domingo, 28 de agosto de 2022

Os 599 garanhões que ameaçam Trump

A cerca judicial aperta o ex-presidente com a questão de saber se o promotor vai apresentar acusações e quando

Páginas do comunicado que justificavam a busca na mansão Trump, com grande parte do conteúdo riscado.

Nenhum presidente dos EUA foi acusado de crimes depois de deixar o cargo. Richard Nixon tinha todas as cédulas para o caso Watergate, cuja eclosão acaba de completar 50 anos, mas Gerald Ford, seu sucessor, perdoou-o preventivamente, em uma decisão impopular que contribuiu para sua derrota nas eleições de 1976 contra Jimmy Carter. . Agora, a cerca judicial está apertando contra Donald Trump. As provas contra ele são abundantes. Uma declaração ou depoimento de 38 páginas serviu para justificar um mandado de busca para Mar-a-Lago, sua mansão em Palm Beach. O juiz publicou nesta sexta-feirajuntamente com outros documentos com 599 linhas riscadas. A informação que revela e, sobretudo, a que oculta, ameaça levar o ex-presidente a tribunal por vários crimes possíveis.

Na tarde de 8 de agosto, quando Trump revelou que sua mansão estava sendo revistada pelo FBI, ele comparou loucamente essa entrada com o ataque aos escritórios democratas de Watergate. Outro 8 de agosto ao mesmo tempo, mas há 48 anos, Nixon finalizou o discurso com o qual anunciou sua renúncia depois de ser encurralado.

A relutância de Nixon em divulgar documentos incriminatórios e gravações de conversas foi precisamente o que mais tarde levou à aprovação da Lei de Registros Presidenciais de 1978, que declara todos os documentos, relatórios, fotografias, notas e outros registros que o presidente manuseia no exercício de seu cargo; obriga-o a preservá-los e guardá-los e a entregá-los ao Arquivo Nacional após o seu término.

Trump nunca prestou muita atenção a essa norma, que está na origem deste caso. Diz-se que durante sua presidência rasgou papéis que seus colaboradores coletavam e recompunham com fita adesiva . Também foi publicado que ele jogou algumas de suas notas no vaso sanitário da Casa Branca para descartá-las. Quando Trump renunciou em janeiro de 2021 em uma transição tempestuosa de poder, ele levou dezenas de caixas de documentos presidenciais para sua mansão em Mar-a-Lago.

Isso levou a um cabo de guerra com a Administração Nacional de Arquivos e Registros (NARA ou Arquivos Nacionais), que pediu que ele entregasse esses documentos já em maio de 2021, segundo o comunicado. Um ex-presidente que infringiu a lei ao toureiro era uma situação embaraçosa, mas em si a lei do registo presidencial não é uma lei penal, infringi-la como tal não é crime e a NARA teve que se armar com paciência para reclamar o que lhe pertencia. Os Arquivos Nacionais alertaram que alertariam o Congresso ou o Departamento de Justiça sobre a situação e Trump finalmente concordou em entregar 15 caixas, que foram recebidas pelos Arquivos em 18 de janeiro deste ano.

Documentos classificados

Os Arquivos confirmaram no início do ano através de um comunicado que a documentação devolvida incluía papéis rasgados pelo ex-presidente, alguns dos quais colados e outros restaram apenas pedaços. A surpresa foi que, ao examinar essas caixas, havia “muitos documentos sigilosos”, alguns sem pasta e misturados com outros documentos, conforme informado ao Departamento de Justiça em 9 de fevereiro. A NARA também informou em uma carta ao Congresso que havia identificado informações de segurança nacional classificadas nas caixas. O comitê de ação política de Trump respondeu que os Arquivos "não encontraram" nada, que simplesmente receberam o que pediram em um processo descrito como "comum e rotineiro".

O Federal Bureau of Investigation (o FBI) ​​analisou detalhadamente as caixas entre os dias 16 e 18 de maio. Neles havia 184 documentos classificados, dos quais 67 foram marcados como confidenciais; 92, como secreto, e 25 como top secret, incluindo alguns com marcações adicionais indicando conteúdo altamente restrito ou informações sobre fontes de inteligência clandestinas, o relatório agora revelou

O FBI investigou e concluiu que Trump não entregou todos os documentos. Os detalhes dessa investigação são riscados no relatório, mas é mencionado que eles incluem um "número significativo de testemunhas civis". Havia também vigilância no terreno e exigência de apreensão das gravações das câmeras de segurança de Mar-a-Lago. Isso primeiro levou a um pedido para que Trump entregasse quaisquer documentos que ainda estivesse em sua posse, mas sendo desconsiderado, o FBI decidiu solicitar uma busca em Mar-a-Lago.

“Existe uma causa provável para acreditar que outros documentos contendo informações confidenciais da Defesa Nacional ou que são documentos presidenciais sujeitos a requisitos de retenção de registros permanecem atualmente na instalação. Também há uma causa provável para acreditar que evidências de obstrução serão encontradas”, disse o agente especial do FBI que assinou a declaração solicitando o mandado de busca.

Agentes do Serviço Secreto em Mar-a-Lago, a mansão de Donald Trump na Flórida, no dia seguinte à busca. (Crédito da foto: Damon Higgins, AP)

O mandado de busca e o inventário de bens apreendidos, publicados há duas semanas, revelaram que Trump está sendo investigado por três possíveis crimes: obstrução de justiça, ocultação, remoção intencional ou mutilação de documentos públicos e violações da lei de espionagem, aparentemente por retenção nacional documentos de segurança. São crimes puníveis com multa ou pena de prisão. Na busca eles apreenderam 11 conjuntos de documentos confidenciais. Um conjunto deles é classificado como “informações compartimentadas ultrassecretas/sensíveis”; outras quatro séries são de documentos considerados “top secret”, três conjuntos são de documentos secretos e outros três são confidenciais. A lista não oferecia detalhes de quais assuntos esses documentos classificados tratavam.

As marcas de cruz na declaração correspondem a cinco tipos de informações. A primeira, "proteger a segurança de várias testemunhas civis", diz um documento do Departamento de Justiça que explica as razões para ocultar partes do documento. “Se as identidades das testemunhas forem expostas, elas podem estar sujeitas a danos como retaliação, intimidação ou assédio e até ameaças à sua segurança física. Como o Tribunal já apreciou, essas preocupações não são hipotéticas neste caso”, argumenta.

Em segundo lugar, preserve o caso: "A declaração está repleta de detalhes adicionais que forneceriam um roteiro para qualquer pessoa que pretenda obstruir a investigação". Uma frase preocupante para Trump. Terceiro e quarto, informações sobre o grande júri e sobre os agentes que investigam o caso. E, por fim, informações sobre terceiros “que possam prejudicar os interesses de privacidade e reputação dessas pessoas se divulgadas”. O documento dá exemplos, mas também estão riscados.

Trump sustenta que se trata de uma “caça às bruxas”, uma ação de “piratas e bandidos” para fins políticos. Junto com seus advogados, ele atirou em todas as direções para se defender. Por um lado, disse que pegou os documentos “sem saber”. Por outro, ele sugeriu que eles estavam "plantando" provas nele. Em seguida, ele argumentou que seu antecessor, Barack Obama, tinha em sua posse milhões de documentos de sua presidência em Chicago, o que levou a uma negação retumbante dos Arquivos Nacionais.Seus advogados também disseram que a lei de registros presidenciais não é de natureza criminosa e, portanto, não inclui crimes que possam justificar uma busca. Isso é verdade, mas os crimes investigados não correspondem a essa lei.

As provocações de Biden

Em graus variados, eles tentaram outra linha de defesa instável. Seus advogados observaram em uma carta que o presidente tinha o poder de desclassificar qualquer documento (sem alegar que ele os havia desclassificado). Trump disse mais tarde em sua rede social que "tudo está desclassificado", sem fornecer qualquer justificativa para isso, no que parecia uma justificativa superveniente. O presidente Biden, que até agora tentou não comentar o assunto, não se conteve nesta sexta-feira e zombou dessa desculpa, parafraseando Trump: “Bem, só quero que saibam que desclassifiquei tudo no mundo. Eu sou o presidente e posso fazer isso... Vamos. Tudo desclassificado?”, disse ele a perguntas de jornalistas.

Sede do tribunal do sul da Flórida, em West Palm Beach, que lida com o caso dos papéis de Trump.

Não só a defesa não é muito credível, tendo tantas informações secretas, como também não o libertaria do crime. Em nota de rodapé na página 22 do comunicado, o agente federal do FBI destaca que a lei de espionagem não se refere a documentos sigilosos, mas a "informações relacionadas à defesa nacional". E o que é pior, se Trump diz que desclassificou os documentos, é um reconhecimento implícito de que ele sabia que os tinha, o que enfraquece a linha de defesa de que ele não estava ciente disso. De fato, em um pedido perante outro juiz da Flórida que os advogados de Trump pediram nesta sexta-feira para tomar providências sobre o assunto, é dito novamente que Trump tinha o poder de desclassificar os documentos, mas eles evitam dizer que o fez.

Nesse resumo, os advogados de Trump reclamam que a versão publicada “não fornece quase nenhuma informação que permita ao autor entender por que a busca ocorreu ou o que foi levado de sua casa”. "As poucas linhas que não estão riscadas levantam mais perguntas do que respostas", acrescentam.

Uma pergunta sem resposta é por que Trump resistiu repetidamente em entregar os documentos. Mesmo admitindo que os pegou sem perceber, não se entende por que os reteve após meses de solicitações e exigências, colocando-se em situação tão comprometedora. Também não se sabe se as suspeitas de obstrução da justiça, o crime com a maior pena dos investigados, se baseiam apenas nessa resistência ou se há provas adicionais a esse respeito.

Mas a grande questão, agora, é se o procurador-geral Merrick Garland tomará a iniciativa de apresentar acusações contra Trump. Garland, em sua única aparição no caso, já disse que decisões como o registro "não são tomadas de ânimo leve". Mas, embora as evidências do crime pareçam sólidas, apresentar acusações é um passo qualitativamente diferente e ainda mais explosivo do que aquele que já polarizou ainda mais o país e alimentou a preocupante retórica da guerra civil. Trump pode até capitalizar politicamente a acusação, apresentando-se como mártir, para as eleições presidenciais de 2024, o que acrescenta mais complexidade ao assunto. E o risco de tentativas de vingança em futuras transições de poder também não é desprezível.

Alan Dershowitz, ex-advogado de Trump, disse na sexta-feira na rede conservadora Fox que "há evidências suficientes para o impeachment de Trump". “Mas, na minha opinião, Trump não sofrerá impeachment porque os testes não passam no que chamo de padrões Nixon-Clinton”, acrescentou o agora professor emérito de direito de Harvard, referindo-se à ex-secretária de Estado Hillary Clinton e ao uso de um conta de e-mail em suas funções. “O padrão de Nixon é que o caso deve ser tão esmagadoramente forte que até mesmo os republicanos o apoiem. E o padrão de Clinton é, por que este caso é mais sério do que o de Clinton, onde não houve processo criminal?" Dershowitz esclareceu que esta opinião é baseada no que se sabe até agora: "Uma vez que não seja riscado, talvez tenhamos que mudar de ideia".

Paralelamente, entre as múltiplas frentes judiciais de Trump, o Departamento de Justiça está investigando sua responsabilidade no ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021 e em sua pressão para subverter o resultado eleitoral após as eleições de novembro de 2020, particularmente na Geórgia, onde o caso avança com indicações mais sólidas. O tempo dirá se o futuro judicial de Trump é tão negro quanto as hachuras na declaração.

Miguel Jiménez, o autor deste artigo, é Correspondente-chefe do EL PAÍS nos Estados Unidos. Desenvolveu sua carreira no EL PAÍS, onde foi redator-chefe de Economia e Negócios, vice-diretor e vice-diretor, e no jornal econômico Cinco Días, do qual foi diretor. Publicado originalmente em 28.08.22

sábado, 27 de agosto de 2022

Rússia ordena que gás não exportado para a Europa seja queimado na fronteira com a Finlândia

Uma análise calcula que Moscou incinera mais de quatro milhões de metros cúbicos de hidrocarbonetos por dia, o que equivale a 10 milhões de euros por dia

Um flare de gás irrompe da usina de Portovaya, no Golfo da Finlândia, o ponto de entrada europeu para o gasoduto Nord Stream. / STRINGER (REUTERS)

A Rússia queima seu gás nos portões da União Europeia enquanto corta o fornecimento de combustível. Nas proximidades da controversa estação de compressão de Portovaya, onde o gasoduto Nord Stream entra no mar Báltico, uma usina de gás natural liquefeito começou a queimar quantidades sem precedentes desse hidrocarboneto no ar quando seu preço dispara para recordes. Do outro lado da fronteira, os países europeus continuam sua desconexão da Rússia: a França se tornou esta semana o quinto país do bloco a preencher mais de 90% de suas reservas de gás para o inverno.

O enorme jato de fogo pode ser visto claramente em imagens de satélite obtidas pelo programa europeu Copernicus. As instalações estão localizadas no Golfo da Finlândia, junto à cidade russa de Víborg. Segundo uma análise da firma Rystad Energy, à qual a BBC britânica teve acesso, a Rússia estaria a queimar mais de quatro milhões de metros cúbicos de gás por dia, um oitavo do que forneceu à Europa no mês passado através do Nord Stream, ou o equivalente a 10 milhões de euros de gás por dia.

Os próprios finlandeses foram os primeiros a alertar sobre essa estranha situação de sua fronteira. O médium Mtv Uutiset conta como vários deles chegaram a perceber uma onda de calor. “Ari Laine, um entusiasta da natureza, estava andando pela Ilha Lansker em 24 de julho quando viu uma estranha lhama no horizonte pela manhã. Ele tirou uma foto através de seu telescópio, ela brilhava claramente mesmo com a luz do sol", relatou o jornal. Da mesma forma, a imprensa finlandesa denuncia o impacto ambiental que esta queima massiva de gás pode causar, uma prática que não é incomum neste tipo de instalação, mas não em níveis tão elevados.

Desde o último dia 27 de julho, Moscou reduziu seu fornecimento através do Nord Stream para apenas 20% do bombeamento usual . De acordo com os números da Gazprom, seu embarque permaneceu estável esta semana e cerca de 33 milhões de metros cúbicos de gás por dia. Como comparação, em 2020 atingiu o recorde de 177 milhões de metros cúbicos.

No entanto, a Europa está preocupada com um gargalo total no curto prazo. A última turbina que permanece ativa em Portovaya, perto da fronteira com a Finlândia, ficará parada por três dias, de 31 de agosto a 2 de setembro, para supostas tarefas de manutenção, embora no bloco comunitário se acredite que Moscou não possa retomar a atividade do gasoduto. "Eles não têm coragem de dizer: 'Estamos em uma guerra econômica com você'", disse o ministro da Economia alemão, Robert Habeck, há um mês, conforme citado pela Reuters.

Tudo começou com o bloqueio de uma turbina, a SGT-A65, que foi enviada ao Canadá para reparo pela empresa alemã Siemens no final do ano passado. O país norte-americano, que incluiu a Gazprom em sua lista dos sancionados pela guerra na Ucrânia, reteve a devolução da peça por semanas, até que no início de julho o governo canadense aprovou uma exceção temporária com a gigante russa do gás para ajudar a Europa como ela " continua sua transição para longe do petróleo e gás russos".

Uma vez que a peça chegou à Alemanha, não continuou a caminho de Portovaya. As autoridades russas impediram sua passagem porque a Gazprom exige garantias por escrito de que não estará sujeita a sanções. Posteriormente, em 25 de julho, Moscou desativou outra turbina sob o pretexto de que seus prazos de revisão não foram cumpridos e não estava “em estado técnico” para operar, deixando a instalação com apenas uma em operação.

A situação tornou-se tão bizarra que esta semana Ottawa e Moscou discutiram o destino de outras cinco turbinas no gasoduto Nord Stream. A ministra das Relações Exteriores do Canadá, Melanie Joly, prometeu durante uma entrevista que seu país devolverá as outras peças em reparo assim que forem recebidas. A Gazprom, no entanto, causou mais confusão com uma breve declaração no Telegram respondendo que eles "não estão atualmente no Canadá".

A tensão entre o Ocidente e a Rússia se reflete no custo atual do gás. Os mercados temem que a Rússia não retome seu fornecimento através do Nord Stream, uma vez que a paralisação programada no final de agosto termine. Assim, o preço do gás ultrapassou 3.500 dólares por 1.000 metros cúbicos no mercado de futuros de Londres ICE.

De qualquer forma, a Europa continua se preparando para o inverno. A França anunciou esta semana que suas reservas ultrapassaram 90% de sua capacidade total, enquanto a média dos membros da União Europeia ficou em torno de 78,3% no dia 24, o que é menos de dois pontos percentuais em relação aos 80% mínimos que Bruxelas tem solicitados para este ano, de acordo com dados fornecidos pela Gas Infrastructure Europe.

Javier G. Cuesta, de Moscou para o EL PAÍS, em 26.08.22 

Em sabatina, Tebet atribui falta de apoio à polarização

Candidata diz que governará com "alma da mulher e coração de mãe" e que primeira medida será pela igualdade salarial entre os gêneros. Ela criticou divisões internas no MDB e afirmou que tentaram "puxar seu tapete".

A candidata do MDB à Presidência da República, Simone Tebet, em sabatina no Jornal Nacional nesta sexta-feira (27/08), atribuiu à polarização a falta de apoio dentro de seu partido, e tentou se afastar das manchas deixadas pelo envolvimento de membros da legenda em escândalos de corrupção nos últimos anos.

Ela prometeu aumentar a representatividade das mulheres na política, e disse que seu primeiro projeto a ser enviado para o Congresso será a equiparação salarial entre mulheres e homens.

A chapa de Tebet inclui também PSDB, Cidadania e Podemos, e representa o esforço de partidos de centro-direita de tentarem emplacar um nome na chamada "terceira via", após a desistência de outros postulantes desse campo, como o ex-governador paulista João Doria (PSDB).

Seu programa de governo combina uma perspectiva liberal na economia a propostas para reduzir a pobreza e proteger a primeira infância e o meio ambiente.

Ela tem apenas 2% de intenções de voto segundo a última pesquisa Datafolha, que a coloca no quarto lugar na disputa, e sua candidatura foi rifada por alguns líderes do seu próprio partido, que optaram por apoiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva já no primeiro turno.

Antes de ser senadora, foi prefeita de Três Corações e vice-governadora do Mato Grosso do Sul. Ela é filha do ex-governador do Mato Grosso do Sul e ex-presidente do Senado Ramez Tebet, morto em 2006.

Polarização e falta de apoio

Para Tebet, a polarização entre as candidaturas de Jair Bolsonaro (PL) e Lula  (PT) é a principal causa da falta de apoio dentro de seu próprio partido, e fez com que muitos dos seus correligionários fossem cooptados por outras candidaturas.

O entrevistador William Bonner lembrou que Líderes do MDB declararam apoio a outros candidatos em 9 estados e no Distrito Federal. A candidata respondeu afirmando que a polarização política e ideológica estaria "levando o país para o abismo", mas disse que muitos prefeitos nesses estados a apoiam.

Ela disse que muitos tentaram "puxar seu tapete"; tentaram levar o partido para o lado de Lula e chegaram a judicializar sua candidatura, mas assegurou que o MDB não é mais uma legenda fisiológica.

MDB e corrupção

Ao se perguntada sobre o fato de membros de seu partido terem se envolvido em escândalos de corrupção, como no chamado "petrolão", ela disse que "o MDB é maior do que meia dúzia de caciques".

Ela ressaltou que o MDB não seria a única legenda ter esse problema, mencionando o Partido Liberal, ao qual pertence o atual presidente da República.

Tebet assegurou que não vai blindar ou impedir a ação dos órgãos de fiscalização sobre seu governo, e que visa garantir a autonomia do Ministério Público, da Procuradoria-Geral da República (PGR), da Polícia Federal e outros órgãos de fiscalização.

Candidatura feminina

Ela ressaltou que o fato de ser mulher fará com que governe o país de maneira diferente. "A presidente que vai estar governando o Brasil não é a senadora, não é a deputada, que foi prefeita. É a alma da mulher e coração de mãe".

A candidata rejeitou a crença de que mulheres não votam em mulheres. "A mulher vota em mulher, se souber que tem uma mulher competitiva, corajosa, que trabalha".

A falta de representatividade das mulheres na política não é um problema exclusivo do MDB, disse a candidata, afirmado que os partidos em geral só cumprem a cota de candidatas mulheres e às vezes utilizam candidatas "laranjas".

Ela citou seu currículo de lutas pelos dinheiros das mulheres e disse que vai propor ao Congresso a equiparação salarial entre mulheres e homens, além de fazer valer uma cota de 30% de mulheres nas executivas dos partidos.

Tebet assegurou que, se eleita, promoverá uma divisão igualitária dos Ministérios entre mulheres e homens

Transferência permanente de renda

A emedebista propôs um programa de transferência permanente de renda no valor de 600 reais mensais, mas admitiu que isso só vai ser alcançado se o governo furar o teto dos gastos em 60 bilhões de reais.

Ela, porém disse que 600 reais ajudam na alimentação, mas não pagam o aluguel.

A candidata defendeu uma taxa de lucros e dividendos a ser cobrada dos mais ricos para tirar o peso sobre os mais pobres, além de aumentar o número de isentos para alcançar o máximo possível a classe média.

Entre outros objetivos citados pela candidata estão a erradicação da miséria, diminuição da pobreza e acabar com a fome. A candidata ressaltou que o Brasil alimenta o planeta, mas é incapaz de fazer o mesmo por sua população.

Trabalho informal

Simone Tebet propõs a criação de um seguro de renda para os trabalhadores informais, que funcionaria de modo semelhante ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).

O plano, que incluiria os informais que estão no Auxílio Brasil, prevê a transferência de 15% de seus rendimentos para um fundo, ao qual os trabalhadores poderão recorrer duas vezes por ano.

Deutsche Welle Brasil, em 27.08.22. Publicado originalemnte em https://www.dw.com/pt-br/em-sabatina-simone-tebet-atribui-falta-de-apoio-%C3%A0-polariza%C3%A7%C3%A3o/a-62948497rc (ots)

As propostas do programa de governo de Simone Tebet

Texto promete reforma tributária em seis meses, promover privatizações e concessões e usar verbas no combate à pobreza e educação infantil, paridade entre homens e mulheres no ministério e "lista negra" de desmatadores.

A candidata do MDB à Presidência da República, Simone Tebet, (foto acima) disputa o Palácio do Planalto com um programa de governo que combina uma perspectiva liberal na economia a propostas para reduzir a pobreza e proteger a primeira infância e o meio ambiente.

Sua chapa inclui também PSDB, Cidadania e Podemos, e representa o esforço de partidos de centro-direita de tentarem emplacar um nome na chamada "terceira via", após a desistência de outros postulantes desse campo, como o ex-governador paulista João Doria (PSDB).

Ela tem apenas 2% de intenções de voto segundo a última pesquisa Datafolha, que a coloca no quarto lugar na disputa, e sua candidatura foi rifada por alguns líderes do seu próprio partido, que optaram por apoiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva já no primeiro turno.

Antes de ser senadora, foi prefeita de Três Corações e vice-governadora do Mato Grosso do Sul. Ela é filha do ex-governador do Mato Grosso do Sul e ex-presidente do Senado Ramez Tebet, morto em 2006.

Tebet será entrevistada pelo Jornal Nacional, da Rede Globo, nesta sexta-feira (26/08), quando também começa a propaganda eleitoral em rádio e televisão – na qual sua chapa terá o terceiro maior tempo, quase igual ao do presidente Jair Bolsonaro (PL), que disputa a reeleição.

Ela tem como candidata a vice a senadora Mara Gabrilli, do PSDB, e seu programa foi elaborado com o apoio de economistas que atuaram no governo Fernando Henrique Cardoso, como Elena Landau, Edmar Bacha e José Roberto Mendonça de Barros. O programa tem 48 páginas foi coordenado pelo ex-governador do Rio Grande do Sul, Germano Rigotto. Estes são os pontos principais.

Reforma tributária

O plano de governo propõe a ambiciosa meta de aprovar nos primeiros seis meses uma reforma tributária, que já tramita no Congresso, para criar o imposto sobre valor agregado em substituição a diversos outros tributos e simplificar o sistema.

O texto também se compromete com uma reforma do Imposto de Renda para incluir a tributação sobre juros e dividendos, hoje isenta, e eliminar a regressividade do sistema atual – no qual os ricos pagam, proporcionalmente à sua renda, menos impostos do que os pobres.

A equipe de Tebet propõe ainda reavaliar as isenções tributárias hoje concedidas a diversos setores da economia, que resultam em grande perda de arrecadação e, segundo críticos, provocam distorções e cujos resultados são de difícil mensuração.

O programa sugere ainda implementar um plano de "redução gradual" de tarifas de importação, alinhado à uma política de abertura comercial e de acesso a mercados, com o objetivo de atrair mais investimentos e ampliar a integração da economia brasileira às cadeias globais de valor.

O texto promete também zerar impostos relativos à transferência de tecnologia, liberando de barreiras tarifárias e não tarifárias insumos, máquinas e equipamentos necessários à pesquisa e ao desenvolvimento.

Política fiscal

O programa não menciona o teto de gastos, criado no governo Michel Temer e que já foi objeto de modificações para permitir exceções, como uma em 2021 para o pagamento de precatórios e outra neste ano para a aumento do valor do Auxílio Brasil e do auxílio gás e a criação do auxílio para caminhoneiros e taxistas. Em entrevistas, Tebet vem afirmando que, se eleita, irá criar ainda mais uma exceção, para investimentos em ciência e tecnologia.

Simone Tebet e sua candidata a vice, Mara Gabrilli, do PSDBFoto: Suamy Beydoun/REUTERS

O texto fala em "reorganizar as regras fiscais e torná-las executáveis" e "recuperar a confiança em políticas de controle de despesas". Uma das propostas apresentadas é criar um Plano de Despesas Federais de médio prazo, que crie cenários fiscais alinhados a metas plurianuais de dívida pública.

O programa menciona também o cumprimento do chamado tripé macroeconômico, "com metas de inflação críveis e respeitadas, responsabilidade fiscal e câmbio flutuante".

Privatizações

O programa de Tebet enfatiza em diversos pontos a redução do tamanho do Estado e a promoção de parcerias entre o governo e a iniciativa privada. Os recursos arrecadados com as privatizações de estatais seriam destinados à redução da pobreza e à educação infantil.

"Nosso governo será o governo das concessões, das parcerias público-privadas, das privatizações e da desestatização, sob coordenação do BNDES", afirma o texto. Não são mencionadas quais estatais seriam privatizadas.

Combate à pobreza

Tebet promete criar um programa permanente de transferência de renda, que substituiria o Auxílio Brasil. O desenho do programa seria focado "nas famílias que mais precisam", com a criação de faixas diferenciadas para o recebimento do benefício de acordo com a composição familiar e a insuficiência de renda.

O formato atual do Auxílio Brasil, que paga o valor mínimo, hoje em R$ 600, para famílias independentemente do número de integrantes ou condições socioeconômicas, é alvo de críticas por alguns especialistas, que apontam distorções desse modelo.

O texto fala ainda na adoção de condicionantes para o recebimento do benefício, como exigência de vacinação e matrícula das crianças na escola – como ocorria com o Bolsa Família – e teria como foco a "integração dos beneficiários ao mercado de trabalho".

O programa não fala em manutenção do valor mínimo de R$ 600 hoje em vigor, mas Tebet se comprometeu em entrevistas a manter esse piso. "O piso é R$ 600, não há como fugir disso. [Mas é preciso] vacina no braço, filhos na escola e qualificação das mães para entrar no mercado de trabalho", disse

Regras trabalhistas

O programa propõe a criação de um seguro de renda para os trabalhadores de baixa renda, chamado "Poupança Seguro Família",  que seria uma espécie de "FGTS do trabalhador informal", segundo Tebet. Essa poupança seria financiada pelo poder público.

O texto propõe ainda reduzir a contribuição previdenciária para a faixa de um salário mínimo para todos os trabalhadores, com o objetivo de incentivar a formalização, e se compromete a reajustar o poder de compra do salário mínimo com reajustes baseados "pelo menos" na inflação.

Infância e educação

O programa propõe a criação de uma Secretaria da Criança e do Adolescente ligada diretamente à Presidência da República, e a elaboração de uma Política Nacional Integrada para a Primeira Infância. Uma das medidas seria ampliar o apoio a municípios para aumentar a oferta de vagas em creches e na pré-escola.

Para os alunos em idade escolar, Tebet promete criar uma "Poupança Mais Educação", na qual o governo faria depósitos em nome de estudantes que mantivessem a frequência escolar, que poderiam ser sacados na conclusão do ensino médio e ser usado de forma livre – segundo a candidata, o valor do saque seria maior do que R$ 3 mil.

O texto fala em implantar as mudanças previstas na reforma do ensino médio, que entrou em vigor no início do ano, e em "ampliar o acesso às instituições de ensino superior públicas por meio de fontes alternativas de financiamento", sem dar detalhes.

Meio ambiente

Tebet, que herdou fazendas do pai em Mato Grosso do Sul, tem um longo histórico de proximidade com o agronegócio e já foi considerada pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) em 2018 como um dos 50 parlamentares daquela legislatura que mais lutaram contra os direitos indígenas.

Desde que seu nome foi considerado para o Planalto, Tebet vem adotando a defesa de pautas ambientalistas, e seu programa inclui várias promessas nesse sentido. O texto tem compromisso com o "desmatamento ilegal zero", afirma que um eventual governo Tebet passaria um "pente fino" nas medidas tomadas pela gestão Bolsonaro sobre o tema "que resultaram em incentivo ao desmatamento e à devastação", e promete colocar os princípios da sustentabilidade e da economia verde "no centro de todas as políticas públicas".

Tebet propõe criar "lista negra" com empresas e pessoas que promovam desmatamento e mineração ilegalFoto: Joao Laet/AFP/Getty Images

"É preciso acabar com a falsa dicotomia que opõe meio ambiente e desenvolvimento. Em sua imensa maioria, o setor produtivo brasileiro – e o agro em particular – já produz com sustentabilidade e responsabilidade. No entanto, em contrapartida, os que destroem, devastam e desmatam ilegalmente serão tratados com total rigor e tolerância zero pelo nosso governo", afirma o texto.

O programa propõe ainda a criação, em conjunto com o Judiciário, de cadastros nacionais de empresas, projetos e pessoas que promovam desmatamento, invasão de terras, mineração ilegal e emissões ilegais de gases do efeito estufa, nos moldes da lista suja do trabalho escravo, que lista empregadores que submetem trabalhadores à condição análoga à escravidão.

A proposta fala ainda em organizar um sistema nacional para o mercado de créditos de carbono, promover iniciativas para pagamento por serviços ambientais a proprietários que mantêm área de floresta ou vegetação nativa preservada além dos mínimos obrigatórios, retomar o Fundo Amazônia e criar um "selo verde" digital para a rastreabilidade de toda a cadeia de produtos certificados – uma demanda crescente, por exemplo, de compradores da União Europeia.

Diversidade

O programa de governo de Tebet conta também com diversas propostas sobre diversidade. Entre elas, o compromisso de compor um ministério paritário entre homens e mulheres, manter a política de cotas e expandir ações afirmativas para promover maior igualdade racial, social e de gênero.

O texto promete criar políticas que permitam a permanência de alunos cotistas até a conclusão dos estudos, ampliar a participação de negros nos cargos e funções de governo e "respeitar e fazer cumprir rigorosamente" a legislação na defesa dos direitos dos povos originários e na proteção de seus territórios, além de acelerar a regularização de territórios quilombolas.

Pessoas com deficiência

O programa de governo de Tebet tem diversas propostas para atender as pessoas com deficiência, em linha com compromisso assumido pela sua candidata a vice, Mara Gabrilli, que ficou tetraplégica após um acidente de carro em 1994.

O texto fala, por exemplo, em assegurar que as pessoas com deficiência tenham igualdade de oportunidades e possam ter acesso a bens culturais em formatos acessíveis.

O programa também sugere enfatizar a inclusão e a acessibilidade de crianças com deficiência, sobretudo na educação infantil, e incentivar que crianças com deficiência possam, em igualdade de condições com as demais crianças, participar de atividades recreativas, esportivas e de lazer. O texto menciona o apoio à formação continuada de professores, infraestrutura adequada e uso de métodos e técnicas pedagógicas.

O texto promete também promover no serviço público federal e incentivar empresas a cumprir metas de contratação de pessoas com deficiência.

Segurança pública

O texto promete recriar o Ministério da Segurança Pública e dar ao governo federal "papel central" na coordenação de ações de enfrentamento ao crime organizado.

O programa também promete revogar decretos do atual governo que fragilizaram o controle do porte e da posse de armas e aumentar a fiscalização e o rastreamento de armamentos e munições de uso pessoal.

A campanha de Tebet se compromete também em incentivar e apoiar a ampliação de "patrulhas Maria da Penha" por estados e municípios, para combate à violência sofrida pelas mulheres em âmbito doméstico.

Outros

Na questão da habitação, o programa de Tebet promete retomar programas de construção de moradias subsidiadas voltadas a famílias de baixa renda. Em eventos de campanha, Tebet vem prometendo construir pelo menos um milhão de casas para as famílias da faixa 1, de menor renda.

Na seara internacional, Tebet se compromete em fazer avançar o processo de acesso do Brasil à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), iniciado no governo Temer. Segundo o texto, a adesão à entidade seria uma "oportunidade para revisão geral das políticas públicas nacionais, visando seu aperfeiçoamento à luz das melhores experiências e práticas".

O texto fala ainda na recriação dos ministérios da Cultura e do Planejamento, e em elevar a participação da União no Sistema Único de Saúde (SUS).

O programa coloca como prioridade também realizar uma reforma administrativa que adote metas e indicadores "integrados e transparentes", sem oferecer muitos detalhes.

O tema da reeleição não está presente no texto, mas Tebet tem afirmado, em entrevistas, que se for eleita proporá o fim imediato da reeleição para presidente.

Bruno Lupion, @blupion, para a Deutsche Welle Brasil, 27.08.22 / Publicado originalmente em https://www.dw.com/pt-br/quais-s%C3%A3o-as-propostas-do-programa-de-governo-de-simone-tebet/a-62933889

Governo dos EUA revela documento que motivou buscas na casa de Trump; entenda

O Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DOJ, na sigla em inglês) divulgou um documento judicial altamente sensível que pode ajudar a esclarecer os motivos que levaram às buscas na casa do ex-presidente Donald Trump em Mar-a-Lago, na Flórida.

Declaração juramentada



Declaração juramentada foi usada no pedido de operação de busca em casa de Trump (CRÉDITO,US DISTRICT COURT FOR SOUTHERN DISTRICT OF FLORIDA)

De acordo com a ordem do juiz Bruce Reinhart, responsável pelo caso, para divulgação da declaração juramentada usada no pedido para realizar a operação, o governo americano tinha até o meio-dia desta sexta-feira (26/8) no horário local (13h de Brasília) para fazer isso.

Por que Donald Trump está processando o Departamento de Justiça dos EUA

O documento de 38 páginas foi divulgado com muitos trechos ocultados a pedido do DOJ, que disse temer que sua divulgação completa poderia comprometer a investigação. Das 38 páginas, 21 são em sua maioria ou totalmente ocultadas.

Na declaração, o DOJ descreveu seu trabalho como uma "investigação criminal relativa à remoção e armazenamento indevidos de informações classificadas em espaços não autorizados, bem como à ocultação ou remoção ilegal de registros governamentais".

Entre as revelações mais interessantes nos trechos não ocultados, estão os documentos que Trump retirou da Casa Branca após deixar a Presidência e que foram entregues em caixas aos Arquivos Nacionais em maio.

Declaração juramentada

Divulgação de documento deste tipo é incomum (CRÉDITO,US DISTRICT COURT FOR SOUTHERN DISTRICT OF FLORIDA)

A declaração afirma que, com base em uma revisão preliminar, as caixas continham "muitos registros confidenciais" ao lado de todos os tipos de "jornais, revistas, artigos de notícias impressas, fotos, impressos diversos, notas, correspondência presidencial, pessoal e registros presidenciais".Das quinze caixas entregues na época, 14 delas continham informações confidenciais. De acordo com a declaração, havia 67 documentos marcados como confidenciais, 92 documentos marcados como secretos e 25 documentos marcados como ultrassecretos.

Declaração juramentada

Documento teve muitos trechos ocultados (CRÉDITO,US DISTRICT COURT FOR SOUTHERN DISTRICT OF FLORIDA)

"A preocupação mais significativa foi que os documentos altamente confidenciais foram desdobrados, misturados com outros registros e, de outra forma, identificados de forma inadequada", diz o documento.

De acordo com a declaração, os documentos confidenciais mantidos em Mar-a-Lago provavelmente continham alguns dos segredos mais bem guardados da comunidade de segurança nacional dos Estados Unidos.

FBI apreendeu dezenas de documentos secretos e ultrassecretos da casa de Trump

Entre uma série de documentos entregues aos Arquivos Nacionais no início deste ano, agentes do FBI encontraram registros confidenciais que podem conter informações da Agência Central de Inteligência (CIA, na sigla em inglês) e da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês).Alguns registros marcados como altamente confidencias podem se referir a informações sobre espiões em países estrangeiros cujas vidas estariam em risco se suas identidades fossem reveladas.Outros foram marcados com uma referência à coleta de inteligência que envolve suspeitos de espionagem ou terrorismo.Os agentes também encontraram registros que podem conter interceptações de sinais de comunicações estrangeiras e inteligência não destinadas a serem divulgadas a governos ou cidadãos estrangeiros, bem como registros que não devem ser compartilhados sem a aprovação de seu proprietário original.A declaração afirma ainda que vários dos documentos parecem conter notas manuscritas do ex-presidente.

Há "motivos para acreditar" que existem "documentos adicionais" com informações confidenciais ainda na casa de Trump na Flórida, afirma a declaração.

Trump disse que divulgação foi um 'subterfúgio total de relações públicas do FBI e DOJ' (Getty Images)

Além disso, a declaração afirma que os documentos também estariam armazenados em um local não seguro, o que pode ter sido uma preocupação especial para o governo, uma vez que já houve casos em que estrangeiros tiveram acesso a casa de Trump em Mar-a-Lago.

"Também há uma causa provável para acreditar que evidências de obstrução serão encontradas nas instalações", acrescenta.

Foram ocultadas na declaração informações sobre agentes federais envolvidos no caso e testemunhas do governo que, caso suas identidades fossem expostas, segundo o Departamento de Justiça, poderiam ser submetidas a "retaliação, intimidação ou assédio e até ameaças à sua segurança física".

Reações

Uma declaração deste tipo ser divulgada, mesmo com muitos trechos ocultados, é incomum.

Donald Trump reagiu à divulgação em sua plataforma de mídia social, Truth Social.

FBI fez operação de busca na casa de Donald Trump em Mar-a-Lago (Reuters)

"Declaração com muitos trechos ocultados! Nada mencionando 'nuclear', um subterfúgio total de relações públicas do FBI e DOJ", reagiu Trump.Ele acrescentou que o juiz Bruce Reinhart - que deu o aval para o mandado de busca em Mar-a-Lago - "nunca deveria ter permitido o arrombamento da minha casa"."Ele se retirou há dois meses de um dos meus casos com base em sua animosidade e ódio a seu presidente favorito, eu."

Reinhart se retirou de uma batalha judicial entre Hillary Clinton e Trump em junho. Os juízes tendem a se abster de casos sempre que há conflito de interesses, mas não precisam revelar qual é esse conflito.Mas os advogados de Trump pediram que ele explicasse por que ele concedeu um mandado de busca em Mar-a-Lago, mas se disse incapaz de exercer seus poderes judiciais no caso de Trump com Clinton.

Joe Biden se recusou a comentar sobre o assunto (Reuters)

Trump acrescentou: "O que mudou? Por que ele não se retirou deste caso? Obama deve estar muito orgulhoso dele agora!"Reinhart doou US$ 1 mil para a campanha presidencial do ex-presidente Barack Obama em 2008, e também doou para candidatos republicanos.

A secretária de imprensa da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, se recusou a comentar sobre o assunto quando questionada por jornalistas nesta sexta-feira."Achamos que não é apropriado", disse Jean-Pierre. Ela afirmou que o presidente Joe Biden acredita que ser importante que o DOJ conduza uma "investigação independente".

O próprio Biden foi confrontado por repórteres, que lhe pediram que opinasse, enquanto estava do lado de fora da Casa Branca."Não vou comentar. Não conheço os detalhes. Eu nem quero saber", disse Biden. "Deixem o Departamento de Justiça cuidar disso."

Publicado originalmente pela BBC News em  https://www.bbc.com/portuguese/internacional-62692539 / 26.08.22

Reflexiones de cuarentena – Por una nueva Humanidad

La pandemia del Coronavirus desnuda las mentiras del proyecto neoliberal


¡Cuántos desafíos nos plantea el momento que estamos viviendo! ¡Cuántas certezas se desmoronan

como si fueran de polvo!

¡Cuántas mentiras que los medios de comunicación y los más poderosos intentaron pasar por

verdades quedaron al desnudo! Esto sería motivo de celebración, si no fuera porque el precio es una

tragedia humanitaria de alcance inimaginable.

Intentaré no repetir lo que muchos ya han dicho o escrito. Pero es obvio que una pandemia de las

proporciones de ésta que nos aflije desde principios del 2020 nos obliga a repensar viejos problemas

que de ahora en adelante ganan otra relevancia. Se trata de desafíos teóricos y prácticos. De los

desafíos teóricos (con consecuencias prácticas, si se toman en serio), el primero, pienso, es aquella

pregunta, tan antigua como la civilización misma, que hoy nos desafía con todo dramatismo: ¿qué

viene primero, la sociedad o el individuo? Parece un problema sin relación con la tarea hercúlea de

derrotar a nuestro enemigo invisible. Pero no lo es. Dependiendo de la respuesta, actitudes muy

diferentes en estrategia y en comportamiento serán adoptadas para enfrentar el contagio y

minimizar el daño del vírus entre los seres humanos.

La respuesta de China, por ejemplo, dejó en claro la filosofía que guía no solo al gobierno, sino,

sobre todo, al conjunto de ciudadanos: los intereses colectivos se sobreponen a cualquier interés

individual. Un ejemplo ya citado de esta forma de asumir los derechos y deberes derivados de la

vida en sociedad fue la respuesta en Wuhan, epicentro de la pandemia, a una convocatoria de

voluntarios. ¿Las tareas? Ayudar, en los barrios más afectados por la enfermedad, a todos los

vecinos en cuarentena que necesitavan comprar alimentos y medir la temperatura de todos los

residentes en la zona, un control necesario para minimizar la propagación de la infección. Se

presentaron diez mil voluntarios y, en menos de diez horas, fueron creados comités comunitarios

para atender a los necesitados.

Beatriz Bissio, a autora deste artigo, é Professora Asociada del Departamento de Ciencia Política y del Programa de Posgrado en Historia Comparada (PPGHC) de la Universidad Federal de Río de Janeiro (UFRJ); miembro del equipo fundador de Diálogos del Sur; ex directora de las revistas Cuadernos del Tercer Mundo, Ecologia e Desenvolvimento y Revista del Mercosur. 

sexta-feira, 26 de agosto de 2022

O dever de proteger a paz das eleições

Em mensagem tranquilizadora ante a apreensão gerada pelo bolsonarismo, PMs garantem que tropas estão sob controle

Na quarta-feira, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, recebeu os 27 comandantes das Polícias Militares (PMs) dos Estados e do Distrito Federal para alinhar procedimentos e discutir questões referentes à segurança nas eleições de 2022. Entre os temas discutidos, Alexandre de Moraes pediu que seja estudada a possibilidade de “eventual restrição ao porte de armas” para a categoria de Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs) nos dias do primeiro e do segundo turnos das eleições.

Também foram discutidas medidas para garantir a segurança dos mesários e assegurar a hierarquia e a disciplina policiais. Na saída do encontro, o comandante-geral da PM de Rondônia, James Padilha, disse que os oficiais presentes na reunião foram “enfáticos e uníssonos” na mensagem ao presidente do TSE de que suas “tropas estão sob controle”.

A rigor, essa informação, num Estado Democrático de Direito, deveria ser corriqueira e absolutamente consolidada: a polícia atua dentro da lei e da hierarquia, com total isenção político-partidária. Como lembrou James Padilha, “os mecanismos de segurança pública devem se comportar com isenção, tranquilidade e parcialidade para que possam atuar como instituições de Estado que são, e não instituições de governo”.

No entanto, nas circunstâncias atuais, a mensagem transmitida ao presidente do TSE pelos comandantes das PMs teve uma dimensão especialmente tranquilizadora. O presidente Jair Bolsonaro tem um histórico de apoio velado a atos de indisciplina nas forças de segurança estaduais, numa mistura perigosíssima entre polícia e política que, entre outros danos, enfraquece a indispensável hierarquia que deve haver nessas corporações. Além disso, grupos bolsonaristas têm insinuado que, a depender de seus devaneios, poderão recorrer à intimidação e à violência, tanto no 7 de Setembro como nas eleições.

Eis a que ponto se chegou. O País tem um consolidado histórico de eleições em paz, mas as tensões e os atritos criados pelo próprio presidente da República têm despertado apreensão sobre o funcionamento ordeiro e pacífico do pleito. A preocupação ganhou especial concretude em julho, quando um bolsonarista assassinou a tiros um petista, em Foz do Iguaçu, apenas em razão da militância política da vítima. Depois do ocorrido, o TSE firmou acordo com o Ministério Público Eleitoral para combater a violência política.

O crime em Foz do Iguaçu suscitou também uma consulta de parlamentares ao TSE sobre a possibilidade de proibir o porte de armas de todos os cidadãos do País nos dias das eleições, autorizando apenas que as forças de segurança pública transitem armadas. O caso, cujo relator é o vice-presidente do TSE, ministro Ricardo Lewandowski, ainda não foi analisado pela Corte.

Eleições são tempo de paz e de ordem, de exercício livre e respeitoso dos direitos políticos. Não é período de agressão e, muito menos, de rebelião policial. Que todos estejam dentro da lei, para que a liberdade possa reinar.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 26.08.22

A democracia segundo Lula

Petista se apresenta como ‘salvador’ da democracia no Brasil, que goza de boa saúde, mas é incapaz de condenar uma real ditadura, como a da Venezuela do ‘companheiro’ Maduro

Lula da Silva, ora vejam, é favorável à alternância de poder na Venezuela. Foi o que o candidato petista à Presidência disse a jornalistas estrangeiros no dia 22 passado. No entanto, recorreu ao conceito de “autodeterminação dos povos” para dizer que não deve “se meter” no que acontece na Venezuela. Mais uma vez, Lula foi incapaz de criticar, mesmo de leve, a ditadura venezuelana. Enquanto poupava o “companheiro” ditador Nicolás Maduro, que no passado já se referiu a Lula como “um pai”, o petista chamou o líder oposicionista venezuelano Juan Guaidó de “impostor”.

O conceito de autodeterminação dos povos é a bengala que Lula usa sempre que é instado a demonstrar algum desconforto com a ditadura venezuelana ou com qualquer outra ditadura camarada. É como se dissesse que Maduro está no poder e governa de maneira tirânica porque é isso o que desejam os venezuelanos. Ora, um povo exerce a autodeterminação quando é capaz de decidir livremente, por exemplo, sua condição política. Na Venezuela, essa liberdade simplesmente não existe, e as cadeias estão cheias de quem deseja a autodeterminação.

Logo, chega a ser cruel esquivar-se de criticar a ditadura venezuelana a pretexto de respeitar o povo daquele país, como se esse povo fosse livre para decidir seu destino. Mas o que Lula faz é ainda pior: trata a tirania chavista como legítima e democrática. 

É inesquecível a declaração de Lula, dada em 2005, segundo a qual há “excesso de democracia” na Venezuela. Essa diatribe, que figura com destaque na antologia da pouca-vergonha lulopetista, mal disfarça a vocação autoritária da seita de Lula: para essa turma, a democracia é “excessiva” quando a oposição ousa questionar líderes que tudo fazem pelo “povo”, como era o caso do ditador Hugo Chávez, segundo sugeriu Lula na época.

Essa declaração já tem quase 20 anos, mas é como se tivesse sido feita ontem. Lula não se emendou, a julgar pelo fato de que, passado tanto tempo, continua incapaz de reconhecer uma ditadura de esquerda quando vê uma, muito menos de condená-la. Em compensação, arvora-se em salvador da democracia no Brasil, onde, ao contrário da Venezuela, a imprensa é livre, as eleições são limpas, o Congresso funciona sem restrições e o Judiciário é independente.

A democracia brasileira não precisa ser salva, pois tem demonstrado, nos recentes testes de estresse a que o presidente Jair Bolsonaro a tem submetido, uma formidável saúde. Mas a democracia brasileira ficaria ainda melhor se a esquerda se modernizasse, isto é, se deixasse de ser prisioneira do terceiro-mundismo nostálgico dos anos 60, época em que tipos sanguinários como Fidel Castro eram os heróis da luta contra o imperialismo americano. É essa visão de mundo retrógrada que faz da esquerda brasileira o espantalho perfeito para uma direita igualmente atrasada e francamente reacionária. Não há progresso possível quando um país se encontra acorrentado a um embate ideológico tão anacrônico.

Nesse processo de modernização, se a direita precisa urgentemente parar de se identificar com um liberticida como Bolsonaro e de flertar com o golpismo, é imperativo que a esquerda supere Lula. É muito provável que novas lideranças de esquerda, mais arejadas, estejam lutando para se afirmar nesse campo, mas não encontram oxigênio para florescer porque a figura de Lula as asfixia. Talvez em razão de seu incontestável capital eleitoral, Lula ainda dita os rumos da esquerda, vinculando-a ao ranço bolivariano, kirchnerista e castrista, entre outras manifestações autoritárias e ultrapassadas.

A esquerda, se pretende se legitimar no debate democrático, deve deixar claro que não se alinha a ditadores de nenhuma espécie, que repele regimes autoritários aqui e em qualquer lugar e que se horroriza com os brutais crimes cometidos por tiranos como Fidel, Maduro e Ortega – tratados com deferência e simpatia por Lula e sua grei. A esquerda deve, enfim, solidarizar-se com os povos que padecem sob o tacão desses ditadores, e não, como Lula fez várias vezes, com aqueles que os oprimem. Para os que são verdadeiramente democratas, não é tão difícil.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 26.08.22

Lula exagera aumento de universitários e outros feitos de seu governo

Ex-presidente reivindicou a criação do Coaf, mas órgão existe desde o governo Fernando Henrique Cardoso

O ex-presidente Lula (PT), candidato à presidência. Foto: Jornal Nacional/Reprodução

O ex-presidente Lula (PT), candidato à Presidência, exagerou a quantidade de pessoas que tiveram acesso ao ensino superior em seu governo. Ele disse ter aumentado a quantidade de alunos universitários de 3,5 milhões para 8 milhões, mas essa marca só foi alcançada em 2015, no governo Dilma. O governo do petista terminou com 6,3 milhões de alunos.

A declaração foi dada durante entrevista no Jornal Nacional nesta quinta-feira, 25. Ao longo de 40 minutos, Lula destacou dados econômicos e sociais de sua gestão. Ele também reivindicou a criação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), mas o órgão existe desde o governo Fernando Henrique Cardoso.

Nem todas as declarações do ex-presidente puderam ser analisadas. Confira a checagem do Estadão Verifica.

Estudantes universitários

O que Lula disse: que havia 3,5 milhões de estudantes universitários no começo de seu governo e 8 milhões ao fim.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é exagerado. De acordo com o Censo da Educação Superior, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep),entre 2002 e 2015 houve um crescimento considerável do número de pessoas matriculadas em cursos superiores, tanto de instituições públicas como privadas.

Segundo a instituição, em 2002, cerca de 3,5 milhões cursavam o ensino superior. Em 2010, no último período do governo Lula, esse número chegou a 6,3 milhões. O número afirmado por Lula na entrevista no Jornal Nacional, contudo, só foi atingido em 2015, já no segundo mandato de Dilma.

Os números registrados levam em conta todos os estudantes matriculados em cursos superiores de universidades municipais, estaduais, federais e privadas. Para aumentar o acesso dos brasileiros ao ensino superior, a influência dos governos de Lula e Dilma concentrou-se, na época, na criação de instituições federais, na ampliação do número de vagas nas faculdades e em iniciativas como o Programa Universidade para Todos (Prouni) e o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies).

Criação do Coaf

O que Lula disse: que seu governo criou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. O Coaf, responsável por atuar como autoridade central do sistema brasileiro de prevenção e combate à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e ao financiamento da proliferação de armas de destruição em massa, foi criado pela Lei nº 9.613 (Lei de Lavagem de Dinheiro), de 3 de março de 1998, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). O conselho foi reestruturado pela Lei nº 13.974, de 7 de janeiro de 2020, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).

Questionada, a assessoria do candidato disse que Lula estava elencando iniciativas “criadas ou reforçadas no seu governo” quando mencionou órgãos como o Coaf.

Desemprego no governo Dilma

O que Lula disse: o governo Dilma teve o menor desemprego da história do país, 4,5%.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: verdadeiro, mas falta contexto. Segundo a série histórica da Pesquisa Mensal do Emprego (PME), do IBGE, a taxa de desocupação chegou a 4,3% em dezembro de 2014, durante o governo de Dilma Rousseff. Em fevereiro de 2016, último dado coletado pela pesquisa, o índice registrado foi de 8,2%.

Não há como verificar se a administração da ex-presidente conquistou a menor taxa de desemprego da história porque o levantamento informado pelo IBGE começou somente em 2002. Além disso, não é possível comparar os índices de desocupação da PME com dados de desemprego recentes. Atualmente, o IBGE mede o nível de desemprego do país por meio da pesquisa PNAD Contínua, que teve início em 2012 e adota uma metodologia diferente. A menor taxa de desemprego registrada pela PNAD foi de 6,3%, no trimestre de outubro, novembro e dezembro de 2013.

Inflação

O que Lula disse: que a inflação no começo de seu governo era de 12% e que ele reduziu para 4,5%.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: falta contexto. Lula acerta ao afirmar que herdou uma inflação de 12% do governo anterior. Durante os dois mandatos do petista, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação, ficou abaixo do percentual citado por Lula em 2006 (3,14%), 2007 (4,46%) e 2009 (4,31%). Porém, o ex-presidente encerrou o último ano de governo com uma inflação de 5,91%.

Criação do Portal da Transparência

O que Lula disse: que seu governo criou o Portal da Transparência.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é verdadeiro. O Portal da Transparência foi lançado pela Controladoria-Geral da União (CGU) em 2004, durante o primeiro mandato de Lula. 

Lei de Acesso à Informação

O que Lula disse: que seu governo criou a Lei de Acesso à Informação (LAI).

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: falta contexto. A Lei de Acesso à Informação foi sancionada em 18 de novembro de 2011, primeiro ano do governo Dilma Rousseff (PT), mas as articulações realmente começaram em 2003, quando Lula era presidente. O processo de criação do projeto de lei começou no I Seminário Internacional sobre Direito de Acesso a Informações Públicas, em Brasília. Dele, surgiu o Fórum de Direito de Acesso à Informação Pública, de onde se formou um grupo que apoiou a criação do PL 219/2003, do deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG). O projeto foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça em 2004 e passou a tramitar na Câmara. Na época, o deputado Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) alertou que o projeto seria considerado inconstitucional, porque partia da Câmara, mas traria custos à União.

Em 2006, então, durante a campanha para a reeleição, Lula prometeu enviar um projeto de lei sobre o assunto, o que aconteceu em 2009. O PL 5.228/2009 chegou à Câmara, foi apensado ao PL 2019/2003 e a tramitação seguiu. O projeto permitia sigilo eterno em documentos, o que foi retirado em 2010, quando foi aprovado na Câmara, ainda no governo Lula. A matéria chegou ao Senado e foi aprovada no ano seguinte, já no governo Dilma.

Dívida pública

O que Lula disse: que, em seu governo, a dívida pública começou em 60,4% do PIB e terminou em 39%.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é impreciso, mas próximo do que aconteceu de fato. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em dezembro de 2002 a dívida pública total do Brasil era de cerca de 59,93% do Produto Interno Bruto (PIB). A dívida recuou para 37,98% em dezembro de 2010. 

Empréstimo ao FMI

O que Lula disse: que seu governo emprestou US$ 15 bilhões para o FMI.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é exagerado. De acordo com o FMI, o Brasil emprestou dinheiro à instituição pela primeira vez na história em 2009. Contudo, o valor emprestado foi de US$ 10 bilhões, cerca de 1/3 a menos do indicado pelo presidente na entrevista do Jornal Nacional. Na época, o governo Lula já havia quitado todas as suas dívidas com o FMI. 

Dívida com o FMI

O que Lula disse: Em 2003, o Brasil devia US$ 30 bilhões ao FMI.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é verdadeiro. Em 2002, na gestão de Fernando Henrique Cardoso, o Brasil fechou acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) de 15 meses para o empréstimo de US$ 30,4 bilhões em recursos para o País. A dívida foi herdada pelo governo de Lula, em 2003.

Endividamento das famílias

O que Lula disse: que hoje 70% das famílias brasileiras estão endividadas.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: o dado está desatualizado. Pesquisa da Confederação Nacional do Comércio (CNC) concluiu.

O que Lula disse: que 22% das famílias endividadas não conseguem pagar conta de água e luz.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é exagerado. Em julho, segundo pesquisa da Confederação Nacional do Comércio (CNC),

10,7% DAS FAMÍLIAS BRASILEIRAS NÃO TINHAM COMO PAGAR SUAS CONTAS

A pesquisa mostra também que 29% das famílias brasileiras estavam inadimplentes. Ou seja, atrasadas no pagamento de algum tipo de conta e/ou dívida.

A assessoria do petista informou que o dado sobre as famílias endividadas que não conseguem pagar luz e água saiu da pesquisa Serasa Experian, divulgada nesta quinta-feira (25). No entanto, os números não dizem que 22% dos endividados não conseguem pagar contas de água e luz, e sim que 22,2% das dívidas dos brasileiros são com as contas básicas, como água, luz e gás. Elas aparecem logo após os bancos e cartões, que respondem por 28,6% do total.

Orçamento secreto

O que Lula disse: que deputados destinam verbas de “R$ 100 milhões, R$ 200 milhões” por meio do orçamento secreto.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é verdade. Em 7 de maio deste ano, o Estadão mostrou que prefeitos tinham negociado R$ 13,1 bilhões por meio do orçamento secreto em ano eleitoral. Na época, o deputado que tinha pedido o maior valor do orçamento secreto era José Nelto (PP-GO), com R$ 176,1 milhões, seguido de Roman (PP-PR), com R$ 152,3 milhões. A cifra de R$ 200 milhões havia sido pedida por um senador, mas não por deputado. O pedido partiu de Wellington Fagundes (PL-MT).

Em maio do ano passado, o Estadão já havia mostrado que o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), havia conseguido destinar R$ 114 milhões do orçamento secreto em emendas parlamentares, mas o valor cresceu. O Congresso em Foco publicou em maio deste ano uma lista de parlamentares que conseguiram destinar mais de R$ 100 milhões do orçamento secreto, e Arthur Lira aparece em terceiro lugar, com R$ 357,4 milhões.

Lira aparece atrás apenas de dois senadores: Márcio Bittar (União-AC) e Eliane Nogueira (PP-PI) – mãe do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira. Documento enviado pelo Senado ao Supremo Tribunal Federal (STF) em maio deste ano mostra que Bittar destinou R$ 460,3 milhões e Eliane Nogueira, outros R$ 399,3 milhões do orçamento secreto.

Socorro a produtores rurais

O que Lula disse: que seu governo editou MP com socorro de R$ 85 bilhões a produtores rurais.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é impreciso. De fato, o governo Lula enviou ao Congresso Nacional o texto da MP 432/2008 que previa a renegociação de 85% da dívida dos produtores rurais. O valor correspondia a R$ 75 bilhões de um total de dívida de R$ 87,5 bilhões contraídas nas décadas de 1980 e 1990. Foi aprovada e convertida na Lei 11.775/2008.

Clarissa Pacheco, Jorge C. Carrasco, Luciana Marschall, Victor Pinheiro e Denise Chrispim, especial para o Estadão, em 25.08.22 às 23h47

Quem são os indecisos que podem decidir eleição presidencial no 1º turno

Mas o fato de serem poucos, não torna os eleitores indecisos menos decisivos nesta eleição.

Bolsonaro está em segundo, e Lula, em primeiro, nas pesquisas de intenção de votos. Mais de 80% dos eleitores de ambos se dizem definitivamente decididos (Reuters)

"É Lula e Bolsonaro, né?", responde de pronto a diarista Maria Salomé Lopes, de 59 anos, quando a BBC News Brasil pergunta se ela sabe quem está concorrendo à presidência da República nas eleições de 2022. Enquanto a eleição se aproxima e a disputa entre o ex-presidente Lula (PT) e o atual presidente Bolsonaro (PL) se acirra, Maria ainda parece longe da definição sobre quem deve levar seu voto. "Eu sou meio indecisa. Na outra eleição (2018), eu anulei, não confiei nas palavras de ninguém. Esse ano, acho que vou decidir só no dia mesmo", afirmou.

Maria divide com o marido e a filha, de 38 anos, uma casa alugada em Diadema, na região metropolitana de São Paulo. A renda da família chega a cerca de 3 salários mínimos mensais, somados os salários dele, como vigia noturno, os rendimentos dela, com suas faxinas, e da filha do casal, que trabalha numa confeitaria.

Maria é parda, católica de ir à missa "quase todo domingo" e estudou apenas até a quarta série.

Maria Salomé Lopes, de 59 anos, se diz uma eleitora indecisa em 2022. O perfil socioeconômico dela é o mesmo de boa parte dos brasileiros que dizem ainda não ter escolhido candidato (Arquivo Pessoal)

Ela também é a cara do eleitorado que chega indeciso pouco mais de 40 dias antes de uma das eleições mais discutidas e antecipadas da história recente do Brasil.

Segundo uma pesquisa Genial/Quaest, que entrevistou 2 mil pessoas presencialmente entre os dias 11 e 14 de agosto em todo o país, e à qual a BBC News Brasil teve acesso com exclusividade, a maioria dos atuais indecisos são mulheres (64%), católicos (50%), pardos (48%), vivem na região Sudeste do país (47%), têm renda familiar de até 5 salários mínimos (83%), não concluíram o Ensino Fundamental (40%), têm idade entre 45 e 59 anos (26%).

Diferente de Maria, no entanto, a maioria dos atuais indecisos escolheu alguém em 2018: 34% deles votaram em Bolsonaro, contra 25% que optaram pelo petista Fernando Haddad. Só 14% votaram branco ou nulo, como Maria.

Menor número de indecisos em décadas

As eleições de 2022 ficarão marcadas como aquelas com menor número de indecisos nas últimas décadas.

A tendência já estava clara desde o primeiro semestre deste ano, quando o agregador de pesquisas do site Jota verificou que 58% eleitores brasileiros já sabia indicar, espontaneamente, a quem direcionaria seu voto em outubro. Em 2018, em comparação, eram cerca de 22%.

"Os (totais de) indecisos, principalmente na pergunta espontânea, são os mais baixos da nossa história e os indicadores de interesse são os mais altos em todos os estratos, em todos os segmentos", afirma o cientista político Felipe Nunes, diretor da Quaest.

2022 é a eleição com menor número de indecisos na história brasileiras (Abdias Pinheiro / SECOM/TSE)

A pergunta espontânea é aquela feita em um levantamento eleitoral sem que o pesquisador tenha que mostrar ao eleitor um cartão com o nome dos candidatos disponíveis.

É considerada uma medida importante não para descobrir o resultado do pleito em si, mas para saber o grau de consolidação desses votos.

Pessoas que nomeiam seu candidato sem ajuda tendem a ter menos chance de mudar de ideia até o dia da eleição.

Para o cientista político Carlos Melo, do Insper, a escassez de indecisos em 2022 está ligada à antecipação da disputa.

"Esta eleição está colocada para o brasileiro há muito tempo. De fato, a eleição de 2018 parece nunca ter acabado. O presidente Bolsonaro não desceu do palanque, nunca fez um discurso mais amplo, pra abarcar a população toda. E, em março do ano passado, Fachin anulou os processos contra o Lula, o reabilitando pra disputa, o que aumentou a especulação sobre o pleito", afirma Melo.

Mas o fato de serem poucos, não torna os eleitores indecisos menos decisivos nesta eleição.

Primeiro porque eles são um dos poucos bolsões de votos ainda disponíveis para os candidatos, já que as últimas sondagens eleitorais mostram que mais de 80% dos que declaram voto tanto em Lula quanto em Bolsonaro já não consideram reavaliar suas opções.

Segundo porque, embora insuficientes para inverter a ordem entre o primeiro (Lula) e o segundo (Bolsonaro) colocados nas pesquisas, esses quase 11 milhões de pessoas em dúvida, ou 7% do eleitorado, segundo pesquisa mais recente do Ipec, seriam suficientes para liquidar a disputa ainda no primeiro turno.

Mas afinal, o que querem os indecisos?

De acordo com o levantamento da Quaest que mapeou o grupo, os indecisos não estão na classe média ou entre os mais ricos. Não são também, necessariamente, os que estão em pior situação de renda ou escolaridade.

São, na verdade, uma camada intermediária, que sonhou ter consumo de classe média, mas empobreceu recentemente.

"A maior concentração de indecisos está dada nas regiões metropolitanas das capitais, principalmente do Sudeste do Brasil. A gente está falando, portanto, de gente que perdeu renda nos últimos anos", afirma Nunes, mostrando que as campanhas de Lula e Bolsonaro estão afiadas com os dados ao focar suas atenções de campanha na região.

Embora Bolsonaro e Lula tenham feito visitas ao Nordeste, foco das campanhas é o Sudeste, onde está a maior parte dos indecisos (Crédito EPA)

Perguntada sobre o principal problema do Brasil, Maria, que nunca recebeu parcelas do auxílio emergencial, não tem dúvida: "Essa fome do povo, minha filha, essa carestia dessas coisas". E complementa: "As pessoas sem casa para morar, né, sem nada."

Maria diz que no último ano a condição financeira da família piorou, mas não a ponto de passar fome ou não pagar o aluguel. A mesma resposta é dada por 56% dos indecisos, segundo o levantamento da Quaest.

Com base nessa resposta, seria fácil imaginar que esse grupo tenderia a votar em Lula, já que nas pesquisas de intenção de votos ele costuma ser apontado pela maior parte dos eleitores como uma referência no combate à fome.

Mas a escolha do voto é uma questão multifatorial. E, segundo Nunes, a localização geográfica desse grupo ajuda a explicar porque seguem indecisos: as regiões metropolitanas das cidades sudestinas são conhecidas por terem sofrido historicamente com altos índices de violência urbana. E Bolsonaro faz campanha com base na noção do armamento de civis para combater o crime e propagando a redução nacional na taxa de homicídios, que aconteceu nos últimos anos.

"Bolsonaro é visto como quem representa a melhor solução para a violência e o Lula, a melhor solução pra economia. Esse eleitor que está na margem, na borda das grandes cidades, é um eleitor que está dividido entre essas duas questões. Ele sabe o que um representa, sabe o que o outro representa. Mas não sabe o que pesa mais (em sua vida) nesse momento", diz Nunes.

A questão da segurança se torna ainda mais complexa quando olhada pela perspectiva das mulheres, maioria entre os indecisos.

"As mulheres se preocupam muito com o combate à criminalidade, mas não a qualquer custo. Muitas são mães solo e têm filhos que estão na criminalidade ou filhos que podem ser alvo da violência policial nas favelas", afirma Nara Pavão, professora da Universidade Federal de Pernambuco e estudiosa do tema gênero e preferência eleitoral.

Bolsonaro amarga rejeição em torno de 50% entre as mulheres, em parte por sua imagem armamentista.

As mulheres são a maioria entre os eleitores indecisos (Rovena Rosa / Ag. Brasil)

O tema seria um dos motivos pelos quais, mesmo tendo muita identificação com o público evangélico, o presidente ainda encontra resistência entre as fiéis, que vêm sendo cortejadas pelo ex-presidente Lula. De acordo com o mapeamento da Quaest, 29% dos indecisos se dizem evangélicos.

Para as mulheres também pesa negativamente a abordagem de Bolsonaro em relação à saúde pública. Pesquisas têm mostrado que elas são mais propensas a tomar medidas de distanciamento social e prevenção de doenças do que os homens.

"Eu achei um desaforo ele falar que a pandemia, que aquilo tudo, era uma coisinha de nada", afirma Maria, que perdeu um cunhado para a covid-19, referindo-se ao fato de o presidente ter chamado a doença de "gripezinha".

Não é surpreendente que a maior parte dos atuais indecisos seja feminina. Historicamente, mulheres costumam compor a maior parte do eleitorado indeciso no Brasil. A ciência política sempre ofereceu duas razões principais para isso, de acordo com as pesquisas feitas com o eleitorado brasileiro.

A primeira seria uma maior aversão delas ao risco — o que significa que só tomariam uma decisão quando se sentissem bem informadas o suficiente pra dar esse passo.

O segundo motivo é o suposto menor interesse das mulheres pelo cotidiano da política partidária, o que as levaria a ter menos informação de antemão e a tomar uma decisão tardia.

No caso de Maria, no entanto, a falta de informação não parece ser o problema. Embora admita que em seu convívio as pessoas falem pouco de política, ela diz que não gostou "de nada" do que fez Bolsonaro. Questionada sobre Lula, não titubeia: "também não". Afirma que nunca votou em nenhum dos dois.

Segundo Carlos Melo, assim como em 2018, essa será de novo uma eleição pautada pelas rejeições dos eleitores. Há quatro anos, era um voto sobre o antipetismo. Agora, sobre o antibolsonarismo. Os indecisos, ou os nem-nem, nas palavras de Melo, terão que se definir entre o que lhes parece o menos pior entre esses dois mundos.

Mariana Sanches - @mariana_sanches, da BBC News Brasil em Washington, em 23.08.22. Publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-6264088

Como erro da polícia libertou da prisão 138 suspeitos de integrarem o PCC

PCC é uma das três facções que controlam o crime organizado no Ceará

Homens presos atrás do arame farpado (Getty Images)

Quando a polícia entrou na casa, em 28 de dezembro de 2018, encontrou dois gramas de cocaína em uma mesa, duas balanças e comprovantes de depósitos bancários. Na sala estava James Machado Cordeiro, um microempresário conhecido como "Irmão Simpson" e que depois seria apontado pela investigação como um dos chefes da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) no Ceará.

O celular do homem foi imediatamente apreendido. Depois, os policiais vasculharam os contatos e as mensagens que Simpson trocara em grupos de WhatsApp. O material encontrado no aparelho levaria a prisão do empreendedor e de outras 219 pessoas nos meses seguintes, todas sob acusação de pertencerem ao PCC, grupo criminosos que surgiu nos presídios de São Paulo e se espalhou pelo Brasil.

Mas, segundo a Justiça, os policiais da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco) cometeram duas irregularidades que colocaram toda a operação em cheque: invadiram a casa de James Cordeiro sem mandado judicial e não tinham autorização da Justiça para acessar os dados de seu celular.

O resultado do "erro" só chegou em maio deste ano: toda a investigação, prisões e condenações foram anuladas pelo Tribunal de Justiça do Ceará (TJ-CE), levando à soltura do "Irmão Simpson" e mais 138 pessoas.

Desde o início, a operação policial "Aditum 3" foi anunciada como um duro golpe da polícia na facção — uma das três que controlam o crime organizado no Ceará, junto ao Comando Vermelho (CV) e aos Guardiões do Estado (GDE).

Segundo a denúncia do Ministério Público (MP), no celular de Simpson havia um grupo de WhatsApp com 400 membros do PCC. Desses, "240 foram identificados, sendo 46 lideranças, dois suspeitos de ocuparem cargos de confiança e 192 membros".

Havia até fichas com o nome dos inscritos na quadrilha, apelido, bairro de origem, data do "batismo" na facção, número de matrícula e "padrinhos". E, nos grupos, supostos integrantes decidiam até se uma pessoa deveria ser assassinada ou não.

Nos meses seguintes, 219 pessoas foram presas e acusadas de integrarem a organização criminosa.

Simpson foi condenado em primeira instância a 12 anos e seis meses de reclusão em regime fechado. Só foi solto neste ano, depois da anulação de todo o processo pela Justiça.

Na denúncia, o MP apontou que ele usava sua "condição de microempresário do ramo de festas e buffet para passar despercebido e se inserir na sociedade". Ele teria entrado na quadrilha ao ser "batizado" por dois "padrinhos" quando esteve preso em uma cadeia no interior do Estado.

"(Ele) descreveu seu papel na mencionada facção como 'geral do estado', que consiste em propagar a disciplina e a ideologia da facção dentro dos presídios e para os integrantes que se encontram soltos. Proclama possuir funções específicas e de destaque", narra a denúncia.

Segundo a investigação, o réu se comunicava com outros chefes do PCC por meio de conferências telefônicas, pelas quais "são tratados assuntos diversos sobre acontecimentos envolvendo membros da facção, tais como: cobranças de dívidas, batismos de novos membros, atualização de cadastro de membros, e as demais decisões."

'Voluntariamente'


(Crédito da foto: Getty Images)

O caso começou no final de dezembro de 2018. A Polícia Civil afirmou que recebeu uma "denúncia anônima" de que um homem conhecido como "Irmão Simpson", morador de uma casa em uma vila de Fortaleza, era um traficante de drogas e ocupava a função de "conselheiro geral" do PCC no Ceará.

O Ministério Público afirmou que os policiais, ao chegarem ao local, encontraram "os portões da vila e da casa abertos". Quando entraram, viram um pó branco, duas balanças de precisão e comprovantes bancários que seriam oriundos do tráfico de drogas.

A Constituição determina que a polícia só pode entrar em uma casa com consentimento do morador ou em posse de um mandado judicial. Mas há exceções, como indícios claros de que algum crime está sendo cometido, como um homicídio, ou para prestar socorro.

"Se os policiais tivessem feito campana na frente da casa poderiam ter elementos para pedir um mandado de buscas para a Justiça. Mas eles só disseram que receberam uma denúncia anônima, e isso não é um elemento que justifica a entrada", explica um defensor público que atuou no caso — ele pediu para não ser identificado nesta reportagem.

Embora o juiz de primeira instância não tenha considerado isso um problema, os desembargadores do TJ-CE concordaram com a tese da Defensoria Pública. "Nesse caso se observa situação de flagrante nulidade absoluta, na medida em que se constata que houve violação injustificada do domicílio do réu", escreveram.

"Fica evidente que a diligência policial foi originada tão somente em virtude de uma denúncia anônima, não tendo sido mencionada a existência de qualquer investigação para apurar a ocorrência do comércio espúrio na localidade ou para monitorar as ações do acusado", disseram os magistrados.

Outro ponto crucial foi o celular.

Os policiais encontram Simpson com um aparelho. "O denunciado voluntariamente teria fornecido a senha para acesso às informações nele contidas", narra a denúncia do MP.

O PCC sugiu dentro dos presídios paulistas e se espalhou pelo Brasil (Reuters)

A palavra "voluntariamente" é a chave para entender por que o processo criminal foi anulado quase quatro anos depois.

O juiz de primeira instância considerou que o microempresário de fato forneceu a senha de seu celular aos agentes.

Mas, na segunda, os desembargadores disseram que todos os dados extraídos do aparelho foram obtidos ilegalmente, porque a polícia não tinha autorização judicial para acessar o celular, como manda a lei.

"Eles consideraram que não fazia sentido o réu ter dado sua senha voluntariamente. Por que ele produziria provas contra ele mesmo? A denúncia também não explica em que circunstâncias isso aconteceu", diz o defensor.

O tribunal então inocentou o microempresário por conta das ilegalidades, o que gerou um efeito cascata nos outros processos que se seguiram.

'Frutos da árvore envenenada'

O argumento seguiu uma teoria jurídica conhecida como "frutos da árvore envenenada". Ela sustenta que se a prova de um crime foi obtida de maneira ilícita, isso contamina todo o processo e invalida outras evidências — ou seja, uma árvore envenenada só dá frutos envenenados.

"Não é apenas uma elaboração teórica, mas uma determinação expressa do Código Processo Penal", explica Maíra Zapater, professora de Direito Penal da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

"A lei diz que tudo o que decorre de uma prova ilícita é nulo. Esse é um limite que se coloca para que o Estado investigue um cidadão dentro da lei, que não seja por meio de tortura, por exemplo, ou com invasão de domicílio."

Mas nem sempre a Justiça brasileira segue essa determinação, segundo defensores e especialistas ouvidos pela BBC News Brasil. Condenações de réus que tiveram suas casas invadidas por policiais sem mandado, por exemplo, costumam chegar a cortes superiores, como o Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ).

"É muito frequente o uso de provas ilícitas nos processos penais no Brasil. Muitas vezes, isso só é discutido quando o processo chega em tribunais superiores. Quando aplicam a lei, todo aquele conteúdo probatório precisa ser refeito", afirma Zapater.

No caso cearense, os desembargadores disseram que os policiais deveriam ter investigado o empresário antes de entrar na casa dele, e que um pedido de autorização judicial provavelmente seria atendido.

"Teria sido possível obter as provas necessárias validamente para instruir a ação", escreveram.

Segundo eles, os policiais fizeram uma "investigação especulativa, sem objetivo certo ou declarado, que 'lançou' suas redes com a esperança de 'pescar' qualquer prova, para subsidiar uma futura acusação."

O Ministério Público não recorreu da decisão, e o processo foi encerrado.

Em nota à BBC News Brasil, a Polícia Civil do Ceará afirmou que a operação "Aditum 3" respeitou "as normas do Código de Processo Penal, através de diligências policiais, levantamentos de campo e constatação de denúncias sigilosas da população."

E continuou: "Cabe destacar que o argumento utilizado pelo Poder Judiciário se baseou em um entendimento, ainda não consolidado e vinculante, que somente passou a ser utilizado no início deste ano".

Tribunal do crime

O microempresário foi acusado de participar de 'tribunais do crime', quando membros da facção decidem se uma pessoa deve ou não ser assassinada (Getty Images)

Na denúncia, o MP acusou Simpson de participar dos chamados "tribunais do crime", quando membros de facções decidem em conjunto qual seria a punição para alguém.

Em uma das conversas, Simpson e outros homens discutiram se um rapaz deveria ser assassinado — ele fora acusado de estuprar uma mulher na periferia de Fortaleza. Depois do apelo da mãe do jovem e de um morador do bairro, eles desistiram de cometer o crime.

Em outra discussão, supostos integrantes do PCC, entre eles o microempresário, foram cobrados por uma mulher cujo marido havia sido assassinado por criminosos da quadrilha rival, os Guardiões de Estado. Ela pedia proteção à família, que estava sendo ameaçada.

Relatos como esses e outros dados do celular de James Machado Cordeiro levaram a prisão dele, de 216 homens e mais três mulheres.

A Justiça dividiu os processos em grupos de 10 a 15 réus, mas todos foram absolvidos de serem membros da facção depois da decisão sobre Simpson em maio deste ano. Essas ações secundárias eram os "frutos" da "árvore envenenada" do processo anterior — ou seja, eles foram anulados pela Justiça.

Ao todo, 138 pessoas foram soltas nos últimos meses — o restante cumpre penas por outras condenações.

Quando foram detidos, todos prestaram depoimento à polícia. A grande maioria já tinha cumprido pena em alguma prisão do Ceará — grande parte das cadeias do Estado nordestino é dominada por alguma facção.

Mas a maioria negou ter ligação com a quadrilha, segundo os testemunhos anexados ao processo. Outros disseram que só entraram para a facção para ter proteção nos presídios — um deles relatou que foi obrigado a se filiar, pois "em caso contrário, seria morto."

Um dos acusados, por exemplo, afirmou que o PCC não fazia grandes exigências para batizar novos membros no Ceará. "Só pediam o nome completo, o bairro, e a caixinha", disse.

"Caixinha" é a contribuição que os integrantes têm de pagar mensalmente. Segundo os depoimentos, a taxa variava entre R$ 20 e R$ 30, mas o valor "dependia da situação financeira do preso".

Outro réu contou ter conhecido membros do PCC ao ser mandado para um presídio dominado pela organização. "A depender da cadeia onde você entra, vai para um lado ou para o outro", disse, em referência às outras facções. Mas ele negou a filiação. "Eles exigem que você mate, roube. Falam um monte de baboseiras para te convencer", disse.

Em outro caso, um homem reconheceu sua inscrição, mas disse que isso não rendia muito dinheiro. O que ganhava com o tráfico de drogas só "servia para a subsistência" e para criar uma filha bebê, disse. Embora o PCC exigisse 30% de seu lucro, "não pago nada, porque não sobra nada."

Já uma mulher, mãe de um bebê nascido um mês antes de sua prisão, contou ter feito parte da quadrilha por alguns meses por ordem do ex-marido, que a obrigava a transportar drogas.

"Eu fugi para outro bairro, pois não aguentava mais fazer tudo o que ele mandava. Ele me ameaçou de morte. Fugi dele e da facção", relatou.

Para um defensor que atuou nos processos, a investigação e a denúncia do MP não conseguiram demonstrar como cada um dos acusados atuava na organização.

"Não ficou provado qual era o papel de cada um, quais crimes eles cometeram, o que eles faziam dentro da facção...", disse.

Para outra defensora, que também pediu anonimato, "basicamente, as pessoas foram acusadas porque estavam na lista de contatos do empresário. Em alguns casos havia fotos com eles fazendo símbolos e gestos em alusão à organização, mas não havia outras provas robustas para condenar. O MP sequer recorreu", afirma.

Em nota à reportagem, a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Ceará afirmou que a operação Aditum 3 "foi fundamental para a desarticulação da estrutura de uma organização criminosa e as capturas de seus integrantes envolvidos em homicídios, tráfico de drogas, associação para o tráfico e lavagem de dinheiro no Estado."

Facções no Ceará

Caminhões também foram alvo de ataques incendiários na capital cearense em janeiro de 2019 (Crédito da foto: Agencia France Press / AFP)

O PCC divide e disputa o controle do crime organizado no Ceará com outras duas facções, o carioca Comando Vermelho e a local GDE — essa última surgiu em 2016, em contraposição aos dois grupos nacionais.

Nos últimos anos, houve episódios de violência atribuídos às quadrilhas, como assassinatos em série, além de ataques a ônibus e a prédios públicos.

Segundo Luiz Fábio Paiva, coordenador do Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará (UFC), as facções atuam em diversas frentes no Estado: tráfico de drogas e de armas, roubos de carga, assaltos a bancos, venda de serviços em bairros da periferia e extorsão de comerciantes.

"Já tivemos períodos de enfrentamento entre essas facções, gerando violência e assassinatos. Mas hoje há consolidação dos grupos nacionais, pois a facção local, a GDE, não teve força e estrutura para se tornar hegemônica como pretendia", diz.

Ele explica que há diferentes níveis de vinculação às organizações — pessoas de fato envolvidas com ações criminosas e outros que "vestem a camisa" por proteção ou proximidade geográfica.

"Há pessoas que se dizem do PCC porque moram em um bairro controlado por ele, mas isso não significa que elas tenham uma ligação estreita com o grupo, e que participam ou planejam atividades criminosas. Funciona mais ou menos como vestir a camisa de uma torcida organizada", diz.

"Há outros que entram para se proteger na cadeia ou mesmo no território onde vive. Às vezes a pessoa se filia para não ser assassinado por membros da própria facção. Ou seja, elas vendem proteção contra elas mesmas", afirma.

Em nota à reportagem, a Polícia Civil cearense disse que, nos últimos quatro anos, "um total de R$ 187 milhões em bens pertencentes a organizações criminosas foram confiscados, o que fortalece o trabalho de descapitalização desses grupos, por meio das ações de inteligências e de investigação."

Segundo a pasta da Segurança Pública, o número de homicídios diminuiu 18,3% no Ceará no ano passado em relação a 2020. Ao todo, 3.299 pessoas foram assassinadas no Estado em 2021.

Leandro Machado para a BBC News em São Paulo.  Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62654177 - (26.08.22)