sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Pandemia completa um ano no Brasil em seu pior momento

País atravessa ponto sombrio da covid-19, com negacionismo, má gestão e crise econômica como pano de fundo. Perspectivas de superação são desalentadoras, e especialistas esperam 2021 ainda pior.

Uma família após o enterro de um parente em Manaus. Mais de 250 mil brasileiros morreram e não há perspectiva de que o pior tenha passado

Há um ano, o primeiro caso do novo coronavírus era confirmado no Brasil, em um homem de 61 anos que havia viajado à Itália. Internado no hospital Albert Einstein, em São Paulo, ele se curou pouco mais de duas semanas depois, mas o vírus continuou chegando ao país e logo se espalhou, inicialmente entre as classes mais altas e, depois, entre os mais pobres, provocando a morte até quinta-feira (25/02) de 251,5 mil pessoas, segunda maior marca mundial.

Pandemias são eventos pouco frequentes, que testam a capacidade de cientistas buscarem soluções, a coesão das sociedades e a liderança de políticos. No mundo, já há diversas vacinas eficazes aprovadas, mas com produção ainda insuficiente, e alguns países já discutem a volta à normalidade, como Israel.

Esse cenário ainda está longe do Brasil, que atravessa um momento sombrio da covid-19. O número de mortes diárias segue em patamar alto, acima do pico anterior da doença, em julho de 2020. São 36 dias seguidos com marcas acima de mil mortes em 24 horas, na média móvel de sete dias. No total, mais de 10,4 milhões de pessoas, ou 5% da população, já tiveram diagnóstico de infecção pelo vírus, número que deve ser bem maior devido à falta de exames e a subnotificação.

O SUS, além disso, enfrenta o seu pior momento desde o início da epidemia. Segundo balanço da Fiocruz, as taxas de ocupação de UTIs do sistema público batem recorde atualmente - 17 capitais têm lotação de pelo menos 80%.

Enquanto isso, a vacinação caminha a passos lentos. Até esta quinta-feira, 6,2 milhões de pessoas haviam recebido ao menos a primeira dose da vacina, menos de 3% da população. O ritmo se deve à escassez estrutural do imunizante em todo o mundo, mas também a decisões do governo federal que não garantiram com antecedência um rol diversificado de fornecedores de vacinas.



As perspectivas de superação da pandemia, afirmam especialistas, não são positivas. Pelo contrário: espera-se que 2021 será ainda pior que o ano passado. Os números de casos e mortes estão no patamar mais alto, e as recomendações científicas parecem não terem sido adotadas de forma adequada pela população. 

Efeitos políticos

A chegada e a disseminação do coronavírus ao Brasil coincidiu com o mandato de um presidente de extrema direita, Jair Bolsonaro, que negou a gravidade da doença e a importância do saber científico para lidar com a pandemia. O exemplo da sua liderança foi o oposto das recomendações de especialistas: pouco usou a máscara, incentivou as aglomerações e semeou dúvidas sobre as vacinas.

À frente do governo, demitiu dois ministros da Saúde que se recusaram a apoiar o uso de remédios sem eficácia contra a doença, e enfraqueceu a coordenação na área de saúde pública com estados e municípios.

Bolsonaro, porém, não esteve sozinho na sua forma de encarar a doença. Sua posição foi acompanhada por parte dos prefeitos e governadores, além de parcela significativa da população: durante a pandemia, o presidente manteve em média o apoio de pelo menos um terço dos brasileiros.

Chegada de doses da Coronavac. Governo federal inicialmente desprezou vacina promovida pelo governo de São Paulo

A estratégia de Bolsonaro de desacreditar a ciência e confrontar outros entes federados derivou de um cálculo político para reduzir sua responsabilidade pela gestão do problema e se isentar de ser punido pela população, segundo a cientista política Lorena Barberia, coordenadora científica da Rede de Pesquisa Solidária, que reuniu pesquisadores de diversas instituições para produzir estudos sobre a pandemia.

"Ele procurou responsabilizar outros agentes pelos problemas e o enfrentamento da covid para tentar ser menos afetado politicamente. Se ele fosse liderar a resposta [do país] à pandemia, seria mais responsabilizado por ela", diz. E ele teve relativo sucesso nessa estratégia, conforme mostra sua popularidade.

Um dos confrontos do presidente durante a pandemia foi com o governador João Doria, potencial adversário nas eleições presidenciais de 2022, que envolveu o Instituto Butantan em um acordo com a farmacêutica chinesa Sinovac para trazer a vacina Coronavac ao Brasil.

Bolsonaro chegou a dizer que não compraria "a vacina chinesa de Doria", mas depois voltou atrás e fechou um acordo de compra para não ficar atrás de seu adversário na guerra das vacinas. A iniciativa de Doria fortaleceu sua imagem nacionalmente, mas o governador paulista enfrenta disputas no seu partido, o PSDB, para se lançar ao Palácio do Planalto.

A popularidade do presidente também teve ajuda do auxílio emergencial, que pagou R$ 600 por mês por pessoa de abril a agosto – o dobro para mães chefes de família – e metade desse valor de setembro a dezembro. Em seu momento mais expandido, o programa chegou a 68 milhões de brasileiros, ou cerca de 40% das famílias. Inicialmente, o governo Bolsonaro propôs um auxílio mensal de apenas R$ 200, mas aceitou um valor maior após pressão do Congresso.

Em outubro, o presidente chegou a ser avaliado como "ótimo" ou "bom" por 40% da população, segundo pesquisa do PoderData. Esse apoio reduziu-se com o fim do auxílio, mas se mantém hoje em cerca de um terço dos eleitores, um piso confortável para se proteger de eventuais processos de impeachment.

Impacto na economia

Além dos efeitos políticos, o auxílio emergencial também foi determinante no desempenho da economia na pandemia. O país já vinha em trajetória de desaceleração em janeiro, antes do vírus chegar, e afundou com a adoção de medidas de isolamento social e o medo de as pessoas saírem às ruas e se contaminarem. Em abril, o volume de vendas do varejo foi 17,2% menor do que no mês anterior, enquanto o volume de produção da indústria caiu 19,5%.

A criação do auxílio reverteu essa tendência, com efeitos positivos já em maio. A transferência mensal fez com que milhões de famílias pobres tivessem uma renda superior à de antes da pandemia, e o dinheiro foi utilizado para a compra de alimentos e bens e pequenas obras para melhorar a condição de suas residências, estimulando a economia. A alta do consumo, conjugada às medidas de distanciamento social, por sua vez, levaram a alta de preços de alguns produtos e à falta de suprimentos em alguns setores.

O aquecimento proporcionado pelo auxílio fez com que a queda do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020 tenha sido abaixo da projetada no início da pandemia. O número oficial do ano passado será divulgado apenas em março, mas a última previsão de 2020 do mercado, registrada no Boletim Focus do Banco Central, estimava retração de 4,38% do PIB. No meio do ano, o mercado projetava uma queda de 6,5% do PIB, e o Fundo Monetário Internacional chegou a estimar inicialmente uma recessão de 9,1% para o Brasil.

No total, as nove parcelas do auxílio consumiram R$ 295 bilhões, ou cerca de 4% do PIB do país, gasto insustentável no longo prazo, que só foi possível pela decretação do estado de calamidade pública e o afastamento temporário dos limites de despesa e endividamento. A pressão sobre as contas públicas fez o governo reduzir o valor do benefício à metade a partir de setembro e encerrá-lo em dezembro, o que foi imediatamente sentido no desempenho da economia, que ainda sofre efeitos da pandemia. No último mês do ano, o varejo registrou retração de 6,1%.

Bolsonaro e Pazuello. Ministro da Saúde promoveu tratamentos sem eficácia contra covid-19 e não conseguiu garantir vacinas suficientes

A política governamental para manutenção de empregos durante a pandemia não teve o mesmo sucesso que o auxílio emergencial e, como em outros países do mundo, houve alta do desemprego, que atingiu 14,6% no terceiro trimestre de 2020, ou 14,1 milhões de pessoas, um recorde na série histórica.

Houve também aumento no número de desalentados, pessoas que não trabalham e desistiram de procurar emprego por acharem que não irão encontrar uma vaga. No trimestre de junho a agosto, chegou a 5,9 milhões de pessoas, também um recorde.

Em janeiro e fevereiro deste ano, não houve auxílio emergencial. O governo e o Congresso discutem recriá-lo por mais alguns meses, em um valor reduzido, mas ainda não há acordo sobre o formato.

Evolução da pobreza

As circunstâncias da pandemia e a extensão do auxílio fizeram o Brasil experimentar um panorama inesperado em relação à pobreza ao longo desse ano, com alta amplitude de variação.

Em seu auge, o auxílio emergencial fez com que o número de pessoas abaixo da linha de pobreza (famílias com renda mensal per capita menor que R$ 455) e em situação de pobreza extrema (famílias com renda mensal per capita menor que R$ 155) chegasse em agosto a seu patamar mais baixo da série histórica, iniciada em 1976.

Naquele mês, a pobreza afetava 18% da população, ou 38,9 milhões de pessoas, e a pobreza extrema alcançava 2,3% da população, ou 4,8 milhões de pessoas, segundo cálculos feitos pelo economista Daniel Duque, pesquisador do Ibre/FGV, a partir das edições especiais da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, a Pnad Covid, realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O período de relativa segurança alimentar que beneficiou muitos brasileiros, porém, chegou ao fim com a redução do valor e, depois, com o encerramento do auxílio em plena pandemia, e os números de pobreza voltaram a crescer já a partir de setembro.

Como resultado, em janeiro de 2021 o número de pessoas em situação de pobreza projetado foi um dos maiores da série histórica. Segundo cálculos de Duque, no primeiro mês deste ano, de 25% e 30% da população, entre 52,7 milhões a 63,3 milhões de pessoas, estavam abaixo da linha de pobreza, enquanto a pobreza extrema alcançava de 10% a 15% da população, algo entre 21 milhões e 31 milhões de pessoas.

Fernando Burgos, professor da FGV-EAESP e especialista em políticas sociais e desigualdade, também aponta que, apesar do relativo sucesso, a implementação do auxílio emergencial teve falhas que excluíram muitas pessoas do benefício.

"Sabemos que teve uma parcela da população que ficou de fora. Não são 'invisíveis', como o [ministro da Economia] Paulo Guedes fala. Quem está na ponta [do sistema de assistência social] sabe onde elas estavam. Era para o indicador de pobreza ter chegado a zero. Muitos se acostumam a deixar algumas famílias para trás, mas isso é tratado com uma naturalidade que não consigo absorver", diz.

Um problema, segundo Burgos, foi a necessidade de fazer o cadastro por celular, tarefa inviável para parte da população analfabeta. A "segunda crueldade", diz, é a falta de previsibilidade sobre quando o auxílio irá voltar e com qual valor.

"As pessoas hoje continuam precisando, e ninguém sabe quando ele volta. É fácil, a partir de Brasília ou da Faria Lima, usar os dados e fazer chutes, mas esquecer que, do outro lado, as pessoas estão esperando esse dinheiro, tendo que decidir se compram botijão de gás ou não", afirma.

Desafios na educação

Outro reflexo da pandemia se deu no ensino, que atingiu em cheio os brasileiros em idade escolar. Mesmo na rede privada, muitas escolas ainda não estavam preparadas para adotar aulas online, um desafio que se tornou ainda maior na rede pública.

A desigualdade no acesso à educação foi agravada pela falta de condições de milhões de estudantes, que enfrentaram carência de conexões rápidas à internet, computadores e ambiente doméstico propício para a aprendizagem à distância.

A reação do poder público, por sua vez, foi prejudicada pela falta de uma coordenação efetiva do governo federal, diz Lucia Delagnello, diretora-presidente do Centro de Inovação para a Educação Brasileira (CIEB).

"Houve uma falta de protagonismo do MEC [Ministério da Educação], fruto de várias mudanças que aconteceram na gestão da pasta. Não houve uma coordenação de esforços para ajudar as redes a fazer essa transição", afirma.

Uma das consequências foi que as unidades da federação adotaram ritmos e planos muito diversos para lidar com a transição para o ensino online. Alguns estados, como Espírito Santo, Rio Grande do Sul e Tocantins, deixaram seus alunos por mais de cem dias sem aulas à distância após o fechamento das escolas, enquanto em outros a implementação da alternativa virtual se deu de forma mais rápida, segundo dados de estudo publicado em janeiro pela Rede de Pesquisa Solidária.

"O impacto da pandemia na aprendizagem das crianças foi muito grande e negativo. A grande maioria delas não conseguiu, ou por não ter acesso, ou pela falta de experiência [das escolas] em trabalhar de forma remota, manter um aprendizado adequado", afirma Delagnello.

Ela diz, porém, que se 2020 foi o ano da "resposta", este será o da "consolidação" das experiências com o ensino virtual ou híbrido que tiveram sucesso. "Muita gente questionava se a tecnologia era importante para a educação. Agora o questionamento é como fazer", afirma.

Futuro

As perspectivas de superação da pandemia ainda são desalentadoras no Brasil, na opinião de Barberia, da Rede de Pesquisa Solidária. Ela receia que 2021 será "ainda pior" que o ano passado, pois o número de casos e mortes está em seu patamar mais alto e as recomendações científicas não foram absorvidas de forma adequada pela população, mesmo em questões básicas como distanciamento social e uso adequado de máscaras.

Segundo ela, o que se faz hoje, em muitos estabelecimentos comerciais que seguem abertos, é um "teatro da higiene", ineficaz para evitar a propagação do vírus pelo ar. O ritmo da vacinação está muito mais lento do que o necessário para conseguir imunizar a população com sucesso, e falta "vontade política" para adotar as medidas necessárias, como fechamento do comércio, em muitos lugares do país.

O pessimismo é compartilhado por Burgos, da FGV-EAESP. Ele diz que a situação atual é "muito grave", com parte da população "abrindo mão de uma série de precauções". No aspecto social, ele lembra que as redes de doação e distribuição de alimentos, que fizeram a diferença no começo da pandemia, hoje se enfraqueceram, e que os sinais do governo federal não indicam que ele assumirá um papel mais forte para coordenar a proteção dos mais vulneráveis.

Deutsche Welle Brasil, em 26.02.2021

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Muito a explicar

Os indícios contra Flávio não foram apagados. Há muita coisa a ser esclarecida

A comemoração do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) em relação à decisão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), como se tivesse sido declarado inocente no caso das rachadinhas, revela uma enorme confusão. A Corte apenas declarou a nulidade da decisão judicial que decretou a quebra de seu sigilo bancário e fiscal.

Por 4 votos a 1, a Quinta Turma do STJ não disse que o senador Flávio Bolsonaro é inocente, tampouco afirmou que as informações sobre as movimentações financeiras são falsas. Apenas entendeu que o juiz Flávio Itabaiana não fundamentou devidamente a decisão sobre a quebra do sigilo bancário e fiscal. É, assim, uma questão processual.

Faz-se necessário lembrar o óbvio. O caso das rachadinhas ainda não foi esclarecido, não havendo a rigor nenhum motivo para comemoração por parte do senador. O que se tem – e isso nenhuma decisão meramente processual do Judiciário modifica – é um robusto conjunto de indícios envolvendo o filho do presidente da República com apropriação de parte de salários de assessores parlamentares.

Trata-se de um sério escândalo. Ainda mais porque envolve a família de quem foi eleito pregando a honestidade e prometendo eliminar o uso do poder público para fins pessoais. A prática da rachadinha é precisamente o abuso de uma posição de poder para obter vantagens pessoais.

Não é demais lembrar que Flávio Bolsonaro não é o único membro da família envolvido com suspeitas de rachadinha. Há indícios de que essa prática, que fere os comezinhos princípios republicanos, também ocorreu no gabinete do então deputado federal Jair Bolsonaro.

Malgrado Bolsonaro ter sido eleito como campeão do antipetismo, o presidente e sua prole têm baseado sua defesa, no caso das rachadinhas, em questões processuais e na tese da perseguição política, tal como fez o ex-presidente Lula da Silva. Nesse ponto, os Bolsonaros têm mais em comum com o demiurgo de Garanhuns do que gostariam de admitir.

Em primeiro lugar, nem Jair Bolsonaro nem seu filho Flávio apresentaram até agora uma explicação convincente sobre as movimentações financeiras atípicas. Insinuam que são alvos de complô de “infiltrados” na Receita Federal, no Coaf, no Ministério Público e na Justiça, todos interessados em derrubar o presidente.

Quando Flávio Bolsonaro diz que o caso da rachadinha é apenas um modo de atingir o seu pai, sem se dar ao trabalho de explicar a exótica movimentação de dinheiro entre assessores do seu gabinete na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, o País tem a clara sensação de ver a reprise de uma história bastante conhecida. Sem explicar o que precisa ser explicado, o primogênito de Jair Bolsonaro recorre à tese de que é vítima da Justiça, tal como fez e ainda faz o sr. Lula da Silva.

Outra semelhança que a cada dia fica mais evidente entre aqueles que gostam de se apresentar como opostos no campo político é a estratégia processual. Sem enfrentar a questão de mérito, Flávio Bolsonaro vale-se de objeções processuais. Não há defesa da transparência, da lisura e da intransigência com o mau uso do dinheiro público. O que há é tão somente a tentativa de evitar que a Justiça alcance seus dados financeiros e fiscais.

É um escárnio com a população, que deseja outro patamar moral e cívico na administração da coisa pública, pretender que suspeitas de crimes sejam abafadas a partir de questões processuais. Na verdade, a decisão da Quinta Turma do STJ não é nenhuma vitória do senador Flávio Bolsonaro. É antes prova de que a família Bolsonaro pretende se esquivar das respostas à população com base em manobras. Sobre esse caminho, de fato o sr. Lula da Silva, que recorreu até ao papa em sua campanha contra o Judiciário, tem muito a ensinar.

A lei processual penal deve ser estritamente seguida, uma vez que protege direitos e garantias fundamentais de todos os cidadãos. Mas esse cuidado com o processo penal não é sinônimo de impunidade. Os indícios das rachadinhas não foram apagados. Há muita coisa a ser esclarecida. Numa República, todos devem responder pelos seus atos, seja qual for sua ascendência.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de São Paulo, em 25 de fevereiro de 2021 

Bolsonaro feriu interesses de setores do Brasil com apoio a Trump, diz senadora Kátia Abreu

'Ninguém discute mais sobre desmatamento, sobre queimadas, sobre emissões (de gases do efeito estufa). Isso já é uma coisa cristalizada, com um entendimento internacional, e quem for discutir isso está perdendo seu tempo', diz Abreu (Crédito: Leopoldo Silva / Agência Senado).

Eleita em 23/2 para o posto de presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado, a senadora Kátia Abreu (PP-TO), primeira mulher a chegar ao posto, fez duras críticas à condução da política externa brasileira durante a gestão de Jair Bolsonaro. A comissão é responsável por sabatinar os indicados para altos postos diplomáticos no exterior e fiscalizar as medidas adotadas pelo Itamaraty.

Representante histórica do agronegócio e ex-ministra da Agricultura no governo de Dilma Rousseff, Abreu afirma que as posições políticas tomadas pela atual gestão levaram à paralisação da implementação do acordo de livre-comércio entre Mercosul e União Europeia, anunciado no início de 2019.

A senadora, que, em 2010, recebeu a motosserra de ouro do Greenpeace, troféu dado pela ONG à figura pública que mais atuou em prol do desmatamento no país, afirmou à BBC News Brasil que os discursos internacionais do chanceler Ernesto Araújo e do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que questionaram o aquecimento global e os dados sobre desmatamento no Brasil, têm causado prejuízos financeiros aos produtores rurais brasileiros.

"Ninguém discute mais sobre desmatamento, sobre queimadas, sobre emissões (de gases do efeito estufa). Isso já é uma coisa cristalizada, com um entendimento internacional, e quem for discutir isso está perdendo seu tempo", resume Abreu.

A senadora se diz "super a favor" do fundo internacional para preservação da Amazônia que propôs o então candidato (e hoje presidente americano) Joe Biden, desde que não fira a soberania brasileira, possibilidade aventada por Bolsonaro depois da fala de Biden.

Ainda segundo Abreu, as ações do presidente brasileiro durante a campanha presidencial dos Estados Unidos, quando determinou a expansão da cota de importação de etanol dos EUA e aceitou restrições à exportação do aço brasileiro ao país, "feriram interesses de setores do Brasil". À época, analistas e diplomatas que conversaram reservadamente com a BBC News Brasil viram no gesto uma tentativa de apoio de Bolsonaro à campanha de Trump. Os usineiros brasileiros se irritaram.

"É difícil imaginar o que tem por trás disso, porque para você ferir o interesse nacional você tem que estar com o foco muito certo de que vai perder agora para ter um ganho muito claro ali na frente. Mas não tivemos tempo de ver esse resultado, o Trump perdeu as eleições", analisa Abreu.

A senadora diz ainda que ataques do chanceler Ernesto Araújo à China são "puramente ideológicos" e criaram "ruído" no momento em que o Brasil precisa de agilidade para importar vacinas e insumos contra a covid-19 daquele país.

Abreu critica acenos de Bolsonaro a Trump, como questionamento a idoneidade de pleito americano e expansão da cota de importação de etanol dos EUA

E embora seja vista como forte opositora de Araújo em Brasília, Abreu se recusou a comentar uma possível demissão dele, cogitada agora que os partidos do chamado Centrão compõem a base de sustentação do governo no Legislativo e devem ser acomodados em ministérios na Esplanada.


Leia a seguir os principais trechos da entrevista.:

BBC News Brasil - Como a senhora avalia a política externa na gestão Bolsonaro?

Kátia Abreu - Há muito tempo nós temos uma política externa muito frágil no Brasil. Há muito tempo não temos algo articulado, focado, com metas rigorosas e ousadas para serem cumpridas, como se faz na iniciativa privada. Claro que nós temos dificuldades maiores do que a iniciativa privada porque cabe ao Estado fazer uma articulação muito maior e detalhada com cada setor para poder garantir esses acordos (comerciais) e essa ampliação de mercado.

Mas, hoje, o grau de abertura comercial do Brasil é de 22% do PIB enquanto que o grau de abertura dos países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, ou "clube dos países ricos", na qual o Brasil tenta ingressar) é 45%. Só estamos à frente de Nigéria e Sudão nisso. Partindo desse número, eu acho que nós deveríamos ser mais ousados para alcançar o mais rápido possível pelo menos 30%.

Isso não pode ser feito do dia para a noite. Há que negociar prazos, negociar isenções de impostos, excluir atividades mais complexas, que devem ficar fora do acordo. Enfim, então se nós fizermos tudo isso do dia pra noite, vamos causar um tumulto e uma falência de vários setores no país. Por isso eu estou pregando um aumento gradual nisso, mas não pode ser uma lentidão usada como protecionismo cego.

E o que seria o primeiro passo nessa direção? Eu acredito que o acordo Mercosul-União Europeia já está bem adiantado, ao extinguir impostos de 90% dos produtos em um período de tempo. Hoje só 24% dos produtos comercializados entre o Brasil e a União Europeia não têm impostos.

O caminho está bem adiantado e foi paralisado por uma questão política e por uma má condução, um equívoco na condução e no diálogo do Itamaraty especialmente, mas tudo pode ser corrigido, ser refeito, mas equívocos principalmente com relação à questão ambiental. A questão ambiental está hoje no mesmo patamar do conceito de direitos humanos. Alguém discute hoje algum item do Código de Direitos Humanos nessa face da Terra? Não se discute.

A questão ambiental está caminhando para esse mesmo sentido. Ninguém discute mais sobre desmatamento, sobre queimadas, sobre emissões. Isso já é uma coisa cristalizada, com um entendimento internacional, e quem for discutir isso está perdendo seu tempo.

BBC News Brasil - Desculpe interromper, senadora, mas o governo atual questiona tanto os direitos humanos quanto as premissas do aquecimento global. Como a senhora avalia, então, a atuação do chanceler Ernesto Araújo, que faz discursos internacionais negando essas questões climáticas e ambientais?

Abreu - Eu avalio de modo negativo, porque isso já são temas e teses universais. Direitos humanos e questão ambiental já são bandeiras universais. No começo, o meio ambiente era bandeira de ambientalista xiita, radical. Acabou isso, ainda existem radicalismos, mas já virou uma bandeira internacional, ninguém discute isso mais, meu Deus. Discutir isso, repisar esse assunto é ficar indo para o atraso, para o passado, para coisas que já estão superadas, vamos para frente.

Essa questão ambiental, eu não vejo dificuldade nela. Fora desmatamento de áreas de determinados produtores que querem avançar porque querem produzir e têm maior renda, que é uma questão individual e pessoal, quando você avalia no todo, todas as técnicas e as tecnologias disponíveis para o agronegócio para (proteger) o meio ambiente dão lucro.

Hoje, você já está fazendo sistemas de produção de gado em floresta porque a sombra é melhor para a engorda do boi e para a cria dos bezerros, o plantio direto que evita a retirada da palha do solo, isso traz economia para o agronegócio porque você não precisa aplicar produtos na terra. Então se eu elencar para você quatro, cinco técnicas e tecnologias verdes, todas trazem ganho de dinheiro para os produtores.

Agora, essa questão do desmatamento sai desse entendimento global, racional e pragmático para uma questão individualizada do desejo do João, do Pedro, da Maria, de querer desmatar mais na sua área para ter uma maior rentabilidade. E quem está certo, quem está errado, não importa, porque João, Pedro e Maria têm que compreender que tem regras e leis que nós absorvemos e que já aprovamos no Congresso Nacional e que tem que ser cumprida e pronto acabou. Não tem mais meu desejo. Tem a obrigação legal.

Ataques do chanceler Ernesto Araújo à China são 'puramente ideológicos', avalia senadora (Crédito: Raylosn Ribeiro / MRE)

BBC News Brasil - Então, quando o chanceler Ernesto Araújo faz esse tipo de discurso negando essas questões ambientais, ele está defendendo os interesses de quem, se essa não é a agenda do agronegócio?

Abreu - Eu acho que é uma agenda contra o Brasil e acho que é uma agenda contra os produtores. O agronegócio é uma cadeia longa, são os vendedores de insumos, os produtores, o comércio e o transporte. Então, os produtores em si, alguns, se ressentem das regras ambientais, das normas brasileiras, é um direito que têm, tem gente que reclama de vários artigos da Constituição Federal, é um direito do ser humano na democracia contestar, mas não pode descumprir. Os produtores se ressentem disso.

Agora quem se ressente (do discurso do chanceler) economicamente diretamente hoje são os vendedores desses produtos, é a agroindústria, é quem processa, porque é ela que tem que bater na porta lá fora para vender. Essa aliança não pode ser desfeita. O produtor tem que entender que ele não existe sem processamento e sem o exportador. E o exportador está tendo dificuldade e terá dificuldades. É essa questão ambiental que nos prejudicou a finalizar o acordo Mercosul-União Europeia, e que não prejudicou nem a Mariana, nem a Kátia. Prejudicou os produtores de todo país que querem exportar.

Claro que o país também ficou prejudicado em sua balança comercial, sem aumento na sua geração de emprego e renda. Esse será o maior acordo comercial existente na face da Terra. São quase 800 milhões de habitantes e 25% do PIB mundial envolvidos nesse acordo Mercosul-União Europeia. Será que é possível que não está vendo o prejuízo que nós poderemos continuar tendo em negar essa questão ambiental?

Mas eu sinceramente vejo que o ministro do Meio Ambiente, de certa forma, fez um recuo. Não é um mea culpa, mas de certa forma se silenciou. O próprio chanceler também. Porque isso estava dando contradições na própria política econômica do país, que é aumentar as exportações e aumentar o mercado. Há dentro do Ministério da Economia uma secretaria especial que trata das questões de comércio exterior e que tem um pensamento totalmente diferente com relação a essas questões, que está focada em vender, em fazer a coisa sustentável, de qualidade, (construir) um mercado sólido, de confiança para o Brasil, que é o que os produtores querem.

Não pode ser um pé lá e um pé cá. Nós temos que estar com os dois pés no mesmo lugar obedecendo a excelência, o consumidor. Se eu quero vender, como é que vou desobedecer ao consumidor? Se eu quero vender blusa azul e o consumidor quer blusa vermelha, eu vou vender para quem?

Precisa de ajustes de narrativas porque, na prática, o Brasil tem uma belíssima agropecuária, muito ajustada, muito tecnológica, e precisa avançar muito na questão dos pequenos produtores, para que tenham acesso a essas tecnologias para produzir mais sem desmatamento. E essa questão do desmatamento já estava pacificada antes de Bolsonaro, já era um fato consumado, e ele fez o fato ser "desconsumado", fez o divórcio sem necessidade, sem atrito no casamento.

E para os produtores que teriam vontade de desmatar mais, de abrir suas áreas porque querem produzir mais, legitimamente ganhar o seu dinheiro, nós temos que buscar compensações, indenizações. Algo como venda de carbono, compensação por parte dos países que já desmataram, não sei o nome, mas nós temos que fazer deste passivo de não ter desmatamento um grande ativo econômico, porque isso vale dinheiro.

BBC News Brasil - Durante a campanha presidencial americana, o então candidato Joe Biden disse que queria criar um fundo internacional de US$ 20 bilhões para dar ao Brasil e ajudar a manter a floresta amazônica em pé. A senhora concorda com essa ideia, que inicialmente foi vista pelo governo como ameaça à soberania e a sanções econômicas? Gostaria de se envolver numa negociação dessas?

Abreu - Claro que sim, eu sou super a favor. A preocupação que o brasileiro precisa ter, e eu sou brasileira, é com as condições que esse dinheiro virá. A questão da soberania nacional é importante para todos nós. Então não é assim: "quero o dinheiro", e o dinheiro vem de qualquer jeito, de qualquer forma a qualquer custo. Lógico que não.

As condições que o Biden vai colocar para esses recursos virem para o Brasil ou para qualquer país do mundo para a preservação ambiental têm que ser negociadas. É suportável, é digno, temos condições de aceitar? Ótimo. Se fere a soberania nacional, não, obrigada. Então é simples assim, nós não temos que temer, nós temos que conversar e eu tenho interesse sim, não só com os americanos, mas europeus, na busca dessas compensações porque o Brasil tem feito o dever de casa muito bem e precisa continuar fazendo.

BBC News Brasil  - O presidente francês, Emmanuel Macron, falou recentemente que comprar soja do Brasil era seguir impulsionando o desmatamento da Amazônia. Como a senhora avalia isso?

Abreu - Sobre o presidente francês, eu devo confessar que acho também muito populismo, exagero e um certo oportunismo político. Você vê o comportamento do Biden, as expressões, a forma de falar, muito mais polidas, muito mais diplomáticas do que está fazendo o presidente francês.

Existe um ditado brasileiro muito antigo que diz que cão que ladra não morde. O presidente de qualquer país da Europa tem o direito de se expressar dizendo que não quer comprar soja de desmatamento de qualquer lugar do mundo, mas não tem o direito de ameaçar. Um líder e um chefe de Estado age na prática, até com sanções, é um direito dele. Agora, nós também não podemos permitir que o Brasil seja chantageado e ameaçado publicamente como o presidente francês tem feito.

Também acho que a narrativa (brasileira) está errada e que o presidente francês, na verdade, está utilizando isso porque há uma resistência dos produtores rurais da França, da Alemanha e da Inglaterra contra esse acordo Mercosul-União Europeia por conta do agronegócio brasileiro.

Kátia Abreu (PP-TO) é a primeira mulher a chegar ao posto de presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado (Crédito: Leopoldo Silva / Agência Senado).

BBC News Brasil - Nas últimas semanas a gente viu uma dificuldade grande do governo de importar vacinas e insumos da China. Isso aconteceu depois de uma série de críticas de autoridades brasileiras ao país. A senhora vê retaliação política nessa dificuldade?

Abreu - Não, eu não creio. Eu conheço um pouco os chineses, já fui à China dez vezes nos últimos oito anos, quando era ministra (da Agricultura), presidente da CNA (Confederação Nacional de Agricultura), justamente trabalhando para acordos comerciais.

Eu não vejo os chineses tão vulneráveis em suas atitudes. Eles sabem que, no Brasil, a democracia impõe uma eleição a cada quatro anos, mudanças de governos na União, nos Estados e municípios. Eles sabem que a coisa no Brasil é muito dinâmica e que essa relação comercial é necessária para a China tanto quanto é necessária para o Brasil.

Eles podem e devem ter ficado aborrecidos com tanta agressividade e ataques, mas não acredito que o chinês vai fazer disso um rompimento, uma retaliação expressiva ou que vá macular essa relação tão ampla e tão antiga. Eu fiz uma reunião (no começo) com 20 senadores e o embaixador chinês justamente para dar a ele um gesto de que nós estamos aqui e que no Brasil é assim, a democracia permite que as pessoas pensem diferente, mas que nós queremos a continuidade dessa relação, não só por conta da vacina, mas que queremos uma relação duradoura, sem preconceitos.

Nessa reunião, o embaixador chinês garantiu que não existe nenhum tipo de retaliação.

As palavras na diplomacia precisam ser medidas, e essas rusgas, essas pedradinhas que vão sendo jogadas nas relações vão criando fissuras e um cristal quebrado nunca cola.

BBC News Brasil - A que interesses o chanceler Ernesto Araújo serviu ao fazer tantas críticas à China?

Abreu - Ideológico. Puramente ideológico, não vejo nenhum outro interesse. Desde que ele começou esse preconceito e esses comentários difíceis contra os chineses, eu repito certos números da relação da China e do Brasil para ver se abre a cabeça deles para o tamanho do que é falar da China. Os americanos são nossos parceiros comerciais, nós temos interesse, é o nosso segundo parceiro comercial do mundo. Mas eles são também nossos grandes concorrentes.

Já a Ásia, ao contrário, ela precisa de nós como nós precisamos dela. Nosso grande comprador de produtos agropecuários, por exemplo, são especialmente os chineses. Não precisa escolher um ou outro. Por que você tem que fazer essa escolha? Essa escolha é ideologia. Eu não quero saber do regime político chinês, não me interessa, isso é problema deles, desde que respeitem os direitos humanos. Mas regime político, regime de governo, isso não nos diz respeito.

A China pretende aumentar as importações nos próximos 25 anos em US$ 1 bilhão por ano. O que significa isso para nós? De tudo o que a China importa, 4% só vem do Brasil. Se nós apenas mantivermos esse patamar de 4%, só com o crescimento da China, nós teríamos um aumento no nosso comércio de US$ 100 milhões a cada dois anos. Então não dá para discutir, não dá para brincar com as coisas, não dá para desconsiderar. A Ásia hoje é o foco do mundo.

'Não quero saber do regime político chinês, não me interessa, isso é problema deles, desde que respeitem os direitos humanos', afirma Kátia Abreu (Crédito: Reuters)

BBC News Brasil - A senhora mencionou o fato de que os EUA são nossos concorrentes. No fim do ano passado, durante o processo eleitoral, o governo brasileiro tomou medidas para facilitar exportação de etanol americano ao Brasil, aceitou restrições ao aço brasileiro. A avaliação no mercado é que isso foi feito pelo presidente brasileiro por uma simpatia a Trump. A senhora acha que a gestão Bolsonaro feriu interesses nacionais a favor do aliado Trump?

Abreu - Eu acho que feriu interesses de setores do Brasil, sim. Não tenho obrigação de interpretar as atitudes de Bolsonaro, mas eu não acredito que nenhum governante em qualquer esfera faça alguma coisa intencional para dar prejuízo ao país. Eu brinco sempre que ninguém se elege para ser ruim. Todo mundo se elege pensando que vai ser bom, aí no meio do caminho se perde por muitas coisas.

Eu imagino que talvez ele tenha pensado que estava sinalizando uma aproximação e uma boa vontade para ter outros ganhos lá na frente, como, por exemplo, apoio para a entrada na OCDE. É difícil imaginar o que tem por trás disso, porque para você ferir o interesse nacional você tem que estar com o foco muito certo de que vai perder agora para ter um ganho muito claro ali na frente.

Mas não tivemos tempo de ver esse resultado, o Trump perdeu as eleições, nunca saberemos se havia algum tipo de acordo a ser cumprido no futuro.

BBC News Brasil - Esse amplo apoio de Bolsonaro a Trump, dizendo inclusive que tinha fontes que falavam em fraude na eleição americana, deixou os democratas insatisfeitos. A crítica mais recente foi feita pelo senador Robert Menendez, que enviou uma carta à embaixada brasileira dizendo que haveria prejuízo na relação Brasil-Estados Unidos se o Brasil não denunciasse a invasão ao Capitólio como uma agressão à democracia. Qual é a sua opinião sobre a postura do governo nesse episódio e sobre a relação do Brasil-Estados Unidos hoje?

Abreu - Nós precisamos avisar aos americanos que o Bolsonaro contesta até a eleição que ele ganhou (risos). Eu nunca vi ninguém que ganha contestar. Que coisa mais maluca imaginar que alguém vai fraudar uma eleição e ainda deixar o outro ganhar. São coisas incompreensíveis, nem quero interpretar estas decisões de Bolsonaro. Eu acho que as consequências estão aí, para quem quiser ver. Acho até que ele não tinha necessidade de se manifestar sobre o Capitólio, mas contestar as eleições americanas não é função nossa.

Para quê se manifestar? Essas coisas não são adequadas nas relações internacionais, vão criando arestas, dificuldades. Se o presidente pretende, eu tenho certeza absoluta que ele não se elegeu para fazer mal para o Brasil, as intenções têm que ser boas, claro que são boas. Então tem que procurar não errar em determinadas áreas. E se errar, tem que ter humildade para recuar.

Acredito que essas manifestações inadequadas precisam ser evitadas, que o que não for para contribuir com o país, é melhor ficar em silêncio.

BBC News Brasil - A senhora vê condições no ministro Ernesto Araújo de continuar no cargo? A senhora defende a demissão dele?

Abreu - Eu prefiro não me manifestar sobre isso, mesmo porque eu não votei em Bolsonaro, eu não apoiei o Bolsonaro, então eu sou eleita na base de oposição. Claro, se eu concordar com as matérias do governo, eu voto a favor, porque não sou empresa de demolição.

Apesar de seu partido, o PP, ser base de sustentação do governo Bolsonaro, Abreu afirma que tem independência para não apoiá-lo (Crédito - Reuters / Adriano Machado)

BBC News Brasil - Mas o seu partido, o PP, é base de sustentação do governo Bolsonaro.

Abreu - Mas eu tenho total independência pelo meu partido: o que eu acho que não está certo, eu não voto. O que for bom pro Brasil, eu voto. Mas a base de apoio é interessante, porque Bolsonaro entrou com um governo muito difícil, sem base. Essa questão de coalizão no Brasil com mais de 30 partidos será sempre difícil para qualquer presidente. Os acordos e as alianças são muito custosos e difíceis.

Bolsonaro entrou (no Planalto) com um grande partido (o PSL), com muitos deputados, mas não o suficiente para ter uma base de apoio. Com essa oficialização da base de apoio (do Centrão), você observa que esses partidos do centro em todos os governos sempre foram o ponto de equilíbrio dos governos. E essa base de apoio de Bolsonaro, ela vai dar uma sustentabilidade ao governo Bolsonaro, mas vai fazer também cobranças de posições em conformidade com o equilíbrio, mais puxando para o equilíbrio.

Essa base de apoio não é gratuita e incondicional. Esses partidos de centro são profissionais da política.

BBC News Brasil - No fim do ano passado, a senhora capitaneou uma derrota à indicação do Ministério das Relações Exteriores ao embaixador Fábio Marzano, que pretendia um cargo na ONU em Genebra. Essa vai ser a tônica da sua gestão à frente da Comissão de Relações Exteriores?

Abreu - Qual a tônica? Derrotar diplomata? (risos) Essa você não vai nem acreditar: naquele dia eu tive a solidariedade dos colegas, eu não movi uma palha e nem sugeri (a reprovação do diplomata). Na hora, na comissão, todo mundo achou aquilo um desaforo, mas os senadores, já com raiva do chanceler por mil outras coisas, quiseram dar aquela sinalização para ele. Então parece que eu fui a chefe da torcida organizada.

E eu fui meio empurrada, meio usada ali, e adorei porque foi uma sinalização importante. Que coisa é essa? Eu fiz uma pergunta técnica para ele, não perguntei sobre a personalidade, o caráter nem o que o chanceler come. Eu perguntei uma coisa muito plausível, minha maior preocupação é a União Europeia e o Mercosul. Para todos que se sentam lá (na comissão, para sabatina de cargos diplomáticos) eu pergunto sobre isso.

Acho que foi uma sinalização que o Senado quis dar com todo o meu apoio, claro. Não estou correndo disso. Mas essa não é a tônica. Nenhuma comissão pode ser lugar para oposição. Nós temos outros foros. Se quero fazer oposição, vou ao plenário. Vai ser uma condução isenta e institucional. Ninguém espere de mim uma grande CPI ou uma 'cordeirinha' que vai ficar atrás do chanceler ou do governo.

Mariana Sanches - @mariana_sanches, da BBC News Brasil em Washington, DC

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Lira procurou STF sobre PEC da Blindagem e ouviu que proposta é um ‘horror’ e um ‘absurdo’

Na avaliação de integrantes da Corte, parlamentares estão usando o caso de Daniel Silveira para tentar garantir total impunidade. 'Sou a favor que o Congresso faça sua autocrítica e defina um roteiro claro e preciso para o atual vácuo legal para lidar com situações desse tipo', disse Lira ao 'Estadão'

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas-AL). Foto: Dida Sampaio/ Estadão

A articulação do Congresso para blindar os parlamentares após a prisão do deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ) colocou a Câmara em rota de colisão com o Supremo Tribunal Federal (STF). Nos bastidores da Corte, a proposta – que reduz o poder dos magistrados de definir como e onde os parlamentares ficam presos em casos de flagrantes – é considerada um “horror”, um “absurdo” e uma “péssima” ideia que pode levar à impunidade. Ao Estadão, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), disse que cabe ao Parlamento definir “um roteiro claro e preciso para o atual vácuo legal” sobre o tema.

O texto da “PEC da Blindagem” foi construído por determinação de Lira. De acordo com a proposta, só será permitida a aplicação de medidas cautelares contra parlamentares, como uso de tornozeleira eletrônica, após decisão da maioria do plenário do STF. Até a análise de materiais apreendidos em operações policiais no Congresso ou nas residências de parlamentares demandarão o crivo do plenário da Corte. Deputados se queixam de mandados de busca e apreensão expedidos por juízes de primeira instância.

Na avaliação de integrantes da Corte, os parlamentares estão usando o caso Daniel Silveira para tentar garantir total impunidade e se livrar da Justiça. O deputado está preso há oito dias após promover discurso de violência contra ministros do STF e fazer apologia ao Ato Institucional 5 (AI-5), o mais duro instrumento de repressão da ditadura militar. A medida foi determinada pelo ministro Alexandre de Moraes e confirmada depois por unanimidade pelo plenário do tribunal. Segundo o Estadão apurou, Moraes conversou com Lira por telefone sobre a PEC.

Um dos principais pontos criticados por ministros do STF é o de que a proposta só permite a prisão em flagrante por certos tipos de crimes inafiançáveis expressos na Constituição, como tortura, racismo, tráfico de drogas, hediondos e grupos armados. Segundo um ministro, pelo texto da PEC, Daniel Silveira poderia repetir tudo que fez e até agredir fisicamente os integrantes do STF, mas não poderia ser preso.

Judicialização.

A “PEC da Blindagem” também dominou as conversas reservadas entre os próprios ministros ao longo desta quarta-feira. Por conta do distanciamento social imposto pela pandemia, as conversas regadas a café no intervalo das sessões plenárias foram substituídas por mensagens privadas por aplicativo, videoconferências e chamadas telefônicas. A percepção geral, de diferentes alas do tribunal, é a de que a proposta é ruim.

Integrantes da Corte também dão como certo que a medida logo deve ser judicializada, cabendo ao próprio Supremo analisar a sua tramitação e legalidade. Dessa forma, os ministros evitaram vir a público para criticar a proposta da Câmara.

Aliados de Lira, por outro lado, alegam que não querem transformar a articulação da PEC em um episódio de confronto ao Supremo – e ressaltam que toda a discussão vai ser feita dentro do processo democrático. Para eles, a ofensiva dos deputados de estabelecer limites e fixar parâmetros para as prisões faz parte do sistema de freios e contrapesos, o mesmo que garantiu a intervenção do Supremo ao determinar a detenção de Silveira.

“A inviolabilidade do mandato parlamentar não é absoluta, como bem demarcou o Supremo e, com 364 votos, a Câmara, quando se contrapõe à democracia. Mas a inviolabilidade não foi revogada e sua autoria é dos mesmos que inscreveram as atribuições da Suprema Corte em nossa mesma Constituição”, disse Lira ao Estadão.

“Não sou a favor nem contra qualquer solução legislativa específica sobre a proteção do mandato, que não protege o parlamentar, mas a democracia. Sou a favor, sim, que o Congresso faça sua autocrítica e defina um roteiro claro e preciso para o atual vácuo legal para lidar com situações desse tipo”, acrescentou o presidente da Câmara. “A proteção ao mandato não pode ser absoluta, mas não pode ser nenhuma. Qual deve ser? O Poder Legislativo, democraticamente, é quem deve definir.”

Interlocutores de Lira observam que é papel deles legislar sobre o assunto, mas admitem reservadamente que um dos temores dentro do Congresso é o de que o que aconteceu com Silveira se repita com outros parlamentares.

A ofensiva do Legislativo contra o Judiciário vem à tona em um momento em que o STF tenta evitar novos conflitos com outro poder. Depois de mandar prender Silveira, o Supremo adiou o julgamento sobre outra questão de grande repercussão na arena política: o depoimento do presidente Jair Bolsonaro no inquérito que apura se houve interferência indevida na Polícia Federal.

A avaliação reservada de integrantes da Corte é que o ideal é esperar a poeira baixar e o ambiente político distensionar antes de decidir sobre como deve ser o depoimento de Bolsonaro – presencial ou por escrito.

Rafael Moraes Moura e Felipe Frazão/ BRASÍLIA, em 24 de fevereiro de 2021

Câmara inclui na pauta desta quarta PEC que dificulta prisão de deputados e senadores

Texto foi apresentado na terça (23), protocolado nesta quarta (24) e incluído na pauta do plenário, mesmo sem ter passado por comissões. Críticos dizem que Congresso busca se proteger.

PEC imunidade parlamentar: texto restringe eventuais prisões de deputados e senadores

A Câmara dos Deputados incluiu na pauta de votações da tarde desta quarta-feira (24) a proposta de emenda à Constituição (PEC) que cria novas regras para a imunidade parlamentar e a prisão de deputados e senadores. A proposta entrou na pauta do plenário mesmo sem ter passado por nenhuma comissão, o que não é comum.

O texto da PEC foi divulgado nesta terça-feira (23). Nesta quarta (24), alcançou 186 assinaturas de deputados e foi protocolado. O mínimo necessário eram 171 assinaturas.

Foi o próprio presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que anunciou que os deputados iriam mudar a Constituição para regulamentar o artigo 53, que trata da imunidade parlamentar e da prisão de deputados e senadores.

O anúncio foi feito na sexta-feira (19), na sessão em que a Câmara decidiu manter a prisão de Daniel Silveira (PSL-RJ). O deputado foi preso em flagrante depois de divulgar um vídeo com ameaças a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Quatro dias depois, o deputado Celso Sabino (PSDB-PA) já estava com o texto pronto.

O que muda se a PEC for aprovada

As mudanças propostas impedem, na prática, que um parlamentar seja afastado do mandato, ou preso por ordem de um único ministro do STF. Silveira foi preso por ordem do ministro Alexandre de Moraes e depois o plenário do tribunal, por unanimidade, confirmou a prisão.

Pela proposta, um membro do Congresso Nacional não poderá ser preso, a não ser em flagrante por crime inafiançável que esteja previsto na Constituição. De acordo com a justificativa do projeto, o "intuito é deixar claro que a prisão em flagrante de parlamentar pode se dar em somente uma hipótese: quando se tratar de crime que a própria Constituição defina como inafiançável".

De acordo com a PEC, se um parlamentar for preso, fica sob os cuidados da Câmara ou do Senado.

No caso da prisão em flagrante, o deputado ou senador deverá ser encaminhado à respectiva casa legislativa logo após a lavratura do auto, permanecendo sob a custódia (da Câmara ou do Senado) até o pronunciamento definitivo do plenário.

Mantida a prisão, o juízo competente deverá promover, em até 24 horas, a audiência de custódia, oportunidade em que poderá relaxar a prisão, conceder a liberdade provisória ou, havendo requerimento do Ministério Público, converter a prisão em flagrante em preventiva ou aplicar medida cautelar diversa do afastamento da função pública.

De acordo com o texto da PEC, medida cautelar que afete o exercício do mandato e a função parlamentar somente terá efeito se confirmada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal. Ou seja, pela proposta, não basta a decisão de um único ministro, como no caso do deputado Daniel Silveira, cuja prisão foi executada logo após decisão do ministro Alexandre de Moraes. Isso, em tese, pode dificultar a prisão.

Ao G1, o deputado Celso Sabino (PSDB-PA), autor da PEC, explicou que o texto da proposta prevê que o afastamento ou perda de mandato de um parlamentar só pode ser decidido em um processo disciplinar da Câmara.

"É vedado o afastamento judicial cautelar. Então, nem um juiz nem o Supremo Tribunal Federal nem ninguém do Poder Judiciário pode afastar um representante legítimo do povo das suas funções. Representante que foi escolhido pelo poder maior da nação, que é o povo, não pode ter o seu mandato afastado por uma decisão judicial", disse.

Segundo ele, o Judiciário só pode aplicar outros tipos de medida cautelar. "O Poder Judiciário pode implementar ações cautelares alternativas à perda do mandato, à suspensão do mandato ou à prisão, como, por exemplo, proibir de contatar testemunha, proibir de usar rede social, proibir de frequentar de determinados ambientes, mas jamais afastar do mandato", afirmou.

Sabino ressaltou que eventual medida que afete o mandato parlamentar só terá efeito se for confirmada pelo plenário do STF. "Toda e qualquer medida que afete o mandato parlamentar deve ser referendada pelo plenário do Supremo", explicou.

Buscas e apreensões

O texto também trata de buscas e apreensões dentro do Congresso e nas casas dos parlamentares. Pela proposta:

+ é de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal a busca e apreensão deferida em desfavor de membro do Congresso Nacional, quando cumprida nas dependências das respectivas casas ou residências de parlamentares.

O texto também diz que a medida cautelar deferida em desfavor de membro do Congresso Nacional que afete, direta ou indiretamente, o exercício do mandato e as funções parlamentares:

+ somente produzirá eficácia após a confirmação da medida pelo plenário do Supremo Tribunal Federal

+ não poderá ser deferida em regime de plantão forense.

Os elementos recolhidos, no caso de busca e apreensão, ficarão acautelados e não poderão ser analisados até a confirmação do plenário do STF, sob pena de crime de abuso de autoridade

Reservadamente, alguns líderes comentaram que a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, nesta terça-feira (23), que afastou a deputada Flordelis (PSD-RJ) do mandato acelerou o andamento da proposta. A deputada é acusada de ser a mandante do assassinato do marido.

Já está na Constituição que deputados e senadores só podem ser presos em flagrante de crime inafiançável.

A PEC propõe uma alteração: os crimes inafiançáveis que podem levar à prisão de parlamentares são apenas os que estão previstos na Constituição, entre os quais racismo, tráfico, formação de grupos armados e crimes hediondos, por exemplo.

No caso do deputado Daniel Silveira, a ordem de prisão teve como base a Lei de Segurança Nacional e o Código de Processo Penal. Não se tratou de crime inafiançável previsto na Constituição.

Repercussão

Alguns líderes criticam a pressa no andamento e no conteúdo da PEC. Avaliam que as mudanças protegem demais os parlamentares.

"A PEC que está em discussão hoje aqui na Câmara dos Deputados, a PEC para alterar o artigo 53 da Constituição, é corporativista. Ela dificulta a aplicação da lei da ficha limpa. Ela não permite que o deputado seja afastado em alguns casos sérios, como o caso da deputada Flordelis, que não seria afastada se o texto dessa PEC estivesse válido", afirmou o deputado Vinícius Poit (Novo-SP), líder de seu partido na Câmara.

Em entrevista à jornalista Andreia Sadi, no programa Em Foco, da GloboNews, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR) defendeu a PEC e disse claramente que é uma reação à decisão do Supremo de prender o deputado Daniel Silveira.

"Ela [a PEC] é uma reação à forma como o Supremo atuou na prisão do deputado Daniel Silveira. Nós não podemos ter presos no Brasil por crime de opinião. Não existe isso, nós não podemos ter. Quem é ofendido vai à Justiça e faz um processo de injúria, calúnia e difamação, danos morais, como todo cidadão brasileiro, quando ofendido, busca a sua, vamos dizer, o seu recurso, mas não da forma como aconteceu", disse Barros.

"Eu respeito o Supremo Tribunal Federal, acho que eles agiram ali, num momento ali, numa forma ordenada, corporativa, mas, friamente falando, não tem fundamento para a prisão, como ela foi feita. Então, agora, nós, no parlamento, regulamentaremos de forma mais clara como isso deve acontecer, se houver a necessidade", completou o líder do governo.

O professor de direito constitucional da Universidade Federal Fluminense, Gustavo Sampaio, lembrou que, além da PEC, os deputados já têm prontos um projeto de lei e mudanças no regimento interno da Câmara, medidas voltadas para imunidade e prisão dos parlamentares. Ele entende que o Congresso está agindo para se proteger.

"Nós estamos num momento de tensão institucional, de um certo tensionamento da corda que une os três poderes. E, nessa relação de freios e contrapesos, nós estamos assistindo nitidamente a uma reação legislativa. O poder Legislativo agora está querendo proteger-se, estabelecendo medidas que impeçam que um parlamentar esteja ao sabor do que a decisão judicial determinar", disse Sampaio.

Por Jornal Hoje e G1 — Brasília, em 24/02/2021 

Um mês após início, vacinação trava e incerteza persiste

Capitais começam a suspender campanhas por falta de imunizantes. Brasil aplicou 2,6 doses por 100 habitantes, acima da média da América do Sul, mas bem abaixo dos líderes Israel, Reino Unido e EUA.

    

Idosa é vacinada no estado do Amazonas

Em 17 de janeiro, a imagem da enfermeira Mônica Calazans percorria o país como a primeira pessoa no Brasil a receber a vacina contra a covid-19, minutos após a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizar o uso da Coronavac.

Um mês depois, 5,5 milhões de doses foram aplicadas no Brasil, apenas 2,6 por 100 pessoas, e diversas cidades, como Rio de Janeiro, Cuiabá e Salvador, anunciam a suspensão da vacinação por falta de imunizantes. Enquanto isso, a pandemia atinge seu pior momento, com média móvel de mortes diárias acima de mil há 28 dias, e a variante do Amazonas, mais transmissível, chega a outros estados.

"Não tenham medo", diz primeira vacinada contra covid-19 no Brasil

O início da vacinação contra a covid-19 foi aguardado com expectativa e conflitos em todo o mundo, devido ao risco à saúde trazido pelo coronavírus e o impacto das medidas de distanciamento social na economia. No Brasil, a tensão foi agravada pela condução política da pandemia, com o presidente Jair Bolsonaro minimizando a gravidade da doença, o Ministério da Saúde distribuindo medicamentos sem efeito contra a covid-19 e a coordenação entre governo federal, estados e municípios na área de saúde se enfraquecendo.

Em 16 de dezembro, quando o país contava mais de 180 mil mortes pela doença e a pressão aumentava, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, perguntou: "Para que essa ansiedade, angústia?". O início da imunização em nível federal acabou sendo acelerado pelo governador de São Paulo, João Doria, com a parceria entre o Instituto Butantan e o laboratório chinês Sinovac para trazer as doses da Coronavac ao Brasil.

Temendo ficar para trás de seu possível adversário nas eleições de 2022, Bolsonaro orientou o Ministério da Saúde a comprar as doses da Coronavac, contrariando sua promessa anterior, e mobilizou o Itamaraty para adquirir emergencialmente 2 milhões de doses prontas da vacina de Oxford-

AstraZeneca produzidas na Índia, enquanto a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), aposta do governo federal para trazer esse imunizante ao Brasil, não iniciava as suas entregas.

O alívio do início da vacinação, com os braços erguidos e o discurso de esperança feito pela enfermeira Calazans, durou pouco. Logo surgiram novas tensões sobre a importação do ingrediente farmacêutico ativo (IFA)para preparar as vacinas, hoje um insumo escasso e disputado por diversas nações. Tanto no caso da Coronavac como na de Oxford-AstraZeneca, o IFA é produzido na China, país com a qual Bolsonaro mantém uma relação ríspida. Aos poucos, o insumo começou a chegar ao Brasil, ainda em quantidade insuficiente para manter o cronograma de vacinação em todo o país.

A falta de doses provocou uma reação dura dos prefeitos nesta terça-feira (16/02). Em nota, a Confederação Nacional dos Municípios disse ser "necessária, urgente e inevitável" a troca de Pazuello, e a Frente Nacional dos Prefeitos atribuiu a escassez de vacinas a "sucessivos equívocos do governo federal na coordenação do enfrentamento à covid-19".

Performance comparada

O ritmo lento de vacinação contra a covid-19 não é um problema exclusivo do Brasil, pois os produtores não conseguem atender à demanda mundial. São poucos os casos de sucesso, como Israel, que já administrou 76 doses por 100 habitantes, Reino Unido, com 23 doses, e mesmo os Estados Unidos, com 16 doses pelo mesmo critério. Na União Europeia, que ministrou até o momento 5 doses por 100 habitantes, a Comissão Europeia tem sofrido críticas contundentes pela velocidade da imunização e, por sua vez, passou a responsabilizar as fabricantes por atrasos.


O desempenho do Brasil, de 2,5 doses por 100 habitantes, é superior à média dos países da América do Sul, onde foram aplicadas até o momento 1,8 doses por 100 habitantes. A Argentina, que começou a imunização antes, em 29 de dezembro, com a russa Sputnik V, aplicou 1,35 dose por 100 habitantes. E o México, na América Central, aplicou 0,6 dose por 100 habitantes, uma das piores marcas da região. Os dados são compilados pela plataforma Our World in Data, organizada por pesquisadores da Universidade de Oxford, e vão até o dia 15 de fevereiro.

A exceção entre os países da América Latina é o Chile, que aplicou 11,2 doses por 100 habitantes, graças à chegada de um lote da Coronavac em fevereiro. Tanto a Argentina como o México e o Chile enfrentaram atrasos nas entregas de vacinas contratadas de fornecedores variados, incluindo Pfizer-Biontech, Oxford-AstraZeneca e Sputnik V.

Mesmo assim, o Brasil poderia estar hoje "muito mais à frente" no ritmo de vacinação, não fossem alguns obstáculos nesse processo, segundo a especialista em saúde pública Elize Massard da Fonseca, professora da FGV. Ela diz que o país é reconhecido por sua capacidade de executar grandes campanhas de imunização e era "esperado" que tivesse um desempenho melhor que Argentina e México.

Entre os problemas que atrasaram a vacinação no país, ela menciona a descoordenação entre governo federal, estados e municípios, que atrasaram a compra da Coronavac e atrapalham a distribuição das doses, embates diplomáticos entre o governo Bolsonaro e a China, que teriam prejudicado o acesso ao IFA com mais rapidez, e a falta de um acordo em nível federal que incluísse a transferência de tecnologia para produção local da vacina de Oxford-AstraZeneca já em dezembro, mesmo que para uma empresa privada. O acordo em vigor prevê a transferência da tecnologia para a Fiocruz, mas somente no segundo semestre do ano.

Apesar de reconhecer que o Brasil poderia estar melhor no ritmo de vacinação, Fonseca afirma ser inadequado comparar a performance do país com os Estados Unidos ou com a União Europeia, que tinham muitos mais recursos e instrumentos para investir, com antecedência, em diversas vacinas quando ainda não se sabia se elas seriam eficazes ou não. Da mesma forma, ela diz ser problemático usar o Chile como base de comparação, que tem uma população onze vezes menor que a do Brasil.

Mais vacinas, outra estratégia

O Brasil não tem tantos recursos como os países ricos, mas deveria ter insistindo no ano passado em negociações com mais produtores e precisa acelerar essa diversificação de fornecedores para evitar mais mortes, diz a vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Isabella Ballalai.

Ela afirma que as parcerias realizadas pela Fiocruz e pelo Butantan foram acertadas, porém o país "falhou" ao não ter imaginado que a chegada das doses iria demorar. Em agosto, a Pfizer ofereceu ao governo brasileiro 70 milhões de doses, com entrega a partir de dezembro, mas não houve interesse para a compra, entre outros motivos porque o laboratório exigia ser isento de responsabilidade por eventos adversos.

"O Brasil desconsiderou muitas possibilidades de negociações porque entendeu que estava bem posicionado. Mas ainda precisamos dessas vacinas, e estamos demorando muito. Estamos em negociação para comprar a Sputnik, a vacina da [indiana] Bharat, com a Pfizer, com a Jansen, mas ainda não tem nada de concreto", diz. Para Ballalai, o país deveria fechar novos acordos para acelerar a vacinação e reduzir também o risco de circulação de novas variantes do vírus.

O virologista Fernando Spilki, professor da Feevale e coordenador da Rede Corona-ômica, que faz o sequenciamento genético das variantes do coronavírus, também salienta que o atual ritmo de vacinação é muito lento em relação aos desafios do país para enfrentar a pandemia.

"Não estamos numa velocidade de vacinação que seria ideal para o bloqueio de variantes. A isso se soma o Carnaval, quando, por mais que tenha sido proibido, houve aglomerações, a volta às aulas e a nova variante de Manaus", diz. Para ele, o Brasil deveria ter adotado negociações mais agressivas com os produtores de vacina com antecedência, e tentado transferir a tecnologia para produção local com mais rapidez.

Spilki defende uma alteração na estratégia de vacinação no país, que teria dificuldades políticas de implementação. Em vez de distribuir as doses de forma proporcional à população, ele sugere priorizar áreas onde o descontrole da pandemia é maior, inclusive por causa das variantes, para fazer "cordões de vacinação".

Regras variadas entre municípios

Outro problema da fase inicial de vacinação no Brasil foi a adoção de regras diferentes entre os municípios para determinar quais trabalhadores do setor de saúde seriam considerados no grupo prioritário para receber a vacina, diz Fonseca, da FGV.

O primeiro planejamento do Ministério da Saúde, apesar de recomendar que o imunizante fosse aplicado prioritariamente aos trabalhadores da saúde que estivessem na linha de frente contra a covid-19, colocava todos esse profissionais no grupo prioritário, deixando brechas para que cada município escolhesse outros critérios, incluindo, por exemplo, pessoas que não trabalham com doentes ou aposentados.

Um dos municípios que adotou critérios mais amplos para a vacinação dos trabalhadores da saúde foi o Rio de Janeiro, que ofereceu as doses a profissionais com pelo menos 60 anos, incluindo psicólogos, professores de educação física e veterinários. Na segunda-feira, o Rio anunciou que terá de interromper sua vacinaçãopor falta de doses, quando ainda estava imunizando seus moradores com 83 anos ou mais.

"Temos profissionais que não estão na linha de frente já vacinados, enquanto falta para a população com maior risco de morrer, os mais idosos", diz Fonseca. Um novo lote de vacinas Coronavac deve chegar ao Rio na próxima semana.

Ballalai, da SBIm, também diz que a variação das prioridades entre os municípios provocou confusão e dúvida na população. Na semana passada, o Ministério da Saúde determinou que os profissionais da saúde vacinados nesta primeira fase fossem os da linha de frente de atendimento à covid-19, mas já era tarde, segundo ela. "Já tinham aberto o leque", diz.

Deutsche Welle Brasil, em 24.02.2021

Brasil chega a 250 mil mortos por covid-19

Marca é alcançada enquanto país atravessa seu pior momento da pandemia, com alto número diário de casos e mortes. Total de infectados vai a 10,3 milhões.


Mulher indígena chora a morte de seu marido para a covid-19, em janeiro, em Manaus

O Brasil superou nesta quarta-feira (24/02) os 250 mil mortos pela covid-19, marca alcançada dois dias antes de o país completar um ano da identificação do primeiro caso da doença em território nacional. O número de casos confirmados da doença no país está em 10,3 milhões.

Segundo levantamento de um consórcio da imprensa brasileira, formado por O Globo, Extra, G1, Folha de S. Paulo, UOL e O Estado de S. Paulo, foram registradas 1.390 mortes até as 18h18 desta quarta, totalizando 250.036 mortes. Os dados são compilados a partir de informações prestadas pelas secretarias estaduais de Saúde.

A quantidade é ligeiramente diferente da informada pelo Ministério da Saúde e pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass), que contabilizou 1.428 mil novas mortes nesta quarta e 249.957 óbitos acumulados. Os números variam por conta do horário de coleta de dados e de problemas na divulgação dos dados de alguns estados.

Segundo o Ministério da Saúde e o Conass, foram registrados nesta quarta 66.588 casos novos, totalizando 10.324.463 pessoas infectadas desde o início da pandemia. Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

Alto patamar de mortes

A barreira dos 250 mil mortos foi rompida no pior momento da pandemia no Brasil, que vê o número diário de vítimas pela doença em alta enquanto outros países, como os Estados Unidos, Reino Unido e México, registram tendência de queda.

Esta deverá ser a sexta semana seguida com mais de 7 mil mortes semanais no país, superando o primeiro pico da doença, ocorrido em julho do ano passado. Pelo critério da média móvel de sete dias, são 34 dias seguidos com mais de mil mortes diárias, também superior ao pico da doença em 2020. Mantido o ritmo atual, o Brasil pode superar as 300 mil mortes ainda em março.

O momento dramático é atribuído por especialistas à circulação de variantes mais contagiosas do vírus, ao relaxamento das medidas de distanciamento social e à baixa velocidade da campanha de vacinação contra a covid-19, que alcançou menos 3% da população. Segundo o consórcio da imprensa brasileira, até esta quarta 6.134.907 pessoas haviam recebido ao menos a primeira dose da vacina.

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 118,6 no Brasil, a 22ª mais alta do mundo, quando desconsiderados os países nanicos San Marino, Liechtenstein e Andorra.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 28,2 milhões de casos, e da Índia, com 11 milhões. Mas é o segundo em número absoluto de mortos, já que mais de 502 mil pessoas morreram nos EUA.

Ao todo, mais de 112 milhões de pessoas já contraíram o coronavírus no mundo, e 2,49 milhões morreram.

Deutsche Welle Brasil, em 24.02.2021

Elio Gaspari: A radioatividade do capitão

Bolsonaro e Hugo Chávez assemelharam-se na largada

Quando o senador Tasso Jereissati disse que até a eleição do ano que vem “as instituições precisam ser fortes, trincar os dentes”, ele sabia do que estava falando. Semanas depois dessa advertência, o capitão fritou de forma espalhafatosa o presidente da Petrobras, com as consequências que são conhecidas.

Como escreveu o economista Gustavo Franco: “Boa tarde, Venezuela”. Bolsonaro e Hugo Chávez assemelharam-se na largada. Ambos foram militares indisciplinados, ambos mantiveram relações agrestes com as instituições e ambos encantaram-se com o apoio de modalidades milicianas. Se Chávez foi para a esquerda, esse oportunismo vem a ser irrelevante. Nos dois casos, a mola propulsora era a busca e a manutenção do poder.

Com a fritura de Roberto Castello Branco, o capitão mostrou sua forma rombuda de governar. Na sua sala de troféus estão as cabeças de Gustavo Bebianno, o advogado que se juntou a ele quando os bolsonaristas cabiam numa Kombi. (Foi Bebianno quem levou Paulo Guedes ao deputado.) Ao lado dessa cabeça estão as de Sergio Moro, Luiz Henrique Mandetta e a do general Carlos Alberto dos Santos Cruz. Dispensar colaboradores faz parte do jogo, e o general francês Charles De Gaulle ensinou que a ingratidão é um dever do governante. Espalhafato e falta de argumentos racionais nada têm a ver com isso, sobretudo quando se vê o equilíbrio com que Bolsonaro e seus filhos tratam o miliciano Fabrício Queiroz.

Seria injusto, contudo, atribuir apenas à radioatividade de Bolsonaro o desfecho das crises que alimenta. Todos os colaboradores que dispensou eram maiores de idade quando foram para o aglomerado contagiante de seu governo, inclusive o superministro Paulo Guedes, que lá continua, de máscara.

O ectoplasma que se denomina “mercado” mostra-se perplexo com a conduta de seu capitão. Há hipocrisia nisso. Enquanto fritava Castello Branco, Bolsonaro nomeava Paulo Skaf, presidente da Fiesp, para o Conselho da República. O andar de cima acreditou na própria esperteza e deu-se mal. Esqueceram que, em 1999, o deputado Jair Bolsonaro defendeu o fuzilamento do presidente Fernando Henrique Cardoso e o fechamento do Congresso.

Frias, a alma da ‘Folha’

Boa parte da alma dos jornais vem da alma de seus donos. A “Folha de S.Paulo” comemorou seu primeiro centenário e, num pequeno e delicado artigo, a jornalista Ana Cristina Rosa retratou a alma de Octávio Frias de Oliveira, seu dono de 1962 a 2007. Quando Frias morreu, a empreitada ficou com seus filhos.

A história contada por Ana Cristina Rosa diz tudo. Há 20 anos, ela era uma jovem jornalista e, ansiosa e insegura, foi entrevistar o Frias (ele tinha horror a que o chamassem de “senhor”). Na saída, presenteou a moça com um livro e, na dedicatória, chamou-a de “terrível inquisidora”.

Ela agradeceu:

— Esse seu ‘terrível’ tem duplo sentido, mas vou tomar como elogio. Obrigada. Ah, e vou guardar bem este livro para apresentar aqui na ‘Folha’ quando eu precisar de emprego.

Frias respondeu:

— O sentido é único e está bem claro. Quanto ao emprego, é seu quando quiser. E não precisa trazer o livro.

Esse era Frias. Gentil, abertamente afetuoso e, acima de tudo, atento. Sua alma ficou no jornal.

Elio Gaspari é Jornalista e Escritor. Autor de 5 (cinco) livros sobre a última ditadura militar no Brasil. (Editora Intrínseca). Este artigo foi publicado originalmente n'O Globo, edição de 24.02.2021

‘Armar população fere papel constitucional das Forças Armadas’, diz ex-ministro

Em carta, Raul Jungmann pede que Supremo barre iniciativas do presidente que flexibilizam acesso de cidadãos a armamento

Entrevista com

Raul Jungmann, ex-ministro da Defesa e da Segurança Pública (Foto: JD Diorio / Estadão)

Após pedir, em carta aberta aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), uma reação da Corte à flexibilização da política de armas no Brasil, o ex-ministro da Defesa e Segurança do governo Michel Temer, Raul Jungmann, disse ao Estadão que há preocupação nas Forças Armadas em relação à ofensiva do Palácio do Planalto. “O armamento da população significa também ferir o papel constitucional das Forças Armadas, o que é da maior gravidade. Cria-se outro polo de violência”, afirmou. Afastado da política, o ex-ministro atua no setor privado na área de tecnologia da informação. 

Por que a flexibilização do porte de armas pode significar uma lesão ao sistema democrático?

Até aqui o debate sobre armamento, desarmamento e controles se dava no âmbito da segurança pública. O presidente transpôs esse campo e levou para a política no momento em que defende o armamento dos brasileiros para defesa da liberdade. Não vejo ameaça real ou imaginária. Ao mesmo tempo, ele consubstancia esse seu desejo com mais de 30 regulamentações, seja através de lei, decreto ou portaria. Estamos diante de um fato muito preocupante para todos nós. 

Por quê? 

A certidão de nascimento do Estado nacional é exatamente o monopólio da violência legal. A primeira que preocupa muito é a quebra desse monopólio. Quem dá suporte a esse monopólio, que é fundamental para a sobrevivência do estado democrático, são as Forças Armadas. O armamento da população significa também ferir o papel constitucional das Forças Armadas, o que é da maior gravidade. Cria-se outro polo de violência. Por último, na medida em que não se vê ameaça externa sobre a Nação, isso só pode apontar para um conflito de brasileiros contra brasileiros. Um cenário horripilante de um flagelo maior, até uma guerra civil. Essa é uma preocupação que precisa de uma resposta da parte dos demais poderes, do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional. Caso contrário, pode se repetir aqui o que aconteceu nos Estados Unidos, no Capitólio, lembrando que temos eleições em 2022. Se cada brasileiro é responsável pela própria segurança, então não precisamos de segurança pública e força policial. 

Como o sr. avalia a proposta do excludente de ilicitude? 

Só agrava o que está ocorrendo. Reduz os controles sobre a força policial, lembrando que o Código Penal já tem os instrumentos necessários para lidar com essa questão. Toda nação democrática tem regulamentos rígidos para a concessão do direito à posse e ao porte de arma. Não estou me posicionando contrário ao cidadão que cumpriu as regras e, de acordo com a lei, tem a posse ou porte de armas. Não se trata de negar o direito a esse cidadão, mas, quando se fala em armar a população, estão dizendo outra coisa. Estão falando em uma situação que pode descambar para um clima de violência generalizada. É isso que temos que exorcizar. 

Não é contraditório que um presidente tão ligado às Forças Armadas e com tantos militares no governo tenha adotado uma bandeira que ameaça a instituição?

Não represento as Forças Armadas, mas sei que existe uma preocupação com isso. Recentemente, o Departamento de Fiscalização de Produtos Controlados do Exército baixou duas normas que visavam ao rastreamento de armas e munições. Isso é fundamental para o esclarecimento e redução da violência. Por determinação do Executivo, essas duas normas foram revogadas. O general que cuidava desse departamento pediu exoneração. Fica claro que a disposição das Forças Armadas é pela rigidez no controle. O Executivo está jogando no sentido contrário. Mas, de fato, há apreensão. 

Como foi a repercussão da carta do sr. ao Supremo? 

A resposta de todos os ministros do Supremo com os quais eu tenho acesso e me comunico foi no sentido de que há uma preocupação. 

Como avalia o argumento de que arma é garantia de liberdade da população?

A garantia da liberdade está na democracia, no respeito à Constituição e aos poderes. Não há ameaça pesando sobre a liberdade dos brasileiros e brasileiras, real ou imaginária. Isso atende muito mais a uma preocupação política e ideológica de atender aqueles que são sua base eleitoral. Esse armamento pode nos levar a uma tragédia. Quanto mais se liberam armas, mais corremos risco que ocorra aqui o que ocorreu no Capitólio. 

Argumenta-se que a compra de armas é para caçadores e colecionadores, mas eles usam fuzis para essa prática?

Fuzil é uma arma de uso restrito. Não é uma arma para colecionador ou para clubes esportivos de tiro. Fuzil é uma arma exclusivamente voltada para o combate ao crime pesado e ao uso na guerra. Não faz nenhum sentido essa liberalização, pelo contrário. 

Há pressão da indústria das armas? 

Ela sempre existiu. Sempre lidamos com ela. 

Como vê o argumento de que os brasileiros têm o direito de se proteger e, se muitos possuírem armas, o criminoso pensaria duas vezes antes de agir?

A legislação já permite isso. Comprovada a necessidade e a capacidade técnica e psicológica, o brasileiro que cumprir os mandamentos legais tem direito a isso. É uma falácia. A primeira vítima é a própria pessoa. Onde você vai guardar uma arma em casa? Na gaveta? Embaixo da cama? Todo bandido tem a vantagem da surpresa. E, se for para cada brasileiro dar conta da própria segurança, para que segurança pública? Quando uma população é armada vemos o que acontece na Síria, Iraque e Venezuela. Há uma tragédia nacional. 

Pedro Venceslau, O Estado de São Paulo, em 24 de fevereiro de 2021

Mudança fora de hora

Em meio a uma emergência nacional, não é boa hora para discutir a eliminação das vinculações de verbas de educação e saúdeEducação e saúde são assuntos da máxima importância, decisivos para o desenvolvimento econômico e social, e só com muito cuidado se deve mexer em suas condições de financiamento. Em meio a uma emergência nacional, não é uma boa hora para discutir a eliminação das vinculações de verbas destinadas aos dois setores. O senador Marcio Bittar (MDB-AC), relator da PEC Emergencial, escolheu a ocasião e a forma erradas para propor essa mudança. Se a ideia for aprovada, União, Estados e municípios ficarão livres da obrigação de aplicar um mínimo da receita fiscal nas duas áreas. Até a existência do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) poderá ser comprometida, como alertou o senador Flávio Arns (Podemos-PR).

Pela Constituição, União, Estados e municípios devem destinar para educação e saúde pelo menos uma determinada porcentagem de sua receita. Em educação, por exemplo, o poder central tem de aplicar no mínimo 18% do valor dos impostos. No caso de Estados, Distrito Federal e municípios, a parcela mínima é de 25%, incluída no bolo a receita de transferências. Essas vinculações engessam os orçamentos públicos e podem impedir o uso mais eficiente do dinheiro público. A discussão sobre o assunto começou nos anos 1990, até hoje sem resultado prático, e a ideia de eliminação desse dispositivo foi retomada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

O tema agora se misturou a uma questão de alcance imediato, a recriação do auxílio emergencial para algumas dezenas de milhões de famílias pobres. A mistura é oportunista, desnecessária e injustificável. Executivo e Congresso podem explorar soluções diretamente ligadas ao desafio de curto prazo: encontrar meios para destinar cerca de R$ 40 bilhões às famílias mais vulneráveis sem violar o teto de gastos ou outras normas de disciplina fiscal. Isso já foi feito em 2020. Novas possíveis soluções têm sido examinadas sem ligação com o tema das vinculações.

Convém levar em conta a observação prudente do economista Felipe Salto, diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), vinculada ao Senado. “As vinculações têm uma razão de ser. (…) A Constituição de 1988, que colocou isso como prioritário, tinha o objetivo de garantir fatias do Orçamento para áreas essenciais. Mudar isso não é trivial”, acrescentou. “É mais um ponto que vai exigir longa discussão.”

Em nota, prudência foi recomendada também pelo movimento Todos pela Educação: “A desvinculação não pode ser aproveitada de forma aligeirada e oportunista. Os recursos da educação precisam ser protegidos das pressões de curto prazo e do populismo”. Há o risco, segundo o movimento, de uma “redução substancial” de gastos públicos com educação.

A indispensável discussão, ampla e de nenhum modo apressada, tem de envolver duas perspectivas. A crítica às vinculações vem sendo feita desde os anos 90, e o assunto foi discutido com missões técnicas do Fundo Monetário Internacional. Despesas obrigatórias reduzem a margem de manobra do Orçamento e prejudicam a eficiência da gestão das finanças públicas e da administração. Além disso, prioridades podem variar de um ano para outro e também entre União, Estados e municípios. Por fim, mas não menos importante, gastos obrigatórios podem facilitar a corrupção.

Enfim, é preciso levar em conta alguns dados importantes e irrefutáveis. Primeiro: a qualidade da educação no Brasil é muito inferior à de países onde inexiste a vinculação legal. Segundo: o País estaria em condição sanitária muito melhor, depois de um ano de pandemia, se o governo houvesse conduzido com seriedade e competência a política de saúde, mesmo sem verbas vinculadas.

Mas a mera desvinculação, especialmente neste momento, será insuficiente para produzir qualquer melhora na gestão pública. Nas condições atuais, desobrigar o poder público de realizar certo volume de gastos em educação e saúde resultará, quase certamente, na piora de um quadro já assustador. Melhor mesmo, neste momento, é evitar prejuízos maiores. A hora certa acabará chegando.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de São Paulo, em 24 de fevereiro de 2021 

Conselho de Ética discute aplicar pena branda a Daniel Silveira

Entre os 21 titulares do colegiado na Câmara consultados, só três defenderam abertamente a cassação do deputado

 Integrantes do Conselho de Ética da Câmara discutem aplicar uma punição branda ou até mesmo livrar o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) de qualquer censura após os ataques a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e apologia à ditadura militar, embora o colegiado tenha instaurado nesta terça-feira, 23, um processo que pode levar à sua cassação. Dos 21 titulares do Conselho consultados pelo Estadão, apenas três defenderam abertamente a punição a Silveira. A maioria não quis antecipar como vai votar. 

Silveira completa nesta quarta-feira, 24, nove dias de prisão, determinada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes e confirmada pelos plenários da Corte e da Câmara. Além de abrir processo contra Silveira, o Conselho de Ética também instaurou procedimento para analisar as denúncias que pesam sobre a deputada Flordelis (PSD-RJ), acusada de ser a mandante do assassinato do marido, o pastor Anderson do Carmo. Ela foi afastada do mandato nesta terça, 23, por decisão da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio. 

Conselho de Ética da Câmara retorna às atividades após quase um ano de paralisação causada pela pandemia. Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

Nos bastidores, a avaliação é de que o início simultâneo das análises das representações beneficia o parlamentar bolsonarista. Sob reserva, deputados argumentam que as penas devem ser distintas porque a agressividade verbal de Silveira não pode ser comparada a um caso de acusação de assassinato. Por esse raciocínio, seria Flordelis, e não ele, quem deveria perder o mandato. 

A oposição, por sua vez, busca convencer colegas de que as duas condutas foram graves e passíveis de punições firmes. “Seja um crimezinho ou um crimezão, eles atentaram contra a ética e o decoro parlamentar. Não compete ao Conselho decidir se punições têm que ser diferentes porque crimes foram diferentes. Isso compete à Justiça”, afirmou o deputado Júlio Delgado (PSB-MG). 

Há, ainda, quem defenda salvar Silveira de qualquer punição, com a justificativa de que a prisão já foi um revés duro. “Você não pode punir duas vezes a pessoa pelo mesmo erro. Se ele for punido novamente, com a cassação do mandato, na minha visão ele está sendo penalizado duas vezes”, disse o líder do Podemos, Igor Timo (MG). O caso de Flordelis, porém, é considerado na Câmara como “favas contadas” a favor da cassação. 

Deputados contra a cassação de Silveira também esperam que a prisão seja reconsiderada pelo Judiciário. O que seria mais um argumento contra a perda do mandato. Como mostrou o Estadão, a previsão é a de que o ministro Alexandre de Moraes, do STF, volte a analisar o caso ainda nesta semana. 

Pesa contra a liberação do deputado, no entanto, a apreensão de dois aparelhos celulares em sua cela, na Polícia Federal, e a falta de cooperação do parlamentar ao se recusar a oferecer senhas dos telefones aos investigadores. 

Apesar de preso em flagrante, Silveira continua recebendo salários. Além da remuneração de R$33.763, permanece à disposição do gabinete dele uma cota mensal de R$ 35.759,97 para custear atividades do mandato. 

Vinícius Valfré, O Estado de São Paulo, em 24 de fevereiro de 2021

Philipp Lichterbeck: Bolsonaro, o rei do asfalto

Bolsonaro quebrou suas promessas de campanha. O que sobra a seu movimento então, além de cloroquina, fake news e armas? O asfalto. O bolsonarismo está se tornando um culto de adoradores da construção de estradas. 

"O bolsonarismo está se tornando um culto de estradas"

Viajei pelo Brasil nas últimas semanas. Estive no Rio Grande do Sul e em Mato Grosso, mas também em lugares exóticos do Rio, como Gávea e Leblon, redutos dos muito ricos. Durante as viagens acabou sendo inevitável encontrar apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. Fiz um grande esforço para não iniciar discussões extenuantes com eles ou até brigas. Queria escutá-los, aprender algo com eles. Porque ainda é um mistério para mim como os brasileiros puderam votar em um homem que disse que 30 mil deles deveriam ser mortos.

Nesses encontros, uma coisa continuou chamando minha atenção. Um fenômeno que eu também já havia observado nos grupos ultraconservadores de Whatsapp que eu acompanho por interesse profissional (e sociológico).

O bolsonarismo está se tornando um culto de estradas. Sempre que perguntei aos bolsonaristas o que o governo fez nos últimos dois anos, recebi uma resposta: construiu estradas! Disseram que ele consertou, completou ou construiu essa ou aquela BR. E, todos pareciam ter certeza, sem corrupção nenhuma.

Nos grupos bolsonaristas de Whatsapp, fotos de projetos de construção de estradas são frequentemente compartilhadas (claro, quando não há assuntos mais urgentes que são suprimidas pela grande mídia e que todos os membros do grupo devem compartilhar em massa – por exemplo, que os cristãos na Venezuela estão sendo forçados a comer Bíblias).

A inspiração para o fã-clube das estradas vem do mais alto nível. O presidente frequentemente compartilha nas mídias sociais fotos do início ou da conclusão de qualquer projeto de infraestrutura regional.

De fato, não há nada de errado com estradas boas e seguras (embora novas linhas de trem sejam preferíveis). Mas também é verdade que elas são a arma polivalente e tradicional de governos populistas em todo o mundo. Porque construir uma estrada é mais rápido e fácil do que construir um bom sistema de educação ou saúde. E traz um efeito imediato. Ao fim e ao cabo, todo mundo prefere dirigir em bom asfalto do que constantemente batendo em buracos.

Também não deve ser esquecido que estradas, como todos os grandes projetos de infraestrutura, são uma ótima maneira de desviar dinheiro público para bolsos privados da forma mais discreta possível.

Seja como for, a coisa mais surpreendente sobre o tema vai além. Porque eu não me lembro de Bolsonaro ter concorrido a presidente como candidato das estradas. Lembro que ele falou em erradicar a corrupção no país e fortalecer a Operação Lava Jato. Dizia que queria fornecer a segurança geral. Também prometeu privatizar as rígidas empresas estatais, bem como soltar algumas das amarras de uma burocracia kafkiana que trava a economia. (Houve um quarto ponto - Deus, família e pátria - mas foi apenas uma brincadeira de um homem que aprova a tortura, é casado pela terceira vez e entende pela pátria que, como presidente, você não precisa dizer uma palavra de empatia sobre a morte de 250 mil brasileiros pelo coronavírus).

É clara a razão pela qual a construção de estradas gera tanta euforia entre os bolsonaristas. Não há mais nada. O herói deles quebrou as suas promessas. A luta pela corrupção efetivamente terminou - provavelmente porque é bem provável que pelo menos um de seus filhos seja corrupto. A péssima situação da segurança pública no Brasil não mudou, e vai piorar com os decretos de Bolsonaro para simplificar a posse de armas. E a promessa de liberalização da economia foi reduzida ao absurdo o mais tardar com a intervenção de Bolsonaro na Petrobras.

Então o que resta para este movimento, além da hidroxicloroquina, das fake news e das armas? O glorioso asfalto.

Embora eu deteste estragar a festa, é necessário mencionar um estudo feito pela plataforma de verificação de informações "Aos Fatos". Ela descobriu em 2019 que 54% das ações celebradas por Bolsonaro no Twitter são herança de governos anteriores. No ano passado, Bolsonaro inaugurou orgulhosamente a conclusão da BR-163. Mas a verdade é que entre 2007 e 2014 foram investidos R$ 1,5 bilhão pelos governos do PT. Em 2018 ao redor de 75% das obras já haviam sido concluídas e restavam apenas 51 quilômetros. Foi isso que Bolsonaro celebrou. Parabéns!

Philipp Lichterbeck, o autor deste artigo, queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, ele colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais na Alemanha, Suíça e Austria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio. Publicado originalmente por Deutsche Welle Brasil, em 24.02.2021

Em menos de dois meses, mortes por Covid registradas em 2021 no Amazonas já supera total de 2020

Neste ano, já foram registradas 5.288 mortes por Covid-19, mas parte delas ocorreu no ano passado e foi diagnosticada após investigação.



Área reservada para vítimas da Covid-19 no cemitério Nossa Senhora Aparecida em Manaus, em imagem de 5 de janeiro. — Foto: Michael Dantas/AFP

Nos primeiros 54 dias de 2021, o número registrado de mortes por Covid-19 no Amazonas já ultrapassou o total do ano passado. O estado enfrenta, desde janeiro, a segunda onda da doença.

Até esta terça-feira (23), já foram registradas 5.288 mortes por Covid só neste ano, porém parte delas ocorreu no ano passado e foi diagnosticada após investigação. De março a dezembro de 2020, foram registrados 5.285 óbitos.

A Fundação de Vigilância em Saúde (FVS-AM), responsável por esse monitoramento, divulga diariamente o número de mortes por Covid que ocorreram nas últimas 24 horas, além daquelas que foram diagnosticadas dias após o óbito. Por isso, a diferença entre o registro e a ocorrência de mortes.

Desde o começo da pandemia até esta terça, 10.573 pessoas morreram no estado com a doença. O número casos confirmados passa de 309 mil.

Entre os dias 14 e 15 de janeiro, Manaus viveu cenas de caos por conta da falta de oxigênio nos hospitais, que já estavam superlotados com casos de Covid. O estado passou a enviar pacientes para outros estados, e recebeu doações de oxigênio de diversas partes do país.

Em meio ao colapso no sistema de saúde e segunda da Covid, o mês de janeiro registrou tristes recordes de mortes, casos e internações pela doença.

O virologista e vice-diretor de Pesquisa e Inovação da Fiocruz Amazônia, Felipe Naveca, afirma que o Amazonas vive, em janeiro, um aumento grande do número de casos de Covid que pode estar relacionado com uma série de fatores:

aumento esperado após as festas de fim de ano;
alta de casos que vinha desde setembro/outubro em ritmo menos acelerado;
período do inverno amazônico, que, historicamente, compreende aumento de casos de todos os vírus respiratórios;
presença nova variante (P.1) que aparenta ter potencial de transmissão maior.
"Todos esses fatores levaram a uma situação muito favorável ao vírus, e é por isso que a gente diminuir o mais rápido possível a transmissão. Uma vez que a vacina ainda é algo que está mais longe, a gente ainda vai demorar a atingir um número razoável de pessoas vacinadas, a gente precisar focar nas medidas não-farmacológicas, como distanciamento social, lavagem das mãos e utilização de máscaras", afirmou Naveca.

O governo tentou fechar o comércio no dia 26 de dezembro, mas, por pressão de manifestantes, voltou atrás e só fechou as atividades no dia 2 de janeiro, após determinação judicial. Desde lá, a reabertura só foi permitida nesta segunda (22), após quase dois meses.

Apesar disso, desde as primeiras semanas de fevereiro, o governo já vinha flexibilizando as medidas de restrições, com autorização para funcionamento de estabelecimentos não essenciais por delivery ou drive-thru. A restrição de circulação de pessoas nas ruas, que era durante as 24 horas do dia em janeiro, passou a ser de 19h às 6h.

Por G1 AM, em 23/02/2021

Bolsonaro sinaliza que agenda de privatizações só vai decolar em um eventual segundo mandato

Em uma conversa recente com o ministro da Economia, Paulo Guedes, o presidente Jair Bolsonaro foi irônico ao falar sobre a agenda de privatizações.

Apesar do tom de brincadeira, foi uma sinalização de que essa não é uma prioridade do mandato.

“Se privatizar tudo agora, não tenho o que fazer no segundo mandato”, disse Bolsonaro, segundo relatos.

Guedes tem sido um defensor da agenda de privatizações, que ainda não avançou no atual governo.

Gerson Camarotti para o G1, em 24/02/2021