sábado, 27 de março de 2021

Brasil tem 3.440 mortes por covid em 24 horas

Óbitos recuam em relação à véspera, mas país já acumula mais de 310 mil vítimas, dos 12,5 milhões de infectados com o coronavírus desde o início da pandemia. Taxa de mortalidade por 100 mil habitantes se aproxima de 148.


    

Vacinação à noite e ao ar livre em Manacapuru, Amazonas

O Brasil registrou oficialmente 85.948 novos casos confirmados de covid-19 e 3.438 mortes ligadas à doença neste sábado (27/03), segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass).

Com isso, o total de infecções identificadas no país subiu para 12.490.362, enquanto os óbitos chegaram a 310.550. Ao todo, 10.824.095 pacientes se recuperaram da doença, segundo o Ministério da Saúde. O Conass não divulga número de recuperados.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes está em 147,8 no Brasil, a 17ª mais alta do mundo, desconsiderados os Estados-nanicos San Marino, Andorra e Liechtenstein.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 30 milhões de casos, e seguido da Índia, com quase 12 milhões. É também o segundo em número de mortos por covid-19, depois dos 549 mil em solo americano.

Ao todo, quase 127 milhões já contraíram o coronavírus no mundo, e 2,772 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença respiratória, segundo dados da Universidade Johns Hopkins.

Deutsche Welle / Brasil, em 27.03.2021

sexta-feira, 26 de março de 2021

FHC diz a empresários que ‘Brasil está precisando de lideranças’

Em evento digital com mais de cem dos principais dirigentes do setor do varejo, ex-presidente pede correção de rumo após pandemia

 O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso avalia que o Brasil está “precisando de lideranças”. Para uma plateia digital de mais de cem dos principais empresários e dirigentes do setor do varejo, que participaram do evento “Quando os presidentes se encontram”, organizado na noite de quinta-feira pela Gouvêa Ecosystem, o tucano foi direto. Disse que, passada a pandemia do coronavírus, será cada vez mais necessário que o Brasil tenha uma liderança adequada para reorganizar seu rumo.

“Na emergência, vê-se mais claramente a importância da liderança. Se não houver liderança, é difícil a adaptação”, disse o ex-presidente. “Estamos precisando de lideranças no Brasil. Gente que, ao fazer isso, se exponha também. Líder não é quem já sabe. É quem se expõe. Olha, o caminho que eu acho é esse. Você vem comigo? Se for, tudo bem, você vira líder. Se não, você fica sozinho. Liderar não é mandar, é ter aceitação”, afirmou o ex-presidente. 


FHC diz que PSDB deveria ter adotado outra postura na eleição: ‘Se não vai ganhar, é para marcar posição’, afirma Foto: Alex Silva / Estadão

Com o pesado impacto da pandemia sobre a economia do País, o setor do varejo tem discutido soluções para reagir às dificuldades enfrentadas desde o ano passado. A visão de Fernando Henrique sobre o momento político atual e as perspectivas para a eleição de 2022 acabou chamando a atenção de empresários e dirigentes como Beto Funari (Alpargatas), Flávio Rocha (Riachuelo), Antonio Carlos Piponzzi (Drogarias Raia), Artur Grynbaum (Boticário), Stephane Engelhard (Carrefour), Ricardo Bomeny (BFFC/Bob's) e Sérgio Zimmerman (Petz), entre outros. Promotora do evento, a Gouvêa Ecosystem oferece serviços e consultoria especializada no mercado de consumo e varejo. 

Perguntado sobre o cenário de 2022, o ex-presidente bateu na tecla da importância do surgimento de lideranças que dêem conta dos efeitos da pandemia. “O fato é que alguns problemas vão bater de cara conosco. Um é óbvio. O desemprego cresceu muito no Brasil. Já vinha crescendo. Mas se acelerou”, disse.

Por isso, Fernando Henrique prevê que o Brasil precisará de “mais e não menos governo” para reagir às dificuldades: “Nós vamos precisar, na sociedade que vem por aí, de mais e não menos governo. É uma afirmação complicada. Porque nós não gostamos de governo. Preferimos as liberdades individuais. Governo é uma coisa, geralmente, burocrática. Não resolve o que achamos importante resolver. Mas, bem ou mal, a sociedade brasileira, depois da pandemia, vai precisar de ação governamental. Teremos capacidade de agir? Não é garantido”.

Questionado pelos empresários sobre a provável candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Henrique não escondeu seu receio de que, depois da pandemia, a polarização se concretize, opondo Jair Bolsonaro ao petista: “Nessa hora de dificuldade, não é hora de nós e ele. Eu não gosto dessa polarização. É provável que saiamos dessa crise polarizados. Da minha parte, faço tudo para que não ocorra isso. Porque acho que é ruim a polarização”.

Segundo ele, a polarização com Lula é o cenário ideal defendido por Bolsonaro, na expectiva de que ele seria capaz de vencer o petista, caso a disputa se restrinja aos dois. “Tenho a impressão que Lula é o candidato dos sonhos do Bolsonaro porque polariza. E na polarização ele ganha de novo”, explicou.

Na conversa com os empresários, Fernando Henrique também deixou claro que acha pequenas as chances de vitória de Lula na eleição presidencial de 2022: “Como ele demonstrou no governo menos capacidade de governar do que eu imaginava, acho que dificilmente vai ganhar de novo. Mas pode. Contra o Bolsonaro, vai polarizar de novo. O que vou fazer? Eu prefiro que não. Se polarizar, é ruim para o Brasil. Por isso, acho que precisamos fazer força para ter um caminho que nos livre dessa alternativa”.

Para o tucano, um eventual novo governo de Lula seria ruim. “Não é ruim no sentido de que o Lula vai fazer o socialismo, o comunismo. Ele não vai fazer isso. Não é da alma do Lula. Vai fazer o que sempre fez. Vai acomodar. Ele é inteligente. Vai falar com o povo de uma maneira que o povo vai gostar. Ele sabe agradar. Mas não tem um rumo definido. O Brasil está precisando de alguém que tenha um pouco mais de lado, um pouco mais de capacidade de dizer: vamos por aqui que a gente vai chegar lá”, afirmou o ex-presidente. 

Fernando Henrique foi questionado sobre a possibilidade de surgir uma candidatura competitiva no centro, como alternativa a Bolsonaro e Lula. Para ele, esse seria o cenário ideal. Mas defende que esse perfil não seja meramente um meio termo entre os pólos políticos representados hoje por Bolsonaro e Lula. O ex-presidente acha que o representante dessa corrente precisará ter posições fortes se quiser vencer.

“Centro não pode ser uma coisa anódina. Isso aí não ganha. Centro tem de ter lado. E qual lado tem de ser importante no Brasil? Tem de ser o Centro progressista. Tem de ser progressista na economia. Tem de entender que o nosso sistema é esse aí que está e tem de melhorar. Precisamos de capacidade tecnológica. Temos de dar muita atenção à Educação”, disse. E mostrou-se disposto a ajudar um candidato que “simbolize o progresso”.

Perguntado sobre a possibilidade de haver a candidatura de algum empresário, como Luiza Trajano, da Magazine Luiza, ou do apresentador Luciano Huck, Fernando Henrique defendeu que eles se lancem, se acreditarem que estão dispostos a enfrentar esse desafio.

“A chance de ganhar não é grande. Porque a chance de polarização é muito grande. Agora, independentemente de ter chances de ganhar, precisa existir essa candidatura. Precisa que alguém tenha coragem. Na política, você precisa ter coragem. Pode ter conhecimento, experiência. Mas se não tiver coragem, não adianta. Então, as pessoas têm de lançar-se. Foram mencionados a Luíza e o Huck, pode ser que tenham outros mais que eu não conheça. Será que vão ter coragem na hora H de se lançar? Mesmo que não seja para nada, mesmo que percam. Porque quando você lança uma candidatura, você pode perder. Eu perdi a disputa para a Prefeitura de São Paulo. Você se lança. Tenta.” 

De acordo com Fernando Henrique, é essencial que “haja renovação” no próximo pleito: “Nem sempre é melhor a renovação, mas é importante ter alguma coisa nova. E creio que hoje estamos cansados do que já vimos. Do passado recente e do mais remoto. Então, que se abra um caminho. Que a pessoa venha com vontade de fazer e que ouça todo mundo. Que não tenha preconceito. Se algum deles perguntar a minha opinião, vou falar: lancem-se”.

Marcelo de Moraes, O Estado de S.Paulo, em 26 de março de 2021 | 16h05

Brasil supera recorde e registra 3.650 mortes por covid-19 em 24 horas

País quebra segundo recorde em quatro dias e já acumula mais de 307 mil vítimas da doença, além de 12,4 milhões de pessoas infectadas desde o início da epidemia. Taxa de mortalidade por 100 mil habitantes chega a 146,1.

Total de vítimas da doença no Brasil supera 307 mil. Funcionários da saúde desinfetam calçadas no morro Dona Marta, no Rio de Janeiro.

Total de vítimas da doença no Brasil supera 307 mil

O Brasil bateu pela segunda vez em uma semana um novo recorde de mortes diárias por covid-19. Em apenas 24 horas, foram registrados oficialmente nesta sexta-feira (26/03) 3.650 óbitos ligados à doença, segundo dados do Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass).

O recorde anterior havia sido registrado na última terça-feira (23), com 3.251 vidas perdidas em 24 horas.Com o novo balanço, o total de vítimas da doença no Brasil é de 307.112.

Também foram identificados 84.245 novas infecções, de acordo com o Conass. Com isso, o total de casos identificados no país subiu para 12.404.414. Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 10.772.549 pacientes se recuperaram da doença até esta quinta-feira.

O estado de São Paulo, o mais afetado pela epidemia no Brasil, registrou um novo recorde de mortes em 24 horas, com 1.193, segundo o consórcio dos veículos de imprensa. O estado superou a marca de 70 mil óbitos (70.696) e acumula 2.392.374 infecções por coronavírus.

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 146,1 no Brasil, a 18ª mais alta do mundo, quando desconsiderados os países nanicos San Marino, Liechtenstein e Andorra, segundo levantamento da Universidade Johns Hopkins.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 30,1 milhões de casos. É também o segundo em número absoluto de mortos, já que mais de 547 mil pessoas morreram nos EUA.

Ao todo, mais de 125,8 milhões de pessoas já contraíram oficialmente o coronavírus no mundo, e 2,76 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença.

Deutsche Welle / Brasil, em 26.03.2021

Na Alemanha, 3ª onda da pandemia pode ser pior que anteriores

Ministro alemão da Saúde alerta que sistema hospitalar corre risco de bater em seus limites em abril. Presidente do Instituto Robert Koch não descarta que número de novos casos por dia supere 100 mil.


Presidente do RKI, Lothar Wieler (esq.), e ministro alemão da Saúde, Jens Spahn, em coletiva de imprensa sobre a situação da pandemia antes da Páscoa

Autoridades de saúde da Alemanha afirmaram nesta sexta-feira (26/03) que a terceira onda da pandemia, caracterizada pela alta do número diário de novos casos de covid-19, será "mais difícil de conter" do que as duas primeiras.

A piora nos indicadores tanto deve-se à variante B117, mais severa e transmissível, e identificada inicialmente no Reino Unido, quanto ao relaxamento recente de algumas medidas de isolamento.

As declarações foram feitas por Lothar Wieler, presidente do Instituto Robert Koch (RKI), e pelo ministro da Saúde alemão, Jens Spahn, encerrando uma semana turbulenta, com o comando da Alemanha tomando decisões polêmicas para reduzir o número de novos infectados.

O que as autoridades disseram?

Há "claros sinais" de que a atual terceira onda da covid-19 na Alemanha "pode ser ainda pior que as primeiras duas", disse Wieler. Em entrevista coletiva ao lado de Spahn, o presidente do RKI fez um apelo para que se reduzam seus contatos sociais durante o feriado de Páscoa.

Ele afirmou que a alta na taxa de infecção está neutralizando eventuais ganhos no controle da pandemia obtidos com a vacinação, cuja primeira dose foi aplicada em cerca de 10% da população do país.

Spahn alertou que a trajetória atual de infecções pode deixar os hospitais da Alemanha sobrecarregados nas próximas semanas, e pediu que a população reduza seus contatos sociais, tenha encontros somente ao ar livre e siga as regras de distanciamento social.

"Os números estão subindo muito rápido, e as variantes estão tornando a situação especialmente perigosa. Se isso não for controlado, corremos risco que nosso sistema de saúde atinja seu limite em abril."

O ministro também informou que a exigência de que todos os passageiros apresentem um exame para covid-19 com resultado negativo antes de embarcarem em voos para a Alemanha teve seu início adiado para a próxima terça-feira (30/03). Antes, a regra só afetava os oriundos de países considerados de alto risco. A data foi postergada para dar às companhias aéreas e aos viajantes mais tempo para se prepararem.

Ele reconheceu que as exigências de testagem para quem chega de viagens não terá grande impacto na taxa de infecção: "Não tenho ilusões. Essa regra, isolada, não será decisiva para o feriado de Páscoa. A situação é muito grave, e a taxa de infecção na Alemanha está muito alta."

O presidente do RKI, Wieler, alertou que o número de novas infecções diárias na Alemanha poderã chegar a 100 mil, caso não se tomem suficientes medidas preventivas. Assim, o país "terá algumas semanas muito difíceis pela frente". Ambos também apelaram para que todos que tiverem oportunidade de se vacinar, o façam.

Idosos esperam em fila de vacinação em Berlim.Vacinações lentas são uma das preocupações de Berlim

Qual é a situação da pandemia na Alemanha?

As declarações das autoridades de saúde alemãs foram feitas num momento em que os números de novos casos na Alemanha sobem continuamente. Na sexta-feira, o RKI registrou 21.573 novos casos, cerca de 4 mil a mais do que uma semana antes.

A incidência pela média móvel de sete dias na Alemanha chegou a 119 novos casos por 100 mil habitantes, contra 113 na véspera. A incidência de novos casos é uma das principais variáveis utilizadas na Alemanha para guiar o relaxamento ou endurecimento das restrições.

O número de novas mortes diárias por covid-19 no país, pela média de sete dias, é de 181. O indicador está relativamente estável há uma semana, e costuma demorar para refletir o aumento do número de casos.

Que medidas foram decididas nesta semana?

A combinação de números de novos casos em alta, uma campanha de vacinação irregular e a ira da população sobre propostas de novas restrições tornaram esta semana especialmente tumultuada para o governo da chanceler federal Angela Merkel.

Na quarta-feira, a chefe de governo recuou de planos anunciados menos de 24 horas antes, endurecendo o confinamento da temporada de Páscoa, de 1º a 5 de abril. No dia seguinte, Spahn anunciou as novas medidas para os viajantes.

O governo também está analisando se seria legalmente possível proibir temporariamente as viagens de férias no exterior. A iniciativa seria um novo recuo em relação a medidas decididas nesta semana, quando Merkel e os governadores dos 16 estados alemães mantiveram em vigor as restrições a viagens domésticas, mas permitiram viagens internacionais a destinos populares como a ilha espanhola Maiorca.

Além disso, a Alemanha deu aval nesta sexta-feira ao fundo de recuperação pós-pandemia da União Europeia, no valor de 750 bilhões de euros (R$ 5 trilhões), quebrando um tabu sobre a contração de dívida comum pelo bloco. O fundo integra um orçamento de 1,8 trilhões (R$ 12 trilhões) até 2027, que teve a concordância dos 27 países do bloco em dezembro.

"O voto é um sinal claro da solidariedade e força europeia", justificou o ministro da Economia, Olaf Scholz, afirmando ser do interesse da Alemanha que todo o bloco saia bem da crise. "Uma recuperação forte na Europa é um pré-requisito importante para o sucesso e a prosperidade da própria Alemanha", afirmou.

Deutsche Welle / Brasil, em 26.03.2021

Philipp Lichterbeck: Como o Judiciário brasileiro prejudica a si mesmo

Com os privilégios aristocráticos de alguns de seus representantes e a falta de clareza de suas decisões, a Justiça contribui para a perda de confiança dos cidadãos no Estado.


"O STF, em particular, tornou-se um ator no cenário político polarizado do país"

Confesso que não saberia citar um único nome dos 16 juízes que compõe o Supremo Tribunal Federal (STF) alemão. Em todo caso, mal conheço juízes ou promotores públicos alemães. Há algumas exceções: autores que, paralelamente à sua atuação como juízes, escrevem livros interessantes e ensaios para jornais. Compartilho minha ignorância sobre o pessoal do sistema judiciário alemão com a maioria dos alemães, a menos que eles próprios sejam juristas. O terceiro poder costuma atuar de forma discreta e imperceptível na Alemanha, com os juízes raramente aparecendo na mídia e suas decisões raramente sendo discutidas em público. A maioria dos juízes na Alemanha traça uma linha clara entre seu trabalho jurídico e suas visões políticas. Eles atuam nos bastidores.

No Brasil é o contrário. Sei os nomes de todos os 11 juízes do STF brasileiro. Conheço suas feições, suas escolhas e seus temperamentos particulares. Isso se deve ao fato de suas decisões, muitas vezes controversas, serem discutidas quase diariamente no Brasil. Ora são aplaudidas pelo público, ora há uma manifestação contra elas. Alguns juízes recebem até ameaças pessoais.

O que chama a atenção nisso tudo é o quão inconclusivos são com frequência até mesmo os julgamentos da Suprema Corte. Um juiz dá um veredicto monocrático, mas que pode ser anulado por um plenário de juízes. Nas discussões do STF, costuma haver muita exaltação. Os juízes se atacam pessoalmente e até se tornam ofensivos. Como se fosse realizado um Fla-Flu no STF.

Mas não só os juízes do STF me são familiares, como também os membros do Judiciário brasileiro de instâncias inferiores. Por exemplo, o juiz Marcelo Bretas, que posta selfies na academia e aparece nos eventos de Jair Bolsonaro. Outro exemplo é a desembargadora do Rio Marília de Castro Neves, que ficou conhecida em todo o Brasil pelas mentiras sobre Marielle Franco, mas que já havia causado rebuliço nas redes sociais por suas posições radicais. Ou o desembargador Eduardo Siqueira, de São Paulo, flagrado ofendendo um Guarda Civil Municipal, após ser multado por não utilizar máscara. Discrição, contenção e modéstia não são os pontos fortes do Judiciário brasileiro. A Justiça do país tem pouco decoro.

Mas de onde vem a postura triunfante de muitos juízes e o papel de destaque que eles acham que devem desempenhar em público? Na minha opinião, tem a ver com privilégios. Até ao momento, ninguém soube me explicar, por exemplo, por que é que os juízes, com seus salários já suntuosos, também recebem auxílio-moradia. Em um país com salário mensal médio de R$ 1.900 líquidos, esse privilégio contradiz qualquer bom senso. No Brasil, juízes (mas também deputados e senadores) são tratados como nobres. Como resultado, alguns deles se comportam como nobres.

Também chama a atenção que muitos juízes e promotores não façam uma distinção clara entre seu trabalho jurídico e político. Isso ficou extremamente evidente durante a investigação da Lava Jato contra Lula e os veredictos finais contra ele. É difícil negar que o promotor Deltan Dallagnol e o juiz Sérgio Moro queriam colocar Lula atrás das grades antes da eleição presidencial de 2018. Dallagnol e Moro contribuíram para o fato de Bolsonaro ser hoje presidente.

E não é apenas no caso Lula que a afinidade política parece ser o fator decisivo nos veredictos de alguns juízes. Por exemplo,o presidente do STJ, João Otávio de Noronha, atendeu aos interesses do governo Bolsonaro em 87,5% das suas decisões individuais. Sob sua liderança, o STJ invalidou, por exemplo, a decisão do juiz Flávio Itabaiana contra Flávio Bolsonaro por considerá-la sucinta.

O aparecimento quase diário de juízes e suas decisões na mídia sugere duas coisas. Em primeiro lugar, a politização do Judiciário brasileiro. O STF, em particular, tornou-se um ator no cenário político polarizado do país. Isso foi possível porque sua função não está claramente definida. E isso não é bom para o STF, nem para a confiança na Justiça brasileira.

Em segundo lugar, muitas vezes me parece que as leis são tão mal feitas que podem significar qualquer coisa. É claro que as leis sempre estão sujeitas à interpretação, mas no Brasil parece que, para cada parágrafo, há um parágrafo diferente que significa exatamente o contrário. É como na Bíblia, que no Antigo Testamento diz "olho por olho", mas no Novo Testamento, Jesus ensina a oferecer a outra face quando se é agredido. O Judiciário brasileiro atua de forma semelhante. Cada um escolhe o que quer. É muito difícil fazer o público entender isso.

É completamente incompreensível para mim, por exemplo, por que o juiz Edson Fachin só percebeu depois de vários anos que a 13ª Vara Federal de Curitiba não era o foro competente para julgar Lula. Mas completamente absurdo é o fato de essa decisão de Fachin ainda poder ser revogada por um plenário de cinco juízes – por que este mesmo plenário não decide de uma vez? Isso mina a autoridade que deveria emanar de uma Suprema Corte.

Em última análise, o Judiciário brasileiro prejudica sobretudo a si mesmo com os privilégios aristocráticos de alguns de seus representantes e a falta de clareza de suas decisões. E assim, contribui para a perda de confiança dos cidadãos no Estado.

Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, ele colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais na Alemanha, Suíça e Austria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio. Publicado originalmente por Deutsche Welle / Brasil, em 26.03.2021

Após Doria anunciar Butanvac, ministro diz que Anvisa já recebeu pedido de testes de vacina apoiada pelo governo federal

Anúncio foi feito horas depois de o governo de São Paulo anunciar que vai pedir autorização para os testes da Butanvac. "No meu ponto de vista, não tem nada a ver um ponto com o outro", disse o ministro da Ciência.

Marcos Pontes anuncia outra vacina brasileira: 'Estava nessa expectativa de poder anunciar o mais rápido possível'

O ministro de Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes, disse nesta sexta-feira (26) que uma candidata a vacina contra a Covid-19 apoiada pelo governo federal solicitou na quinta-feira (25) autorização para testes em voluntários.

O anúncio foi feito horas depois de o governo de São Paulo divulgar que vai pedir à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorização para o início dos testes da Butanvac.

"Do meu ponto de vista, não tem nada a ver um fato com o outro porque nós temos trabalhado nisso. Eu tenho anunciado aqui a sequência do trabalho com as vacinas nacionais por bastante tempo. ", disse o ministro da Ciência.

"Deve ter sido uma coincidência aí que ele (Doria) apresentou em São Paulo essa outra possibilidade. O que é bom para o país. A gente precisa ter várias vacinas nacionais. ", disse Pontes, sem citar o Instituto Butantan ou a Butanvac.

Em outubro do ano passado, o G1 contou a história de 11 projetos brasileiros que já buscavam o desenvolvimento de vacinas nacionais. As iniciativas do Butantan e do grupo citado pelo ministro da Ciência já eram monitoradas e estavam acompanhadas ainda de iniciativas da Fiocruz, UFMG e UFPR.

15 protocolos monitorados

Pontes afirmou que o governo federal apoiou 15 protocolos de pesquisa de uma nova vacina contra a Covid-19 e uma delas, desenvolvida no interior de São Paulo, está em estágio mais avançado.

"Três dessas vacinas avançaram nos pré-testes e agora elas estão entrando na fase dos testes clínicos. (...) Uma dessas vacinas já tem o protocolo registrado na Anvisa para testes clínicos", disse Pontes, que exibiu uma folha de papel para comprovar o pedido.

Segundo Pontes, os desenvolvedores da vacina começaram em 13 de fevereiro a enviar documentos para a Anvisa e, às 13h23 da quinta-feira (25), pediram autorização para testes clínicos fases 1 e 2.

A Anvisa confirmou o recebimento do pedido e disse que "a análise considerará a proposta do estudo, o número de participantes e os dados de segurança obtidos até o momento nos estudos pré-clínicos que são realizados em laboratório e animais".

Queiroga: 'Agora, é a pátria de máscara. É um pedido que eu faço a cada brasileiro'

Segundo o ministro, a candidata a vacina contra a Covid-19 que já solicitou autorização para testes em voluntários é a desenvolvida por empresas do setor em parceria com a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP).

O nome do imunizante é Versamune®️-CoV-2FC, e, segundo o governo, a pesquisa é coordenada pelo pesquisador Célio Lopes Silva, da FMRP-USP, em parceria com a empresa brasileira Farmacore Biotecnologia e a PDS Biotechnology Corporation, dos Estados Unidos.

Ela utiliza a tecnologia da "proteína recombinante", a mesma utilizada, por exemplo, na vacina Novavax. Nesta técnica, pesquisadores cultivam em laboratório réplicas inofensivas da proteína que o novo coronavírus usa para entrar nas células do corpo. Depois de extraída e purificada, a proteína é embalada em nanopartículas do tamanho do vírus. No caso da Versamune, a nanopartícula foi desenvolvida pela PDS Biotech.

"Os resultados dos estudos não-clínicos (toxicidade e imunogenicidade) obtidos até o momento demonstram qualidade e competitividade para ser um sucesso nacional e global no controle da Covid-19", informou o Ministério da Ciência, em nota.

"A vacina demonstrou capacidade de ativar todo o sistema imunológico – imunidade humoral, celular e inata, induzir memória imunológica e proteção de longo prazo", completou o governo federal.

Por G1. em  26/03/2021 15h31 

O ‘sinal amarelo’

É evidente que o deputado Lira, a quem cabe dar andamento a processos de impeachment, falava de um hipotético afastamento constitucional do presidente

O presidente da Câmara, Arthur Lira, advertiu o presidente Jair Bolsonaro de que o Congresso dispõe de “remédios políticos” para impedir que “a espiral de erros de avaliação” por parte do governo federal na pandemia de covid-19 assuma uma “escala geométrica incontrolável”. Segundo o parlamentar, esses remédios são “conhecidos de todos” e alguns são até “fatais”.

É evidente que o deputado Lira, a quem cabe dar andamento a processos de impeachment, falava de um hipotético afastamento constitucional do presidente. O parlamentar lembrou, assim, que a democracia tem seus instrumentos para impedir que maus governantes continuem a prejudicar seus governados, como Bolsonaro tem feito.

Chamou a atenção o fato de que a advertência de Lira foi feita poucas horas depois da reunião em que as autoridades dos Três Poderes acertaram a formação de um comitê de acompanhamento da crise.(Ver abaixo o editorial Esperança no tardio comitê.) Embora salientasse que se tratava de um “alerta amigo, leal e solidário”, o parlamentar deu a entender que confia pouco na disposição de Bolsonaro de levar a sério seu papel nessa suposta nova fase do governo. Trata-se, no dizer do próprio deputado Lira, de um “sinal amarelo”, ante a escalada da crise causada pela pandemia, agravada pelo comportamento irresponsável do presidente.

Se por um lado não se deve exagerar a dimensão da aparente ameaça do deputado Lira, por outro é impossível ignorar que a paciência dos parlamentares governistas com os reiterados despropósitos de Bolsonaro está bem perto do fim. Ao mesmo tempo que recordou ao presidente que sua permanência no cargo não é garantida, o presidente da Câmara indicou que para o Centrão – grupo político que hoje dá sustentação a Bolsonaro – é urgente uma reformulação radical na fisionomia do governo, a que Lira deu o nome de “freio de arrumação”.

Esse movimento ficou mais evidente com a pressão do Centrão pela saída de Eduardo Pazuello do Ministério da Saúde, ante sua evidente incapacidade de tocar a pasta em meio à pandemia, cujos efeitos ameaçam os projetos eleitorais dos governistas. Muito a contragosto, Bolsonaro aceitou substituir Pazuello, que cumpria suas ordens sem pestanejar.

Mas o “freio de arrumação” não se limitará à Saúde. Em discurso na Câmara, o deputado Lira cobrou o estabelecimento de “boas relações diplomáticas, sobretudo com a China”, para ampliar a capacidade do Brasil de vacinar sua população. Foi uma referência óbvia aos ruídos causados pelo chanceler Ernesto Araújo na relação com a China. (Ver abaixo o editorial Sócio no desastre.)

Lira não falava sozinho. Hoje parece haver um consenso no Congresso de que a permanência de Araújo no Itamaraty amplia o isolamento do Brasil e prejudica decisivamente os esforços do País no combate à pandemia. Em audiência do chanceler no Senado, ao menos sete senadores, de diversos partidos, pediram que Araújo deixasse o cargo. Ninguém o defendeu – o senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente, nem compareceu à sessão e os governistas não foram mobilizados para apoiar o chanceler.

É claro que uma eventual substituição de Ernesto Araújo não muda a essência do problema: nem o chanceler nem ninguém no governo atua sem estar totalmente alinhado ao presidente – e pobre de quem não estiver, como mostram os dois ministros da Saúde trocados depois de terem se negado a seguir as ordens absurdas de Bolsonaro. Logo, o problema não é este ou aquele ministro, embora haja alguns que são escandalosamente despreparados. O problema é o chefe.

O movimento do Centrão e do Congresso para a troca de alguns ministros e para reorganizar o combate à pandemia, portanto, serve para mostrar ao presidente quem está no comando agora. Bolsonaro pode escolher entre desgastar-se mais, correndo o risco de ver seu mandato abreviado, ou aceitar a tutela parlamentar.

Em seu discurso, o presidente da Câmara disse esperar que “as atuais anomalias se curem por si mesmas”, fruto de “autocrítica”, “sabedoria”, “inteligência emocional” e “capacidade política”. Como o atual presidente não tem nada disso, então, nas palavras do deputado Lira, que seja por “instinto de sobrevivência”.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 26 de março de 2021

Butanvac: O que se sabe sobre vacina 100% brasileira que pode trazer 40 milhões de novas doses em julho

O Brasil poderá ter ainda neste ano uma vacina 100% nacional contra a covid-19, feita pelo Butantan, segundo anunciou nesta sexta-feira (26) presidente do instituto de pesquisa, Dimas Covas.

Vacina 100% brasileira: Instituto prevê fazer testes clínicos da Butanvac com seres humanos em apenas três meses e disponibilizar 40 milhões de doses a partir de julho. / CRÉDITO,GOVERNO DE SP

As pesquisas começaram em março de 2020, e a ideia é realizar testes clínicos com seres humanos em apenas três meses.

Se tudo correr bem, o instituto promete disponibilizar 40 milhões de doses a partir de julho. A capacidade de produção pode chegar a 100 milhões por ano.

Mas este processo de lançamento "à jato" dependerá do aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Além disso, naturalmente, o uso da vacina na população vai depender do sucesso dos testes feitos com voluntários.

"Queremos fazer os estudos em dois meses, dois meses e meio, no máximo três meses, para disponibilizar as doses no segundo semestre", anunciou Covas em coletiva de imprensa ao lado do governador de São Paulo, João Dória.

Mas o que se sabe até agora sobre essa promessa de imunizante com tecnologia brasileira? A BBC News Brasil responde as principais dúvidas a seguir.

Qual é a tecnologia usada pela vacina?

"Estamos diante de uma tragédia, de uma pandemia, temos que superar a burocracia em nome da vida, com todos os cuidados e proteção aos protocolos, mas com a velocidade", disse o governador Joao Dória. / CRÉDITO, REPRODUÇÃO

A vacina Butanvac vai utilizar a mesma tecnologia da vacina contra a gripe, que também é fabricada pelo Instituto Butantan.

Segundo Dimas Covas, o vetor utilizado é um vírus chamado Newcastle, que infecta aves.

Os pesquisadores injetam nesse vírus os genes da spike do coronavírus, como é chamada a proteína que se encaixa nas células humanas para promover a infecção.

Depois de modificar o vírus Newcastle com a proteína do coronavírus, ele é introduzido em ovos de galinha, onde se multiplica.

"É uma vacina produzida em ovo embrionário, mas ela se utiliza da estrutura básica de um vírus, de um vírus que infecta aves, chamado Newcastle. Esse vírus foi modificado geneticamente e ele expressa a proteína S", explicou Covas.

"Só que essa proteína S é uma super proteína S. Ela desenvolve imunidade de uma forma muito mais efetiva que essas outras vacinas no mercado que usam a proteína S."

Segundo o presidente do Butantan, o uso de ovos para fabricar vacinas é uma tecnologia barata, o que deve favorecer a fabricação de milhões de doses a um custo baixo.

"Não existe ainda nenhuma vacina contra a covid-19 produzida em ovo. Por que é importante produzir em ovo? Primeiro, existem muitas fábricas no mundo que usam essa tecnologia para produzir vacina da gripe. Segundo, é mais barato do que tecnologias mais modernas, porque essa é uma tecnologia tradicional. Terceiro, é seguro. A vacina da gripe é a mais utilizada no mundo, 80 milhões de pessoas são vacinadas todos os anos no Brasil", defendeu Covas.

Quando os brasileiros poderão se vacinar com a Butanvac?

O Butantan vai entrar nesta sexta (26) com pedido na Anvisa para iniciar estudos clínicos, que envolvem o uso da vacina em seres humanos.

            Butantan usará tecnologia usada em vacina contra a gripe / CRÉDITO,BUTANTAN

São três etapas de pesquisa que o Butantan pretende iniciar em abril e concluir em, no máximo, três meses. Segundo Dória e Covas, a intenção é iniciar a vacinação da população com esse novo produto em julho deste ano.

"Hoje, já temos lotes suficientes para iniciar o estudo clínico, que deverá ser muito rápido. E hoje pretendemos ingressar hoje na Anvisa com o pedido de Dossiê de Desenvolvimento Clínico", disse Covas.

"Vamos dialogar intensamente com a Anvisa para que (a agência) perceba a importância do início desse estudo clínico o mais rápido possível. Para que possamos, em um mês e meio, dois meses, dois meses e meio, terminar essa fase de avaliação clínica e iniciar, de fato, a produção."

Durante a coletiva de imprensa, tanto Covas quanto o governador de São Paulo fizeram vários apelos para que a Anvisa autorize o quanto antes o início das pesquisas clínicas.

"Estamos diante de uma tragédia, de uma pandemia, temos que superar a burocracia em nome da vida, com todos os cuidados e proteção aos protocolos, mas com a velocidade para permitir início dos testes com voluntários já a partir do mês de abril", defendeu Dória.

A Butanvac vai ser produzida na mesma fábrica que o Butantan utiliza para produzir vacinas contra a gripe. A ideia é concluir a produção das vacinas para a campanha contra a gripe em março e início de abril, para liberar a estrutura para a produção do imunizante contra a covid-19.

Segundo Covas, a expectativa é produzir 40 milhões de doses de Butanvac a partir de maio para disponibilizar para a população em geral em julho, se os estudos clínicos forem bem-sucedidos e aprovados em tempo recorde pela Anvisa.

O presidente do Butantan diz que, quando a vacina estiver liberada para uso, o instituto conseguirá produzir 100 milhões de doses por ano.

Perguntado sobre como seria possível fazer testes das fases 1, 2 e 3 em apenas três meses, Covas defendeu que os processos podem ser "encurtados", pelo fato de a vacina utilizar uma tecnologia conhecida, a mesma da gripe, e pela experiência prévia do Butantan com a testagem da CoronaVac.

"O que leva a termos esse cronograma é a experiência adquirida com o estudo clínico da Coronavac. Ganhamos muita experiência nesse período e o estudo para essa vacina pode ser encurtado. Não é um estudo de uma nova vacina de que não se conhece nada sobre o assunto. Pode ser feita de maneira comparativa com as vacinas já em utilização", disse.

Nova vacina protegerá contra variantes?

Presidente do Butantan, Dimas Covas,  diz que nova vacina deve responder bem à variante brasileira do coronavírus / CRÉDITO,GOVERNO DE SP

O presidente do Butantan disse que pesquisadores já estão utilizando os aspectos genéticos da variante de Manaus, apelidada de P.1, nas pesquisas para produzir a Butanvac.

A ideia é que a vacina seja capaz de proteger a população contra a P.1

Mas, novas variantes poderão surgir nesse meio tempo. E, se necessário, a Butanvac poderá ser adaptada a essas novas cepas, disse Covas.

"Estamos trabalhando na vacina com a variante P1. Se for necessário, sim (adaptaremos para outras variantes)", afirmou.

Estudos realizados até o momento mostram que as vacinas que existem atualmente no mercado podem perder eficácia contra a variante de Manaus, já que ela possui uma mutação, a E484K, capaz de evadir os chamados anticorpos neutralizantes, que tentam impedir a entrada do vírus no organismo, ao se colocarem entre as células humanas e a proteína spike.

Quem vai pagar pela Butanvac?

O presidente do Instituto Butantan e o governador de São Paulo não deram detalhes sobre os valores necessários para custear as fases clínicas e a produção em larga escala da Butanvac.

Mas eles fizeram questão de dizer que não há dinheiro do Ministério da Saúde, ou seja, do governo federal.

Segundo Dória, os investimentos são do governo de São Paulo e do Butantan.

"Não há nenhum recurso do ministério", disse Dimas Covas. "Os recursos são do Butantan e do Estado de São Paulo, como ocorreu na produção da CoronaVac também", completou Dória.

Uma ou duas doses?

O número de doses ainda não está definido. Durante os ensaios clínicos, os pesquisadores testarão a resposta imunológica dos participantes a diferentes doses e com intervalos variados.

Com isso, poderão detectar qual a melhor solução e se uma dose só será suficiente para garantir proteção contra a covid.

Mas Dimas Covas afirmou que a vacina em dose única é uma "possibilidade".

"Essa é uma possibilidade. Vamos avaliar doses diferentes e intervalos de doses também. Essas respostas teremos após a fase inicial dos estudos em humanos."

A Butanvac poderá será exportada e trazer lucro para o Brasil?

A produção da Butanvac será feita num consórcio que inclui uma fabricante vietnamita e outra tailandesa, embora 85% da participação nesse grupo seja do Butantan.

Segundo Dimas Covas, a ideia é qe, depois de a população brasileira ser imunizada, doses da Butanvac sejam exportadas para a América Latina e países de renda baixa e média, incluindo Vietnã e Tailândia.

"O Butatan tem o compromisso de fornecer essa vacina para países de renda baixa e média. Se o mundo rico combate porque tem recursos e vai ficar relativamente livre do vírus, os países de renda baixa e média poderão manter a pandemia."

"Então, temos que ter vacina para esses países, para globalmente sermos bem-sucedidos", defendeu o presidente do Butantan.

Nathalia Passarinho, da BBC News Brasil em Londres

300 mil mortes por covid-19? Total já pode ter passado de 410 mil no Brasil, apontam pesquisadores

Oficialmente, o Brasil ultrapassou nesta quarta-feira (24/3) a marca trágica de 300 mil mortos por covid-19 durante a pandemia. Mas registros hospitalares brasileiros apontam que o número de pessoas que morreram em decorrência de casos confirmados ou suspeitos da doença no país pode já ter passado de 410 mil.

                                      Cemitério no Brasil / CRÉDITO,GETTY IMAGES

Essa estimativa aparece em duas análises distintas, uma liderada por Leonardo Bastos, estatístico e pesquisador em saúde pública do Programa de Computação Científica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e outra pelo engenheiro Miguel Buelta, professor titular da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP).

Ambas se baseiam em dados oficiais de síndrome respiratória aguda grave (SRAG), um quadro de saúde caracterizado por sintomas como febre e falta de ar.

A legislação brasileira estabelece que todo paciente que é internado no hospital com SRAG precisa obrigatoriamente ter seus dados notificados ao Ministério da Saúde por meio do Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe (conhecido como Sivep-Gripe). Esse sistema é utilizado há anos e permite saber quantos casos de infecções respiratórias necessitaram de hospitalização e evoluíram para óbito no país.

No primeiro semestre de 2019, foram registrados 3.040 óbitos por síndrome respiratória aguda grave. No mesmo período em 2020, foram registrados 86.651. Até o momento, de todas as pessoas com SRAG e resultado laboratorial para algum vírus na pandemia, mais de 99% acabaram diagnosticadas com covid.

Esses dados são considerados bons indicadores por não sofrerem tanto com a escassez de testes ou resultados falsos positivos. Mas há alguns problemas, entre eles o atraso: pode levar bastante tempo até uma internação ou uma morte ser contabilizada no sistema.

Então, como saber o número atual mais próximo da realidade? Como os pesquisadores chegaram à estimativa de 410 mil ou 415 mil mortes por doença respiratória grave?

Projeção do agora

Bem, os cientistas fazem o que se chama de nowcasting, que grosso modo é uma projeção não do futuro (forecasting), mas do agora. Isso se faz ainda mais necessário durante a pandemia por causa dessa demora da entrada dos registros de hospitalizações e mortes no sistema digitalizado.

É como se os dados disponíveis hoje no sistema oficial formassem um retrato desatualizado e cheio de buracos. Para preencher e atualizar essa imagem, é preciso calcular, por exemplo, qual é o tamanho desse atraso, de uma morte de fato à entrada do registro dela no sistema, a fim de "prever" o que está acontecendo atualmente.

Bastos lidera análises de nowcasting numa parceria que envolve o Mave, grupo da Fiocruz de Métodos Analíticos em Vigilância Epidemiológica, e o Observatório Covid-19 BR, grupo que reúne cientistas de diversas instituições (como Fiocruz, USP, UFMA, UFSC, MIT e Harvard).

A dificuldade de monitorar em "tempo real" o que acontece durante epidemias é global, e diversos cientistas ao redor do mundo tentam achar soluções para esse problema.

Os cálculos atuais sobre a pandemia no Brasil liderados por Bastos foram feitos a partir da adaptação de um modelo estatístico proposto em 2019 por ele e mais oito pesquisadores.

Para apontar um retrato atual mais preciso da pandemia, essa modelagem estatística (hierárquica bayesiana) corrige os atrasos dos dados incorporando nos cálculos, por exemplo, a partir do conhecimento prévio da ciência sobre o que costuma acontecer durante o espalhamento de doenças como gripe. Mais detalhes no artigo disponível neste link aqui.

Para chegar até o número de 415 mil mortes por SRAG, Bastos explica à BBC News Brasil que são analisados primeiro os dados da semana atual e da anterior, a fim de identificar quantos casos e óbitos tiveram uma semana de atraso.

"Assim, aprendemos a respeito do atraso e usamos isso para 'prever'/corrigir a semana atual e as últimas 15 semanas. O total de 415 mil mortes por SRAG é a soma dos casos observados acumulados até 15 semanas atrás com as estimativas mais recentes corrigidas."

Cemitério no bairro Bom Jardim, em Fortalza, no início de maio / CRÉDITO,JARBAS OLIVEIRA/AFP

Em sua análise, Miguel Buelta, professor da USP, aponta um número parecido.

Ele explica em seu perfil no Twitter que analisou os dados de óbitos por covid e SRAG até 14 de março e calculou a subnotificação dos últimos 60 dias a partir dos dados atrasados que foram entrando no sistema no período. "Fiz o cálculo para 14/01/2021. Subnotificação = 37% naquela data. Se este valor fosse mantido até hoje, no lugar dos 300 mil óbitos, poderíamos ter hoje 410 mil."

Mas Buelta acredita que o valor pode ser ainda maior. "A situação atual é muito mais emergencial. É uma tragédia. Vamos todos lutar contra isso. Isolamento social e ajuda emergencial. Fora disso não há solução." Mais detalhes sobre o modelo estatístico usado por ele aqui neste link.

1,7 milhão de internados

Na análise liderada por Bastos, da Fiocruz, estima-se que o Brasil tenha registrado mais de 1,7 milhão de internações durante a pandemia de coronavírus por causa de doenças respiratórias graves. Na pandemia de H1N1, em 2009, o total foi de 202 mil hospitalizações.

Ao se debruçar sobre os dados, ele aponta ainda uma tendência de piora na ocupação de hospitais no Distrito Federal e em nove Estados: Rondônia, São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás, Rio Grande do Norte, Espírito Santo, Maranhão, Ceará e Minas Gerais.

Todos eles têm mais de 20 hospitalizações por 100 mil habitantes. Em Rondônia, essa taxa chega a 49, por exemplo.

Por outro lado, Rio Grande do Sul e Santa Catarina parecem ter conseguido conter a tendência de alta das hospitalizações. Isso, no entanto, pode significar tanto que a situação melhorou quanto que não tem mais como o número piorar dada a superlotação dos hospitais. De todo modo, ambos os Estados ainda estão em um patamar bastante elevado, acima de 20 hospitalizados por 100 mil habitantes.

"Hospitalizações e óbitos só vão reduzir quando uma boa parcela das populações prioritárias, segundo o Programa Nacional de Imunização, forem imunizadas. Antes disso, sem uma redução efetiva da transmissão, veremos onda depois de onda", afirma Bastos.

Matheus Magenta, da BBC News Brasil em Londres, 25 março de 2021

quinta-feira, 25 de março de 2021

Pedro Doria: A cara do fascismo digital no governo Bolsonaro

Parte da maneira como o governo Bolsonaro escolhe se comunicar online é transmitindo uma ideologia neofascista

Há um aspecto da composição do governo Jair Bolsonaro que é muito pouco discutido. É o de como, na linguagem que usa para se apresentar ao mundo digital, transmite uma ideologia neofascista. O motivo pelo qual se fala tão pouco deste lado é porque estes códigos são realmente pouco conhecidos. Mas é também porque parte da lógica da extrema-direita digital está, paradoxalmente, em se disfarçar enquanto se apresenta com clareza. É o que na internet se chama trollagem. E é o que o assessor Filipe Martins fez esta semana no Senado Federal, durante a sabatina do chanceler Ernesto Araújo.

Esta cultura se construiu ao longo das últimas décadas nos muitos fóruns em que jovens de direita, principalmente de extrema-direita, se encontram na internet. Um deles, o mais célebre, é o 4chan. Sua versão radicalizada é o 8chan. Há redes sociais exclusivas da direita, caso da Gab. E há, claro, o submundo da internet — a deep web. Não foi nestes ambientes que a cultura troll nasceu. Mas foi neles que ela se desenvolveu.

O comportamento do troll é uma tentativa de humor. Ele ironiza alguém, ataca alguém, faz piada na cara de alguém — mas este alguém não percebe. Quem percebe são os outros trolls em volta. É algo particularmente masculino, tipicamente adolescente. A piada interna que os amigos entendem, quem está em volta não percebe. O jogo ganha escala quando alguém de fora acusa ter compreendido a mensagem. Neste momento, o troll nega. Diz que é delírio.

A diferença entre o adolescente e a extrema-direita é que a mensagem do neofascismo é xenófoba, é violenta, é antidemocrática. O gesto de Filipe Martins, por exemplo, o símbolo de OK americano apresentado de cabeça para baixo, quer dizer White Power. Poder Branco. É o grito da Ku Klux Klan contemporânea. Os outros supremacistas brancos conhecem o código e sabem do que se trata. Mas é um gesto tão parecido com o de um OK que, quando flagrado, o troll logo diz que era só um movimento de mãos inocente.

A alt-right digital está cravada de códigos assim. O ato de beber leite, por exemplo. Há uma característica genética de caucasianos que torna, para eles, mais fácil digerir lactose quando adultos. Daí que quando vários homens adultos bebem leite juntos, nos círculos desta alt-right, estão celebrando serem brancos. Em uma de suas lives no ano passado, o presidente Jair Bolsonaro e seus assessores beberam leite juntos. Quando questionados, negaram a simbologia, fizeram troça. Mas nos círculos da extrema-direita aquilo foi interpretado como o que é: o sinal de que ‘é um de nós’.

Filipe Martins é pródigo neste comportamento. Em um tuíte recente para o vereador Carlos Bolsonaro, falou espanhol. “¡Ya hemos pasao!” — a expressão que os soldados franquistas usavam em resposta ao grito comunista de “¡No passarán!” durante a Guerra Civil. Mais de uma vez citou o mote latino “Oderint dum metuant”, lema do grupo neonazista britânico Combat 18 — “Que nos odeiem, desde que nos temam”. Na imagem principal de seu perfil de Twitter estão os versos do grande poeta galês Dylan Thomas. “Do not go gentle into that good night.” Não mergulhe gentil naquela boa noite. É a frase com o qual um velho frequentador do 8chan, o terrorista que matou mais de uma dezena na Nova Zelândia há dois anos, abriu seu manifesto.

Não há acidente em tanta frequência. Não quando vem de um especialista em comunicação digital, que passou a juventude enfurnado nos cantos da direita online e conviveu num ambiente de trolls. Parte da maneira como o governo Bolsonaro escolhe se comunicar online é esta. A dos símbolos do fascismo cibernético.

O Brasil segue tolerando isto porque finge não ver.

Pedro Doria é Jornalista. Este artigo foi publicado originariamente n'O Estado de S. Paulo, em 15.03.2021.

Bolsonaro mente sobre cancelamento de lockdown de Páscoa na Alemanha

Presidente disse que Merkel cancelou confinamento mais rígido na Semana Santa "porque efeitos de fechar tudo seriam mais graves que o vírus". Mas recuo ocorreu por dificuldades de planejamento e cronograma apertado.


O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, e a chanceler federal da Alemanha, Angela Merkel, sentados um ao lado do outro durante uma cúpula do G20 no Japão em 2019. Governo alemão não segue agenda negacionista do brasileiro.

Em meio a seguidos recordes de mortes por covid-19 no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro comentou nesta quinta-feira (25/03) o anúncio da chanceler federal da Alemanha, Angela Merkel, de cancelar um lockdown rígido no país europeu previsto para a Semana Santa.

Falando a apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada, o presidente mentiu sobre as razões do cancelamento, encaixando de maneira distorcida o episódio em sua própria agenda negacionista da pandemia e de oposição a medidas rígidas de confinamento.

"A Angela Merkel, ia ter um lockdown rigoroso lá e ela cancelou, pediu desculpas. Ela falou lá, segundo a imprensa, que os efeitos de fechar tudo são muito mais graves do que os efeitos do vírus, palavras delas, não é minha não", disse Bolsonaro.

No entanto, a chanceler Merkel nunca disse que os efeitos de um fechamento geral seriam mais graves que os do vírus. Na quarta-feira, ao anunciar o cancelamento do lockdown de Páscoa, Merkel afirmou que a forma como a medida havia sido anunciada "foi um erro", mas citou que o recuo ocorreu por causa de dificuldades burocráticas, pelo curto espaço de tempo para implementar as medidas e pela natureza vaga do anúncio original. "Infelizmente, não planejamos suficientemente", disse a chanceler.

"A ideia de uma paralisação na Páscoa foi elaborada com as melhores intenções, porque precisamos urgentemente desacelerar e reverter a terceira onda da pandemia", disse a líder alemã. "No entanto, a ideia foi um erro. Havia boas razões para optar por ela, mas ela não pode ser implementada suficientemente bem nesse curto período de tempo", completou. Merkel não minimizou o vírus nem apontou que os efeitos econômicos seriam piores.

Na madrugada de terça-feira, Merkel e os 16 governadores da Alemanha anunciaram a imposição de um lockdown especial de Páscoa, que previa um longo feriadão de cinco dias consecutivos, obrigando o fechamento de quase todo o comércio, indústria e outros setores econômicos por dois dias extras – em tempos normais o fechamento de Páscoa tem duração de três dias. Além disso, igrejas não poderiam celebrar missas presenciais, entre outras medidas.

Caso fosse implementado, este seria um dos lockdowns mais rígidos já vistos na Alemanha em meses. A decisão original foi tomada após mais de 12 horas de reunião entre Merkel e os governadores. O objetivo era frear o crescimento de novos casos de covid-19 no país, que tem sido exacerbado pela circulação de variantes mais infecciosas.

Críticas

Mas ao longo de terça-feira o anúncio foi alvo de críticas em vários estratos da sociedade alemã, por razões variadas. Setores da economia reclamaram que o anúncio deixava muitas questões em aberto, não previa medidas financeiras para compensar lojistas e indústrias e não dava uma janela suficiente para fábricas reorganizarem sua produção.

Igrejas também afirmaram que não foram consultadas sobre a proibição de missas presenciais no feriado mais importante do cristianismo, e argumentaram que as cerimônias são possíveis com medidas básicas de distanciamento e higiene.

Autoridades municipais, por sua vez, apontaram que a imposição de medidas rígidas em tão curto espaço de tempo poderia provocar aglomerações no comércio nos dias que antecederiam o feriadão prolongado.

Já epidemiologistas reclamaram que as medidas não eram ambiciosas o suficiente e que uma paralisação de poucos dias acabaria sendo desperdiçada sem a adoção posterior de mecanismos mais abrangentes de testagem em massa no setor privado e aumento da taxa de home office.

Por fim, governadores que haviam concordado com o plano retiraram seu apoio, ao perceberem que teriam que aprovar legislação especial em seus estados para impor o lockdown especial. Alguns argumentaram que isso não seria possível nos poucos dias úteis que restam antes da Páscoa.

Mesmo com o abandono das linhas gerais do plano, algumas medidas vão permanecer em vigor. Reuniões privadas só serão possíveis com um máximo de cinco pessoas de duas residências diferentes (crianças com menos de 14 anos não são incluídas nesse limite). Autoridades também continuam a pedir para que a população não viaje durante a Páscoa.

Ainda que o lockdown especial de Páscoa tenha sido abandonado, a Alemanha continua a impor desde novembro uma série de medidas rígidas de restrição. Algumas foram flexibilizadas nas últimas semanas, mas ainda vigoram a obrigação de usar máscaras cirúrgicas (como a do tipo FFP2) no comércio e transporte público, e a proibição de atendimento interno em restaurantes. O atendimento em grandes lojas também só vem ocorrendo com hora marcada em grande parte do país. Algumas regiões com maior incidência de infecções vêm adotando medidas ainda mais rígidas. Grandes eventos também continuam proibidos.

Responsabilidade

Após as críticas sobre o lockdown de Páscoa, Merkel assumiu a responsabilidade pela confusão, embora a decisão original não tenha sido tomada exclusivamente por ela. "Sei que todo esse assunto gerou mais incertezas. Lamento profundamente e peço desculpas a todos os cidadãos", disse Merkel na quarta-feira.

A chanceler federal não tem poder para impor ou cancelar um lockdown nacional, pelas regras da Constituição alemã, que assegura um sistema federativo rígido no país. Desde o início da pandemia, Merkel tem sido obrigada a negociar com os governadores uma estratégia comum para o país. Sem apoio dos líderes regionais, Berlim não tem como reforçar medidas. Merkel também está a poucos meses do fim do seu último mandato como chanceler federal, o que tem enfraquecido a influência do seu governo.

Diferenças entre Brasil e Alemanha

Não é a primeira vez que Bolsonaro distorce informações vindas da Alemanha para promover sua agenda negacionista da pandemia. Em fevereiro, ele mencionou numa live um suposto "estudo de uma universidade alemã" que teria apontado que máscaras são prejudiciais para crianças. Mas o tal "estudo" não passava de uma enquete online distorcida que contou com participação desproporcional de pais negacionistas.

Ao citar a Alemanha, Bolsonaro também ignorou que a situação no país europeu é muito diferente da brasileira. Embora a Alemanha não esteja mais em uma situação mais confortável como no primeiro semestre de 2020, o quadro é menos dramático que o brasileiro. Desde o início da pandemia, a Alemanha registrou 75 mil mortes por covid-19, ou 90,4 por 100 mil habitantes.

O Brasil, por outro lado, acumula mais de 300 mil mortes, com taxa de mortalidade de 143,1 por 100 mil habitantes – e especialistas apontam que o número é provavelmente mais alto, já que o país não conta com capacidade adequada de testagem. A Alemanha também não registrou desde o início da pandemia episódios dramáticos como o colapso de hospitais.

Deutsche Welle / Brasil, em 25.03.2021

Brasil poderá chegar a 5 mil mortes diárias por covid-19, diz estudo

Análise da Universidade Federal Fluminense / UFF prevê pico da segunda onda da epidemia entre abril e maio, e destaca que medidas de isolamento, além de vacinação, são fundamentais para atenuar cenário.

Coveiros levam caixão de vítima de covid-19 em São Paulo

Brasil ultrapassou marca de 300 mil mortos por covid-19 nesta quarta-feira

O Brasil pode chegar a registrar 5 mil mortes diárias por covid-19 no final de abril ou início de maio, de acordo com um estudo da Universidade Federal Fluminense (UFF) divulgado nesta quarta-feira (24/03). A análise prevê que, nesse período, ocorra o pico da segunda onda da epidemia no país.

Desenvolvido pelo professor do Departamento de Estatística da UFF, Marcio Watanabe, o estudo calculou o número possível de mortes diárias nos próximos meses a partir de um modelo matemático-epidemiológico que levou em consideração a análise de dados da pandemia de mais de 50 países entre setembro de 2020 e março deste ano.

"O pico de óbitos no Brasil será provavelmente em abril ou início de maio, com um número calculado entre 3 mil e 5 mil mortes por dia", afirmou Watanabe. "O valor real do pico dependerá da velocidade da vacinação nos próximos meses e das medidas de distanciamento adotadas", acrescentou.

Com base em dados do ano passado, o pesquisador afirmou que a pandemia tende a se agravar nesses meses em países do hemisfério sul, em particular no Brasil, e também em nações que seguem padrões sazonais semelhantes, como Índia e Bangladesh.

Já em países do hemisfério norte, como Estados Unidos e os europeus, os casos tendem a estagnar por um longo prazo, com menor tendência de aumento, segundo o especialista.

Para tentar desacelerar esse ritmo, o estudo destaca a necessidade de medidas de isolamento social, que já se mostraram eficazes para conter a transmissão do coronavírus. Watanabe ressalta que a efetividade delas depende, principalmente, da redução de aglomerações.

"É essencial reduzir aglomerações como ônibus lotados, que têm sido ignorados pelo poder público ao longo da pandemia", afirmou o pesquisador.

Cenário para o futuro

O estudo prevê ainda que a partir de 2022 a covid-19 seguirá, de forma mais clara, o mesmo comportamento das demais doenças respiratórias, com aumento de casos e óbitos entre março e junho, mas de forma mais controlada. Nas demais épocas do ano, deverá ocorrer uma redução da transmissão. Porém, essa previsão depende da evolução das campanhas de vacinação.

"Poderemos conviver com a covid-19 da mesma forma que convivemos com outras doenças respiratórias, como a pneumonia, quando vacinarmos a maior parte da população. Mas, mesmo com a vacina, a doença será endêmica, ou seja, sempre haverá casos", destacou Watanabe.

O especialista também aponta como desafio fundamental para o futuro a busca por um tratamento eficaz para pacientes hospitalizados com covid-19. "Após a produção de diversas vacinas eficazes em tempo recorde, temos que depositar novamente nossas esperanças e apoiar o incrível trabalho de pesquisadores de universidades do Brasil e do mundo que seguem trabalhando incansavelmente para mitigar cada vez mais os efeitos da maior pandemia da história", acrescentou.

Pior momento

O Brasil enfrenta o pior momento da pandemia. Nesta quarta-feira, o país ultrapassou a marca de 300 mil mortos em decorrência da doença. O número trágico foi atingido apenas dois meses e meio após ter registrado 200 mil mortes. Ao todo, mais de 12,2 milhões de casos foram registrados no país.

A explosão no número de infecções levou ainda ao colapso dos sistemas de saúde em diversos estados, com UTIs lotadas e pacientes morrendo em filas de espera por um leito.

Em pronunciamento na terça-feira, o presidente Jair Bolsonaro tentou defender as ações do governo no combate à crise, mas mentiu e distorceu dados sobre a crise e a vacinação. Na fala, apesar de reconhecer que o coronavírus "infelizmente tem tirado a vida de muitos brasileiros", o presidente sequer mencionou o recorde de mortes. Ele afirmou que o governo tomou medidas para combater o coronavírus ao longo de toda a pandemia e que sempre foi a favor das vacinas.

Na realidade, ao longo de um ano de pandemia, apesar de lançar medidas econômicas, Bolsonaro minimizou frequentemente os riscos do coronavírus, combateu medidas de isolamento social, promoveu curas sem eficácia, criticou a vacina e tentou sabotar iniciativas paralelas de vacinação e combate à doença lançadas por governadores e prefeitos em resposta à inércia do seu governo na área.

Deutsche Welle / Brasil, em 25.03.2021

Brasil tem mais de 100 mil novos casos de covid-19 em 24 horas

País atinge recorde de infecções em um dia e chega a 12,3 milhões de casos desde o início da epidemia. Total de vítimas chega agora a 303.462 mil, com 2.787 novos óbitos.


Covas abertas em cemitério de Brasília. 

O Brasil registrou 2.787 mortes associadas à covid-19 nesta quinta-feira (25/03), e superou pela primeira vez a marca de 100 mil novos casos da doença em 24 horas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass).

Foram identificados 100.736 novas infecções, de acordo com o Conass. Com isso, o total de casos identificados no país subiu para 12.320.169, enquanto os óbitos chegaram a 303.462 desde o início da epidemia.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 10.689.646 pacientes se recuperaram da doença até esta quarta-feira.

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 144,4 no Brasil, a 18ª mais alta do mundo, quando desconsiderados os países nanicos San Marino, Liechtenstein e Andorra.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 30 milhões de casos. É também o segundo em número absoluto de mortos, já que mais de 545 mil pessoas morreram nos EUA.

Ao todo, mais de 125 milhões de pessoas já contraíram oficialmente o coronavírus no mundo, e 2,74 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença.

Deutsche Welle / Brasil, em 25.03.2021

Pressão sobre Bolsonaro cresce no auge da pandemia. Entenda a crise em quatro pontos

Com popularidade em queda, presidente viu aliado Arthur Lira mandar recado sobre insatisfação do Congresso

Pouco mais de um ano após o início da crise sanitária provocada pelo novo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro se encontra cercado por instabilidade em diferentes frentes. Nesta quarta-feira, o país ultrapassou a marca de 300 mil mortes por Covid-19, sem sinais de diminuição do ritmo de contaminação ou de aceleração da vacinação. A condução errática do governo federal levou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), aliado do Bolsonaro, a subir o tom das cobranças. No setor econômico, a cobrança foi tornada explícita por meio de uma carta: empresários, banqueiros e economistas cobraram medidas concretas de enfrentamento à pandemia. Outra má notícia veio em formato de pesquisa: seguindo o Datafolha, 54% dos brasileiros reprovam a gestão de Bolsonaro na crise sanitária, maior nível desde o começo da crise sanitária.

Em quatro pontos, entenda os principais fatores que explicam a crise

Lira manda recado

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), passou um recado claro durante um discurso em plenário na noite desta quarta-feira: a paciêeia:ncia do Congresso com a condução do governo no momento mais grave da pandemia está se esgotando.

Horas após participar de reunião no Palácio da Alvorada, Lira fez uma referência indireta a um processo de impeachment. Nas palavras do presidente da Câmara, “tudo tem limite”.

– Mas será preciso que essa capacidade de ouvir tenha como contrapartida a flexibilidade de ceder. Sem esse exercício, a ser praticado por todos, esse esforço não produzirá os resultados necessários. Os remédios políticos no Parlamento são conhecidos e são todos amargos. Alguns, fatais. Muitas vezes são aplicados quando a espiral de erros de avaliação se torna uma escala geométrica incontrolável. Não é esta a intenção desta presidência. Preferimos que as atuais anomalias se curem por si mesmas, frutos da autocrítica, do instinto de sobrevivência, da sabedoria, da inteligência emocional e da capacidade política.

Bastidores: Discurso duro de Lira nasceu de pressão de aliados para 'Congresso não afundar junto' com o governo

O discurso de Lira foi construído com outras lideranças, que argumentaram junto ao presidente da Câmara que a Casa não poderia “afundar junto com o governo”.

No fim da semana passada, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, já havia manifestado insatisfação após Bolsonaro comparar restrições impostas por governadores a um “estado de sítio”

“Não há mínima razão fática, política e jurídica, para sequer se cogitar o estado de sítio no Brasil. Volto a dizer que o momento deve ser de união dos Poderes e ações efetivas para abertura de leitos, compras de medicamentos e vacinação”, escreveu Pacheco.

Judiciário distante

A tentativa de Bolsonaro de trazer o Poder Judiciário para o comitê de enfrentamento à pandemia também não prosperou. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, esteve na reunião, mas afirmou que não fará parte do grupo. Como existe a possibilidade de formulação da políticas públicas conjuntas, que eventualmente poderão ser questionadas junto ao próprio STF, Fux e os outros integrantes da Corte definiram que a participação não poderia ocorrer.

– Conforme deliberado neste plenário em nossa última sessão, ficou explícito na reunião que o Supremo Tribunal Federal não fará parte do comitê, uma vez que cabe ao Poder Judiciário aferir a legitimidade dos atos que serão praticados. Eu explicitei em minha fala que este Supremo tem sido o guardião imediato da saúde do povo, diante de centenas de decisões tomadas ao longo da pandemia, sempre observando a ciência — disse Fux em plenário, após o encontro.

Entenda por que o STF decidiu não participar do comitê de Bolsonaro sobre a pandemia

Na terça-feira, outro movimento do STF foi contrário aos interesses do Palácio do Planalto. O ministro Marco Aurélio Mello barrou a ação em que o governo federal questionava decretos em que os governadores do Rio Grande do Sul, Distrito Federal e Bahia estabeleceram medidas de restrição de circulação, em função do agravamento da pandemia.

Popularidade em queda

Em meio à sequência de recordes diários na média móvel de casos de coronavírus, a última pesquisa Datafolha mostra que 54% da população avaliam como ruim ou péssima a atuação presidencial na crise sanitária. A avaliação negativa sobre a postura do governo no enfrentamento à Covid-19 deu um salto de seis pontos percentuais em dois meses – o índice era de 48% em janeiro.

(Datafolha: No pior momento da pandemia, rejeição a Bolsonaro na condução da crise bate recorde e chega a 54%, diz Datafolha)

Quando perguntados sobre a administração do país em geral, a reprovação chega a 44%, mesmo patamar de junho do ano passado, último ponto antes de uma sequência de queda turbinada pelo pagamento do auxílio emergencial. Depois de chegar a 32% em dezembro, o índice voltou a subir até repetir o maior valor desde o início do governo.

O governo é tido como ótimo ou bom por 30% – eram 31% em janeiro – e como regular por 24% – eram 26% há dois meses. A aprovação também é maior do que a média entre empresários (55%), moradores do Sul (39%) e evangélicos (37%). A reprovação, por sua vez, tem seus maiores índices entre quem concluiu o ensino superior (55%), pretos (55%), aqueles com renda mensal acima de dez salários mínimos (54%) e entre moradores do Nordeste (49%).

Desgaste na economia

A relação com o mercado, que já não atravessava o melhor momento, ganhou um novo capítulo nesta semana. Cerca de 200 economistas, banqueiros, empresários e acadêmicos assinaram juntos uma carta intitulada  “País Exige Respeito; a Vida Necessita da Ciência e do Bom Governo”. O texto classifica o cenário atual como “desolador” e não se esquiva ao apontar que o governo “subutiliza ou utiliza mal os recursos de que dispõe, inclusive por ignorar ou negligenciar a evidência científica no desenho das ações para lidar com a pandemia”. A carta enviada ao governo é assinada por nomes como Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central; Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda; Roberto Setubal, copresidente do Conselho de Administração do Itaú Unibanco; e Pedro Parente, presidente do Conselho de Administração da BRF.

(Malu Gaspar:A Faria Lima desiste de Bolsonaro)

Ao todo, o documento leva a assinatura de quatro ex-ministros da Fazenda, além de cinco ex-presidentes do Banco Central e do BNDES.

De acordo com o grupo, “o efeito devastador da pandemia sobre a economia tornou evidente a precariedade do nosso sistema de proteção social” e, além do auxílio emergencial, “não devemos adiar mais o encaminhamento de uma reforma no sistema de proteção social, visando aprimorar a atual rede de assistência social e prover seguro aos informais”.

Filipe Vidon e Marco Grillo, O Globo, em 25.03.2021

Confiar na Justiça?

Segunda Turma do STF ofereceu muitos elementos contrários à própria imparcialidade

Em tese, a decisão de um tribunal, reconhecendo a parcialidade de um juiz de primeira instância, deveria reforçar a confiança da população no Judiciário, ao restabelecer um elemento fundamental de todo sistema de Justiça: a equidistância do julgador em relação às partes. O direito a ser julgado por juiz imparcial é condição elementar de justiça. Decorrência direta da igualdade de todos perante a lei, a imparcialidade do juiz é requisito de validade do processo.

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) conseguiu, no entanto, o exato oposto ao julgar habeas corpus impetrado em favor do sr. Luiz Inácio Lula da Silva, que questionava a imparcialidade do então juiz Sérgio Moro na condução do processo penal relativo ao triplex do Guarujá. Poucas vezes se viu tal desmoralização do Supremo como a que o País assistiu durante o julgamento desse writ.

A Segunda Turma do STF deixou pouco espaço para que sua decisão fosse vista como imparcial ou mesmo jurídica. Não se trata tanto do resultado em si, declarando a parcialidade de Sérgio Moro no caso – assunto, não é demais lembrar, sempre questionado pela defesa do ex-presidente Lula e sempre rejeitado pela Justiça, em várias instâncias –, mas de como se chegou à decisão.

É estranha, por exemplo, a demora na conclusão do julgamento. O habeas corpus chegou ao Supremo em 2018. Se eram tão graves e tão evidentes os elementos indicando a parcialidade do juiz, por que tamanha demora na conclusão do caso? Se estava em risco um princípio tão fundamental do sistema de Justiça, por que o arbítrio na escolha do momento do julgamento?

Também é estranho que, tratando-se de julgamento sobre o modo como o então juiz Sérgio Moro conduziu o processo do triplex do Guarujá – não se discutia a inocência do ex-presidente Lula quanto às acusações de corrupção e lavagem de dinheiro –, a Segunda Turma do STF tenha oferecido tantos elementos contrários à própria imparcialidade.

Os ministros deram a entender que, apesar de seus enfáticos votos sobre o dever de isenção do juiz, o que eles discutiam não tinha especial importância, pois eles mesmos não estavam cuidando para que fossem vistos como imparciais e isentos, em relação tanto ao caso específico como aos integrantes do colegiado com entendimentos contrários aos seus.

Contrariado com o voto do ministro Nunes Marques, o presidente da Segunda Turma, ministro Gilmar Mendes, mesmo já tendo votado, falou durante uma hora e meia sobre o caso. “Atrás, muitas vezes, da técnica de não conhecer habeas corpus se esconde um covarde. E vou falar: o bom ladrão salvou-se. Mas não há salvação para o juiz covarde”, disse.

Depois, o ministro Nunes Marques respondeu. “Quem me conhece sabe que eu não me inibo com nada. Para os que não me conhecem, ainda tem um pouco mais de 26 anos pra me conhecer.” Seria muito oportuno que, nas sessões do Supremo, mais do que idiossincrasias ministeriais, pudesse se conhecer o Direito.

Mesmo nos poucos momentos serenos da sessão de 23 de março, o Direito não foi a prioridade. Por exemplo, ao mudar o voto dado no fim de 2018, a ministra Cármen Lúcia alegou que, naquele momento, as provas não eram suficientes para o reconhecimento da suspeição do juiz Sérgio Moro. No entanto, aquilo que seriam, segundo a ministra, os novos elementos probatórios eram anteriores a 2018, como a condução coercitiva do ex-presidente Lula de 2016. Cármen Lúcia assegurou que as conversas hackeadas entre Moro e os procuradores da Lava Jato não contribuíram para seu novo entendimento.

Ao final, a ministra Cármen Lúcia fez importante esclarecimento. A decisão da Segunda Turma refere-se a um caso específico de um réu específico. Seus efeitos estão restritos ao caso do triplex do Guarujá. Fica, no entanto, a questão: como impedir que a desmoralização da Justiça, levada a cabo pelo próprio Supremo, não afete os outros casos? Ainda não se teve notícia de fórmula mágica capaz de tornar irrelevante o comportamento dos magistrados na condução dos processos.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 25 de março de 2021 

O presidente improvisado

Jair Bolsonaro agora quer convencer os brasileiros de que é presidente da República, e não o irresponsável que todos conhecem

Jair Bolsonaro agora quer convencer os brasileiros de que é presidente da República, e não o irresponsável que todos conhecem. Esse novo personagem se apresentou ao País em cadeia nacional de TV, na terça-feira à noite, e numa reunião com governadores e dirigentes do Congresso e do Judiciário para tratar da pandemia de covid-19, no dia seguinte.

Bolsonaro vestiu um mal-ajambrado figurino de estadista nas últimas horas não porque, subitamente, passou a se preocupar com o padecimento de seus concidadãos, e sim porque a queda acentuada de sua popularidade, em razão de sua desastrosa administração da crise, ameaça sua reeleição.

Cobrado pelos líderes políticos que ainda o apoiam, mas que já começam a mostrar impaciência com seu talento para criar tumulto em vez de governar, Bolsonaro viu-se na contingência de se mostrar mais comedido e até disposto a defender a vacinação e a colaboração para o combate à pandemia.

Os panelaços que acompanharam o pronunciamento de Bolsonaro na TV mostram que os espectadores não se deixaram convencer por esse presidente improvisado. Pudera.

Depois de passar seus mais de dois anos de mandato mobilizando as atenções por ameaçar a ordem democrática, desrespeitar a Presidência e ofender a inteligência e a moral dos brasileiros, Bolsonaro jamais será visto como o líder que nunca foi. E jamais será porque, entre outras muitas razões, Bolsonaro trata seus governados como tolos, ao mentir descaradamente e esperar que alguém, além dos celerados que o idolatram, acredite.

No pronunciamento, Bolsonaro disse que “em nenhum momento o governo deixou de tomar medidas importantes tanto para combater o coronavírus quanto para combater o caos na economia”. Ora, todos sabem que o presidente foi o líder dos negacionistas da pandemia.

Além disso, o presidente teve a audácia de dizer que “temos mais de 14 milhões de vacinados e mais de 32 milhões de doses de vacina distribuídas para todos os Estados da Federação graças às ações que tomamos logo no início da pandemia”.

Da boca de um presidente que passou a pandemia inteira a desdenhar das vacinas – a certa altura, mandou comprá-las “na casa da tua mãe” – e a prejudicar a organização da imunização ao trocar três vezes de ministro da Saúde, trata-se de inaceitável escárnio. Bolsonaro espera que todos esqueçam que a maior parte das vacinas citadas em sua fala mendaz foi produzida pelo Instituto Butantan em parceria com os chineses, sem qualquer participação do governo federal. Ao contrário, Bolsonaro desprezou desde sempre a “vacina chinesa” de São Paulo e agora, como um parasita, reivindica os louros de sua produção.

Essa desfaçatez se estendeu por quatro minutos espantosos, coroados pela promessa de que toda a população será vacinada até o fim do ano – no mesmo momento em que o Ministério da Saúde revisou para baixo, mais uma vez, seu cronograma de entrega dos imunizantes. O presidente terminou manifestando solidariedade “a todos aqueles que tiveram perdas em sua família”, depois de passar meses a dizer que não era “coveiro”, que “todos vão morrer um dia”, que era preciso enfrentar a pandemia “como homem” e de ter menosprezado a dor dos brasileiros, qualificando-a de “frescura” e de “mimimi”.

No dia seguinte, Bolsonaro, depois de se reunir com governadores e dirigentes de outros Poderes, anunciou a criação de um comitê para tomar decisões sobre a pandemia – algo que deveria ter sido feito há um ano. A sensação, no entanto, é que o tal comitê é só parte da encenação mambembe de Bolsonaro.

O presidente que hoje acena com diálogo e cooperação é o mesmo que dias antes chamou de “tiranetes” os governadores que adotaram toque de recolher contra a pandemia e entrou no Supremo Tribunal Federal contra eles. Ao rejeitar a ação, o ministro Marco Aurélio Mello, além de salientar o “erro grosseiro” do presidente ao assinar ele próprio a petição, e não a Advocacia-Geral da União, disse que “ao presidente da República cabe a liderança maior, a coordenação dos esforços visando o bem-estar dos brasileiros”. Mas Bolsonaro definitivamente não nasceu para esse papel.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 25 de março de 2021 

quarta-feira, 24 de março de 2021

Insatisfeito, Lira faz discurso duro ao Planalto: 'Tudo tem limite'

Presidente da Câmara diz que está 'apertando o sinal amarelo' e que 'tudo tem limite'

Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados Foto: Agência O Globo

Insatisfeito com o resultado de reunião promovida por Jair Bolsonaro entre Poderes, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), proferiu duro discurso em plenário na tarde desta quarta-feira. Pressionado pelos colegas a falar sobre a condução do governo no combate à pandemia, o deputado lembrou que os "remédios políticos" do Congresso são "conhecidos" e "todos amargos", em referência indireta a um processo de impeachment. Além disso, avisou que "tudo tem limite".

Ao ler o discurso, Lira criticou a política externa de Bolsonaro e cobrou ações efetivas para a situação de calamidade.  Também alertou que é preciso uma "mudança de atitude". Para amenizar o discurso, o deputado afirmou que sua fala não era "fulanizada". Chegou a dizer não é justo "descarregar toda a culpa" no governo federal ou no presidente da República. Porém, fez referência a posturas adotadas por Bolsonaro que são frequentemente criticadas na Câmara.

BRASIL SE CONSOLIDA COMO ATUAL EPICENTRO DA PANDEMIA SUPERANDO A MARCA DE 300 MIL MORTOS

— CPIs ou lockdowns parlamentares, medidas com níveis decrescentes de danos políticos, devem ser evitados. Mas isso não depende apenas desta Casa. Depende também, e sobretudo, daqueles que fora daqui precisam ter a sensibilidade de que o momento é grave. A solidariedade é grande, mas tudo tem limite, tudo. E o limite do parlamento brasileiro, a Casa do povo, é quando o mínimo de sensatez em relação ao povo não está sendo obedecido.

(Repercussão:Governadores excluídos de reunião criticam criação de comitê federal sem a participação de todos os estados)

Apesar de fazer o alerta, Lira disse que "não é hora de tensionamentos".

— Estou apertando hoje um sinal amarelo para quem quiser enxergar: não vamos continuar aqui votando e seguindo um protocolo legislativo com o compromisso de não errar com o país se, fora daqui, erros primários, erros desnecessários, erros inúteis, erros que que são muito menores do que os acertos cometidos continuarem a serem praticados — discursou Lira.

O presidente da Câmara também fez referência aos instrumentos de que o Congresso dispõem para exercer o equilíbrio entre os Poderes. Antes, Lira disse que buscará a união. Mas fez questão de pronunciar a ressalva.

(Pandemia: 300 mil mortes por Covid-19 no Brasil: sepultamentos sem velório agravam o luto na pandemia)

— Mas será preciso que essa capacidade de ouvir tenha como contrapartida a flexibilidade de ceder. Sem esse exercício, a ser praticado por todos, esse esforço não produzira os resultados necessários. Os remédios políticos no Parlamento são conhecidos e são todos amargos. Alguns, fatais. Muitas vezes são aplicados quando a espiral de erros de avaliação se torna uma escala geométrica incontrolável. Não é esta a intenção desta presidência. Preferimos que as atuais anomalias se curem por si mesmas, frutos da autocrítica, do instinto de sobrevivência, da sabedoria, da inteligência emocional e da capacidade política.

Enquanto era ouvido com atenção pelos deputados durante a sessão, Lira também considerou insuficiente os esforços para a importação e compra de vacinas.

— Pandemia é vacinar, sim, acima de tudo. Mas para vacinar temos de ter boas relações diplomáticas, sobretudo com a China, nosso maior parceiro comercial e um dos maiores fabricantes de insumos e imunizastes do planeta. Para vacinar temos de ter uma percepção correta de nossos parceiros americanos e nossos esforços na área do meio ambiente precisam ser reconhecidos, assim como nossa interlocução.

(Covid-19: Após atritos com governadores, Bolsonaro se afasta, e Pacheco assume interlocução)

Em seguida, Lira tratou, sem exemplificar, de políticas equivocadas para a contenção da pandemia.

— Então, essa mudança de atitude em relação à pandemia, quero crer, é a semente de algo muito maior, muito mais necessário e, diria, urgente é inadiável: será preciso evoluir, dar um salto para a frente, libertamos as amarras que nos prendem a condicionamentos que não funcionam mais, que nos escravizam a condicionamentos que já se esgotaram.

Mais de uma vez, Lira pontuou que é preciso compartilhar responsabilidades.

— A razão não está de um lado só, com certeza. Os erros não estão de um lado só, sem dúvida. Mas, acima de tudo, os que tem mais responsabilidade tem maior obrigação de errar menos, de se corrigir mais rapidamente e de acertar cada vez mais. É isso ou o colapso.

Bruno Góes / O Globo, em 24/03/2021