domingo, 21 de fevereiro de 2021

A responsabilidade do Congresso

Atuasse o Congresso com presteza e rigor, não seria o STF instado com tanta frequência a lembrar os limites da lei

Cumprindo o que determina a Constituição, a Câmara dos Deputados decidiu na sexta-feira passada sobre a prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), decretada por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A expressiva votação referendando a prisão – 364 votos favoráveis, 130 contrários e 3 abstenções – evidencia que a Câmara entendeu a gravidade do comportamento do parlamentar bolsonarista.

Ao divulgar um vídeo com pregação de caráter golpista, além de ofensas e ameaças a ministros do Supremo, o deputado Daniel Silveira violou o compromisso assumido de respeitar a Constituição e o Estado Democrático de Direito e praticou crimes tipificados pela lei brasileira. A imunidade parlamentar, que protege a manifestação de opiniões, palavras e votos, não é autorização para a prática impune de crimes.

Com a manutenção da prisão referendada pela Câmara, fica evidente que não foi negada ao deputado bolsonarista nenhuma garantia constitucional. Seu encarceramento não se deu por um ato autoritário do Judiciário fora dos trilhos legais. O plenário da Câmara, cumprindo o rito previsto na Constituição, entendeu que a prisão do deputado Daniel Silveira tinha fundamento legal.

Ao proteger o Estado Democrático de Direito – mantendo a prisão do deputado que defende o Ato Institucional (AI) n.º5, ameaça ministros do Supremo e incita a ruptura institucional –, a Câmara mostrou que deseja distância do discurso bolsonarista. A agenda do Legislativo não é a do conflito, tampouco da violência e do desrespeito às instituições.

Vale lembrar que o deputado Daniel Silveira não é apenas uma figura excêntrica, que teria exagerado ao se expressar. O conteúdo do vídeo publicado nas redes sociais tem grande sintonia com o que Jair Bolsonaro vem pregando em sua carreira política, também durante o exercício da Presidência da República. No primeiro semestre de 2020, por exemplo, Bolsonaro incentivou e participou de atos de caráter golpista.

Trata-se, sem dúvida, de uma desafiadora situação. O próprio presidente da República testa os limites do Estado Democrático de Direito. Por isso, é alvissareiro constatar que mais de dois terços dos deputados avaliam como criminosa a conduta de quem se vale do cargo para afrontar o regime democrático, ameaçar adversários e descumprir princípios constitucionais. O recado foi dado: ninguém, ainda que tenha mandato eletivo, está autorizado a infringir a Constituição e as leis do País.

Na sexta-feira passada, a Câmara comportou-se à altura de seus deveres institucionais. É preciso reconhecer, no entanto, que também o Congresso tem responsabilidade sobre esse caso e tantos outros que afrontam descaradamente o decoro parlamentar. Ao longo dos anos – a rigor, ao longo das décadas –, tem havido uma amplíssima tolerância das Casas legislativas com parlamentares que não honram o cargo.

Não é difícil de ver o descuido do Congresso com os limites do decoro. Por exemplo, o Conselho de Ética da Câmara estava parado desde março do ano passado. Atuasse o Congresso com presteza e rigor, não seria o Supremo instado com tanta frequência a lembrar os limites da lei e do Estado Democrático de Direito. 

Ao permitir de forma recorrente comportamentos intoleráveis em um Estado Democrático de Direito, o Congresso não apenas atua de forma corporativista, com uma proteção desproporcional dos seus membros, como também, a rigor, está atuando contra si mesmo, enfraquecendo sua autoridade, diminuindo sua funcionalidade e esfarelando seu prestígio. Nesse sentido, a votação de sexta-feira passada foi um contundente ato de defesa do Congresso e de suas prerrogativas institucionais.

O regime democrático exige responsabilidade, uma responsabilidade que não seja bissexta. Os direitos e liberdades constitucionais não deixam as instituições democráticas à mercê dos autoritários. É antes o contrário. Como lembraram nesta semana o Supremo e a Câmara, tais garantias vêm precisamente proteger a liberdade e a democracia. Não há zona cinzenta. Com suas reiteradas ofensas às instituições, o bolsonarismo enxovalha as liberdades e, por isso, deve ser contido.

Editorial / Notas&Informações, O Estado de São Paulo, em 21 de fevereiro de 2021 

Cantanhede: Chávez, um amador

Bolsonaro, em suas novas variantes, e o coronavírus, em suas novas cepas, dominam o País

Os fatos ganham velocidade atordoante: o presidente Jair Bolsonaro intervém na Petrobrás e põe mais um general como escudo, Supremo e Congresso às voltas com um personagem sarado, desbocado, armado e perigoso como um miliciano, Estados e municípios em desespero com falta de vacinas e sistema de saúde à beira do colapso. Bolsonaro, com suas variantes convenientes, e o coronavírus, com suas novas cepas oportunistas, avançam e ampliam seus raios de ação. 

A demissão do “Chicago Boy” Roberto Castello Branco e a intervenção na Petrobrás encerram definitivamente o teatro de um governo liberal, no qual o presidente assumia não entender nada de economia e prometia não se meter onde não devia. Falam em “dilmização” de Bolsonaro, mas tem uma diferença. A ex-presidente Dilma Rousseff tinha mão pesada na Petrobrás (e em juros, por exemplo) por concepções equivocadas e obsoletas sobre economia, enquanto Bolsonaro mete por uma única motivação: populismo, a seu próprio favor. 

Com as ações da Petrobrás esfarelando aqui e lá fora, o ministro Paulo Guedes faz o triste papel de quem perdeu a pauta, o timing e os brios. O Brasil foi dormir com a expectativa de reação, até de demissão, do ministro. Mas acordou com ele prometendo um jeitinho de compensar a isenção de tributos do diesel e do gás de cozinha. Patético. “Um manda, outro obedece.” A máxima de Eduardo Pazuello atinge todas as áreas, onde pululam generais e almirantes e vaga o economista Guedes. 

É preciso saber até onde o prestigiado general de Engenharia Joaquim Silva e Luna, de quatro estrelas, vai se equiparar ao general intendente Pazuello, de três. Assim como Pazuello não sabia o que era SUS nem curva epidemiológica, Silva e Luna, ao que consta, não sabe a diferença de gasolina e óleo diesel e não tem a menor ideia da importância da política de preços independente numa empresa – seja ela pública ou privada. 

Quem não sabe se cerca de quem sabe. Pazuello, porém, entupiu a Saúde de militares, como ele, sem expertise nenhuma na área, em plena pandemia. Dá no que dá. E Silva e Luna parece compelido a pescar militares da reserva para preencher a diretoria da Petrobrás. A atual, de alto nível, está em debandada. Quem, com credibilidade e experiência no setor, vai entrar nessa fria? 

Guedes chegou cheio de si, tão avalista do “momento liberalizante” quanto Sérgio Moro das intenções moralizantes de Bolsonaro. Hoje, perde controle sobre a estratégica Petrobrás e não convence ninguém de fora a preencher vagas no governo. Logo, vai ter de engolir mais e mais militares, bolsonaristas, corporativistas, estatizantes e, obviamente, o Centrão. Um bololô infernal. “E na semana que vem (nesta) tem mais”, avisa Bolsonaro. 

O presidente não se meteu com a prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), legítimo porta-voz das causas mais caras ao bolsonarismo: ataque ao Supremo, implosão do Congresso, descrédito da mídia, armas, armas e armas, exatamente como na Venezuela. Mas, se ele lavou as mãos, o filho 03 deu o recado no voto. 

Agora, é ver para crer como fica o Brasil. Bolsonaro botou as Forças Armadas no bolso, cooptou as polícias, arma as milícias, dá carne aos leões bolsonaristas, enquanto cala o Congresso, faz política de boa vizinhança com o Supremo e o STJ e troca o falso liberalismo econômico por intervencionismo, corporativismo e populismo. 

É assim que multidões defendem um governo que trabalhou a favor do vírus, chegou atrasado e a conta-gotas às vacinas e tem um presidente capaz de inventar que rasuraram a carteira de vacinação da mãe só para fingir que era a “vacina chinesa do Dória”. O coronel Hugo Chávez era um amador.

Eliane Cantanhêde, a autora deste artigo, é comentarista da Rádio Eldorado, da Rádio Jornal (PE) e do Tele Jornal Globo News Em Pauta. Publicado originalmente n'O Estado de São Paulo, em 21 de fevereiro de 2021.

sábado, 20 de fevereiro de 2021

Brasil registra 1.212 mortes por covid-19 em 24 horas

País identificou mais 57 mil casos da doença. Total passa de 10 milhões. Número de mortes supera 245 mil.

O Brasil registrou oficialmente 57.472 casos confirmados de covid-19 e 1.212 mortes ligadas à doença neste sábado (20/02), segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass).

Com isso, o total de infecções identificadas no país subiu para 10.139.148, enquanto os óbitos chegam a 245.977.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 9.029.159 pacientes haviam se recuperado até sexta-feira.

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 117,0 no Brasil, a 21ª mais alta do mundo, quando desconsiderados os países nanicos San Marino, Liechtenstein e Andorra.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 28 milhões de casos, e da Índia, com 10,9 milhões. Mas é o segundo em número absoluto de mortos, já que mais de 496 mil pessoas morreram nos EUA.

Ao todo, mais de 110,9 milhões de pessoas já contraíram o coronavírus no mundo, e 2,4 milhões de pacientes morreram.

 Deutsche Welle Brasil, em 20.02.2021

'Se tudo depender de mim, não seria este regime', diz Bolsonaro

Presidente diz que, 'apesar de tudo', representa a democracia no Brasil


O presidente Jair Bolsonaro disse neste sábado que "se tudo dependesse" dele, o país não viveria o regime que vive hoje. Em seguida, afirmou que, "apesar de tudo", representa a democracia no Brasil.

A declaração foi dada durante cerimônia de entrada de novos alunos da escola preparatória de cadetes do Exército, em Campinas (SP).

— Alguns acham que eu posso fazer tudo. Se tudo tivesse que depender de mim, não seria este o regime que nós estaríamos vivendo. E, apesar de tudo, eu represento a democracia no Brasil. Nunca a imprensa teve um tratamento tão leal e cortês como o meu. Se é que alguns acham que não é desta maneira é porque não estão acostumados a ouvir a verdade — afirmou.

Ele acrescentou, em seguida, que o Brasil é um país livre e afirmou que defenderá a Constituição:

— Nós vivemos em um país livre, esta liberdade vale mais que a própria vida para cada um de nós. Tenho certeza que, junto às Forças Armadas e as demais instituições do governo, tudo faremos para cumprir a nossa Constituição para fazer com que a nossa democracia funcione e a nossa liberdade esteja acima de tudo.

A fala se soma a outras em que o presidente comparou a democracia à ditadura, inclusive em referência ao golpe militar de 1964.

Em janeiro deste ano, Bolsonaro afirmou que quem decide se um povo vive sob uma democracia ou uma ditadura são as Forças Armadas do país. Ele disse que o Brasil ainda tem liberdade, mas que "tudo pode mudar" se a população não reconhecer o valor dos militares.

Na ocasião, ele fez a declaração quando comentava sobre o  fornecimento de oxigênio da Venezuela para Manaus" e apontou que trata-se de uma oferta da empresa multinacional brasileira White Martins, também presente no país vizinho. Ele então criticou o presidente venezuelano, Nicolás Maduro.

— Agora, se o Maduro quiser fornecer oxigênio para nós, vamos receber, sem problema nenhum. Agora, ele poderia dar auxílio emergencial para o seu povo também, né? O salário mínimo lá não compra meio quilo de arroz. Não tem mais cachorro lá, por que será? Alguma peste? Comeram os cachorros todos. Comeram os gastos todos. E vem uns idiotas, eu vejo aí, elogiando 'olha o Maduro, que coração grande ele tem'. Realmente, daquele tamanho, 200 quilos, dois metros de altura, o coração dele deve ser muito grande. Nada mais além disso — afirmou.

A fala de Bolsonaro neste sábado provocou reação de deputados da oposição. No Twitter, o deputado Marcelo Freixo (Psol-RJ) afirmou que a "declaração mostra que Daniel Silveira é só um souvenir golpista, a conspiração real está ocorrendo dentro do Palácio do Planalto".

Na terça-feira, Silveira foi preso em flagrante após insultar ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) com discurso de ódio. A decisão monocrática do ministro Alexandre de Moraes pela prisão do deputado foi confirmada pelo plenário do Supremo na quarta e pela Câmara na sexta.

Também na rede social, a deputada Erika Kokay (PT-DF) afirmou que o presidente é o "grande inimigo da democracia". "Daniel Silveira não agia sozinho. O golpe está sendo urdido no Planalto!", acrescentou.

Já o deputado Camilo Capibaribe (PSB-AP) citou a frase de Bolsonaro e afirmou: "Impossível ser mais objetivo sobre seu projeto de impor uma ditadura no Brasil, o que torna ainda mais importante a decisão de ontem".

Presidente já disse que 'não houve golpe' em 1964

Em março do ano passado, no aniversário do golpe militar de 1964 Bolsonaro afirmou que a ditadura instaurada naquele ano não foi um golpe.

O presidente afirmou que a chegada de Marechal Castelo Branco à Presidência obedeceu a Constituição Federal daquela época. O regime instaurado naquele ano inaugurou um período ditatorial que se estendeu até 1985.

"A verdade: o Marechal foi eleito de acordo com a Constituição e não houve golpe em 31 de março", escreveu o mandatário em redes sociais, após relatar sequência de eventos que levaram o militar ao comando do país.

Em abril do ano passado, Bolsonaro participou de ato em Brasília no qual manifestantes pediam "intervenção militar", pediam o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF) e defendiam o Ato Institucional nº 5 (AI-5), que marcou o período mais duro da ditadura.

O presidente não fez referência aos pedidos dos manifestantes, mas discursou durante o protesto e afirmou que "acabou a época da patifaria"

— Acabou a época da patifaria. É agora o povo no poder. Mais que direito vocês têm obrigação de lutar pelo país de vocês. Contem com seu presidente para fazer tudo aquilo que for necessário para manter a nossa democracia e garantir aquilo que é mais sagrado de nós, que é nossa liberdade — disse, na ocasião.

O Globo, em 20/02/2021 - 14:03 / Atualizado em 20/02/2021 - 15:05

O livre exercício da oposição

Alteração no regimento da Câmara para cercear a atuação da oposição não pode prosperar

É preocupante o movimento coordenado por deputados aliados do presidente Jair Bolsonaro que tem por objetivo limitar a atuação de parlamentares da oposição. O grupo bolsonarista pretende alterar o Regimento Interno da Casa de modo a reduzir os instrumentos legislativos de que hoje as bancadas oposicionistas dispõem para que suas vozes sejam ouvidas.

A ideia de cercear a atuação de parlamentares da oposição não nasceu nesta legislatura, mas poucas vezes teve tanta chance de prosperar como agora. A sociedade deve se manter vigilante para que alguns de seus representantes não sejam tolhidos no livre exercício da atividade parlamentar.

Hoje são 17 as ferramentas que compõem o chamado “kit obstrução”, entre as quais a possibilidade de pedido de adiamento de debate sobre determinado projeto, pedido de inversão de pauta de votação e de verificação de quórum.

Alguns dos deputados que defendem a redução desses instrumentos argumentam que, tal como está, o “kit obstrução” paralisa ou retarda a votação de projetos importantes. “Queremos reduzir o número de requerimentos e de obstruções para podermos tramitar a matéria. Há momentos em que chegamos aqui (na Câmara) e passamos a noite só votando obstruções”, disse ao Estado o deputado Nivaldo Albuquerque (PTB-AL). Já os parlamentares da oposição qualificam o movimento como “antidemocrático”. “Reduzir nosso papel é reduzir a representação democrática na Câmara e a opinião do eleitor”, disse o deputado Ênio Verri (PT-PR).

No fundo, o que está em andamento é uma desabrida tentativa de enfraquecer a oposição ao governo de Jair Bolsonaro no Parlamento. A deputada Bia Kicis (PSL-DF), bolsonarista de quatro costados, cotada para assumir a presidência da mais importante comissão permanente da Câmara, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), não esconde o que está por trás da manobra. “A esquerda sempre fez obstrução. A gente quer mexer no regimento para que a Casa seja realmente governada pela maioria, dando espaço para a minoria. Mas, na democracia, é a maioria que vence”, disse a deputada, revelando sua peculiar visão sobre o que vem a ser democracia.

Espera-se que o presidente da Câmara, Arthur Lira, não deixe prosperar o ardil. Em primeiro lugar, porque os instrumentos que fazem parte disso que se convencionou chamar “kit obstrução”, na verdade, são instrumentos legítimos de atuação das oposições em qualquer democracia. Sem eles, abre-se perigoso caminho para que uma “ditadura da maioria” seja instaurada no Parlamento.

Além disso, ainda é muito cedo para esquecer que Arthur Lira foi eleito com uma expressiva votação entre seus pares prometendo ser “a voz de todos” os deputados. Ora, seria um contrassenso o agora presidente da Câmara encorajar o andamento de uma agenda que, ao fim e ao cabo, pretende justamente calar as vozes de alguns de seus colegas.

Como presidente da Casa, Arthur Lira também deve ter uma visão republicana sobre o papel institucional da Câmara dos Deputados, locus de representação permanente da sociedade, independente, por óbvio, das fugazes associações ao governo de turno. Os blocos de apoio e de oposição ao Executivo são mutáveis. A propósito, bastante voláteis atualmente. Logo, cabe lembrar que as eventuais alterações no regimento que limitariam a atuação de deputados que fazem oposição a Jair Bolsonaro serão as mesmas que atingirão em cheio a liberdade de exercício parlamentar de políticos que, se hoje são governistas, amanhã poderão figurar na oposição.

Não há democracia sólida sem que seja dada voz à oposição e aos blocos minoritários no Parlamento. É legítimo que uma ou outra alteração nas atuais regras de obstrução sejam debatidas pelos congressistas, mas sempre no sentido de aprimorar o exercício da atividade parlamentar, nunca para restringi-lo. Não é disso que os parlamentares bolsonaristas estão tratando. Trata-se de uma clara tentativa de tolher o direito à resistência.

Notas & Informações, O Estado de São Paulo, em 20 de fevereiro de 2021 

Bolsonaro volta a atacar a Petrobrás

Jair Bolsonaro agora resolveu governar para os caminhoneiros e dá palpite na gestão de uma empresa estatal de capital aberto

O presidente Jair Bolsonaro anunciou a decisão de trocar o comando da Petrobrás, indicando para o posto o general Joaquim Silva e Luna, presidente da Itaipu Binacional. Incapaz de cuidar de um país assolado por uma pandemia, famoso pelo desprezo à vida dos brasileiros e conhecido pela incompetência administrativa, Bolsonaro resolveu governar para os caminhoneiros – aqueles por ele apoiados, em 2018, quando bloquearam o transporte rodoviário, usaram violência para impor sua vontade e causaram enorme prejuízo ao País. Para agradar esse eleitorado, o presidente voltou a criticar a política de preços da Petrobrás, dando palpite na gestão de uma empresa estatal de capital aberto.

As tentativas de interferência são agravadas pela absoluta inépcia de Bolsonaro em assuntos de economia e de administração empresarial. Além do mais, só essa inépcia torna explicável sua insistência em mandar na política de preços da Petrobrás. Falta saber quão obediente será o novo comandante da empresa.

“Não posso interferir, nem iria interferir (na empresa)”, disse Bolsonaro em seu destampatório de quinta-feira, para logo em seguida se desmentir: “Alguma coisa vai acontecer na Petrobrás nos próximos dias, tem de mudar alguma coisa”. Em outro momento, a ameaça foi mais explícita. Depois de citar uma frase atribuída ao presidente da Petrobrás (“Eu não tenho nada a ver com caminhoneiro”), anunciou: “Isso vai ter uma consequência, obviamente”. “Anuncio que vamos ter mudança, sim, na Petrobrás”, confirmou o presidente na sexta-feira, reiterando logo depois a promessa, muitas vezes descumprida, de nunca interferir na companhia.

Para os analistas de mercado, a estatal tem simplesmente ajustado seus preços às condições internacionais. A essas condições é necessário, obviamente, acrescentar a evolução do câmbio, com o dólar sempre afetado pelas barbaridades ditas, prometidas ou concretizadas pelo presidente da República. Ele se referiu aos aumentos de preços dos combustíveis como “excessivos” e “fora da curva”, mas quem é esse presidente para falar sobre o mecanismo de preços ou de qualquer fato econômico?

Além de criticar a política de preços da estatal, Bolsonaro reagiu também à recusa do presidente da Petrobrás de levar em conta pressões de caminhoneiros, tratadas com muito mais atenção, no Palácio do Planalto, que as necessidades de saúde de um país com mais de 240 mil mortos pela covid-19. Todos vão morrer algum dia, já lembrou o chefe de governo.

Sem disposição, ou sem condição, de mexer imediatamente na política de preços de combustíveis, o presidente da República decidiu seguir um caminho indireto, anunciando a eliminação de tributos federais sobre o óleo diesel, por dois meses, e sobre o gás de cozinha, de forma permanente. Isso custará alguns bilhões ao Tesouro Nacional, mas esse é um detalhe desprezível, para o presidente, quando se trata de atender alguns eleitores tão importantes. Além disso, ele se absteve de explicar imediatamente como seria compensada essa generosidade tributária – se por algum outro imposto ou por algum corte de gasto.

Bolsonaro já havia tentado mexer no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o mais importante tributo estadual, para conter o encarecimento dos combustíveis. Foi uma tentativa duplamente errada. Primeiro, porque é bobagem atribuir a variação de um preço a um tributo indireto definido como porcentagem do valor. Segundo, porque esse imposto pertence à jurisdição estadual.

Ao reabrir ostensivamente a porteira da interferência, o presidente Bolsonaro deu espaço para o general da reserva Augusto Heleno dar palpite sobre a gestão da Petrobrás. Os aumentos de preços incomodam e é preciso dar “um basta nisso”, disse o general, em entrevista a uma rádio. Ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, o general Heleno – aquele que confessou haver mandado espionar brasileiros participantes da Cúpula do Clima em Madri, em 2019, para, em suas palavras, flagrar “maus brasileiros” – agora resolveu se ocupar da Petrobrás. Até ele? 

Editorial / Notas & Informações, O Estado de São Paulo, em 20 de fevereiro de 2021

Manter Daniel Silveira preso é freio a radicalismo bolsonarista, afirmam analistas

Deputado federal Daniel Silveira aparece falando no telão da Câmara durante sessão em que colegas decidiram mantê-lo preso. (Crédito, Reuters / Adriano Machado).

A manutenção da prisão do deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ) pela Câmara dos Deputados nesta sexta-feira (19) terá o efeito de conter ataques à democracia, avaliam analistas políticos ouvidos pela BBC News Brasil.

O parlamentar foi preso por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) após divulgar um vídeo com exaltações à ditadura militar (1964-1985) e fortes críticas e ameaças a ministros da Corte.

Sua gravação repete discursos antidemocráticos que têm reverberado entre autoridades nos últimos anos, como a defesa do fechamento do STF e a exaltação do AI-5 (ato institucional de 1968 que aprofundou o autoritarismo da ditadura), sem que tenham gerado punições tão graves — o próprio presidente Jair Bolsonaro quando era deputado federal exaltou em 2016 um dos principais torturadores do regime militar, Carlos Ustra, durante votação do impeachment de Dilma Rousseff, mas o processo aberto contra ele por isso foi depois arquivado no Conselho de Ética da Câmara.

Já Silveira deve enfrentar um processo criminal no STF e uma representação no Conselho de Ética da Câmara, correndo o risco de perder seu mandato.

O parlamentar não recebeu nos últimos dias uma palavra sequer de apoio de Bolsonaro, que preferiu não se desgastar com os demais Poderes para defender o parlamentar de sua base.

Para o cientista político Antonio Lavareda, presidente do conselho científico do Instituto de Pesquisas Sociais Políticas e Econômicas (Ipespe), o abandono do deputado bolsonarista pelo presidente e a confirmação de sua prisão na Câmara refletem o novo momento do governo de aliança com o Centrão no Congresso, em que o Palácio do Planalto "busca governabilidade, não ruptura".

"Esse episódio (a prisão de Silveira) vai ter um importante efeito dissuasório sobre esses remanescentes do bolsonarismo radical antissistema. Esse bolsonarismo que se tornou obsoleto a partir da aliança com o Centrão", analisa.

"As pessoas (parlamentares com discurso radical) vão olhar a prisão de Silveira e vão pensar: 'primeiro, se eu exagerar, não vou ter o respaldo do Congresso, dos meus pares, e, segundo, não vou ter o apoio sequer do meu líder, o presidente'. É um efeito dissuasório poderoso", reforça Lavareda.

Três manifestantes em rua segurando cartaz em formato de coração dizendo 'Bolsonaro' e outro 'O STF precisa ser destituído'. (Crédito, Nelson Almeida / AFP via Getty Images). 

Eleito presidente da Câmara no início de fevereiro com forte apoio do Palácio do Planalto, o líder do Centrão Arthur Lira (PP-AL) disse nesta sexta-feira que o episódio envolvendo Silveira é um "ponto de inflexão".

"Sou ferrenhamente defensor da inviolabilidade do exercício da atividade parlamentar. Mas, acima de todas as inviolabilidades, está a inviolabilidade da Democracia. Nenhuma inviolabilidade pode ser usada para violar a mais sagrada das inviolabilidades, a do regime democrático", discursou Lira na abertura da sessão que manteve a prisão.

"Esse episódio servirá também como um ponto de inflexão para o modo de comportamento e de convivência internos, que trarão de volta maior urbanidade, respeito e empoderamento do Conselho de Ética para que o ambiente da democracia nunca se contamine a ponto de se tornar tóxico", disse ainda o presidente da Câmara, em outro trecho de seu discurso.

Já Silveira, que teve direito a falar por transmissão online, adotou um tom bem mais comedido do que o habitual ao tentar convencer seus pares a derrubar a prisão. Ele se disse arrependido pela gravação e atribuiu sua fala a "um momento de emoção" e "muita raiva".

"Já disse desculpas ao povo brasileiro, pedi (desculpas) a todo Parlamento. Me equivoquei, me arrependi, portanto jamais gostaria de fazê-lo dessa maneira novamente. Serviu de amadurecimento", disse ainda.

'Manutenção da prisão é primeiro passo contra ameaças democráticas'

Bolsonaro discursa em ato em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília.  (CRÉDITO, EVARISTO SA/AFP E GETTY IMAGES)

Presidente Jair Bolsonaro discursou no ano passado em ato que pediu fechamento do Congresso e do STF

O cientista político e sócio da Tendências Rafael Cortez também vê na manutenção da prisão de Silveira um novo momento do governo Bolsonaro, menos conflituoso com os demais Poderes, a partir da aliança com o Centrão.

Ele ressalta que o momento é de queda da popularidade do presidente, em meio a problemas como falta de vacinas para conter a pandemia e a continuidade da crise econômica.

"Esse ambiente polarizado dificulta a construção de acordos. E se tem uma característica do chamado Centrão é a vocação para acordos. Até por conta da maleabilidade política dessas siglas, não são legendas que têm uma reputação consolidada junto ao eleitorado", nota Cortez.

"O próprio Arthur Lira quando publicamente se colocou como um nome do Centrão (para presidir a Câmara) fez a defesa dessa maleabilidade, dessa capacidade de adaptação desse grupo político para minimizar conflitos. E para quem opera com consensos, esse comportamento de atores associados à nova política (como Silveira), que é de ruptura institucional, ele se choca com o modus operandi desses atores políticos (do Centrão)", acrescenta.

Cortez considera a prisão de Silveira é "um primeiro passo importante" na contenção de discursos autoritários no país. Para ele, no entanto, não é algo suficiente para conter uma série de movimentos que estão fragilizando a democracia brasileira.

Nesse sentido, ele destaca a redução da confiabilidade no sistema eleitoral, que pode abrir espaços para questionamentos infundados do resultado da eleição de 2022 — algo que tem sido alimentado por falas do próprio presidente Bolsonaro, que, sem apresentar provas, diz que a urna eletrônica pode ser fraudada.

Outros pontos que despertam preocupação, segundo Cortez, é o aumento do acesso a armas promovido pelo governo Bolsonaro, assim como manifestações vindas de integrantes das Forças Armadas pressionando o Supremo Tribunal Federal, como ocorreu no julgamento de um habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2018.

"A prisão de um deputado, nas condições que foram desenhadas, referendada de forma unânime na Corte Suprema e respeitada pelos pares (mantida na Câmara), é por si só um sinal de contraposição a um discurso que corrói o jogo democrático", afirma.

"O problema é que não pode ser só uma decisão isolada. Tem que de fato ter um sistema de redução do risco, inclusive para evitar questionamentos do resultado eleitoral em 2022", defende.

Mariana Schreiber - @marischreiber, de Brasília para a BBC News Brasil, em 20.02.2021

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Câmara decide manter prisão do deputado Daniel Silveira

Por 364 votos a 130, deputados apoiam parecer da relatora do caso, favorável à manutenção da prisão do parlamentar bolsonarista, detido por insultos ao Supremo. Na sessão, Silveira pediu desculpas e disse que se excedeu.

O deputado Daniel Silveira. Ex-PM e ex-cobrador de ônibus tem uma trajetória de posições extremistas e atitudes agressivas

O plenário da Câmara dos Deputados votou nesta sexta-feira (19/02) a favor de manter preso o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), que foi detido após proferir insultos e ameaças contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) em vídeo nas redes sociais.

Ao todo, 364 deputados votaram a favor da prisão, e 130 foram contrários. Houve três abstenções. Antes da votação, a relatora do caso na Câmara, a deputada Magda Mofatto (PL-GO), havia apresentado um parecer favorável à manutenção da detenção do parlamentar.

Para que Silveira fosse mantido preso, eram necessários ao menos 257 votos a favor do parecer da relatora, ou seja, a maioria absoluta da Câmara. De acordo com a Constituição, cabe aos parlamentares decidirem se a prisão de um colega deve ou não ser mantida. Na quinta-feira, a prisão já havia sido ratificada durante audiência de custódia.

O bolsonarista Silveira foi preso na última terça-feira após publicar um vídeo com ataques ao STF. A prisão foi determinada pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito dos atos antidemocráticos, que investiga ações de políticos e ativistas bolsonaristas contra o Supremo e o Congresso.

Durante a sessão da Câmara nesta sexta-feira, Silveira pediu desculpas pelos ataques à Corte, disse que se excedeu e está arrependido. "De maneira alguma me considero um risco à democracia", disse ele, que participou da audiência por videoconferência a partir do Batalhão Prisional Especial da Polícia Militar do Rio de Janeiro, onde está preso.

"Assisti meu vídeo várias vezes. Eu não consegui compreender o momento da raiva que ali me encontrava e peço desculpas a todo Brasil porque vi, de várias pessoas, juristas renomados, senhoras, senhores, adolescentes, qualquer tipo de classe, que perceberam que me excedi, de fato, na fala. Foi um momento passional", alegou.

A prisão de Silveira abriu uma nova crise política, colocando em lados opostos o STF, que exige uma reposta contra os ataques, e o Congresso, normalmente refratário a ordens de prisão contra seus membros. A isso ainda se soma que a Câmara está desde o início do mês sob nova presidência. O novo chefe da Casa, Arthur Lira (PP-AL), se viu entre o velho corporativismo da Câmara e a vontade de evitar uma crise prolongada com o Supremo – o próprio Lira é réu em casos que tramitam na Corte.

Entre vários deputados prevalecia o sentimento que a atitude do STF poderia abrir um precedente perigoso para o Congresso.

No final, os deputados decidiram não confrontar o STF por causa de um deputado como Silveira, um parlamentar de primeiro mandato e pouco quisto entre seus pares na Câmara por causa do seu comportamento errático e agressivo. Neste caso, não houve "espirito de corpo" para uma figura estranha como Silveira. 

Ao longo dos últimos dias, alguns deputados tentaram costurar um acordo para deixar o STF satisfeito e não irritar a maioria da Câmara, que incluiria deixar a Casa sancionar o deputado. Na quarta-feira, a Mesa Diretora ainda reativou o Conselho de Ética da Câmara e abriu uma representação contra Silveira. Mas as propostas foram encaradas como inaceitáveis pelo STF. Há expectativa agora que seja aberto um processo de cassação contra Silveira, mas ele também pode vir a perder o mandato caso seja condenado pelo Supremo.  

Por enquanto, o presidente Jair Bolsonaro tem evitado se manifestar sobre o assunto, apesar da pressão da sua base de extrema direita, que cobra apoio para o radical Silveira. Na metade do ano passado, Bolsonaro começou a cultivar um relacionamento menos conflituoso com o STF, após as encrencas do seu círculo pessoal e família com a Justiça ameaçarem a continuidade do seu governo.

Até agora, só o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) se manifestou contra a prisão de Silveira, afirmando numa mensagem no Twitter que votaria pela revogação da prisão do deputado.

Prisão

Daniel Silveira foi preso na noite de terça-feira, pouco depois de publicar um vídeo em sua redes sociais com ataques virulentos ao Supremo Tribunal Federal. Em cerca de 20 minutos de vídeo, Silveira usou palavras como "vagabundo", "filha da puta", "bosta" e "idiota" para se referir aos ministros.

Ele ainda manifestou desejo de que os juízes da Corte fossem agredidos fisicamente e fez apologia ao AI-5, o ato institucional da ditadura de 1964 que resultou no fechamento do Congresso e na suspensão do habeas corpus, entre outras medidas autoritárias.

O deputado também acusou ministros da Corte de trabalharem para organizações criminosas, venderem sentenças e até de terem pênis pequeno. O vídeo foi retirado do ar.

Silveira gravou o vídeo usando como gancho um episódio envolvendo o ministro do STF Edson Fachin e o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas na segunda-feira. Na ocasião, o general usou o Twitter para debochar de uma crítica tardia do ministro a um tuíte com ameaças veladas ao STF que o militar publicou em 2018, quando a Corte analisava um habeas corpus apresentado pela defesa do ex-presidente Lula.

O assunto havia voltado aos holofotes na semana passada após a publicação de um livro de memórias de Villas Bôas em que o general fala sobre o episódio, revelando que à época seus posicionamentos contra o STF e uma eventual soltura de Lula eram ainda mais extremos do que o divulgado inicialmente.

"Três anos depois", escreveu Villas Bôas para o ministro no Twitter, em uma alusão ao tempo que Fachin demorou para manifestar sua crítica. À época da pressão de Villas Bôas sobre o Supremo, apenas o então ministro Celso de Mello criticou publicamente o general.

As farpas desta semana entre Fachin e o general acabaram inspirando o deputado Silveira, conhecido pela suas posições extremistas e golpistas e por distribuir ofensas na internet para jornalistas e desafetos, a renovar ataques ao STF e a defender Villas Bôas.

Silveira já era investigado no âmbito dos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos que foram abertos pelo STF entre 2019 e 2020, e que têm como alvo diversos membros do círculo do presidente Jair Bolsonaro. Investigações também já apontaram a participação dos filhos do presidente na disseminação de notícias falsas em larga escala.

Após a publicação do vídeo, o deputado foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República no âmbito do inquérito dos atos antidemocráticos e com base na Lei de Segurança Nacional. Silveira foi especificamente acusado de praticar agressões verbais e ameaças contra os ministros do STF para favorecer interesse próprio; estimular o uso de violência para tentar impedir o livre exercício dos poderes; e incitar a animosidade entre Forças Armadas e STF.

A prisão em flagrante de Silveira foi mantida por unanimidade pelos 11 ministros do Supremo na terça-feira, mas levantou questionamentos entre alguns juristas, que contestaram o mecanismo de "infração permanente", usado pelo ministro Alexandre de Moraes para determinar a prisão do deputado.

Uma carreira problemática

Silveira, um ex-PM, ficou conhecido nas eleições de 2018 quando quebrou uma placa em homenagem à vereadora assassinada Marielle Franco durante um ato de campanha. A vereadora é um alvo constante da extrema direita bolsonarista, que costuma espalhar mentiras sobre sua atuação e piadas macabras sobre sua morte.

Antes de ser eleito deputado federal com mais de 30 mil votos, Silveira teve uma carreira medíocre de cinco anos na Polícia Militar do Rio de Janeiro, acumulando dezenas de sanções e repreensões administrativas. Chegou a passar mais de 70 dias na prisão. À época em que foi eleito, Silveira corria o risco de ser expulso da corporação por "mau comportamento, faltas e atrasos".

Antes de ser PM, ele havia sido cobrador de ônibus, e chegou a ser investigado pela polícia por apresentar atestados médicos falsos para faltar ao trabalho e ainda sofreu uma prisão por suspeita de venda ilegal de anabolizantes em academias de Petrópolis (RJ).

Na Câmara, sua atuação também tem sido tumultuada. Ele logo passou a tentar emular o estilo que tornou Jair Bolsonaro famoso no final dos anos 1990 e ao longo da década de 2000, distribuindo ofensas e comentários ultrajantes.

Antes mesmo de tomar posse, Silveira e outros deputados de extrema direita viajaram à China numa espécie de "trem da alegria" financiado pelo governo chinês para agradar políticos novatos sob o pretexto de divulgar uma tecnologia de reconhecimento facial. Os deputados acabaram sendo alvos de críticas até mesmo de ativistas de extrema direita, como o ideólogo radical Olavo de Carvalho.

Recentemente, Silveira tentou argumentar de maneira pouco convincente que viajou ao país asiático para revelar uma suposta conspiração sino-comunista para dominar o Brasil. Em outubro de 2019, ele tentou forçar sua entrada numa escola do Rio de Janeiro sob o pretexto de investigar materiais com conotação política em ambiente escolar.

Ele apresentou ainda dezenas de projetos, sempre de acordo com ideias da extrema direita, como uma proposta para classificar o movimento antifa como "grupo terrorista" e um projeto para impedir que pessoas que recusem vacinas não possam ser demitidas por esse motivo.

Mesmo após a prisão, Silveira continuou a exibir comportamento agressivo. Ele se recusou a usar máscara dentro da delegacia e levantou a voz contra uma perita. Já apoiadores do deputado compareceram em frente à delegacia no Rio de Janeiro e agrediram brutalmente um homem que levantou uma placa em homenagem à vereadora Marielle Franco. Alguns gritaram que "Marielle levou pouco tiro", segundo jornalistas que acompanharam a cena.

A prisão também levantou questões sobre uma clara complacência das autoridades policiais com o comportamento do deputado. Ele não foi acusado de desacato por gritar contra a perita. Agentes da PF também deixaram o deputado gravar mais um vídeo com críticas ao Supremo antes de levá-lo para a delegacia. Os policiais também aparentemente não fizeram nada para impedir as agressões de apoiadores de Silveira.

Na quinta-feira, foram encontrados dois celulares na sala da sede da PF em que o deputado ficou detido, antes de ser levado a um Batalhão Prisional da PM. A corregedoria da PF abriu sindicância para apurar o episódio. No mesmo dia, Silveira caminhou livremente pelo pátio do batalhão e cumprimentou apoiadores que foram até o portão, voltando a fazer ameças ao STF.

Nesta sexta-feira, Alexandre de Moraes determinou o bloqueio das contas de Silveira no Facebook, Twitter e Instagram, justificando que o deputado continuou publicando ofensas ao STF mesmo estando preso.

Deutsche Welle Brasil, em 19.02.2021

Robô Perseverance envia primeiras fotos coloridas de Marte

Em uma das fotos é possível ver o céu de Marte. Em outra, foi retratado o momento do pouso, realizado na cratera de Jezero, local onde já foi um lago há bilhões de anos.


Perseverance envia primeira imagem colorida de Marte um dia após pouso difícil. — Foto: NASA/JPL-Caltech

O robô explorador Perseverance, da agência espacial Nasa, enviou as primeiras imagens coloridas e em alta definição de Marte nesta sexta-feira (19), um dia após pousar no planeta. Com 19 câmeras acopladas, o robô tem o maior número de câmeras em um único veículo já enviadas a uma missão espacial.

Em uma das fotos, é possível ver o céu visto de Marte. Outra imagem colorida mostra uma das seis rodas do robô sob o solo arenoso do planeta vermelho.

A Nasa também publicou nesta tarde uma foto colorida do momento da chegada de Perseverance ao local de pouso escolhido - a cratera de Jezero, região do planeta que já foi um lago há bilhões de anos.

Foto colorida do momento de pouso do robô Perseverance ao planeta Marte. — Foto: NASA/JPL-Caltech

O robô passará os próximos dois anos explorando a cratera de Jezero em busca de vestígios de vida que tenha existido no passado marciano.

Para a exploração, o veículo carrega instrumentos para coletar amostras, observar a geologia e transformar dióxido de carbono em oxigênio para viabilizar uma missão com humanos no planeta. Essa conversão será um dos passos essenciais para a Nasa conseguir levar astronautas em uma missão tripulada no futuro.

Uma das rodas do robô Perseverance, da Nasa, tocando o solo de Marte. — Foto: NASA

O Perseverance pousou na superfície de Marte no final da tarde da quinta-feira (18), sete meses depois de a missão ter partido da Estação da Força Aérea de Cabo Canaveral, na Flórida, em 30 de julho de 2020. O robô explorador é o mais sofisticado já enviado ao espaço.

Acoplado ao Perseverance também está o Ingenuity, um helicóptero de 1,8 kg com hélices que giram cerca de 8 vezes mais rápido do que um helicóptero comum.

Missões para Marte: por que 3 países chegarão ao planeta vermelho quase ao mesmo tempo

O primeiro foi o Sojourner, em 1997, seguido por Spirit e Opportunity, que desembarcaram no planeta em 2004. O último foi o Curiosity, que está no planeta desde 2012. Todos eles tiveram os nomes escolhidos em concursos nacionais.

O Perseverance, o novo robô que a Nasa enviou a Marte — Foto: Nasa

'Sete minutos de terror'

A chegada do robô na cratera de Jezero é considerada o local de pouso mais perigoso já tentado em uma missão interplanetária.

Isso porque, para tocar o solo marciano, o Perseverance realizou uma manobra altamente delicada, chamada “sete minutos de terror”: nesse intervalo de tempo, o veículo teve de reduzir a velocidade de 20 mil km/h para 0 km/h.

Primeira imagem de Marte transmitida pelo robô Perseverance, que pousou no planeta nesta quinta (18). — Foto: Nasa

O veículo espacial da Nasa é o terceiro a atingir Marte em uma semana, depois das missões da China e dos Emirados Árabes Unidos.

Escolhido por um estudante do sétimo ano do estado da Virgínia, o nome Perseverance foi anunciado em março do ano passado. Alexander Mather teve a sugestão escolhida entre 28 mil inscrições feitas por alunos do ensino fundamental e médio dos Estados Unidos.

Entenda a Mars 2020

Os cientistas acreditam que havia em Marte, entre 3 e 4 bilhões de anos atrás, um lago onde hoje está a cratera de Jezero. O local tem sedimentos similares aos encontrados na Terra, que podem conter vestígios de organismos.

De acordo com a agência espacial americana, o Perseverance é um "cientista-robô" que pesa pouco mais de 1 tonelada. Ele conta com uma série de instrumentos: câmeras de engenharia, equipamentos nos braços, uma broca, uma estação meteorológica, instrumento de laser e câmeras para fazer panoramas coloridos, entre outros.

Laís Modelli, do G1, em 19/02/2021 

Brasil tem 1.308 mortes por covid-19 em 24 horas

Ao todo, 244,7 mil pessoas morreram devido ao coronavírus desde o início da epidemia. País tem ainda 51 mil novos casos, e total de infectados já passa de 10 milhões.

O Brasil registrou oficialmente 51.050 casos confirmados de covid-19 e 1.308 mortes ligadas à doença nas últimas 24 horas, segundo dados divulgados nesta sexta-feira (19/02) pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) e pelo Ministério da Saúde.

Com isso, o total de infecções identificadas no país desde o início da epidemia subiu para 10.081.676 casos. A marca de 10 milhões de infectados foi atingida na quinta-feira. O total de óbitos, por sua vez, chegou a 244.765.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que as cifras reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

Segundo o Ministério da Saúde, 8.995.246 pacientes haviam se recuperado da doença até a noite de quinta-feira. O Conass não divulga número de recuperados.

A taxa de mortalidade a cada 100 mil habitantes é de 116,5 mortes no Brasil.

Segundo um consórcio da imprensa brasileira, formado por O Globo, Extra, G1, Folha de S. Paulo, UOL e O Estado de S. Paulo, até a tarde desta sexta-feira 5.614.633 pessoas haviam recebido a primeira dose da vacina contra a covid-19.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 27,9 milhões de casos, e da Índia, com 10,9 milhões. Mas é o segundo em número absoluto de mortos, atrás dos EUA, que têm mais de 495 mil óbitos.

Ao todo, mais de 110,5 milhões de pessoas já contraíram o coronavírus no planeta, e 2,44 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença.

Deutsche Welle Brasil, em 19.02.2021

Vera Magalhães: Governo normal faz diferença

Bolsonaro e Trump - para sempre, aliados

Mais que o tradicional “bom dia” nos grupos de WhatsApp das famílias, uma expressão se espalhou pelas redes sociais no Brasil em tempos de governo Bolsonaro: “Não se tem um dia de paz”.

A constatação ganhou especial significado durante a pandemia. Nos aproximamos de forma célere dos 250 mil mortos, a vacinação se dá em ritmo de tartaruga, o auxílio emergencial ainda é um esboço, mas o país parou na Quarta-Feira sem Cinzas para acompanhar a prisão de um deputado da linha de frente da base bolsonarista que não via outra prioridade diante deste quadro que não fosse pregar a volta do AI-5, agressões físicas a ministros do Supremo e a troca sumária de todos os integrantes da Corte.

O chilique do valentão se deu porque o ministro Edson Fachin fez o óbvio: protestar contra a interferência indevida que o general Villas Bôas confessou ter sido feita com aval do Alto-Comando das Forças Armadas na decisão que o STF teria de tomar sobre um recurso do ex-presidente Lula em 2018.

A prisão do deputado ainda mobiliza os três Poderes da República três dias depois. Os deputados, antes prontos a correr em socorro do colega, agora entenderam que ele foi longe demais e que salvar sua pele pode implicar comprometer a própria. Da mesma maneira, Bolsonaro, sempre tão boquirroto quanto Daniel Silveira, fez boca de siri quando o amigo foi em cana. Natural: sabe que tem seus próprios passivos, que incluem os do filho Flávio e os do ministro Eduardo Pazuello, com o Supremo e não vai se queimar por um deputado de 31 mil votos que se notabilizou por rasgar uma placa com o nome de Marielle Franco.

Ainda que o presidente tenha esse gesto isolado de comedimento (que pode ser quebrado a qualquer momento, numa live ou num aglomeração no cercadinho do Alvorada), a própria existência de um Daniel Silveira como deputado e a necessidade de que ele seja preso para parar de atentar contra a democracia mostram quão disfuncional é o governo Bolsonaro, e quanto o Brasil paga dia a dia por isso.

A diferença entre um governo tresloucado e um minimamente normal pode ser vista de forma didática nos Estados Unidos. A simples retirada de Donald Trump de cena e sua substituição pela equipe de Joe Biden fez com que fosse triplicado o ritmo de vacinação no país, a média diária de casos de Covid-19 despencasse de 195.064 para 77.665, e coisas simples como usar uma máscara deixassem de ser tabus ideológicos.

Por aqui, o presidente segue buscando milagres para enfrentar o vírus, enquanto seu ministro faz promessas sem nenhum amparo na realidade de centenas de milhões de doses de vacinas, sem estipular um cronograma seguro e claro de como elas serão fornecidas a estados e municípios.

O resultado dessa completa inépcia de Bolsonaro e Pazuello e do show de horrores da ala bizarro-ideológica do bolsonarismo é que também a economia é profundamente afetada. Em vez de se ocupar do desenho do projeto para a volta do auxílio emergencial e das medidas adicionais necessárias para garantir que ele não estoure as já depauperadas contas públicas, o comando da Câmara passou os últimos dias quebrando a cabeça para tentar livrar a barra do troglodita sem afrontar o STF. Mas ficou claro que, desta vez, os ministros não deixariam barato nenhuma atitude corporativista que fragilizasse o Judiciário.

A votação unânime dos 11 ministros delimita uma risca no chão. O Congresso parece ter entendido isso. O silêncio de Bolsonaro mostra que ele também sentiu o golpe. Que os eleitores também entendam que só elegendo políticos comprometidos com a democracia, o que esses de turno não são, o país poderá sair da anormalidade absoluta para o mínimo de paz que todos pedem em vão nos seus posts no Twitter.

Vera Magalhães, a autora deste artigo, é Jornalista. Publicado originalmente n'O Globo, edição de 19.02.2021.

O desafio do deputado bolsonarista

Não é hora de contemporizar. Há limites e eles precisam ser devidamente lembrados

 As eleições de 2018 deviam ser, assim pediram os eleitores nas urnas, a renovação da política. Havia o clamor por um novo patamar moral e cívico dos governantes e parlamentares eleitos. De fato, houve uma renovação do Congresso em porcentual inédito. No entanto, fica cada vez mais evidente que o bolsonarismo não apenas aproveitou esse anseio de uma nova política, como de alguma forma o atraiçoou, ao trazer para a política gente que não apenas ignora os fundamentos básicos do Estado Democrático de Direito, como descumpre também o Código Penal.

Ao divulgar um vídeo em que profere ofensas e ameaças a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e faz pregação de caráter claramente golpista, o deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ) descumpriu seu compromisso de respeitar a Constituição – não há lugar no Congresso para quem defende o Ato Institucional (AI) n.º 5 e intimida integrantes de qualquer dos Poderes –, além de ter cometido crimes previstos na legislação brasileira. Trata-se de escárnio com o regime constitucional. Por discordar das decisões do Supremo, o deputado bolsonarista pede, por exemplo, a destituição, cassação e prisão dos seus membros, além de instigar a violência contra eles.

A imunidade parlamentar – “os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”, diz o texto constitucional – não é sinônimo de impunidade. Tanto é assim que a Constituição prevê que parlamentares podem ser presos em flagrante de crime inafiançável.

Por 11 votos a zero, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o deputado bolsonarista, ao instigar a adoção de medidas violentas contra a vida e a segurança dos ministros do Supremo, cometeu crime inafiançável, mantendo a prisão em flagrante decretada pelo ministro Alexandre de Moraes na terça-feira passada.

A manifestação contundente do Supremo recorda a todos que, apesar do caos que alguns querem impor, ainda existe lei no País. No início da sessão, o presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, lembrou o dever do STF de zelar pela higidez do funcionamento das instituições brasileiras. “Por esse motivo, o STF mantém-se vigilante contra qualquer forma de hostilidade à instituição. (...) Ofender autoridades, além dos limites permitidos pela liberdade de expressão, que tanto consagramos no STF, exige, necessariamente, uma pronta atuação da Corte”, disse.

O decano do Supremo, ministro Marco Aurélio, destacou a gravidade do comportamento do deputado Daniel Silveira. “Estou com 74 anos de idade, 42 em colegiados judicantes, e jamais imaginei presenciar ou vivenciar o que vivenciei, jamais imaginei que uma fala pudesse ser tão ácida, tão agressiva, tão chula, no tocante às instituições”, disse.

Ao votar pela manutenção da prisão, Marco Aurélio lembrou que era imprescindível interromper a prática delituosa, não havendo qualquer dúvida sobre a periculosidade do preso e a necessidade de preservar a ordem pública. Alvo de dois inquéritos no Supremo, o deputado bolsonarista, em sua passagem pela Polícia Militar do Rio de Janeiro de 2013 a 2018, sofreu 60 sanções disciplinares, 14 repreensões e 2 advertências, acumulando 54 dias de prisão e 54 de detenção. Trata-se de um histórico nada abonador, revelando quem o bolsonarismo alçou à vida pública

Como dispõe a Constituição, compete à Câmara dos Deputados decidir sobre a prisão decretada pelo Supremo. “Os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão”, diz o art. 53, § 2.º.

Com esse procedimento, a Constituição estabelece não apenas mais um meio de controle das garantias constitucionais, como atribui ao Poder Legislativo um papel decisivo na aplicação da lei. O Congresso tem o dever de proteger o Estado Democrático de Direito, sem criar espaços para a impunidade e, o que seria ainda pior, transigir com agressões ao regime republicano e às instituições democráticas.

Não é hora de contemporizar. A atuação do deputado bolsonarista não coloca em risco apenas o Supremo e seus ministros. Ao defender o AI n.º 5, Daniel Silveira também ameaça o Congresso. Há limites e eles precisam ser devidamente lembrados.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de São Paulo, em 19 de fevereiro de 2021

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Atestados falsos, 26 dias de prisão e 14 repreensões na PM: a folha corrida de Daniel Silveira

Preso pelo STF, parlamentar do PSL atuava na PM do Rio, com ficha repleta de faltas injustificadas, e atua para emplacar pautas ideológicas na Câmara

Deputado bolsonarista Daniel Silveira PSL-RJ Foto: Reprodução

Quando foi chamado para prestar depoimento na delegacia de Petrópolis, na Região Serrana do Rio, sobre o uso de atestados médicos falsos no trabalho, em abril de 2007, o então cobrador de ônibus Daniel Lúcio da Silveira deu uma explicação pouco convincente: alegou que, diante da negativa de uma médica do pronto-socorro da cidade de assinar o documento, pediu um atestado a um “homem que estava sempre de branco no corredor da unidade”. O homem prontamente “preencheu o atestado na sua frente”. Por outras duas vezes, Silveira voltaria ao hospital para pedir atestados à mesma pessoa — que a polícia descobriria se tratar de um faxineiro do hospital.

Hoje deputado federal, Silveira disse que não sabia que o homem de branco não era médico. Em depoimento, o faxineiro disse que conhecia Silveira “antes mesmo de ele trabalhar na empresa de ônibus”. Ao todo, Silveira conseguiu atestados falsos para faltar ao serviço de 23 de dezembro de 2006 a 17 de janeiro de 2007.

O crime de falsidade material de atestado pelo qual ele foi acusado prescreveu em 2016, e o caso acabou arquivado. No entanto, por conta da passagem pela polícia, Silveira foi reprovado, em 2011, pela pesquisa social necessária para ingressar na PM do Rio. Ele só seria plenamente integrado à corporação em 2014, após recorrer à Justiça.

Daniel Silveira ficou famoso por quebrar a placa de rua em homenagem à vereadora assassinada do PSOL, Marielle Franco. Episódio aconteceu durante a campanha de 2018, em comício ao lado de Wilson Witzel – eleito e efastado do cargo desde agosto de 2020 – e de Rodrigo Amorim, eleito deputado estadual

Deputado Daniel Silveira nos tempos de Polícia Militar:26 dias de prisão, 54 de detenção, 14 repreensões e duas advertências — a maioria das punições por faltas e atrasos Foto: Reprdoução

Deputado federal Daniel Silveira (PSL) chega ao IML do Rio de Janeiro para fazer exame de corpo de delito, depois de ser preso sob ordem do ministro Alexandre de Moraes, do STF, por divulgar vídeos em que atacava a corte Foto: Betinho Casas Novas / Futura Press / Agência O Globo

Em junho do ano passado, deputado Daniel Silveira já havia sido alvo de busca e apreensão no inquérito sobre atos antidemocráticos Foto: Jorge William / Agência O Globo

Com broche de armas na lapela do paletó, Daniel posa na Câmara dos Deputados Foto: Reprodução / Agência O Globo

Daniel Silveira posta ao lado de Hélio Lopes e Rodrigo Amorim com a camisa da campanha presidencial de Bolsonaro: "Meu partido é o Brasil" Foto: Reprodução / Agência O Globo

A favor da reforma da Previdência, Daniel desembarca, no Aeroporto Juscelino Kubitscheck, em Brasília, e encontra manifestação contra o projeto Foto: Jorge William / Agência O Globo

Deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) posa entre os deputados estaduais Rodrigo Amorim (PSL) e Filippe Poubel (PSL) Foto: Leo Martins / Agência O Globo

Daniel Silveira (PSL-RJ) fala na tribuna da Câmara dos Deputados Foto: Pablo Valadares / Agência O Globo

Eleito para a Câmara dos Deputados apenas quatro anos depois, ostentando um perfil de PM combatente, Daniel Silveira teve uma passagem pela corporação que mimetiza seus tempos de cobrador de ônibus: repleta de faltas injustificadas. Levantamento feito pelo GLOBO em boletins da corporação revela que, num período de oito meses, entre junho de 2015 a janeiro de 2016, quando trabalhava na UPP da Rocinha, ele faltou oito vezes ao serviço. Nos carnavais de 2015 e 2016, mesmo escalado para trabalhar, não apareceu. Em seus cinco anos, nove meses e 17 dias na PM, contabilizaria 26 dias de prisão, 54 de detenção, 14 repreensões e duas advertências — a maioria das punições por faltas e atrasos.

Em algumas ocasiões, Silveira até tentou apresentar justificativas. Em meados de 2015, por exemplo, afirmou que faltou um dia de serviço para prestar auxílio à mulher. Como não apresentou “qualquer documento que comprovasse a real urgência na prestação de auxílio a sua esposa no dia do seu serviço ordinário”, a punição foi mantida. Na maior parte de sua carreira na corporação, o hoje deputado ostentou o predicado “mau” em sua ficha disciplinar de comportamento.

Deputado Daniel Silveira nos tempos de Polícia Militar Foto: Reprdoução

Em fevereiro de 2018, o acúmulo de punições culminaria na submissão de Silveira a Conselho de Revisão Disciplinar, processo administrativo que poderia resultar na expulsão do então praça. Na ocasião, o relatório publicado no boletim da corporação apontaria que Silveira “postou vídeos em sua página pessoal da rede social Facebook com comentários ofensivos e depreciativos em desfavor de integrantes da imprensa nacional de uma forma geral, em alguns deles durante a execução do serviço, fardado e no interior da viatura, erodindo preceitos éticos em vigor na Polícia Militar e repercutindo negativamente a imagem da corporação”.

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Ele repetiria a conduta após ser eleito: Silveira foi preso anteontem após divulgar um vídeo no qual faz apologia ao AI-5 e defende a destituição de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), o que é inconstitucional.

Em 4 de outubro de 2018, o boletim interno da PM publicaria a exclusão de Silveira das suas fileiras: como ele não havia completado dez anos na corporação, não poderia se licenciar para se candidatar.

Placa quebrada

No mesmo dia, o então candidato passaria a ser conhecido em todo o país: num comício em Petrópolis, ele subiria num palanque para exibir uma placa quebrada em homenagem à vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinada sete meses antes. O episódio angariou a simpatia de apoiadores de Jair Bolsonaro.

No Supremo, a prisão em flagrante de Silveira foi decretada no âmbito do inquérito sobre atos antidemocráticos, no qual ele é investigado desde o ano passado. Em 19 de abril de 2020, por ocasião de uma manifestação pedindo o fechamento do STF e do Congresso, o deputado se pronunciou em vídeo divulgado em seus canais nos seguintes termos:

— Se o povo sair às ruas de fato, e resolver cercar o STF, resolver cercar o Parlamento... Invadir mesmo, tô falando pra invadir, não tô falando pra botar faxina, não. Tô falando pra cercar invadir mesmo. Tô falando pra cercar lá e retirar na base da porrada, sabe como é que é? Na base da porrada, tirar, arrancar do poder. Porra! — afirmou Silveira.

Ao depor à Polícia Federal (PF) sobre o episódio, em setembro, o parlamentar atribuiu as próprias declarações a um “momento passional”. Ele também havia declarado que “já passou da hora de contarmos com as Forças Armadas”. Depois, tentou minimizar a declaração e disse não apoiar uma intervenção militar.

Atuação parlamentar

Em dois anos na Câmara, Daniel Silveira apresentou 47 projetos de lei e relatou outros seis, apresentados por colegas. Uma das bandeiras defendidas de maneira mais expressiva pelo parlamentar é uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para transformar o Rio de Janeiro em uma segunda capital do país, junto à Brasília, na tentativa de ajudar a capital fluminense a se recuperar da crise financeira. A PEC foi apresentada em julho do ano passado e, para Silveira, representa a materialização do slogan “Mais Brasil, Menos Brasília”, utilizado na campanha de Bolsonaro, em 2018.

Entre outras propostas, Silveira também sugeriu a criação do “Dia Nacional em Memória das Vítimas do Comunismo no Brasil” e, de maneira mais bem sucedida, de uma data no calendário da Educação para conscientização sobre a prevenção de desastres naturais e calamidades públicos. O segundo projeto foi um dos poucos que avançaram na Casa e seguiram para o Senado.

Há ainda projetos criados por Silveira para tipificar a causa antifascista como terrorismo, extinguir visitas íntimas a presos, proibir que empresas obriguem funcionários a estarem vacinados contra a Covid-19 e vedar a remoção de conteúdo das redes sociais pelas empresas que as administram. Uma proposta mira o STF e tenta obrigar a Corte a divulgar online os rendimentos mensais dos ministros.

No primeiro ano de mandato, em 2019, Silveira virou alvo de piadas da oposição após tentar convocar o jornalista Glenn Greenwald para um depoimento na Câmara e recuar em seguida, ao perceber que o movimento era apoiado pela esquerda. Greenwald havia atuado na divulgação de mensagens de procuradores da Operação Lava-Jato, cujo conteúdo interessava à defesa e a aliados do ex-presidente Lula, do PT.

Rafael Soares, João Paulo Saconi e Aguirre Talento, O Globo, em 18/02/2021 

Brasil supera 10 milhões de casos de covid-19

País registra 51 mil novas infecções pelo coronavírus e 1.367 mortes ligadas à doença em 24 horas. Total de óbitos desde o início da epidemia chega a 243 mil.

Pratos com cruzes vermelhas estão dispostos em gramado em ato de protesto em Brasília

O Brasil registrou oficialmente 51.879 novos casos confirmados de covid-19 nesta quinta-feira (18/02), elevando o total de infectados para mais de 10 milhões, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) e o Ministério da Saúde.

Também foram registradas 1.367 mortes ligadas à doença nas últimas 24 horas. Ao todo, 243.457 pessoas morreram em decorrência da covid-19 desde o início da epidemia no país, e 10.030.626 brasileiros foram infectados.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que as cifras reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

Segundo o Ministério da Saúde, 8.995.246 pacientes haviam se recuperado da doença até esta quinta-feira. O Conass não divulga número de recuperados.

A taxa de mortalidade a cada 100 mil habitantes agora é de 115,9 mortes no Brasil.

Segundo um consórcio da imprensa brasileira, formado por O Globo, Extra, G1, Folha de S. Paulo, UOL e O Estado de S. Paulo, até a noite de quarta-feira mais de 5,4 milhões de pessoas haviam recebido a primeira dose da vacina contra a covid-19 – o número é mais baixo que o de terça-feira pois Pará e São Paulo revisaram e diminuíram os dados informados anteriormente.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 27,8 milhões de casos, e da Índia, com 10,9 milhões. Mas é o segundo em número absoluto de mortos, atrás dos EUA, que têm mais de 492 mil óbitos.

Ao todo, mais de 110 milhões de pessoas já contraíram o coronavírus no planeta, e 2,4 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença.

Deutsche Welle Brasil, em 18.02.2021

Sem vacina e sem economia

Vacina é hoje um insumo essencial para retomada econômica, mas Jair Bolsonaro mostra-se incapaz de entender essa verdade

Sobram máquinas e equipamentos parados, enquanto a economia rasteja, e há mão de obra ociosa em todo o País, por causa do desemprego, mas falta vacina para conter a covid-19 e abrir espaço a uma recuperação mais ampla. Vacina é hoje um insumo essencial para uma firme retomada econômica na maior parte do mundo, como têm dito e repetido dirigentes do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e de outras instituições multilaterais. Vacinação foi um dos primeiros assuntos mencionados pela economista Ngozi Okonjo-Iweala logo depois de anunciada, na segunda-feira, sua escolha para dirigir a Organização Mundial do Comércio (OMC). O presidente Jair Bolsonaro mostra-se incapaz, até hoje, de entender essa verdade simples.

“O aumento do número de casos de covid-19 representa um risco do processo de recuperação econômica”, segundo o Boletim Macro, edição de janeiro, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Essa incerteza, somada a outros fatores, como a suspensão do auxílio emergencial, levou a uma redução das expectativas em relação ao ritmo da atividade neste início do ano. Economia fraca no primeiro semestre e crescimento a partir do segundo compõem o cenário apresentado no boletim.

Risco de recessão, com recuo do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro e no segundo trimestres, é apontado por vários analistas mencionados nesta segunda-feira em reportagem do Estado. Outras equipes, pouco mais otimistas, projetam retração no período de janeiro a março e baixo crescimento nos três meses seguintes.

A melhora do quadro, em todos os casos, é associada a um possível ganho de impulso da vacinação, depois de um começo muito lento e muito mal preparado pelas autoridades federais. Sinais de escassez de vacinas em vários municípios, incluídas grandes capitais, comprovam a escandalosa inépcia do ministro da Saúde, estrito cumpridor de ordens do presidente da República.

O ano terminou com um Natal fraco, queda de 6,1% nas vendas do varejo, setor de serviços ainda estagnado e a indústria avançando mais devagar que nos meses anteriores. Nada sugere maior atividade no início de ano nem melhora significativa no mercado de emprego (14 milhões de desocupados, 14,1% da força de trabalho, no período setembro-novembro, segundo os últimos dados). A disposição de empresários e consumidores, no começo de ano, reflete esse desempenho medíocre, ou abaixo disso, da economia brasileira.

Em janeiro, o Índice de Confiança do Consumidor medido pela FGV caiu pela quarta vez seguida e atingiu o menor nível desde junho, quando se recuperava da queda recente. O Índice de Confiança do Empresário caiu, igualmente, em relação ao nível de dezembro.

Também a Confederação Nacional da Indústria detectou menor disposição do empresariado. O Índice de Confiança do Empresário Industrial caiu 1,4 ponto entre janeiro e fevereiro, na segunda queda consecutiva, e chegou a 59,5 pontos. Manteve-se na área positiva, acima de 50 pontos, mas a piora de humor desde o início do ano se agravou.

Medíocre talvez seja uma palavra suave para qualificar o desempenho econômico previsto, nas instituições financeiras e nas principais consultorias, para 2021. A mediana das últimas projeções ficou em 3,43%. Para isso, no entanto, bastará a economia manter a atividade alcançada no trimestre final de 2020, 3,14% superior à do período de julho a setembro, segundo o índice estimado pelo Banco Central.

Sem o auxílio emergencial, mais de 17 milhões de pessoas caem de novo no estado de pobreza, ampliando para cerca de 62 milhões o contingente de indivíduos com renda diária inferior a US$ 5,50. Passada a Quarta-feira de Cinzas, o governo ainda espera do Congresso medidas para restabelecer, em condições mais limitadas, o socorro financeiro abandonado, por falta de previsão e de planejamento, na virada do ano. Quanto às demais condições necessárias à sustentação da economia, continuam obscuras. Quando se trata de previsão e de planejamento, estão empatados, ou quase, os Ministérios da Economia e da Saúde.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de São Paulo, em 18 de fevereiro de 2021 

Acuado, ‘bolsonarismo’ mira seu maior inimigo

Uma pergunta inquieta ministros do STF, políticos e analistas experientes: por que o “bolsonarismo”, via Daniel Silveira, resolveu desferir ataque tão direto à Corte neste momento? 

No arrazoado das hipóteses, quatro prevalecem: 

1) para reaglutinar forças, rebocando, inclusive, o núcleo militar até a confusão; 

2) esquentar os ânimos de sua tropa no Congresso rumo à queda de braço final pelo controle da CCJ; 

3) testar os limites do Judiciário; 

4) por fim, pelo puro diversionismo, a velha cortina de fumaça, em meio ao desastre da vacinação e da pandemia.

A ver. Cotada para a poderosa CCJ, a bolsonarista Bia Kicis manteve a cautela. Em privado, porém, aliados de Jair Bolsonaro usaram a decisão do STF para tentar despertar o corporativismo ao reforçar a necessidade de ter no comando da comissão alguém com coragem de peitar a Corte, única “oposição” real ao presidente atualmente.

A ver 2. Do outro lado da trincheira, leitura diferente: por ora, o episódio atrapalha os planos de Bia.

Dona Bela. Dentro do PT, o grupo que “só pensa naquilo” vê uma boa chance de alisar ministros do STF defendendo prisão e punição exemplar a Silveira. No horizonte, claro, sentenças favoráveis a Lula.

É… Aliados de Arthur Lira tentam convencer Alexandre de Moraes a trocar a prisão por medida cautelar. Com isso, os deputados não teriam de ir para a votação no plenário da Câmara.

…ruim, hein? Porém, um interlocutor do ministro Luiz Fux chamou de “desgastante” qualquer tentativa de acordo. A decisão da Corte foi contundente.

Fatura. Questionado sobre o futuro, Marco Aurélio Mello disse à Coluna: “Não há afronta alguma, é o sistema democrático, de freios e contrapesos. Agora, é claro que a Câmara presta contas ao povo brasileiro”.

Nova direção. Lira marcou diferença de estilo para com Rodrigo Maia: o atual presidente da Câmara evitou arroubos e não quis ser protagonista do episódio.

Coluna do Estadão, ( O Estado de São Paulo), em 18 de fevereiro de 2021 

Após 11 a 0 no Supremo, deputados mudam estratégia e já falam em manter prisão de Silveira

Avaliação entre líderes partidários é que a Câmara não tem mais como votar de forma a contrariar uma decisão unânime da Corte

A votação unânime no Supremo Tribunal Federal (STF) e a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) forçaram deputados aliados ao governo Jair Bolsonaro e ao presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), a rever a estratégia para tentar livrar o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) da cadeia. Após o placar, a avaliação entre líderes partidários é que a Câmara não tem mais como votar de forma a contrariar uma decisão que agora é de onze ministros. 

Na noite desta quarta-feira, 17, a tese era adiar ao máximo a votação do caso do plenário para que o deputado passe, ao menos, o final de semana preso. A mais predominante é votar para acatar o mandado de prisão. A Mesa Diretora da Câmara protocolou uma representação contra Silveirano Conselho de Ética, abrindo caminho para a cassação do parlamentar

A Câmara foi notificada oficialmente apenas nesta quarta da prisão efetuada na noite anterior em Petrópolis, região serrana do Rio de Janeiro. A prisão seria analisada nesta quarta-feira, mas depois ficou acordado transferir a apreciação para quinta-feira ou sexta-feira. Com isso, o caso só seria analisado após a audiência de custódia, marcada para as 14h30, por meio virtual. Até lá, os advogados de Silveira vão ingressar com pedidos de relaxamento de prisão. Se conseguirem questionar o “flagrante”, a Câmara não precisaria deliberar sobre a prisão.

Um deputado do Progressistas disse ao Estadão, reservadamente, que “toda a articulação veio por água abaixo” após o placar de 11 a 0 no plenário do STF. Nem o ministro indicado por Bolsonaro, Kassio Nunes Marques, votou a favor do deputado governista. Com a ofensiva da PGR, a situação ficou ainda mais complicada. 

Integrantes da equipe econômica mandaram recados para o presidente da Câmara preocupados que essa discussão possa prejudicar a votação de medidas importantes para o País, como a retomada da discussão do auxílio emergencial e as reformas. Segundo o Estadão apurou, o argumento de que a Câmara não pode perder tempo com uma agenda envolvendo um deputado extremista, em detrimento de toda uma pauta necessária para a retomada da economia, convenceu parlamentares a votar pela prisão e encerrar o assunto o quanto antes.

Líderes de partidos e articuladores do Centrão vinham sendo contatados por Lira, por telefone. O líder do governo, Ricardo Barros (Progressistas-PR), chegou a anunciar que votará pela libertação de Silveira, mas disse que a prisão não é “assunto de governo”, tentando isolar sua posição do Palácio do Planalto. Publicamente, Bolsonaro manteve distância do choque entre os poderes Legislativo e Judiciário. Como o Planalto trabalha nos bastidores, vice-líderes do governo também tentavam sensibilizar parlamentares.

Alguns deputados, irritados com o grupo de militantes bolsonaristas radicais que apoia Silveira e pressiona Lira e Bolsonaro, aconselharam o presidente da Câmara a não se envolver na articulação. Um correligionário de Lira no Progressistas disse que ele atrairia para si posições radicais e fortaleceria a ala ideológica, um grupo descrito pelos deputados como “totalitário” e que atacava até pouco tempo os parlamentares do Centrão e ministros do Supremo. 

Até mesmo a eleição de Bia Kicis (PSL-DF) para a presidência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) ficou prejudicada com aumento da resistência no Centrão – ela é do mesmo grupo de Silveira.

Felipe Frazão, O Estado de São Paulo, em 17 de fevereiro de 2021