terça-feira, 19 de janeiro de 2021

‘Não vou dizer que eu sou um excelente presidente’, diz Bolsonaro

Sob críticas por causa da atuação do governo no combate à pandemia, presidente diz, porém, que está 'cumprindo uma missão' e que ‘tem gente querendo voltar' às administrações anteriores

 Pressionado por críticas ao enfrentamento da pandemia da covid-19 e alvo de novos pedidos de impeachment, o presidente Jair Bolsonaro afirmou hoje, 19, que não pode dizer que é um “excelente presidente”. Ele disse, contudo, estar “cumprindo uma missão” e fez referência a gestões anteriores.

“Não vou dizer que eu sou um excelente presidente. Mas tem muita gente querendo voltar o que eram os anteriores. Já reparou? É impressionante. Estão com uma saudade de uma..., disse para apoiadores nesta manhã, sem concluir a frase.

Presidente Jair Bolsonaro Foto: Eraldo Peres/AP

A fala do presidente ocorre em meio a pressões sobre o governo federal devido à atuação no combate à pandemia da covid-19. A sobrecarga do sistema de saúde em Manaus (AM) e a falta de oxigênio em hospitais afetaram a imagem do governo e do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que já adota tom defensivo em seus discursos. Na sexta-feira, o governo de Bolsonaro foi alvo de panelaços em todo o País.

A crise em Manaus motivou partidos de oposição, que somam 119 deputados, a apresentarem novo pedido de impeachment contra Bolsonaro. Rede, PSB, PT, PCdoB e PDT pedem que o presidente seja responsabilizado política e criminalmente pela situação no Amazonas e por sua conduta de desacreditar medidas de proteção durante a pandemia. O pedido se soma a outros cerca de 60 entregues à Câmara dos Deputados desde o início do mandato de Bolsonaro.

O atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), descartou um possível processo de impeachment neste momento. Na segunda-feira, 18, ele afirmou, contudo, que não descarta a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no futuro para investigar as ações do governo no enfrentamento do novo coronavírus.

A aprovação do uso emergencial da vacina contra a covid-19 também foi vista como um derrota para o governo. A Coronovac, produzida pela chinesa Sinovac e pelo Instituto Butantan, foi alvejada por Bolsonaro durante seu desenvolvimento.

Ao longo da pandemia, Bolsonaro questionou a origem da vacina, colocou em dúvida a segurança do imunizante e chegou a comemorar a interrupção dos testes da Coronavac nas redes sociais. O imunizante foi desenvolvido pelo Instituto Butantan, ligado ao governo paulista, liderado por seu adversário político, João Doria (PSDB).

Emilly Behnke, O Estado de São Paulo, em 19 de janeiro de 2021 | 14h54

‘Bolsonaro faz bravata perigosa e se dirige a escalões inferiores e às PMs’, diz historiador

José Murilo de Carvalho diz que declaração do presidente sobre democracia e Forças Armadas ‘é veneno para as corporações militares’ e que ele ‘não se dará bem’ se desafiar hierarquia militar

Entrevista com José Murilo de Carvalho, historiador:

Uma bravata perigosa. Assim o historiador José Murilo de Carvalho classifica a declaração do presidente Jair Bolsonaro apontando nas Forças Armadas o poder de determinar se o Brasil é uma democracia ou uma ditadura. 

Embora admita que o que mandatário afirmou é em parte verdadeiro – considera que a República brasileira é tutelada pelos quartéis –, o pesquisador avalia que ele não fala pelos altos comandos de Marinha, do Exército e da Aeronáutica. 

E aponta um risco nas atitudes do presidente. Ele, afirma, se dirige aos escalões inferiores da hierarquia castrense e às polícias militares. Para o professor, trata-se de uma “violação da hierarquia”.

“É veneno para as corporações militares”, preocupa-se. “Para o historiador, Bolsonaro “fracassou” na “guerra da vacina” e tenta retomar protagonismo”. Mas não conseguirá bom resultado se tentar envolver os fardados e desafiar a sua hierarquia, adverte José Murilo, que diz que na pandemia Bolsonaro “lutou do lado errado”.

A seguir, as principais trechos da José Murilo ao Estadão:

O historiador José Murilo de Carvalho  Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO - 2/12/16

Onde o presidente Bolsonaro quer chegar quando diz que depende das Forças Armadas se o Brasil vai ser uma democracia ou uma ditadura?

A declaração é contraditória. Dizer que a democracia depende das Forças Armadas é dizer que já não há democracia, o que em parte é verdade na medida em que temos uma república tutelada. Só teremos uma república democrática quando ela não depender de apoio militar. A república norte-americana passou por uma crise séria, sem que os militares se manifestassem. 

Essa declaração é apenas uma bravata ou há uma ameaça real de golpe, com possibilidade de se concretizar?

É uma bravata perigosa. Ele fala em “nós militares”,  colocando-se como porta-voz do grupo, o que ele certamente não é. Pela lei, quem fala pelos militares são seus comandantes. Se falasse como presidente, chefe das Forças Armadas seria ainda pior, porque estaria colocando a presidência como defensora de um grupo social. A bravata é perigosa para ele por estar usurpando a autoridade dos comandantes das três forças. 

Em sua avaliação, Bolsonaro tem apoio das Forças Armadas, no seu todo ou em parte, para esse tipo de declaração?

Como já indicou o comandante do Exército, general (Edson) Pujol, aliás colega dele na AMAN, quando condenou a politização das Forças Armadas, ele (Bolsonaro) não fala em nome delas. O presidente tem feito um jogo perigoso ao se dirigir a escalões inferiores da hierarquia militar e às polícias militares. Essa violação da hierarquia é veneno para as corporações militares.

Bolsonaro tenta usar as Forças Armadas como “espantalho” contra um eventual processo de impeachment?

Se for o caso, acho que será mais um erro político, um tiro que poderá sair pela culatra por estar comprometendo as Forças Armadas com seu projeto político pessoal. Esse envolvimento não interessa às Forças Armadas que vêm tentando fugir à acusação de que estamos diante de um  governo militar e não apenas de um governo com militares. 

O que explica que Bolsonaro sempre volte à temática e ao imaginário da ditadura, já que ela é passado distante e ele, que ainda não era militar profissional no período mais duro do autoritarismo, deve à democracia a eleição para a Presidência?

O cadete Bolsonaro, número 531, cujo apelido era Cavalão, frequentou a AMAN de 1974 a 1977, em plena ditadura. Teve como instrutores oficiais que lutaram contra a guerrilha do Araguaia montada por militantes do PCdoB, chamados por Bolsonaro em 2009 de “cambada comunista”. Está no livro de Luiz Maklouf Carvalho sobre ele, página 34. A paranoia anticomunista dele nasceu ali e no caso dele, como no de muitos outros militares, continua viva, agora talvez mais como jogada política. 

Declarações desse tipo seriam uma tática do presidente, lançando uma polêmica quando está em desvantagem na opinião pública para desviar a atenção e ocupar o noticiário, como agora, com os problemas que cercam a pandemia, a tragédia de Manaus e ameaça de impeachment? 

É certamente tática de despistamento. A obsessão dele, como era a de Trump, é a reeleição. Ele vai inventar tudo que possa compensar as perdas. 

Diante dessas novas declarações, podemos esperar uma nova fase de radicalização, por parte do presidente?

Ele fracassou redondamente na guerra da vacina e procura voltar à tona. Mas não se dará bem se quiser envolver as corporações militares desafiando sua hierarquia.

Poderemos voltar a 2020, com manifestações apoiadas por Bolsonaro pedindo fechamento do Congresso e do STF?

Se tentar, terá o destino de seu líder norte-americano, sobretudo se os outros dois poderes da República se comportarem com maior responsabilidade. As pessoas estão cansadas da luta contra a pandemia, em que ele lutou do lado errado. 

Wilson Tosta, O Estado de São Paulo, em 19 de janeiro de 2021 | 15h27

Com atraso nos insumos, Fiocruz adia para março entrega de vacinas de Oxford produzidas no País

Em ofício encaminhado ao MPF, fundação diz que, mesmo com recebimento de matéria-prima em janeiro, processo de produção e testes de qualidades irão durar mais de um mês; promessa anterior era entregar primeira remessa no início de fevereiro.
 
Com o atraso na chegada de insumos vindos da China, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) adiou de fevereiro para março a previsão de entrega das primeiras doses da vacina Oxford/AstraZeneca que serão produzidas no Brasil. A informação sobre a nova data está em ofício da Fiocruz encaminhado nesta terça-feira, 19, ao Ministério Público Federal (MPF) ao qual o Estadão teve acesso. A mudança deve dificultar ainda mais a execução do plano nacional de imunização contra a covid-19, que já sofre com incertezas quanto à importação dos insumos para a produção da Coronavac.

Falta de matéria-prima para Coronavac e vacina de Oxford ameaça atrasar imunização no Brasil

O MPF tem apurações abertas desde dezembro para acompanhamento das estratégias de vacinação contra a doença. No último dia 11, o órgão enviou ofício à presidência da Fiocruz com questionamentos sobre o cronograma de entrega tanto dos 2 milhões de doses prontas que serão importadas da Índia quanto do quantitativo que terá sua fabricação finalizada no Brasil pela Fiocruz, a partir da importação do ingrediente farmacêutico ativo (IFA) de uma parceira da AstraZeneca na China.

No ofício de resposta, assinado pelo diretor do Instituto Biomanguinhos, Mauricio Zuma Medeiros, a Fiocruz informa que o primeiro lote do IFA tem chegada prevista para 23 de janeiro, "ainda aguardando confirmação", e que as primeiras doses produzidas com essa matéria-prima deverão ser entregues ao Ministério da Saúde somente no início de março.

A Fiocruz justifica ser necessário mais de um mês para o fornecimento das doses pois, além do tempo de produção do imunizante a partir do IFA, as doses fabricadas nacionalmente precisarão passar por testes de qualidade que demorarão quase 20 dias.


Vacina contra Covid-19 desenvolvida pela AstraZeneca e Universidade de Oxford  Foto: Timur Matahari/AFP

"Estima-se que as primeiras doses da vacina sejam disponibilizadas ao Ministério da Saúde em início de março de 2021, partindo da premissa de que o produto final e o IFA apresentarão resultados de controle de qualidade satisfatórios, inclusive pelo INCQS (Instituto Nacional de Controle da Qualidade em Saúde). Importa mencionar que o período de testes, relativos ao controle de qualidade, está estimado em 17 dias, contados da finalização da respectiva etapa produtiva, acrescidos de mais 2 dias de análise pelo INCQS", disse a Fiocruz no ofício.

O documento deixa claro, portanto, que, se o IFA não chegar em janeiro ou se os insumos ou produtos finais não passarem nos testes de qualidade, esse prazo de entrega pode ser esticado ainda mais.

A promessa anterior, feita pela fundação no fim de dezembro, era entregar o primeiro lote de vacinas produzidas no Brasil na semana do dia 8 de fevereiro. Seriam 1 milhão de doses distribuídas entre os dias 8 e 12 de fevereiro. A partir de 22 de fevereiro, a fundação entregaria 700 mil doses diariamente. Pela estimativa anterior, portanto, o Brasil teria ao menos 5,9 milhões de doses garantidas para o mês que vem. A fundação prometia ainda entregar 100,4 milhões de doses até o fim do primeiro semestre.

Vacinas da Fiocruz

Em ofício, Fiocruz prevê entrega das primeiras doses da vacina ao Ministério da Saúde somente em março Foto: Reprodução
O ofício também traz a informação de que os lotes de insumos serão entregues de forma escalonada, a cada duas semanas, num total de 30 remessas com insumos suficientes para a produção dos 100,4 milhões de doses. "A chegada do primeiro lote do IFA está prevista para o dia 23/01/2021, mas ainda aguardando confirmação, e, a partir desta data, serão entregues mais 30 (trinta) lotes, em intervalos de 2 semanas, resultando na quantidade suficiente para a produção de 100,4 milhões de doses da vacina acabada", diz. 

A Fiocruz também afirma já estar com uma linha de envase pronta para entrar em funcionamento a partir da chegada do IFA e que uma segunda linha entrará em operação em março. O atraso no envio dos IFAs deve-se a um bloqueio do governo chinês na exportação de insumos para a produção de vacinas.

Não é possível precisar data para a chegada das doses prontas da Índia, diz fundação
No ofício enviado ao MPF, a Fiocruz informa ainda não saber a data de envio dos dois milhões de doses prontas que serão importadas do Serum Institute da India. A importação de doses prontas foi uma estratégia adotada pelo Ministério da Saúde para tentar antecipar o início da vacinação com o imunizante de Oxford/AstraZeneca. A estimativa era trazer as doses ao Brasil na semana passada, mas a operação foi frustrada pelo governo indiano, que não autorizou o envio da remessa.

"No presente momento, não é possível precisar a data de chegada das doses da vacina Covishield aqui no Brasil. Isto porque, embora a carga contendo essas doses já esteja disponível, negociações diplomáticas, entre os governos da Índia e do Brasil, ainda se encontram pendentes de ajuste final para autorização do processo de envio para o Brasil. Por fim, destacamos que o agente de cargas já foi contratado e aguarda apenas autorização para a operacionalização do transporte para o Brasil", diz o ofício da Fiocruz.

Questionada pelo Estadão sobre a mudança no prazo de entrega das primeiras doses ao Ministério da Saúde, a Fiocruz afirmou que a carga de insumos está "pronta para embarque", aguardando liberação de autorização governamental para exportação e que ainda não é possível confirmar a data de chegada do IFA. "As instalações da Fiocruz estão prontas para iniciar a produção, apenas aguardando a chegada desses insumos", disse a fundação, em nota. A Fiocruz afirmou ainda que "um cronograma detalhado da produção será divulgado em breve".

Também procurada pela reportagem, a AstraZeneca afirmou que "está trabalhando atualmente para apoiar o desenvolvimento da produção no Brasil de 100,4 milhões de doses da vacina e liberar os lotes planejados de IFA para a vacina o mais rápido possível". 

O Estadão também entrou em contato com o Serum Institute da India, mas a assessoria de imprensa da empresa informou que não poderia comentar o assunto.

Fabiana Cambricoli, O Estado de São Paulo, em 19 de janeiro de 2021 | 18h20

Brasil tem 1.192 mortes por covid-19 em 24 horas

País confirma ainda mais de 62 mil novos casos de coronavírus. Total de mortos passa de 211 mil, enquanto soma de infectados chega a 8,57 milhões.

Praias lotaram no Rio no fim de semana

O Brasil registrou oficialmente nesta terça-feira (19/01) 1.192 mortes ligadas à covid-19, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) e do Ministério da Saúde.

Também foram registrados 62.094 novos casos confirmados da doença. Com isso, o total de infecções oficialmente identificadas no país subiu para 8.573.864, enquanto os óbitos chegaram a 211.491 desde o início da epidemia.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

Ao todo, 7.518.846 pacientes se recuperaram da doença no país, segundo dados do Ministério da Saúde. O Conass não divulga número de recuperados.

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes está em 100,6 no Brasil, a 22ª mais alta do mundo, quando desconsiderados os países nanicos San Marino, Andorra e Liechtenstein.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 24,1 milhões de casos, e da Índia, com 10,5 milhões. Mas é o segundo em número de mortos, já que mais de 400 mil pessoas morreram em território americano.

Em todo o mundo, mais de 95,9 milhões de pessoas já contraíram o coronavírus. O planeta superou ainda a marca de 2 milhões de mortes em decorrência da doença na última sexta-feira.

Deutsche Welle, em 19.01.2021, há 1 hora.

Os problemas jurídicos do cidadão Donald Trump

Investigações criminais e processos bloqueados pela imunidade presidencial estão à sua espera quando ele se tornar ex-presidente, na quarta-feira

O presidente Trump na Casa Branca, em uma foto de arquivo. /  EVAN VUCCI / AP

Donald Trump não perdeu só as eleições de 3 de novembro. Perdeu também a imunidade. A Constituição dos Estados Unidos, que detalha como o Congresso pode destituir um presidente “por delitos e faltas graves” através do processo de impeachment, guarda silêncio sobre a possibilidade de submeter o mandatário a um processo penal nos tribunais. Há décadas, entretanto, o Departamento de Justiça segue a doutrina, expressa em dois memorandos vinculantes de 1973 e 2000, de que um presidente não pode ser processado no exercício do mandato. Após deixar a Casa Branca, porém, essa proteção desaparece. Processar um ex-presidente seria um passo sem precedentes nos Estados Unidos. Mas o julgamento no Senado por incitação à insurreição, depois que a Câmara de Representantes (deputados) aprovasse nesta semana o impeachment do presidente, é apenas um dos problemas jurídicos que aguardam o cidadão Donald Trump. Estes são os principais casos e investigações em torno do republicano, que se tornará ex-presidente na próxima quarta-feira:

Fraude fiscal no Estado de Nova York. A principal nuvem no horizonte judicial de Donald Trump é soprada por Cyrus Vance, promotor do distrito de Manhattan. O inquérito que ele move há dois anos constitui a única investigação penal aberta atualmente contra Donald Trump. Como o promotor ocupa um cargo eletivo estadual, e não federal, o processo não depende da vontade política do Governo Biden nem seria afetado por um eventual autoperdão presidencial. A investigação está travada desde setembro, quando o presidente solicitou bloquear a entrega de suas declarações tributárias e outros documentos solicitados —um litígio sobre o qual a Suprema Corte deve se pronunciar em breve. Pouco se sabe das investigações do Ministério Público, porque estão cobertas pelo sigilo do procedimento de júri de instrução. Mas, na documentação da batalha pela obtenção das declarações fiscais de Trump, a equipe de Vance falou de “uma ampla e prolongada conduta criminal na Organização Trump” e sugeriu que investiga diversos potenciais crimes financeiros, de fraude contra seguro a evasão de impostos, passando por fraude bancária.

Incitação à insurreição. Depois que hordas de trumpistas invadiram o Capitólio, em 6 de janeiro, a Câmara de Representantes (deputados) aprovou nesta semana o segundo impeachment de Donald Trump, por “incitação à insurreição” —o que nos EUA não leva ao afastamento imediato do cargo. Agora caberá ao Senado fazer o julgamento político do caso. Isso quase certamente só ocorrerá após o final do seu mandato, mas um veredicto condenatório, com o voto de pelo menos 67 dos 100 senadores, poderia dar lugar a uma segunda votação (desta vez com maioria simples dos presentes) para proibir Trump de disputar outro cargo eletivo federal no futuro. À margem do processo no Congresso, a incitação à insurreição constitui crime federal. Mas o Departamento de Justiça teria que abrir um processo separado para puni-lo.

Obstrução à Justiça. O promotor especial Robert Mueller, após dois anos de investigações sobre a trama russa que terminaram em março de 2019, não encontrou provas de que Donald Trump tenha conspirado diretamente com a Rússia para manipular a eleição de 2016, mas evitou inocentá-lo do crime de obstrução da Justiça. Detalhou numerosos episódios que, segundo um promotor da sua equipe, constituem “provas suficientes” de que Trump obstruiu o trabalho da Justiça. Mas acusar Trump “não era uma opção”, explicou Mueller, porque não se pode denunciar formalmente um presidente enquanto ele está no cargo. Uma vez fora da Casa Branca, o Departamento de Justiça poderia decidir ressuscitar a investigação e processar Trump, o que desataria um terremoto político.

Financiamento ilegal de campanha. Durante a primeira campanha presidencial de Trump, sacudida pelas gravações em que o candidato se gabava de agarrar mulheres pela genitália sem seu consentimento, seu ex-advogado e facilitador Michael Cohen organizou uma trama para desviar dinheiro da campanha e comprar com ele o silêncio de uma atriz pornô e uma modelo da Playboy que teria mantido relações sexuais com o candidato. Cohen foi condenado em 2018 a mais de três anos de prisão por financiamento ilegal de campanha, mas alegou ter agido com ordens do hoje presidente. O Ministério Público não fez acusações contra Trump, provavelmente em cumprimento da mencionada doutrina do Departamento de Justiça, mas poderia fazê-las quando ele deixar a presidência. Um dos fatores que enfraquecem a acusação é a escassa credibilidade da principal testemunha, o próprio Cohen.

Fraude fiscal federal. Quase oculta hoje sob a sucessão de acontecimentos históricos que marcaram a política norte-americana nos últimos meses, o The New York Times soltou em 27 de setembro uma bomba informativa em plena campanha eleitoral: Donald Trump pagou apenas 750 dólares de imposto de renda em 2016, ano em que foi eleito presidente, e absolutamente nada em 10 dos últimos 15 exercícios. Em meio à enxurrada de informações revelada pelo jornal, após acessar registros fiscais de duas décadas, há deduções chamativas, como 70.000 dólares por seus próprios gastos com cabeleireiro no seu programa de televisão, ou milionários e turvos pagamentos a título de consultoria, alguns dos quais para sua filha Ivanka. Se os promotores estimarem que ele deliberadamente tratou de fraudar o Estado, poderiam formalizar acusações contra Trump, e a autoridade tributária também pode cobrar eventuais impostos que tenha deixado de pagar.

Fraude imobiliária. Há outra investigação aberta, no Departamento de Justiça do Estado de Nova York, sob o comando de Letitia James, para apurar se a empresa familiar de Trump mentiu sobre a avaliação de seus bens imobiliários para garantir empréstimos ou benefícios fiscais. A investigação, por enquanto, é de natureza civil, mas James poderia mudá-la para penal a qualquer momento se detectar evidências de conduta criminal.

Violação da cláusula sobre emolumentos. Há três ações contra Trump —duas de autoria de congressistas e secretários de Justiça democratas, e outra por um coletivo independente— por suposta violação da chamada cláusula dos emolumentos, inscrita na Constituição. Ela proíbe o presidente de receber presentes de Governos estrangeiros, algo que consideram que o presidente fez ao aceitar o dinheiro que autoridades da Arábia Saudita e outros países gastaram em reservas do hotel de Trump em Washington, transformado em centro de poder desde sua chegada à capital. Mas o objetivo dessas ações era principalmente obrigar Trump a se desligar de seus negócios privados, e uma vez que seu mandato termine é provável que sejam arquivadas.

Ações por fraude movida por sua sobrinha. A psicóloga Mary Trump, filha do falecido irmão mais velho do presidente, é uma feroz crítica de seu tio, a quem define como “o homem mais perigoso do mundo” em seu livro Too Much and Never Enough (“demais e nunca o suficiente”, inédito no Brasil), um best-seller que retrata a tóxica família que deu origem ao 45º presidente dos Estados Unidos. Em setembro, a autora moveu uma ação contra o tio por conspirar com seus irmãos para extorqui-la, utilizando documentos falsos e outras artimanhas para privá-la de milhões de dólares da herança do pai do presidente. Trump alega que sua sobrinha violou uma cláusula de confidencialidade que assinou ao aceitar o acordo sobre o testamento.

Ação por difamação movida por Jean Carroll. Escritora e colunista muito lida, Carroll relatou em uma antecipação do seu livro, publicado na revista New York em junho de 2019, que o hoje presidente supostamente a estuprou numa loja de departamentos de Manhattan em meados dos anos noventa. Trump respondeu que Carroll mentia, que ele nem a conhecia e que ela não era seu “tipo”. Carroll então a processou por difamação. O Departamento de Estado tentou neutralizar a ação, alegando que seus comentários eram parte do seu trabalho como presidente e propondo, portanto, que o Governo substituísse Trump como réu —o que levaria ao arquivamento da ação, já que o Governo não pode ser acusado de difamação. Um juiz federal deve se pronunciar em breve sobre a proposta de substituição.

Ação por difamação movida por Summer Zervos. Zervos, participante do programa de televisão de Trump, The Apprentice, relatou pouco antes das eleições de 2016 que o hoje presidente a beijou e colocou a mão em seus seios quando ela foi lhe pedir conselhos sobre sua carreira, em 2007. Trump negou a acusação e chamou Zervos de mentirosa, o que a levou a mover uma ação por difamação em 2017.

PABLO GUIMÓN, de Washington, DC, para o EL PAÍS em 18 JAN 2021 - 17:08

Guia da posse de Joe Biden e Kamala Harris

A cerimônia será realizada sem desfiles, com número reduzido de convidados e sob estritas medidas de segurança devido às ameaças de violência e à pandemia


Uma enorme bandeira ocupará o lugar do público na posse de Biden como presidente dos EUA.ALEX BRANDON / AP

O Governo de Joe Biden e Kamala Harris nos Estados Unidos começa nesta quarta-feira ao meio-dia de Washington (14h de Brasília). A cerimônia posse do presidente e da vice-presidenta − a primeira mulher a ocupar o cargo − será realizada na capital americana sob as mais estritas medidas de segurança, forçadas pela pandemia e pelas ameaças de grupos de extrema direita depois do ataque do dia 6 ao Capitólio. Também será a primeira transferência de poder desde 1869 em que o presidente não estará presente para passar o cargo ao seu sucessor. Mais de 10.000 membros da Guarda Nacional já foram mobilizados na cidade para a cerimônia. Até esta quarta-feira esse total deve chegar a 25.000, o dobro do número de militares utilizados nas cerimônias passadas. As autoridades da capital pediram que as pessoas de outros lugares não viajem à cidade para a posse, afirmando que é melhor acompanhar o evento pela televisão. Aqui estão algumas informações sobre um dia histórico:

Como será a cerimônia?

Biden, que se tornará o 46º presidente dos Estados Unidos, insistiu que a cerimônia seja realizada ao ar livre, uma tradição que começou em 1865 com Andrew Jackson como mandatário. A equipe do democrata propôs que o juramento fosse transferido para o interior do Capitólio devido aos riscos representados pela pandemia e pelas ameaças de grupos extremistas. No entanto, o evento será realizado nas escadarias da parte oeste do complexo que abriga o Congresso americano, como ocorre desde a posse de Ronald Reagan, em 1981. Prevê-se que Donald Trump viaje de Washington para a Flórida na manhã desta quarta. Ele deve voar antes do meio-dia, pois depois já não poderá utilizar o Air Force One.

Os eventos públicos foram limitados. Não haverá o tradicional desfile pela Avenida Constituição. Nem o baile inaugural, porque o centro de convenções onde costuma ser realizado foi transformado em um hospital de campanha para atender pacientes com covid-19. O número de convidados que presenciarão o juramento foi reduzido. No palanque montado nas escadarias, Biden fará seu primeiro discurso, voltado para a reunificação do país. Não haverá público na esplanada do National Mall, fechada aos pedestres. Os organizadores ocuparam esse espaço, onde tradicionalmente são realizadas grandes manifestações, com quase 200.000 bandeiras dos Estados do país, representando aqueles que não poderão comparecer.

Quem estará presente?

Além dos membros da Câmara dos Representantes, do Senado e do Gabinete, apenas um pequeno grupo de convidados poderá assistir presencialmente ao evento. Os ex-presidentes Barack Obama, George W. Bush e Bill Clinton comparecerão acompanhados por Michelle Obama, Laura Bush e da ex-candidata presidencial Hillary Clinton. O ex-presidente Jimmy Carter, de 96 anos, não viajará a Washington pela primeira vez desde que deixou a Casa Branca, em 1981. Ao contrário de Trump, o vice-presidente em fim de mandato Mike Pence irá às escadarias do Capitólio.

Biden prestará juramento com uma Bíblia que está em sua família desde o final do século XIX. Leo O’Donovan, um sacerdote jesuíta que foi presidente da Universidade de Georgetown, fará a oração inaugural. O’Donovan e Biden são velhos conhecidos. O padre conduziu o funeral de Beau Biden, filho do ex-vice-presidente, falecido em 2015. As homenagens à bandeira ficarão a cargo de Andrea Hall, comandante de bombeiros de South Fulton, Geórgia.

A cantora pop Lady Gaga será a encarregada de cantar o hino nacional. Ela disse estar honrada por participar desse acontecimento histórico. Em seguida, haverá uma leitura de poesia de Amanda Gorman, jovem escritora afro-americana cuja obra enfoca o feminismo e questões raciais. Ele disse à imprensa local que seu poema terá o objetivo de abrir “um novo capítulo de dignidade, integridade, esperança e unidade nos Estados Unidos”.

O show musical da cerimônia de posse ficará a cargo de Jennifer Lopez. Na segunda-feira foi confirmado que o ídolo country Garth Brooks também participará das celebrações. “Não é uma declaração política. É uma declaração de unidade”, disse o músico em entrevista coletiva. Quatro anos atrás, Brooks evitou cantar para Donald Trump, mas em 2009 cantou para o início da era Obama.

O especial de televisão

Pela primeira vez desde 1949, não haverá baile inaugural. Como praticamente todos os eventos públicos do mundo nestes tempos de pandemia, o baile será virtual. O ator Tom Hanks apresentará a partir das 20h30 (22h30 de Brasília) um programa repleto de estrelas, que incluirá números musicais de Justin Timberlake, Jon Bon Jovi, Demi Lovato e Ant Clemons.

Também participarão do especial de 90 minutos Bruce Springsteen, Foo Fighters e John Legend. A equipe de transição de Biden afirma que a cerimônia será transmitida pelas grandes redes de televisão dos Estados Unidos e pelas plataformas do YouTube, Facebook, Twitter e Twitch.

LUIS PABLO BEAUREGARD, de Washington, DC, para o EL PAÍS, em 19 JAN 2021 - 17:16.

Brasil só tem vacinas para 4% de toda população prioritária e enfrenta desafio múltiplo para ampliar estoque

Primeiro lote distribuído aos Estados deve vacinar 2,8 milhões de pessoas. Além de gargalo na importação, especialistas recomendam negociação com outros fabricantes de imunizantes.

Mesmo com atrasos, o Brasil começou a vacinar grupos prioritários contra a covid-19 em vários Estados, mas ainda enfrenta um grande desafio para conseguir ampliar o quantitativo de doses necessário para viabilizar, de fato, uma imunização em massa. O primeiro lote que começou a ser distribuído nesta segunda-feira deve ser suficiente para vacinar, com o protocolo recomendado de duas doses, apenas 2,8 milhões de pessoas, segundo estimativas do próprio Ministério da Saúde, que considera no cálculo a fatia que pode ser perdida por problemas durante a operação de logística. Isso corresponde a 4% dos 68,8 milhões de usuários dos grupos prioritários estabelecidos no Plano Nacional de Imunização (PNI), que foram enxugados neste primeiro momento diante da escassez de doses. O país entra em desvantagem para disputar no cenário global tanto a aquisição dos insumos para produzir os imunizantes aqui quanto para comprar doses prontas, inclusive de outros fabricantes. No momento, o principal gargalo é a importação, da China, da matéria prima para a produção local das duas vacinas já aprovadas pela Anvisa, a do Butantan/Sinovac e da Fiocruz/Oxford/AstraZeneca.

Brasil precisa de mais que uma vacina para evitar múltiplos colapsos como o de Manaus

O ministério orienta começar a aplicar as doses disponíveis nos idosos que vivem em asilos, pessoas com deficiência internadas, profissionais de saúde da linha de frente e indígenas aldeados. Mas isso pode ser adaptado na ponta pelos Estados, que podem priorizar mais um ou outro grupo desses conforme a realidade local. Até a noite desta segunda-feira, a vacina havia chegado a dez Estados, além do Distrito Federal: Tocantins, Piauí, Ceará, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Goiás. Veículos que transportavam caminhões foram aplaudidos em alguns locais, um símbolo do sopro de esperança em meio a uma pandemia que já matou mais de 210.000 brasileiros e levou sistemas de saúde ao colapso. A vacina chega depois do ano mais mortal da história do Brasil, segundo os registro da associação de cartórios.

Apesar do alento deste momento com a chegada dos imunizantes ―o primeiro passo rumo ao controle da pandemia―, pesquisadores e até a Organização Mundial da Saúde têm destacado que o início da vacinação no Brasil não deve estimular os brasileiros a relaxarem os cuidados preventivos, como uso de máscaras e distanciamento social. Isso porque o país vive um agravamento da pandemia e ainda é longo o caminho tanto para que o país consiga doses suficientes para vacinar seus mais de 200 milhões de habitantes quanto para que se alcance a imunidade de rebanho (proteção coletiva ao vírus). O vice-presidente Hamilton Mourão afirmou nesta segunda-feira que o país pode ter 70% da população vacinada até o fim do ano.

O Ministério da Saúde estima chegar a 354 milhões em 2021, mas conta com doses que ainda serão fabricadas. Já existem contratos com a AstraZeneca/Fiocruz, o Butantan e o consórcio global Covax Facility, no qual o Brasil aderiu com a menor cota de doses possíveis de solicitar. Mas o cumprimento dos cronogramas de entrega, inclusive das doses que serão produzidas pelo Butantan e pela Fiocruz, dependem neste momento do cenário global de disputa tanto pelos insumos para produzir o imunizante quanto pelas doses prontas.

Por enquanto, estão sendo distribuídas 6 milhões de doses da Coronavac, aprovada neste domingo pela Anvisa para uso emergencial. O Governo Bolsonaro espera receber mais 2 milhões de doses da vacina de Oxford ―cujo uso emergencial também foi autorizado e que nos próximos meses deve ser produzida pela Fiocruz―, mas enfrenta dificuldades para conseguir consolidar a importação delas, que virão da produção da Índia. “Não há resposta positiva de saída até agora. Nós estamos contando com essas 2 milhões de doses para que a gente possa atender mais ainda a população”, admitiu o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que espera um desfecho nesta semana.

Dificuldade para importar insumos para a vacina

O Butantan já solicitou à Anvisa uma autorização para usar emergencialmente mais 4,8 milhões de doses prontas ou que estão sendo envasadas em São Paulo. Se por um lado a produção local nos laboratórios locais é uma importante arma brasileira, preocupa a dificuldade que Butantan e Fiocruz enfrentam para conseguir importar os insumos da China necessários para manter a produção dos próximos meses e conseguirem cumprir os cronogramas de entrega. Os acordos feitos pelo Governo Federal e pelo Governo de São Paulo com os laboratórios preveem transferência de tecnologia para que este insumo passe a ser produzido no país, mas é uma fase posterior, que só deverá ocorrer no segundo semestre.

Neste momento, há dependência dos insumos e atrasos preocupantes. A Fiocruz aguarda a chegada do IFA (Ingrediente Farmacêutico Ativo) da China para iniciar a produção, segundo a Folha de S. Paulo. Isso deve acontecer até 25 de janeiro e, caso não se consolide, o contrato prevê a entrega de doses prontas. O cronograma da Fiocruz prevê a entrega de 1 milhão de doses até 15 de fevereiro e deve chegar a 100,4 milhões de doses até julho. Já o Butantan aguarda há dias a autorização do Governo chinês para que o insumo possa ser enviado ao Brasil. Segundo o presidente do instituto, Dimas Covas, o IFA disponível só é suficiente para a produção desta semana. “A capacidade de produção do Butantan é de 1 milhão de doses por dia, a depender chegada da matéria-prima. [A capacidade] foi atingida neste momento com a matéria-prima disponível”, explicou em coletiva de imprensa. A embaixada do Brasil na China foi acionada para ajudar nas negociações. O Butantan precisa do insumo para conseguir entregar um total de 46 milhões de doses da Coronavac ao ministério até abril.

Necessidade de seguir negociando compras

“O que temos hoje são gotas dentro do oceano diante da magnitude territorial e populacional do Brasil”, define Melissa Palmieri, membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Imunizações - Regional São Paulo. Ela diz que, apesar da capacidade de produção nacional, o país não pode se furtar de continuar negociando para adquirir outros tipos de vacinas diante da gravidade da crise sanitária e de problemas que podem atrasar a produção nacional, como a falta de insumos. Praticamente toda a população precisará ser vacinada para que o país chegue à imunidade coletiva, ou de rebanho. Questionado sobre as negociações para comprar 70 milhões de doses da Pfizer, o ministro Eduardo Pazuello disse apenas que “na hora que o laboratório trouxer propostas plausíveis, sou o primeiro a comprar”. Não falou sobre planos de comprar outras vacinas. O imunizante da Janssen, por exemplo, é apontado por especialistas como uma boa opção, caso os estudos confirmem eficácia com apenas uma dose, o que simplificaria a logística.

“Por enquanto, precisamos trabalhar full time para manter a negociação com outros laboratórios. Só podemos começar a desestressar quando a maioria da população estiver vacinada”, diz Palmieri. O secretário da Saúde de São Paulo, Jean Gorinchteyn, que tem defendido publicamente a necessidade do país adquirir mais vacinas, endossa o coro. “Precisamos de vacinas para vacinar em massa. Se não vacinarmos, ainda teremos o caos no nosso sistema de saúde. Isso só resolve com o impacto da vacinação, especialmente nos grupos prioritários”, argumenta.

A vacina chega a outros Estados do Brasil

O Governo Federal distribuiu as primeiras 6 milhões de doses de forma proporcional à população de grupos prioritários dos Estados. A meta da campanha é vacinar, com duas doses, os 2,8 milhões que têm prioridade nesta fase ― que inclui idosos que vivem em asilos, pessoas com deficiência internadas, indígenas aldeados e cerca de 35% dos profissionais de saúde do país. Após um mal-estar gerado pela decisão do governador de São Paulo, João Doria, em arrancar com a imunização no próprio domingo para angariar o capital político da primeira foto, governadores viajaram até Guarulhos para receber simbolicamente as doses pessoalmente do ministro Pazuello. A única vacina disponível no momento é fruto de uma iniciativa do Governo paulista, mas as doses foram adquiridas pelo Governo Federal ―cuja atuação foi marcada por uma certa inércia― após uma longa batalha ideológica.

A previsão era de iniciar uma campanha nacional na quarta-feira (20), mas governadores pressionaram para começar a vacinar antes, já que São Paulo havia se antecipado. A segunda-feira foi, então, de esforço logístico para fazer os imunizantes chegarem aos Estados. Durante o dia, aviões e caminhões transportavam toneladas de doses pelo país. Lotes foram fracionados para tentar acelerar a chegada das primeiras doses nas capitais e cidades metropolitanas e foram registrados alguns atrasos. O Rio de Janeiro começou a aplicar as doses no simbólico Cristo Redentor. Governadores se articulam agora em uma força-tarefa para fazer as doses chegarem aos municípios nos próximos dias. Na semana passada, vários deles já haviam começado a distribuir seringas, agulhas e refrigeradores às cidades do interior. O Governo do Amazonas ―Estado que vive uma crise sem precedentes no seu sistema de saúde e concentra também grandes dificuldades logísticas― reuniu nesta segunda (18) autoridades de saúde do interior e as preparava para uma “longa noite” de recebimento de vacinas.

Tudo foi feito às pressas. Só depois que aviões levantaram voo para a distribuição das doses no extenso território nacional, o Governo publicou uma portaria determinando a obrigatoriedade da notificação da vacinação nos seus sistemas. A aplicação de doses começou antes de todos os detalhes da campanha nacional estarem ajustados, embora a estratégia central já viesse sendo discutida com Estados e municípios. O Governo Federal ainda testa, por exemplo, um painel para colocar no ar o balanço da distribuição das vacinas e das doses aprovadas. Mas o mínimo estava pronto para começar a vacinar no país, que tem o seu programa de vacinação como referência global. Estima-se que 50.000 postos estejam aptos para vacinar, quando as doses começarem a chegar. Os municípios agora são os maiores protagonistas da campanha. São eles que executam a vacinação nas mais longínquas regiões do país.

BEATRIZ JUCÁ, de São Paulo para EL PAÍS, em 19 JAN 2021 - 21:20

A sucessão de erros que levou à crise de oxigênio em Manaus

Falta de coordenação entre autoridades, reação lenta e incentivos à circulação de pessoas enquanto nova variante circulava fizeram o ar faltar em hospitais. Ministério Público apura responsabilidades pelas mortes.

Funcionário carrega corpo de vítima da covid-19 em Manaus

O governo Bolsonaro admitiu que o Ministério da Saúde sabia desde o dia 8 sobre a escassez de oxigênio em Manaus

A falta de oxigênio medicinal em Manaus, que provocou a morte de vários pacientes de covid-19 e obrigou a remoção de dezenas para outros estados, chocou o Brasil e outros países ao mostrar pessoas morrendo por asfixia no meio da floresta que produz oxigênio em abundância.

A crise do gás chegou às manchetes na quinta-feira (14/01), mas já era do conhecimento dos governos federal e estadual e da empresa responsável pelo fornecimento ao estado dias antes de eclodir. O resultado trágico revelou falta de coordenação e decisões erradas de autoridades que menosprezaram o perigo da pandemia e de uma nova cepa do vírus, mais transmissível, em circulação na capital manauara, segundo especialistas ouvidos pela DW Brasil.

Manaus foi a primeira capital brasileira fortemente afetada pelo coronavírus, em abril e maio de 2020, quando a cidade enfrentou explosão de casos, superlotação de hospitais, e cemitérios abrindo valas comuns para enterrar as vítimas da doença. A partir de junho, o número de casos caiu, mas voltou a subir em setembro e se acelerou em dezembro.

Com os dados em mãos que apontavam para um novo colapso, o governador do estado, Wilson Lima (PSC), editou em 23 de dezembro um decreto determinando o fechamento do comércio não essencial a partir do dia 26 de dezembro e proibindo eventos comemorativos. O presidente Jair Bolsonaro definiu a medida como absurda e, no dia que as restrições entrariam em vigor, protestos contra as novas regras bloquearam vias da cidade. Lima, que é próximo do presidente, voltou atrás em sua decisão e autorizou que o comércio seguisse funcionando.

Enquanto boa parte da população seguia se expondo a contatos sociais, uma nova cepa do vírus, com uma mutação na proteína usada para se conectar a células humanas que o torna mais transmissível, circulava por Manaus. Como previsto, a combinação de comércio funcionando, festas de final de ano e a nova cepa do vírus fez a situação explodir em janeiro.

A falta de oxigênio

Antes da pandemia, o consumo diário de oxigênio medicinal no Amazonas era de cerca de 14 mil metros cúbicos, plenamente atendido pela única fabricante do gás no estado, a White Martins, cuja planta, em condições normais, é capaz de produzir 25 mil metros cúbicos por dia. A capacidade local de produção é determinante porque a capital do Amazonas não é ligada ao resto do país por estradas pavimentadas, e suprimentos devem chegar por balsa ou avião.

Durante o primeiro pico de internações, no primeiro semestre de 2020, o consumo de oxigênio alcançou 30 mil metros cúbicos por dia, mas não houve escassez devido ao estoque do produto e a outras duas empresas menores que também distribuem o gás no estado, a Carbox e a Nitron. Após a emergência de abril e maio, o consumo de oxigênio no Amazonas voltou à casa dos 15 mil metros cúbicos por dia.

Em 23 de novembro do ano passado, a Secretaria de Saúde do Amazonas previu que a demanda pelo gás cresceria devido à alta dos casos de covid-19 e que o contrato do governo com a White Martins não seria suficiente para atendê-la, conforme afirma um projeto para compra adicional de oxigênio revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo. Apesar do ofício dos técnicos da pasta, o governo não buscou um novo contrato ou questionou a White Martins sobre sua capacidade de produção.

O alerta se confirmou. A rápida alta de casos e internações por covid-19 pressionou a demanda por oxigênio no estado, que em janeiro chegou a 76,5 mil metros cúbicos por dia, 51,5 mil metros cúbicos a mais do que a planta da White Martins era capaz de produzir.

Em nota ao Estado de S. Paulo, a White Martins informou que, até o dia 30 de dezembro, "não havia indícios de aumento exponencial do consumo de oxigênio em Manaus", e que em 1º de janeiro  a empresa tinha em estoque oxigênio para suprir os hospitais da capital por sete ou oito dias no nível de consumo verificado em dezembro.

Segundo a empresa, a situação começou a ficar dramática em 2 de janeiro. Nesse dia, a White Martins percebeu "um crescimento anormal" do consumo de oxigênio e iniciou uma operação para trazer o gás de suas plantas em outros estados. Em 4 de janeiro, a companhia começou a deslocar estoques de oxigênio para Manaus por balsa, a partir de Belém.

Em 7 de janeiro, a empresa informou o governo do Amazonas sobre a impossibilidade de seu fornecimento acompanhar o aumento da demanda dos hospitais. A DW Brasil questionou a White Martins se houve alguma comunicação anterior a essa data, mas não houve resposta até a publicação deste texto.

Ritmo da reação

Após a eclosão da crise, a Secretaria de Saúde do Amazonas informou que, antes do dia 7 de janeiro, desconhecia que a capacidade máxima produtiva da planta de Manaus da White Martins era de 25 mil metros cúbicos por dia. E o governador disse que o consumo de oxigênio do estado saltou de 15 mil para 75 mil metros cúbicos em menos de 15 dias.

Em 8 de janeiro, o Ministério da Saúde foi informado que a produção de oxigênio em Manaus não daria conta de suprir a demanda dos hospitais. Ou seja, o governo federal soube com seis dias de antecedência que a crise eclodiria. A informação consta de um ofício enviado pela Advocacia-Geral da União (AGU) ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) começaram a transportar cilindros de oxigênio em gás para Manaus no dia 8, em quantidade muito inferior à demanda diária. A forma mais eficaz de transporte de oxigênio é na forma líquida, que demanda mais requisitos de segurança para o transporte aéreo, iniciada apenas no dia 13. Segundo a FAB, cada litro de oxigênio líquido corresponde a cerca 860 litros de oxigênio gasoso, após ser convertido nos hospitais.

Entre os dias 11 e 13 de janeiro, o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, esteve em Manaus para, entre outros pontos, promover o tratamento precoce contra a covid-19 com remédios como a cloroquina e a ivermectina, que não têm eficácia comprovada. No dia 11, em evento em Manaus, Pazuello afirmou que tinha conhecimento da crise do oxigênio da cidade naquele momento: "Estamos vivendo crise de oxigênio? Sim", disse.

Naquele momento, o estado seguia recebendo quantidades de oxigênio muito inferiores à demanda diária. No dia 11, chegaram a Manaus 50 mil metros cúbicos de oxigênio em gás de Belém por balsa, e no dia 13, 22 mil metros cúbicos em gás por via aérea.

A crise eclodiu no dia 14, quando o estoque de oxigênio acabou em diversos hospitais de Manaus, e pacientes internados por covid-19 morreram. Um médico local disse à imprensa que pelo 41 pessoas haviam morrido devido à falta do gás, mas o número não foi confirmado pela Secretaria de Saúde estadual. O Ministério Público do Estado apura a quantidade de mortes.

A pressão nacional para levar mais oxigênio a Manaus cresceu. A White Martins conseguiu elevar sua produção diária na cidade para 28 mil metros cúbicos; no domingo (17/01) a FAB centralizou o transporte de oxigênio líquido a partir de Brasília para ganhar agilidade; e uma carreta com 107 mil metros cúbicos de oxigênio doados pela Venezuela chega à capital manauara nesta terça-feira (19/01).

Familiares enfrentam filas para conseguir encher cilindros para pacientes sob cuidados domésticos

Responsabilidades envolvidas

A gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) é compartilhada entre prefeituras, estados e governo federal, e o envolvimento de cada nível de governo nos leitos para pacientes de covid-19 varia de acordo com o país.

Em Manaus, a prefeitura tem um papel minoritário no atendimento desses pacientes, segundo João Otacilio Libardoni dos Santos, professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e conselheiro do Conselho Estadual de Saúde do Amazonas. O poder municipal não gerencia leitos de internação da doença, e os hospitais públicos que atendem aos infectados pelo coronavírus são administrados pelo estado e pelo governo federal.

Na avaliação de Santos, houve falta de planejamento do governo estadual e do governo federal, que reagiram de forma "lenta e desorganizada" à crise. Ele afirma que o estado não fiscalizou de forma efetiva o cumprimento das regras que disciplinam o funcionamento do comércio na pandemia e relaxou as medidas de distanciamento social no momento errado.

Outro aspecto que contribuiu para o colapso, afirma, foi o "negacionismo" sobre a gravidade da pandemia e da necessidade de medidas de distanciamento, tanto no nível estadual como no federal. "A proposta de lockdown [em dezembro] tinha que ter sido mantida. Já havia dados indicando que o caos iria se instaurar, temos um vírus agora que demonstra contaminar mais", diz.

Santos diz que o risco de desabastecimento de oxigênio em Manaus ainda existe, e que na segunda-feira (18/01) familiares dos pacientes ainda enfrentavam filas "de 6 a 10 horas" para conseguir encher cilindros para pacientes sob cuidados domésticos. "Todo o oxigênio que está chegando está suprindo a demanda imediata. Não temos um quadro tranquilo nem estável, a quantidade de internações continua aumentando", diz.

Vanja dos Santos, conselheira do Conselho Nacional de Saúde e moradora de Manaus, afirma que a falta de coordenação entre os níveis municipal, estadual e federal contribuiu para o caos e que têm faltado recursos para o sistema de saúde local.

Ela também culpa autoridades estaduais e federais pela desinformação a respeito da covid-19, o que teria incentivado a população a circular como se não houvesse pandemia. E diz que a redução do valor do auxílio emergencial a partir de outubro e seu fim, em janeiro, estimula as pessoas a saírem de casa para buscar renda.

O Ministério Público do Estado do Amazonas está apurando as responsabilidades pelas mortes por falta de oxigênio nos hospitais. No sábado (16/12), os promotores solicitaram informações sobre o caso à White Martins e ao governo do Amazonas, bem como a identificação das pessoas que morreram devido ao colapso no fornecimento do gás nos hospitais.

Em outra ação cautelar, ajuizada no dia 14 pelo Ministério Público do Estado em conjunto com o Ministério Público Federal, o Ministério Público de Contas, a Defensoria Pública do Estado e a Defensoria Pública da União, os autores afirmam que cabe à União coordenar as atividades do SUS, e que os três níveis de governo respondem conjuntamente pela assistência à saúde.

Jogo de empurra das autoridades

No dia 12, dois dias antes da eclosão da crise e ciente dos problemas no fornecimento do gás, Bolsonaro responsabilizou o governo do Amazonas e a prefeitura de Manaus por "deixar acabar" o oxigênio que seria destinado aos pacientes de covid-19, ao conversar com apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada.

O presidente também afirmou que Pazuello tinha ido à cidade para "interferir" na gestão da crise e que a situação de saúde na capital manauara estava "um caos". E disse que a cidade não estava aplicando o "tratamento precoce" contra a covid-19, que não tem comprovação científica, o que segundo ele teria contribuído para a situação dramática.

Em transmissão ao vivo em redes sociais no dia 14, ao lado do presidente, Pazuello afirmou que o governo federal estava contribuindo com soluções para a falta de oxigênio, mas que a responsabilidade pela ação em Manaus era do governo e da prefeitura. E voltou a recomendar o tratamento precoce para combater a covid-19. Na segunda-feira (18/01), em entrevista coletiva em Brasília, Pazuello isentou o governo federal de responsabilidade pela crise em Manaus. "Fizemos tudo o que tinha de fazer", disse.

O governador do estado, Wilson Lima, tem afirmado que não sabia das limitações de produção de oxigênio antes do dia 7, e que sua gestão tem feito o possível para contornar a falta do gás. Nesta segunda-feira, ele participou da entrevista ao lado de Pazuello e agradeceu, "em nome do povo do Amazonas", o "empenho" do ministro e de sua equipe para tentar solucionar a falta de oxigênio no estado.

No dia 14, o recém-empossado prefeito de Manaus, David Almeida (Avante), afirmou que a falta de oxigênio nos hospitais de Manaus era decorrência do isolamento geográfico da cidade e da falta de estradas pavimentadas que a conectassem ao resto do país. No dia seguinte, à rede CNN, afirmou também que a rede pública manauara seria "refém do monopólio" da White Martins no estado.

Deutsche Welle, em 19.01.2021, 

Índia exclui Brasil do início das exportações de vacina

Governo indiano anuncia que começará a entregar doses do imunizante de Oxford para seis países. Brasil sequer é mencionado em nota, apesar de governo Bolsonaro alegar que receberá vacina nos próximos dias.

Caixa com doses da vacina da AstraZeneca-Oxford contra covid-19

Maior produtor de vacinas do mundo, Instituto Serum fabrica imunizante da AstraZeneca-Oxford na Índia

O governo da Índia anunciou nesta terça-feira (19/01) que iniciará a exportação de vacinas contra a covid-19 nesta quarta-feira. O Brasil não aparece na lista dos seis países que receberão os primeiros lotes.

Em comunicado, o Ministério do Exterior indiano afirma que recebeu muitos pedidos para o fornecimento das doses produzidas em seu território, que são da vacina desenvolvida pela farmacêutica anglo-sueca AstraZeneca e a Universidade de Oxford. 

"Em resposta a esses pedidos, e mantendo o comprometimento de usar a produção de vacinas da Índia e capacidade de entrega para ajudar a humanidade a combater a pandemia de covid-19, os fornecimentos da concessão de ajuda para o Butão, Ilhas Maldivas, Bangladesh, Nepal, Myanmar e Ilhas Seychelles começarão em 20 de janeiro", diz o texto.

A nota cita ainda que aguarda confirmações de autoridades regulatórias do Sri Lanka, Afeganistão e Ilhas Maurício para a exportação das doses. Apesar de o governo de Jair Bolsonaro afirmar há mais de uma semana que deve receber em breve o imunizante da Índia, o Brasil sequer é mencionado no comunicado.

O texto também diz que os países deverão receber o imunizante em etapas nas próximas semanas e meses, mas ressalta que será garantido o fornecimento interno antes da exportação.

Anúncio causa preocupação

De acordo com a agência de notícias Reuters, o primeiro lote exportado da vacina irá para o Butão. Outros 2 milhões de doses serão enviados para Bangladesh. Na Índia, o imunizante da AstraZeneca-Oxford está sendo produzido pelo Instituto Serum, maior fabricante de vacinas do mundo.

A vacina, inicialmente a única aposta do governo Bolsonaro, requer duas doses para atingir sua eficácia máxima de proteção contra a covid-19, e pode ser armazenada em temperatura de geladeira, o que facilita a logística de distribuição.

Segundo o jornal Folha de S. Paulo, o anúncio da Índia causou preocupação no governo brasileiro, que acreditava que poderia receber em breve as doses da vacina. Fontes ouvidas pelo jornal disseram que trabalham com a expectativa de que a carga chegue até o final do mês. Após falhas de comunicação, o governo indiano teria pedido ainda a autoridades brasileiras mais discrição nas negociações.

Apelos do Brasil

A Índia recebeu dezenas de pedidos de várias nações, inclusive apelos urgentes do Brasil, para o início da exportação da vacina. O país asiático, no entanto, aguardava o começo de sua campanha de vacinação interna, que ocorreu no último sábado, para enviar as doses.

Diante da iminência da aprovação de uma vacina contra a covid-19 no Brasil e sem ter nenhuma dose em mãos para o início da campanha de vacinação, em 8 de janeiro Bolsonaro enviou uma carta ao primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, pedindo urgência no envio ao Brasil, para, assim, tentar garantir o protagonismo da imunização.

O pedido de urgência para a importação das doses ocorreu após a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), entidade do governo federal, ter informado que ocorreria um atraso na chegada ao país do insumo necessário para a produção local do inoculante da AstraZeneca. Até o fim do ano, o governo brasileiro espera contar com mais de 200 milhões de doses do imunizante produzidos pela Fiocruz.

Pouco depois, o Ministério das Relações Exteriores afirmou em nota que o Brasil adquiriu as doses do Instituto Serum e que a embaixada brasileira teria feito os preparativos junto às autoridades indianas para receber os lotes. Na semana passada, um avião chegou a iniciar viagem para buscar a vacina no país asiático. Tanto Bolsonaro quanto o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, prometiam a chegada do imunizante em dois dias.

O voo, porém, acabou sendo adiado depois que o governo indiano declarou que não poderia ainda dar uma data para a exportação de doses produzidas no país. "Parece que o Brasil queimou a largada ao anunciar oficialmente o envio de uma aeronave para transportar 2 milhões de doses de vacina", afirmou uma reportagem do jornal indiano Hindustan Times.

Apesar da aparente falta de confirmação do governo indiano, Pazuello continuou insistindo que a vacina deve ser exportada em breve. Numa coletiva de imprensa no final da tarde desta segunda-feira, o ministro havia afirmado que a Índia sinalizou que deve liberar as doses nos próximos dias, além de alegar que a negociação com o país é difícil devido ao fuso horário.

Campanha de vacinação

A campanha de vacinação no Brasil começou nesta segunda-feira com a Coronavac, desenvolvida pela empresa chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, aposta do governo paulista, após a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ter dado autorização ao uso emergencial dos dois imunizantes.

Ao longo do ano passado, a Coronavac foi constantemente desprezada pelo presidente, que chegou a comemorar a morte de um voluntário na fase de testes – num caso sem relação com o estudo – e a suspensão temporária do estudo. "Mais uma que Jair Bolsonaro ganha", afirmou na época.

Em testes realizados no Brasil, a Coronavac obteve uma eficácia geral de 50,38%. O índice indica a capacidade da vacina de proteger contra todos os casos da doença, independente da gravidade.

Já testes preliminares realizados com o imunizante da AstraZeneca-Oxford apontaram eficácia média de 70,4%. Especialistas afirmam, contudo, que os resultados das duas vacinas não podem ser comparados, já que os estudos foram realizados em público diferente e usando métodos e cálculos distintos.

Deustsche Welle, em 19.01.2021, há 1 hora.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

O perigo que nos ronda nas propostas para mudar as PMs

Projeto de lei que busca cooptação das forças policiais pelo presidente somada à irresponsabilidade da política de “armas para todos” coloca em sério risco a democracia no país.

Jair Bolsonaro cumprimenta policial militar do Rio de Janeiro após votar, em novembro de 2020.RICARDO MORAES / REUTERS

Está em curso uma articulação do Palácio do Planalto para a aprovação de um substitutivo do Projeto de Lei 4.363, que visa alterar a legislação sobre o funcionamento das polícias. Tal iniciativa além de constituir um tributo ao corporativismo e à irracionalidade econômica, conspira contra o pacto federativo e representa um real perigo contra a própria democracia.

Ainda hoje a organização das polícias militares é regida pelo Decreto-Lei de 1969, exarada no auge dos anos de chumbo, que visava em última instância o controle das polícias militares estaduais, colocando-as como forças auxiliares do exército e sujeitando-as ao monitoramento da Inspetoria-Geral das Polícias Militares (IGPM), um órgão do Estado-Maior do Exército. Tal base institucional sobreviveu ao processo democrático e —sobre os auspícios das Forças Armadas— permaneceu como um entulho autoritário em plena Constituição Cidadã, em seu artigo 144.

Portanto, a necessidade de um novo regimento das polícias que viesse a substituir a anacrônica legislação e propiciasse a modernização das nossas organizações num ambiente democrático era mais do que esperada. De fato, desde os anos de 1960 o Brasil mudou e houve, paralelamente, uma verdadeira revolução nos modelos institucionais das polícias pelo mundo afora. Mecanismos de gestão por resultados foram introduzidos e a velha ideia da polícia do depois, aquela que funciona reativamente para impor a repressão nas ruas calcadas na filosofia da guerra e do militarismo, foi declarada inoperante e não efetiva, segundo as inúmeras evidências científicas. Os novos modelos passaram a preceituar a parceria entre polícia e comunidade e o uso intensivo da inteligência como orientador das ações de curto e médio prazos para mitigar as causas dos pequenos e grandes crimes nos territórios. Nas nações desenvolvidas democráticas foram instituídos ainda mecanismos de controle das polícias pela sociedade civil, não apenas para identificar e responsabilizar os autores de desvios individuais de conduta, mas os desvios institucionais, em particular o excesso do uso da força, nas conhecidas Civilian Oversight —ou supervisão civil.

O supramencionado substitutivo vai na contramão da história. Esperava-se que uma legislação moderna contemplasse os aspectos singulares do trabalho de polícia e das novas formas organizacionais, que encampassem as ideias descritas no parágrafo anterior. No sentido contrário, inacreditavelmente, sugere-se extemporaneamente uma cópia travestida da organização das Forças Armadas, inclusive com a criação de novas patentes para as polícias militares, como a de tenente-general, major-general e brigadeiro-general. Conforme relata o ex-secretário nacional de segurança pública, o coronel José Vicente, “a evidência da ênfase militarista é clara: nas mais de 11.000 palavras do projeto, a palavra ‘policiamento’ aparece três vezes. A palavra ‘polícia’, que define a principal característica dessas instituições, é grafada 17 vezes, mas ‘militar’ aparece 274 vezes”. Expandindo o dicionário, os termos ‘transparência’, ‘responsabilização’ e ‘avaliação de resultados’ não foram encontrados.

O apreço ao corporativismo extremado fica também evidente na sugestão legislativa. Ao mesmo tempo em que responsabilização, efetividade, contrato de gestão, transparência e controle são figuras alienígenas na proposta, sugere-se que a escolha do comandante-geral da PM seja feita com base em uma lista tríplice dos candidatos mais votados, com mandatos fixos, o que acirraria o processo de politização interna das corporações e dos anseios corporativos. Pior, ao se sugerir que o comandante-geral tenha as mesmas prerrogativas que possui o secretário de Estado, o substitutivo acaba com qualquer possibilidade de gestão executiva pelo Governo do Estado da política de segurança pública e do tensionamento a favor da integração das organizações policiais, um grave problema no Brasil.

É ainda curioso notar que um governo que prega a austeridade fiscal seja patrocinador de tal proposta. Além das novas patentes a serem criadas que geram novos gastos, o documento ainda prevê que “a remuneração dos militares do Distrito Federal, dos Territórios, do ex-Distrito Federal e ex-Territórios será estabelecida em lei federal”, o que tenderia a colocar todas as forças no mesmo patamar de salários do Distrito Federal. Das duas uma, ou a proposta inviabilizaria financeiramente vários estados, ou uma conta salgada seria paga pelo governo federal e por toda a sociedade, sepultando o teto de gastos.

Se não fosse todos os graves problemas apontados acima, a articulação do Governo Federal pela aprovação do substitutivo atenta contra o pacto federativo e coloca em risco a própria democracia. Como já demonstrado na história, governos autoritários tendem a concentrar poder e, especificamente, a controlar as polícias. Já vimos esse filme no Brasil do Estado Novo (1937 a 1945) e do Regime Militar, quando as forças públicas civis foram extintas e seus efetivos incorporados às polícias militares que passaram a ser “forças auxiliares controladas pelo Exército. No plano internacional, um exemplo, como bem lembrou Arthur Trindade, num artigo publicado no Fonte Segura, tal situação ocorreu “na Venezuela, onde a reforma policial de 2006 colocou as 24 polícias estaduais sob controle do presidente da República, além de criar outras 99 polícias municipais, também sob controle do governo bolivariano.” Mais recentemente na Bolívia, o papel da polícia também foi importante no golpe de Estado que tirou Evo Morales do poder.

Depois da invasão do Capitólio, no ápice da tentativa de golpe incentivada pelo Trump, Bolsonaro ameaçou que “Se Brasil não tiver voto impresso em 2022, vamos ter problema pior que os EUA”. Pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) mostrou que adesão dos policiais praças ao bolsonarismo no país gira em torno de 41%. O processo de cooptação das forças armadas e policiais pelo presidente, que já vem de tempo, somada à irresponsabilidade da política de “armas para todos” e ainda a esse passo central para controlar as forças policiais estaduais coloca em sério risco a democracia no país. É urgente a mobilização de todas as forças democráticas contra mais essa excrescência e contra o enorme risco que nos ronda.

DANIEL CERQUEIRA, o autor deste artigo, é doutor em economia, diretor-presidente do Instituto Jones dos Santos Neves e conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Publicado originalmente por EL PAÍS, em 18.01.2021.

Brasil supera marca de 210 mil mortes por covid-19

País confirma 452 mortes em 24 horas e registra ainda mais de 23 mil novos casos de coronavírus. Total de infectados chega a 8,51 milhões.

Corpo de mortos por covid é colocado em contêiner em Manaus 

O Brasil ultrapassou nesta segunda-feira (18/01) a marca de 210 mil mortes por covid-19, ao registrar 452 óbitos ligados à doença em 24 horas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass). Com isso, o total de mortes contabilizados no país chegou a 210.299.

Também foram registrados nesta segunda-feira 23.671 novos casos confirmados da doença. Com isso, o total de infecções oficialmente identificadas no país subiu para 8.511.770.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

Ao todo, 7.411.654 pacientes se recuperaram da doença no país, segundo dados do Ministério da Saúde divulgados no domingo. O Conass não divulga número de recuperados.

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes está em 100,1 no Brasil, a 22ª mais alta do mundo, quando desconsiderados os países nanicos San Marino, Andorra e Liechtenstein.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 24 milhões de casos, e da Índia, com 10,5 milhões. Mas é o segundo em número de mortos, já que mais de 398 mil pessoas morreram em território americano.

Em todo o mundo, mais de 95,3 milhões de pessoas já contraíram o coronavírus. O planeta superou ainda a marca de 2 milhões de mortes em decorrência da doença na última sexta-feira.

Deutsche Welle, em 18.01.2021, há 1 hora

Coronavírus e ‘mentes autoritárias’ são pragas que afligem o Brasil, diz Fachin

Relator da Lava Jato no STF, ministro se tornou principal contraponto de Bolsonaro na Corte após aposentadoria do decano Celso de Mello

O relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, disse nesta segunda-feira, 18, ao Estadão que duas pragas afligem atualmente o Brasil: de um lado, a pandemia do novo coronavírus e suas mutações; de outro, as mentes autoritárias e “suas variações antidemocráticas”. Após a aposentadoria de Celso de Mello, em outubro do ano passado, Fachin se tornou o principal contraponto ao governo do presidente Jair Bolsonaro no STF e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde também atua.

Ao longo das últimas semanas, enquanto Bolsonaro ataca a credibilidade da Justiça Eleitoral e tenta responsabilizar o Supremo pela sua gestão desastrosa para conter a proliferação da covid-19, Fachin tem sido um dos poucos integrantes da Corte a vir a público, fazendo declarações contundentes em defesa do Judiciário, das urnas eletrônicas, dos direitos humanos e da democracia.

Bolsonaro: ‘Quem decide se o povo vai viver em uma democracia ou ditadura são as Forças Armadas’

Nesta segunda-feira, 18, com a imagem desgastada pela demora em iniciar a vacinação contra covid-19, Bolsonaro recorreu a um discurso ideológico e disse que são as Forças Armadas que decidem se o povo vive em uma “democracia ou ditadura”.

Edson Fachin, ministro do TSE e do Supremo Tribunal Federal Foto: Andre Dusek/Estadão

“Quem decide se o povo vai viver em uma democracia ou ditadura são as suas Forças Armadas. Não tem ditadura onde as Forças Armadas não a apoiam”, afirmou ele a apoiadores no Palácio da Alvorada. “No Brasil, temos liberdade ainda. Se nós não reconhecermos o valor destes homens e mulheres que estão lá, tudo pode mudar. Imagine o (Fernando) Haddad no meu lugar. Como estariam as Forças Armadas com o Haddad em meu lugar?”, questionou Bolsonaro, em referência a possível eleição candidato do PT, seu adversário no segundo turno nas eleições de 2018.

Na avaliação de Fachin, quanto à tragédia da pandemia, com a aprovação da “bem-vinda vacina”, dela devem se ocupar cientistas, pesquisadores e profissionais da área da saúde que “estão dando exemplo de seriedade, dedicação e de respeito à ciência”.

“Informação e conhecimento científico são os remédios contra a alucinada e perversa desinformação estimulada e patrocinada por mentes autoritárias, não raro visível em autoridades de elevadas esferas, portadoras de mau exemplo de cuidados de si e dos outros pelo comportamento incompatível com as altas funções que exercem”, afirmou Fachin, em manifestação enviada por escrito à reportagem, sem citar nomes.

Presidente Jair Bolsonaro Foto: Eraldo Peres/AP  

Em meio à corrida pela vacinação dos brasileiros, Bolsonaro tem travado uma disputa política com o governador de São Paulo, João Doria, que iniciou no último domingo a imunização no Estado. Além de permitir que governadores e prefeitos tomem medidas de isolamento social para combater a pandemia, o STF também já deu aval para que os gestores estaduais e municipais imponham restrições a quem recusar a ser vacinado – e impediu que a União requisitasse agulhas e seringas já adquiridas pelo Palácio dos Bandeirantes.

Sobre a segunda enfermidade, a do autoritarismo, Fachin destacou que o remédio está prescrito desde 1988. “Cumpre principalmente ao Supremo Tribunal Federal, nos termos da lei, defender a Constituição. A guarda da Constituição é o dever que impulsiona o Tribunal a responder às demandas que lhe são endereçadas. Não se trata de atuação maximizada”, disse.

“Nesse sentido faz a defesa da Constituição e de seus princípios fundamentais, sendo sua obrigação julgar alegações de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, infrações penais comuns do Presidente da República, infrações penais comuns e crimes de responsabilidade de Ministros de Estado, as causas e os conflitos entre a União e os Estados, e ainda reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões, dentre outros afazeres. Não há crise entre os poderes nem conflito institucional no país. Esfarrapada é a tentativa de criar conflitos e vilipendiar a Constituição”, afirmou o ministro.

As declarações de Fachin foram enviadas ao Estadão após levantamento do jornal apontar que partidos de oposição, alguns com pouca representatividade no Congresso, têm conseguido impor os maiores reveses sofridos pelo Palácio do Planalto no Supremo. Levantamento feito pelo Estadão nas principais ações que contestam decretos, medidas, nomeações e outros atos do governo federal aponta que, nos últimos dois anos, Jair Bolsonaro sofreu 33 derrotas no STF, a maioria delas na análise de casos movidos por adversários políticos.

Uma delas foi imposta pelo Supremo no mês passado, por decisão do próprio Fachin, que suspendeu resolução do governo Bolsonaro que previa imposto zero sobre revólveres e pistolas importados a partir deste ano. Até o dia 5 de fevereiro, a Corte vai decidir no plenário virtual se mantém ou não a decisão do ministro, que atendeu a pedido do PSB.

Ao contrariar Bolsonaro naquela decisão, Fachin frisou que não há um “direito irrestrito ao acesso às armas”, e que cabe ao Estado garantir a segurança da população, e não o cidadão individual. “Incumbe ao Estado diminuir a necessidade de se ter armas de fogo por meio de políticas de segurança pública que sejam promovidas por policiais comprometidos e treinados para proteger a vida e o Estado de Direito”, afirmou o ministro no mês passado, rebatendo uma das principais bandeiras políticas de Bolsonaro.

Agora, na mensagem enviada ao Estadão, Fachin frisou que o dever da Suprema Corte é “defender a Constituição, inclusive direitos, deveres e garantias da ordem tributária”.

“A Constituição brasileira vigente, lei para todos, é a antítese do estado autoritário e de exceção que impôs censura, promoveu tortura e semeou ainda mais a corrupção nas instituições públicas e privadas”, afirmou Fachin. “Democracia acima de tudo, Constituição acima de todos”, finalizou o ministro, em alusão ao slogan de campanha de Bolsonaro em 2018 (“Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”).

Rafael Moraes Moura, O Estado de S.Paulo, em 18 de janeiro de 2021 | 17h42

Congresso reage a fala de Bolsonaro sobre ditadura

Presidente afirmou a apoiadores que Forças Armadas são as responsáveis por decidir se há democracia ou não em um País

 O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse nesta segunda-feira, 18, que a declaração do presidente Jair Bolsonaro de que cabe às Forças Armadas decidir se há democracia ou ditadura em um País é "desrespeito" à Constituição. Segundo o deputado, o Congresso deve se manter independente para enfrentar qualquer ameaça antidemocrática.

"Quem decide se o povo vai viver em uma democracia ou ditadura são as suas Forças Armadas. Não tem ditadura onde as Forças Armadas não a apoiam”, afirmou Bolsonaro a apoiadores pela manhã, no Palácio da Alvorada.

"O presidente flerta mais uma vez com o acirramento na relação com as instituições, o que é muito grave. É uma frase recorrente, muito próximo de estar desrespeitando a Constituição brasileira", disse Maia ao Estadão. "Por isso, cada vez mais precisamos de um Parlamento e de instituições fortalecidas. Com independência, sempre com diálogo e independência, em nome da nossa democracia."

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Foto: MARYANNA OLIVEIRA/AGÊNCIA CÂMARA

A defesa da independência da Câmara é também a principal bandeira do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), candidato de Maia à sua sucessão, para derrotar Arthur Lira (Progressistas-AL), líder do Centrão e nome de Bolsonaro na disputa.

"(A declaração) só reafirma a importância de mantermos a Câmara independente e o Senado independente e fortalecer as instituições do Congresso em relação ao governo federal", completou Maia, lembrando que o presidente já havia feito o mesmo tipo de declaração em 2019, após ser alvo de protestos durante o carnaval daquele ano.

"Agora volta, no meio da pandemia, num sinal do desespero do presidente em relação à completa falta de gestão do seu governo e do seu Ministério da Saúde", afirmou o presidente da Câmara.

'Visão autoritária', diz Serra

A reação de Maia seguiu a de outros integrantes do Congresso, que citaram irresponsabilidade, retrocesso e ameaça ao comentar a fala de Bolsonaro. Ex-governador de São Paulo e ex-chanceler, o senador José Serra (PSDB-SP) foi uma das vozes a se levantar contra o presidente. "Trata-se de uma visão  autoritária em estado puro. Quem quer a democracia é o povo. E às Forças Armadas cabe servir à democracia. Como, aliás, elas têm feito nos últimos anos", afirmou ao Estadão.

Segundo o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) disse à reportagem, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal precisam estar atentos. "Só um cego não percebe o caminho que o presidente está traçando na sua trajetória. É importante e urgente que tanto o Congresso brasileiro quanto o Supremo tomem consciência do que está acontecendo", disse Tasso.  

"Quem zela pela democracia, em primeiro lugar, é o povo, titular da democracia, no uso dos seus direitos políticos", alertou o ex-deputado e ex-ministro da Defesa Raul Jungmann em declaração ao Estadão. "Em segundo lugar, seus representantes e as instituições democráticas. Dentre estas, os Poderes da República, tendo por última rátio Forças Armadas comprometidas com a democracia e a sua defesa, como são as nossas FFAAs",

O deputado Rodrigo de Castro (MG), que assume a liderança do PSDB na Câmara em fevereiro, afirmou que a democracia brasileira precisa ser fortalecida diariamente. "Não há espaço para retrocessos e, sequer, para suposições ou ameaças de que as Forças Armadas poderiam atuar em sentido contrário", disse.

Para o líder do Novo na Câmara, Vinícius Poit (SP),  a fala do presidente enfraquece a democracia brasileira. “O Brasil tem uma democracia jovem, que toda hora é testada. A força das instituições, como o Congresso, o Judiciário e o Executivo, é o que constrói uma democracia sólida. Uma fala como essa do Presidente somente nos enfraquece. As Forças Armadas são importantes para a segurança do nosso País, mas não são elas que decidem se a gente vive em democracia ou ditadura. Quem decide é o povo”, disse ele.

Presidente do principal partido de oposição, Gleisi Hoffmann (PT-PR) atribuiu a declaração a um presidente "acuado".  “Acuado por sua incompetência em proteger o povo. Bolsonaro volta às bravatas ideológicas e flerta com o autoritarismo. Forças Armadas não decidem sobre nossa democracia, elas são subordinadas ao presidente e à Constituição. Vivemos numa democracia e ameaças devem ser refutadas veementemente!”, escreveu Gleisi no Twitter.

 Vinícius Vaflré, O Estado de São Paulo, em 18 de janeiro de 2021 | 18h33

Bolsonaro: ‘Quem decide se o povo vai viver em uma democracia ou ditadura são as Forças Armadas’

Em meio às pressões sobre a atuação do governo durante a pandemia da covid-19, presidente recorreu a discurso ideológico

O presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta segunda-feira, 18, que as Forças Armadas são as responsáveis por decidir se há democracia ou ditadura em um País. Depois da derrota sofrida para o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que deu a largada na vacinação contra a covid-19, e dos problemas de logística para a distribuição do imunizante, Bolsonaro elogiou as Forças Armadas e afirmou que elas foram “sucateadas” como parte de um objetivo para adotar o regime socialista no Brasil.

“Quem decide se um povo vai viver na democracia ou na ditadura são as suas Forças Armadas. Não tem ditadura onde as Forças Armadas não a apoiam”, afirmou o presidente, em conversa com apoiadores, no Palácio da Alvorada. Candidato a novo mandato, em 2022, Bolsonaro sugeriu, ainda, que a situação pode mudar, dependendo do resultado da disputa.

“No Brasil, temos liberdade ainda. Se nós não reconhecermos o valor destes homens e mulheres que estão lá, tudo pode mudar. Imagine o Haddad no meu lugar. Como estariam as Forças Armadas com o Haddad em meu lugar?”, perguntou Bolsonaro, numa referência ao ex-prefeito Fernando Haddad (PT), seu rival na campanha eleitoral de 2018.

Jair Bolsonaro, presidente da República Foto: Gabriela Biló/Estadão

O tom ideológico de Bolsonaro ocorre no momento em que aumentam protestos contra o governo como panelaços, sua popularidade nas redes cai, na esteira da guerra das vacinas, e há pressão política para o impeachment, embora ainda não haja apoio para a medida. Além disso, a ameaça na vai contramão do texto da Constituição. Pela Carta de 1988, as Forças Armadas estão subordinadas ao poder civil e não têm autonomia ou independência para decidir os rumos políticos do País. Trata-se de uma questão pacificada desde o período da redemocratização.

“O pessoal parece que não enxerga o que o povo passa, para onde querem levar o Brasil, para o socialismo. Por que sucatearam as Forças Armadas ao longo de 20 anos? Porque nós, militares, somos o último obstáculo para o socialismo”, afirmou o presidente, que é capitão reformado do Exército.

A declaração de Bolsonaro repercutiu mal no meio político. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), por exemplo, viu um cunho de autoritarismo na fala do chefe do Executivo. “É por isso que precisamos cada vez mais de um Parlamento e de instituições fortalecidas, sempre com diálogo e independência, em nome da nossa democracia”, afirmou Maia. “Eu disse isso em 2019 e, no meio da pandemia, agora volta o desespero do presidente em relação à completa falta de gestão do seu governo e do seu Ministério da Saúde. Isso só reafirma a importância de mantermos a Câmara e o Senado independentes e fortalecer as instituições do Congresso em relação ao governo federal.”

Dois oficiais de alta patente das Forças Armadas, que pediram anonimato por serem da ativa, disseram que os militares querem se distanciar de associações como a que foi feita pelo presidente. Segundo um general do Exército, que já trabalhou em outros governos, em cargos civis, os militares têm de esquecer a política. Para um almirante da Marinha, as Forças estão fazendo de tudo se manter afastado do governo.

Ao falar ontem sobre socialismo, Bolsonaro também dirigiu ironias ao presidente da Venezuela, Nicolas Maduro. “Agora se fala que a Venezuela está fornecendo oxigênio para Manaus. É White Martins, é uma empresa multinacional que está lá também. (...) Se o Maduro quiser fornecer oxigênio para nós, vamos receber, sem problema nenhum. Agora, ele poderia dar auxílio emergencial para o seu povo também. O salário mínimo lá não compra meio quilo de arroz”, afirmou.

Bolsonaro mencionou até mesmo o peso de Maduro para debochar do colega do país vizinho. “Vem uns idiotas, eu vejo aí, elogiando (e dizendo) ‘Olha o Maduro, que coração grande ele tem!’. Realmente, daquele tamanho, 200 quilos, dois metros de altura, o coração dele deve ser muito grande. Nada mais além disso”, provocou o presidente.

Reprise

Não é a primeira vez que Bolsonaro diz que a democracia depende da vontade dos militares, mas, nos últimos tempos, aumentou o tom dessa narrativa. Em março de 2019, apenas dois meses após tomar posse, o presidente disse que havia sido eleito para cumprir uma missão ao lado de “pessoas de bem do Brasil, que amam a Pátria, respeitam a família (...) e querem aproximação de países que têm ideologia semelhante, daqueles que amam a democracia e a liberdade”. Foi nesse momento que ele mencionou o poder dos militares.

“E isso, democracia e liberdade só existem quando a respectiva força armada assim o quer”, afirmou Bolsonaro, no discurso pela passagem do 211.º aniversário da criação do Corpo de Fuzileiros Navais, no Rio, em março de 2019. Na ocasião, ele havia sido duramente criticado por divulgar no Twitter um vídeo com cenas obscenas durante o carnaval.

Apesar do mal estar com a declaração, integrantes do governo disseram, à época, que ele havia sido mal interpretado. Durante uma transmissão ao vivo em rede social, Bolsonaro recorreu, então, ao ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, para explicar a afirmação. “No Brasil, nós devemos às Forças Armadas a nossa democracia e a nossa liberdade, e assim é em todo lugar do mundo”, argumentou ele. 

Redação, O Estado de São Paulo, em 18 de janeiro de 2021 | 15h35Atualizado às 18h49