mais do que a vaga sinalização do ex-ministro Guido Mantega sobre o acolhimento de propostas dos ex-candidatos Ciro Gomes e Simone Tebet no programa do partido, e bem mais do que o silêncio do coordenador da campanha, Aloizio Mercadante. É preciso que Luiz Inácio Lula da Silva apresente um programa econômico crível. Como não o fez até agora, das duas, uma: ou não o tem ou não quer mostrar. Em qualquer dos casos, é péssimo.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 07.10.22

Simone Tebet: ‘Ao olhar para o retrovisor, Lula menosprezou o eleitor’

Senadora diz que petista tinha de apresentar programa de governo quando passou a pedir voto útil

A senadora Simone Tebet (MDB), terceira colocada na eleição presidencial, durante evento em que declarou apoio a Lula na quarta-feira, 5 (Foto: Sebastião Moreira/EFE)

Terceira colocada no 1° turno da eleição presidencial, quando recebeu 4,9 milhões de votos (4,16%) a senadora Simone Tebet (MDB), de 52 anos, declarou apoio ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na segunda etapa, mas não deixou de fazer críticas ao petista e se colocou contra a hipótese do partido ingressar em um eventual governo. “Ao olhar apenas para o retrovisor e falar dos possíveis acertos do passado, Lula menosprezou e não deu conforto para o eleitor”, disse Simone nesta entrevista ao Estadão. A seguir, os principais trechos:

A sra. defende que o MDB esteja em um eventual governo Lula?

Não defendo. Acho que o MDB tem que manter sua autonomia como um grande partido de centro democrático no Brasil. É fundamental que o MDB se fortaleça como o fiel da balança. Quando falamos do centro democrático temos que incluir o PSDB, por mais machucado que tenha saído do processo, além do Cidadania e o Podemos. Isso não significa que o partido não possa dar apoio ao próximo presidente nas pautas construtivas. Há um país a ser reconstruído, mas sempre critiquei o fisiologismo do partido. Não vejo dificuldade de composição, mas não pode ser na velha tradição do toma lá, dá cá, da troca de cargos por apoio.

O ex-presidente indicou que a sra. pode estar em um eventual ministério. Cogita essa hipótese?

Nada me foi oferecido. O Lula tem a experiência de saber lidar com a classe política. Ele sabe muito bem com quem fala e com quem trata. A conversa foi muito clara. Meu manifesto estava pronto e eu ia declarar o meu voto à favor da democracia e da Constituição por amor ao Brasil. Eu não vejo uma escolha difícil porque não há dois lados. Um eu reconheço como democrata apesar de todos os defeitos, o outro não. Há um lado só. Mas meu apoio não será por adesão, mas por propostas. Se eles tivessem com intuito de aceitar minhas propostas, o apoio seria maior.

Lula sinalizou que deve aceitar as suas sugestões?

Apresentei sugestões palatáveis, mas decisivas. Coloquei todas no mesmo guarda chuva. Não estou falando de teto de gastos, mas seja qual for a âncora fiscal ela precisa existir como um meio para alcançar a responsabilidade social. As propostas a princípio foram bem aceitas. Amanhã (sexta-feira, 6) eles devem acatar essas sugestões. Provavelmente vai haver um encontro meu com o ex-presidente Lula.

A sra. falou em âncoras fiscais. Não falta clareza no programa econômico do Lula?

Total. Todos nós erramos na campanha. Foi isso que tirou a vitória do Lula no 1° turno. Ao mesmo tempo que pregava o voto útil, que é legítimo, e eu faria a mesma coisa, ele não apresentou ao Brasil as propostas que ele vai fazer se for eleito. Ao olhar apenas para o retrovisor e falar dos possíveis acertos do passado, Lula menosprezou e não deu conforto para o eleitor. O eleitor ficou desconfiado e concluiu que precisava de mais tempo.

Ao olhar apenas para o retrovisor e falar dos possíveis acertos do passado, Lula menosprezou e não deu conforto para o eleitor. O eleitor ficou desconfiado e concluiu que precisava de mais tempo.”

Isso prejudicou a 3° via...

Foi aí que eu e Ciro desidratamos. Cheguei a bater em 11% nos trackings em São Paulo. Na reta final, o eleitor migrou mais para o Bolsonaro. Agora será diferente. Será uma nova eleição. É muito difícil o Bolsonaro conseguir desidratar os votos do Lula.

A sra. falou que o respeito à democracia pesou na sua decisão. Não falta o ex-presidente se posicionar de maneira mais crítica em relação aos regime antidemocráticos latino-americanos? E tem também a ideia de regulamentar a mídia...

Sem dúvida. Nesse aspecto da mídia ele recuou, mas precisa deixar isso mais claro. O editorial do Estadão foi brilhante. Não é que o eleitor escolheu um Congresso mais conservador. Isso é do jogo e faz parte da democracia. O problema é que junto com esse conservadorismo vieram pessoas com pautas reacionárias e que representam o extremismo. Houve um aumento da bancada da bala. Não dá para desconsiderar que no caso de uma possível reeleição do Bolsonaro ele terá uma hegemonia de poder que há muito tempo não se via. Teria o controle do Congresso Nacional para se assenhorar do único poder que não é político, que é o Judiciário. Quando a gente fala de ditaduras de esquerda, não tem como apagar a história do PT. Temos que olhar para frente e para o Brasil de hoje. Eventual vitória de Bolsonaro pode dar a ele o controle do STF.

Temos que olhar para frente e para o Brasil de hoje. Eventual vitória de Bolsonaro pode dar a ele o controle do STF.”

Como foi tomar a decisão de apoiar Lula?

Foram as 48 horas mais difíceis da minha carreira política. O maior risco político que eu já corri foi tomar uma decisão, mas não havia outro caminho. Conhecidos, correligionários e parentes me imploraram por minha neutralidade no 2° turno.

Por que fez a declaração de apoio ao Lula sozinha sendo que muitos emedebistas estavam em São Paulo?

Muitos não estiveram comigo na campanha. E quem estava precisava manter a imparcialidade.

Pretende participar dos programas de TV e subir no palanque do Lula?

Tudo que for necessário fazer para garantir a democracia como pilar estou disposta a fazer, mas como defesa do Brasil."

Pedro Venceslau, repórter, para O Estado de S. Paulo. Publicado originalmente em 06.10.22, às 21h03

Biden alerta para "Armagedom" se Putin usar arma nuclear

Presidente dos EUA diz que risco de catástrofe atômica é o maior desde a crise dos mísseis cubanos, no auge da Guerra Fria, em 1962. Zelenski afirma que Ucrânia recuperou mais de 500 km2 de território em sete dias.


Joe Biden - o risco que corre o pau, corre o machado

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, disse que a ameaça russa de utilizar armas atômicas no conflito da Ucrânia coloca o mundo no maior risco de "Armagedom" nuclear desde a crise dos mísseis cubanos no auge da Guerra Fria, em 1962.

"Não enfrentamos a perspectiva do Armagedom desde Kennedy e a crise dos mísseis cubanos", disse ele nesta quinta-feira (06/10), durante um evento de arrecadação de fundos do Partido Democrata.

O presidente americano alertou que Putin "não está brincando quando fala sobre o uso potencial de armas nucleares táticas ou armas biológicas ou químicas, porque suas forças armadas têm um desempenho significativamente abaixo do esperado".

Biden disse acreditar que o uso de uma arma tática de baixo rendimento pode sair do controle e levar à destruição global. "Não existe a capacidade de usar facilmente uma arma tática e não acabar em um Armagedom", alertou.

Há meses que autoridades americanas alertam para a possibilidade de a Rússia utilizar armas de destruição maciça na Ucrânia, após uma série de reveses estratégicos no campo de batalha. No entanto, ainda esta semana disseram não ter visto qualquer mudança nas forças nucleares russas que exigisse uma mudança na postura de alerta das forças nucleares dos EUA.

"Não vimos qualquer razão para ajustar a nossa própria postura nuclear estratégica, nem temos indicação de que a Rússia se está se preparando para utilizar iminentemente armas nucleares", disse na terça-feira a secretária de imprensa da Casa Branca, Karine Jean-Pierre.

Saída diplomática

O presidente americano também disse que Washington ainda busca uma saída diplomática. "Estamos tentando descobrir qual é a saída de Putin. Onde ele encontra uma saída? Onde ele se encontra em uma posição que não, não apenas perde prestígio, mas perde poder significativo na Rússia", acrescentou.

Putin aludiu repetidamente à utilização do vasto arsenal nuclear, incluindo no mês passado, quando anunciou os planos de mobilização parcial. "Quero lembrar que o nosso país também tem vários meios de destruição", ameaçou. "E quando a integridade territorial do nosso país for ameaçada, para proteger a Rússia e o nosso povo, usaremos certamente todos os meios à nossa disposição", disse Putin em 21 de setembro, acrescentando, com um olhar fixo na câmera: "Isto não é um blefe".

O conselheiro de segurança nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, disse na semana passada que os EUA têm sido "claros" para a Rússia sobre quais seriam as "consequências" da utilização de uma arma nuclear na Ucrânia.

O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, disse que Putin compreendeu que o "mundo nunca perdoará" um ataque nuclear russo. "Ele compreende que após o uso de armas nucleares não seria mais capaz de preservar, por assim dizer, a sua vida, e estou confiante nisso", afirmou.

Ucrânia segue recuperando terreno

Apesar das ameaças de Moscou, as tropas ucranianas mantêm sua contraofensiva, recuperando quase toda a região de Kharkiv e importantes centros logísticos como Izium, Kupiansk e Lyman no leste.

"Somente desde 1º de outubro e na região de Kherson, mais de 500 quilômetros quadrados de território e dezenas de cidades foram liberados", declarou na noite de quinta-feira o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski.

Horas antes, Zelenski havia pedido aos líderes europeus reunidos em uma cúpula em Praga que continuem com a ajuda militar a Kiev para que "tanques russos não avancem sobre Varsóvia ou Praga".

Os fornecimentos de armas dos EUA e da Europa indignaram as autoridades russas, que convocaram o embaixador francês em Moscou na quinta-feira precisamente por causa da ajuda militar oferecida por Paris a Kiev.

Putin, por sua vez, assegurou que a situação militar iria se "estabilizar", apesar das derrotas e fracassos na mobilização de centenas de milhares de reservistas, o que fez com que muitos homens em idade de lutar fugissem. O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, assegurou que os territórios perdidos serão "recuperados".

Dias antes, Putin assinou a anexação de quatro regiões da Ucrânia sob controle parcial de suas tropas, o que abriria caminho para o uso de armas nucleares pois a doutrina de Moscou permitiria a utilização desse arsenal para proteger território russo. A anexação viola o direito internacional e foi duramente criticada por vários países.

Publicado originalmente por Deutsche Welle Brasil, em 07.10.22, às 05h:22

Lucro líquido dos bancos cresceu 49% em 2021

O crescimento da margem de juros, a redução das despesas com provisões e os ganhos de eficiência explicam a melhora dos resultados

O economista sócio diretor da OpenInvest, César Bergo, explicou como a redução de despesas provocou um ganho de escala para os bancos. (Crédito da foto: Ed Alves/CB)

O lucro líquido das instituições financeiras somou R$ 132 bilhões no ano passado, uma alta de 49% em comparação ao registrado em 2020. Segundo o Relatório de Economia Bancária (REB) de 2021, divulgado pelo Banco Central, a rentabilidade dos bancos retornou a níveis próximos dos observados antes da pandemia. De acordo com o documento, o crescimento da margem de juros, a redução das despesas com provisões e os ganhos de eficiência explicam a melhora dos resultados.

O economista sócio diretor da OpenInvest, César Bergo, explicou como a redução de despesas provocou um ganho de escala para os bancos. "Durante a pandemia, a implantação do home office e a revisão de seus quadros com relação ao tamanho da estrutura fizeram com que os bancos ganhassem eficiência, e isso resulta no ganho de lucratividade. A tendência é que isso continue, sobretudo com as taxas de juro altas que estamos vivendo", disse.

Bergo também ressaltou que o sistema financeiro talvez tenha sido o menos afetado pela crise sanitária, em função do alto nível de tecnologia. "O impacto com relação ao isolamento social não foi tão importante, porque as pessoas utilizavam o sistema eletrônico para fazer as suas transações. Além do que a chegada do Pix também ajudou que as transações não sofressem e tivessem continuidade", acrescentou.

O relatório apontou que as despesas com provisões, que já são contabilizadas como ocorridas mesmo que ainda não pagas, retornaram aos níveis pré-pandemia. "Dado o cenário econômico menos favorável previsto para 2022, a expectativa é de alta moderada na inadimplência (em direção aos níveis pré-pandemia). Esse movimento da inadimplência e a migração das carteiras para um mix de maior risco podem aumentar o nível de ativos problemáticos ao longo do ano", projetou a autoridade monetária.

As cinco maiores instituições financeiras do país concentravam 78,7% do mercado de crédito no segmento bancário em 2021, uma queda de 0,5 ponto percentual em relação ao ano anterior, conforme descreve o relatório. O percentual mostra trajetória de redução desde 2018. Incluindo o segmento não bancário, que engloba cooperativas, fintechs e financeiras, por exemplo, os maiores representavam 67,9% de operações de crédito, 0,6 ponto a menos do observado em 2020.

"A queda da concentração é observada em todos os agregados contábeis e, de forma mais intensa, nos depósitos totais", ressalta o relatório. Em relação aos depósitos, o grupo concentrava 75,9% no segmento bancário e 70% no não bancário. Os ativos totais das cinco maiores instituições, por sua vez, equivalem a 74,9% do total do segmento bancário e 65,2% do não bancário.

Outra novidade foi a mudança na metodologia para medir a concentração do sistema financeiro, que acabou tirando o Santander do grupo das maiores instituições financeiras brasileiras. Para se igualar aos padrões internacionais, o BC passou a considerar agora os quatro maiores bancos e não mais cinco, como antes.

As quatro maiores instituições, segundo o relatório, são Caixa, Banco do Brasil, Bradesco e Itaú. "A RC4 (quatro maiores bancos) mede o grau de concentração por meio da soma das participações das quatro maiores instituições financeiras em um dado mercado".

Concessão de crédito

No ano passado, as concessões de crédito no Sistema Financeiro Nacional (SFN) aumentaram 18,2%, a maior alta na comparação anual da série iniciada em 2011. Segundo o BC, com o avanço da vacinação e a retomada da atividade econômica, observou-se expansão significativa das operações de crédito às pessoas físicas, tanto nas linhas de crédito livre quanto nas de crédito direcionado.

Rafaela Gonçalves para o Correio Braziliense. Publicado originalmente em 07.10.22, às 03h:55

Vladimir Putin faz 70 anos: 7 momentos-chave que marcaram sua carreira

Vladimir Putin completa 70 anos nesta sexta-feira (7/10). Como ele se tornou o autocrata isolado pelo Ocidente que comanda a invasão da Ucrânia?

Putin, cara de malvado desde criancinha (Getty Images)

Sete momentos cruciais em sua vida ajudaram a moldar seu pensamento e explicar seu crescente distanciamento com o Ocidente.

Judoca na juventude (1964)

Nascido em uma Leningrado (atual São Petersburgo) ainda marcada por seu cerco de 872 dias na Segunda Guerra Mundial, o jovem Vladimir era um menino mal-humorado e combativo na escola — seu melhor amigo lembrou que "ele podia brigar com qualquer um" porque "não tinha medo".

No entanto, em uma cidade invadida por gangues de rua, um menino franzino, mas briguento, precisava estar preparado. Aos 12 anos, começou a praticar o sambo, uma arte marcial russa, e depois o judô. Ele era determinado e disciplinado: aos 18 anos, era faixa preta de judô e tinha o terceiro lugar em uma competição nacional júnior.

Essa parte da biografia foi usada para ressaltar o lado "machão" da persona do atual presidente russo. Mas também confirmou sua crença inicial de que, em um mundo perigoso, você precisa ter confiança e também perceber, segundo suas próprias palavras, que quando uma briga é inevitável "você deve bater primeiro e bater com tanta força que seu oponente não se levantará".

Tentando entrar na KGB (1968)

Em geral, as pessoas evitavam ir ao 4 Liteyny Prospekt, endereço do quartel-general da KGB (a polícia política soviética) em Leningrado. Tantos haviam passado por suas celas e seus interrogatórios para seguir depois para os campos de trabalho do gulag siberiano na era Stálin que costumava-se contar uma piada ácida. O chamado Bolshoi Dom, a "Casa Grande" onde ficava a sede da KGB na cidade, era o edifício mais alto de Leningrado porque era possível ver a Sibéria mesmo de seu porão.

Mas Putin, quando tinha 16 anos, foi até a recepção com tapete vermelho da KGB e perguntou a um oficial atrás de uma mesa como ele poderia tomar parte na corporação. Surpreso e confuso, o oficial disse que ele precisava completar o serviço militar ou ter um diploma. Putin então perguntou qual seria a melhor graduação.

"Direito" foi a resposta e, a partir desse ponto, Putin ficou determinado em conseguir esse diploma. E foi assim que ele foi recrutado pela corporação soviética. Para Putin, o malandro das ruas, a KGB era a maior gangue da cidade: oferecia segurança e chance de progredir mesmo para alguém sem conexões com o Partido Comunista.

E também representou uma oportunidade de se tornar alguém que faz acontecer. Como o líder russo contou sobre a inspiração que veio dos filmes de espionagem na adolescência, "um espião pode decidir o destino de milhares de pessoas".

Cercado por uma multidão (1989)

Apesar de depositar tantas esperanças, a carreira de Putin nunca decolou na KGB. Ele tinha um bom desempenho nas suas funções, mas os voos altos nunca aconteceram. De qualquer forma, ele se empenhou em aprender alemão e isso lhe rendeu uma nomeação em 1985 para os escritórios da KGB em Dresden, na antiga Alemanha Oriental.

Lá ele conseguiu ter uma vida confortável. Mas, em novembro de 1989, o comunismo alemão começou a entrar em colapso com extrema velocidade.

Em 5 de dezembro, uma multidão cercou o prédio da KGB de Dresden. Putin ligou desesperado para o posto mais próximo do Exército Vermelho para pedir proteção. A resposta: "Não podemos fazer nada sem ordens de Moscou. E Moscou está em silêncio".

Putin aprendeu a temer o súbito colapso do poder central — e determinado a nunca repetir o que achava ser um erro do líder soviético Mikhail Gorbachev: não responder com rapidez e determinação quando confrontado com a oposição.

Putin aprende o significado da influência política (1992)

Putin mais tarde deixaria a KGB, quando a União Soviética implodiu. Mas logo garantiu uma posição como intermediário do novo prefeito de sua Leningrado, já com seu antigo nome de volta: São Petersburgo.

A economia estava em queda livre e Putin foi encarregado de administrar um acordo para tentar ajudar a população da cidade com a troca do equivalente a US$ 100 milhões em petróleo e metal por alimentos.

Na prática, ninguém viu comida. Segundo uma investigação — rapidamente abafada —, Putin, seus amigos e os gângsteres da cidade, embolsaram o dinheiro.

Nos "selvagens anos 1990", Putin aprendeu rapidamente que a influência política era uma mercadoria monetizável — e que os gângsteres poderiam ser aliados úteis. Quando todos ao seu redor estavam lucrando com suas posições, sua lógica foi: por que ele não deveria?

Invasão da Geórgia (2008)

Quando Putin se tornou presidente da Rússia, em 2000, ele esperava poder construir um bom relacionamento com o Ocidente — sob suas próprias condições, incluindo uma esfera de influência em toda a antiga União Soviética. Logo ele ficou desapontado, depois com raiva, acreditando que o Ocidente tentava isolar e diminuir a Rússia.

Quando o presidente georgiano Mikheil Saakashvili colocou seu país na rota da adesão da Otan (Aliança do Tratado do Atlântico Norte), o alarme soou para Putin. Uma tentativa da Geórgia de recuperar o controle sobre a região separatista da Ossétia do Sul, apoiada pela Rússia, tornou-se uma desculpa para uma operação de guerra.

Em cinco dias, as forças russas não deram chance aos militares georgianos e forçaram o presidente Saakashvili a aceitar um tratado de paz humilhante.

O Ocidente demonstrou indignação, mas, em um ano, o presidente Barack Obama se ofereceu para "redefinir" as relações com a Rússia. E Moscou recebeu até o direito de sediar a Copa do Mundo de 2018.

Para Putin, estava claro que o uso da força funcionava — e que um Ocidente fraco e sem direção bufaria de raiva, mas, no final, recuaria diante de uma vontade determinada.

Protestos em Moscou (2011-2013)

A suspeita — com evidências — de que as eleições parlamentares de 2011 foram fraudadas provocou protestos populares. A proporção deles cresceu quando Putin anunciou que se candidataria à reeleição em 2012.

Conhecidos como os "Protestos Bolotnaya", em homenagem à praça de Moscou que serviu de palco para as manifestações, isso representou a maior expressão de oposição pública a Putin.

O líder russo disse que os atos foram incentivados e dirigidos por Washington e apontou a culpa para a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton.

Para Putin, era uma evidência de que o Ocidente flexionava seus músculos e que vinha em sua direção. Na prática, significava que agora era guerra.

A pandemia da covid (2020)

Quando a covid-19 varreu o mundo, Putin entrou em um isolamento incomum até mesmo para autocratas. Qualquer um que fosse encontrar o presidente russo, teria que se isolar por 15 dias sob vigilância e depois passar por um corredor banhado em luz ultravioleta e desinfetante.

Nesse período, o número de aliados e conselheiros que conseguiam encontrar Putin diminuiu drasticamente — apenas algumas figuras mais próximas.

Exposto a poucas opiniões contrárias e quase sem contato com seu próprio país, Putin parece ter se convencido de que todas as suas crenças estavam certas e justificadas, e assim as sementes da invasão da Ucrânia foram plantadas.

Professor Mark Galeotti, o autor deste artigo, é um pesquiador e escritor, autor de livros como We Need To Talk About Putin (Nós Precisamos Falar sobre Putin) e Putin's Wars (As Guerras de Putin), ainda a ser lançado. Publicado originalmente por BBC News, em 06.10.22