terça-feira, 17 de novembro de 2020

Eleições Brasil 2020

Bolsonaro respira por aparelhos e sobrevive politicamente refém do acordo com o Centrão

 Quase 150 milhões de eleitores estavam aptos a votar no domingo e eram grandes as incertezas desde o início, em especial por causa da pandemia. Mas a abstenção – uma das grandes preocupações – não atingiu 25% (em 2018 foi de 20,3%). Vencidas as legítimas angústias, foi atendido o chamamento republicano à renovação da representação política em nossas cidades, nos próximos quatro anos.

A covid-19, que matou mais de 165 mil brasileiros, mantém entubado um finalista das eleições em Goiânia. O presidente da República não administrou essa crise com a seriedade exigida, oscilando entre negacionismo dos fatos e sonegação de informações. Isso obrigou a sociedade a pedir proteção ao STF, exigindo dos veículos de mídia a formação de inacreditável consórcio para ser garantido o acesso à informação. A reação a isso foi implacável nas urnas.

Os eleitores paulistanos chancelaram, em contraponto, o empenho do prefeito na gestão da crise da pandemia e da própria cidade, mesmo lutando contra câncer agressivo. Mas ele terá de enfrentar, nesta travessia rumo ao segundo turno, críticas por promessas não cumpridas (afinal, ele é o prefeito), a seu contestado vice e à sua ligação com Doria, com alta rejeição na capital.

Ao mesmo tempo, evidenciando o desbotamento do lulismo e o enfraquecimento do petismo, com a pior votação da história, a esquerda foi representada em São Paulo por um jovem líder oriundo do movimento dos sem-teto. O PSOL se fortaleceu como partido relevante de esquerda hoje no Brasil.

O declínio do lulismo era mais previsível que o do bolsonarismo. Precoce, já que o presidente conquistou o poder há um ano e dez meses, gozando de aparentes índices de aprovação. Bolsonaro respira por aparelhos e sobrevive politicamente refém do acordo celebrado com o Centrão, o qual jurou solenemente em campanha que jamais procuraria. Pode ser, de fato, que sua aprovação se ampare apenas na distribuição do auxílio emergencial, que logo cessará, e que João Santana, no Roda Viva, tenha acertado na premonição quando afirmou que não será reeleito presidente.

Sem rumos na economia, sem compromisso com a agenda anticorrupção, o presidente transmite a nítida percepção de estar perdido. Nossos “líderes” hoje são os presidentes da Câmara e do Senado, investigados, que querem sua reeleição, vedada pela Constituição. Maia não pauta o fim do foro privilegiado e a prisão após a condenação em segunda instância, nem trata como prioridade a reforma político-partidária e as novas medidas contra a corrupção. No entanto, considera natural retroceder em matéria de punição da lavagem de dinheiro e o enfraquecimento da lei de improbidade administrativa, diminuindo e suavizando penas de corruptos.

A votação decadente do filho Carlos para vereador no Rio, que despencou de 106 mil para 70 mil votos de 2016 para cá, apesar da expectativa de crescimento, fala por si. Perdeu a condição de mais votado. Lembremos que há quatro anos Carlos era filho de deputado e hoje é filho do presidente da República.

Candidata a vereadora apoiada pelo presidente em Curitiba teve parcos 936 votos e a famosa Wal do Açaí, de Angra, que mereceu entusiasmado vídeo de apoio, recebeu 238. O sintomático apagamento da publicação no Facebook do presidente onde os apoiava nestas eleições é sinal inequívoco da contundente derrota política.

Nota-se também que o candidato apoiado pelo governador do Pará, Helder Barbalho, investigado por corrupção, foi barrado: seu primo Priante. E a presença de número recorde de negros, de duas pessoas trans, uma pessoa travesti e de mandatos coletivos são excelentes novidades na Câmara de São Paulo e na de Belo Horizonte, onde uma pessoa travesti foi a mais votada.

Pela terceira vez em São Paulo, Russomanno dispara em primeiro e derrete no final. Parece que ele começa embalado pela popularidade televisiva de programas de gosto duvidoso, onde se apresenta como espécie de xerife de consumidor. Nesta campanha chegou a afirmar que moradores de rua estavam mais protegidos da covid-19 por não tomarem banho. Quase foi considerado ficha-suja há alguns anos, escapando no STF, apesar de condenado em 2019 a devolver valores de salários de funcionária da Câmara que servia a sua produtora particular.

Disseminando fake news acerca de prestadores de serviços ao candidato do PSOL, Russomanno foi condenado pela Justiça Eleitoral a retirar vídeos do ar e ainda tentou com insucesso censurar pesquisas, que há mais de 30 anos são divulgadas com a mesma metodologia. Prevaleceu o respeito ao direito à informação. Por muito pouco Arthur “Mamãe Falei” não o deixa em quinto lugar.

O eleitor de São Paulo, como o de Belém, transmitiu recado: não quer fichas-cinzentas nem políticos ligados a eles. As urnas de 2020 nos mostraram sinal amarelo para os pretensos “salvadores da pátria” e disseminadores de fake news, assim como a ascensão do centro.

Em duas semanas o desenho final se consolidará. Esperamos ter debate mais qualificado sobre políticas públicas.

Roberto Livianu, o autor deste artigo, é doutor em Direito pela USP e Procurador de Justiça em São Paulo. Idealizou e preside o Instituto Não Aceito Corrupção. Publicado originalmente por O Estado de São Paulo, edição de 17.11.2020.

A pandemia do ódio, Trump e o Brasil

A governança é arte de promover a amizade entre cidadãos, laço essencial do Estado

Tristes povos os que suportam mal perigos naturais e rompem os laços de sociedade. Coletivos bem constituídos no campo civil enfrentam doenças em melhores condições do que os carentes de elos internos sólidos. Uma via para entender o caso é o livro de Tucídides sobre a catástrofe militar do Peloponeso.

Espartanos invadem o solo onde governa Péricles, cuja política, mesmo apoiada pela Assembleia, enfrenta a desunião social. A pandemia também ameaça o líder. Deixando o poder, logo ele morre como vítima. A narrativa de Tucídides mostra como os atenienses reagem à peste. O mal biológico acelera a fragmentação do regime. No início, “nem os médicos puderam debelar a praga, por ignorância do que era ela. Eles próprios morreram mais rápido pela proximidade dos enfermos” (The Peloponnesian War, tradução de Th. Hobbes, Livro II, 47).

O termo para designar a ignorância dos médicos e sua morte é agnoia (ausência de saber, erro). Cidadãos morrem por agir “normalmente” na moléstia. Muitas lições a passagem traz hoje aos médicos, políticos, militares, empresários, trabalhadores. Raros aprendem com a pandemia política ou biológica. O “normal” reside em ignorar o perigo.

“O aspecto mais terrível da doença é a apatia das pessoas atingidas (...). O contágio ocorre nos cuidados de uns doentes para com os outros e os mata em rebanho. É a maior causa da mortandade, pois se os doentes se abstêm por medo de visitar uns aos outros, todos perecem por falta de cuidados (...). Quem sobrevive com maior frequência se compadece em face dos enfermos e moribundos, pois conhecem a doença por experiência própria e confiam na imunidade. O mal nunca atacaria a mesma pessoa duas vezes com efeitos letais. Eles recebem elogios de todos e, no entusiasmo alegre daquelas circunstâncias, alimentam a esperança frívola de que pelo resto da vida não serão atingidos por outras doenças.”

Quem vive no campo vem para a cidade e perece espremido. Mortos postos em pilhas, cada um enterra os seus como pode. Corpos para serem incinerados são lançados em fogueiras alheias. Não existe a polis, a sociedade, a vergonha (Aidós), o respeito. Mesmo as aves carniceiras fogem dos corpos apodrecidos.

Elias Canetti comenta a passagem de Tucídides para evidenciar o fenômeno das massas que perdem o sentido da vida social e a visão política (Massa e Poder). Quando regimes políticos sucumbem à anomia, doenças oportunistas corroem suas bases e ressurge o estado de natureza. Vemos o interesse de Hobbes pela Guerra do Peloponeso: Tucídides permite entender o pacto proposto no Leviatã. (cf. Mario Ricciardi, Le retour du Léviathan. Peur, contagion, politique). Sob Péricles, brilhante estadista, embora tisnado pela demagogia, Atenas perde forças vitais em razão da inimizade crescente, não apenas em face dos atacantes externos, mas nas lutas internas. Quando a epidemia chega, o corpo cívico já está fragmentado, sem defesas.

A governança é arte de tecer elos entre cidadãos, promover a sua amizade, laço essencial do Estado. Tal doutrina é posta no diálogo Político de Platão. Se, pelo contrário, o dirigente divide as pessoas, a tirania surge com o signo da morte. Segundo Platão, a polis é ligada internamente pela philia. “O maior bem para a cidade é o que a une e a torna una”(República, 462 a-b). Tal elo faz dos múltiplos indivíduos um conjunto poderoso. “Entre amigos tudo é comum” (República 424 a). O Estado pertence a todos e cada um deve respeitar os concidadãos. No século 20 um jurista inverte a tese platônica e proclama que a política é arte de gerar inimigos internos e externos. Carl Schmitt morreu, mas sua doutrina vive em cabeças ignaras e poderosas. “Não se pode razoavelmente negar: os povos se unem conforme a oposição amigo/inimigo. Tal oposição é uma realidade atual e virtual em todo povo que existe politicamente”(Der Begriff des Politischen, 1927).

A passagem foi usada, de modo infeliz, por Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil. Regimes tirânicos criam o inimigo interno, e assim temos o Holocausto e muitos genocídios. Até o fim da vida Schmitt insiste sobre a inimizade política: “Um povo só está seguro de sua identidade quando, de modo claro e sem equívoco, ele tem um inimigo” (Sobre a Tele-democracia, 1970, in Machiavel/Clausewitz).

Se a democracia grega falece com Péricles e ignora os conselhos platônicos, o que poderíamos dizer ontem dos Estados Unidos dominados por Trump e agora da nossa pátria, cujo presidente fomenta a divisão, gera inimigos, despreza a ciência médica e a própria ameaça da pandemia? Os norte-americanos exorcizaram o pesadelo político que desnorteia seu Estado. Será difícil ali retomar a via da comunidade, estratégica para garantir a força de um povo.

Aqui, infelizmente, as portas da UTI democrática se fecham, a moléstia do ódio e da ignorância corroem os pulmões do País E a liderança política não chega ao calcanhar de Péricles... Ou de qualquer outro estadista digno do título. 

Roberto Romano, o autor deste artigo, publicado hoje, originalmente por O Estado de São Paulo, é Professor da INICAMP e autor de "Razões de Estado e outros Estados da Razão". (Editora Perspectiva.)

A política venceu

O eleitorado aparentemente se cansou da gritaria, da leviandade e do cinismo. A política baseada na arte da negociação não só ganhou fôlego, como se mostrou capaz de seduzir as novas gerações.

Há duas maneiras de reagir a uma derrota eleitoral: como um democrata, aceitando os resultados e cumprimentando o vencedor, ou como um autoritário, inventando amalucadas conspirações para denunciar fraude nas urnas e, assim, deslegitimar o eleito. Como era previsível, muitos bolsonaristas, inspirados no ídolo Donald Trump e no presidente Jair Bolsonaro, preferiram o modo antidemocrático de lidar com o desastre eleitoral que sofreram no domingo passado.

Colaborou para criar o clima de maquinação a tentativa de invasão do sistema eletrônico do Tribunal Superior Eleitoral, notícia que causou confusão bem ao gosto do bolsonarismo. A tal invasão, deflagrada sob medida para colocar em dúvida a lisura do pleito, foi neutralizada e não ameaçou em nenhum momento a segurança da votação. Mas nada disso importa para os bolsonaristas, para os quais a simples menção a um “ataque hacker” foi suficiente para dar feição de verdade à patranha segundo a qual as urnas eletrônicas não são confiáveis – como reiterou irresponsavelmente o presidente Bolsonaro um dia depois da esmagadora derrota que sofreu nas urnas.

Sem nenhuma vocação democrática, aos bolsonaristas só resta mesmo recusar-se a aceitar que poucos candidatos apoiados pelo presidente Bolsonaro foram bem-sucedidos. Dos 13 candidatos a prefeito para os quais o presidente fez campanha, somente 2 foram eleitos e outros 2 estão no segundo turno. No Recife, por exemplo, sua candidata, Delegada Patrícia, chegou em quarto lugar; em Manaus, o postulante bolsonarista, Coronel Menezes, ficou em quinto. 

Entre os candidatos a vereador apadrinhados por Bolsonaro, o desempenho não foi muito melhor. Carlos Bolsonaro, enfant terrible do clã, reelegeu-se para a Câmara do Rio, mas perdeu 36 mil votos entre uma eleição e outra. Wal do Açaí, funcionária fantasma de Jair Bolsonaro quando este era deputado federal, adotou o sobrenome do padrinho e contou com declaração oficial de apoio do presidente, mas obteve pífios 266 votos na eleição para a Câmara de Angra dos Reis.

Mas a maior derrota, sem dúvida, se deu na disputa pela Prefeitura de São Paulo, na qual seu candidato, Celso Russomanno, outrora líder das pesquisas com 30%, chegou em quarto lugar, com 10%. Para piorar, os finalistas no segundo turno são o prefeito tucano Bruno Covas, correligionário de seu maior desafeto, o governador João Doria, e o psolista Guilherme Boulos. Qualquer que seja o desfecho, portanto, o maior colégio eleitoral do País estará sob influência de um franco antagonista de Bolsonaro.

Se serve de consolo para o presidente, a performance do lulopetismo não foi muito melhor. O candidato do PT em São Paulo, Jilmar Tatto, carregado nos ombros por Lula da Silva, teve a pior votação da história do partido na capital, ficando num vergonhoso sexto lugar. E os resultados no resto do País foram igualmente decepcionantes, o que complica muito o projeto petista de liderar o movimento antibolsonarista que vai se formando para enfrentar o presidente na eleição de 2022. 

A debacle bolsonarista e lulopetista nas urnas, dois anos depois de terem protagonizado a polarização que enfiou o País numa crise moral sem precedentes, é uma ótima notícia para a democracia brasileira. Significa que a política tem tudo para recuperar o terreno que os arautos da antipolítica julgaram ter conquistado com a vitória de Bolsonaro.

Significa, também, que o eleitorado aparentemente se cansou da gritaria, da leviandade e do cinismo, cujos protagonistas nada têm a oferecer a um País carente de rumo. Diante da devastação causada pela pandemia e ampliada pelo desgoverno de Bolsonaro, a política tradicional – que envolve uma disputa entre as melhores ideias, e não entre as mentiras mais descaradas – volta a ser valorizada. E é de ressaltar a presença de jovens candidatos competitivos em várias partes do País – o que prova que a política tradicional, baseada na arte da negociação, não só ganhou fôlego, como se mostrou capaz de seduzir as novas gerações.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de São Paulo, 17.11.2020


segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Eleitores rejeitam candidatos de Bolsonaro nas capitais

Nomes para os quais o presidente fez campanha ou que tiveram aval público dele, como Russomano e Crivella, derrapam nas eleições municipais. Baixa popularidade e falta de partido dificultaram construção de alianças.

A maior parte dos candidatos a prefeito de capitais apoiados pelo presidente Jair Bolsonaro foi derrotada no primeiro turno das eleições municipais, realizadas neste domingo (15/11). Apenas Marcelo Crivella (Republicanos), no Rio, e Capitão Wagner (Pros), em Fortaleza, passaram ao segundo turno, que será realizado daqui a duas semanas, em 29 de novembro.

Os outros nomes que tiveram o aval público do presidente mas estão fora da disputa são Celso Russomanno (Republicanos) em São Paulo, Coronel Menezes (Patriota) em Manaus, Bruno Engler (PRTB) em Belo Horizonte, Marcelo Crivella (Republicanos) no Rio e Delegada Patrícia (Podemos) no Recife.

No final de agosto, Bolsonaro declarou que não iria apoiar candidatos a prefeito no primeiro turno, pois isso atrapalharia o seu trabalho como presidente. "Decidi não participar, no primeiro turno, nas eleições para prefeitos em todo o Brasil. Tenho muito trabalho na Presidência da República e, tal atividade tomaria todo meu tempo em um momento de pandemia e retomada da nossa economia”, afirmou, em mensagem em suas redes sociais.

Nos meses seguintes, porém, o presidente passou a pedir votos para alguns candidatos. No caso de Russomanno, Bolsonaro chegou a se reunir e a gravar imagens ao lado do candidato, no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, e liberou alguns de seus auxiliares, como o secretário-executivo do Ministério da Comunicação Fabio Wajngarten, a participar da estratégia da campanha paulistana.

O fracasso do presidente em emplacar a maioria de seus aliados na capitais se deve a uma combinação de fatores, segundo cientistas políticos ouvidos pela DW Brasil. Um deles é o fato de Bolsonaro não estar filiado a uma legenda, portanto sem capacidade de mobilizar estruturas partidárias locais e montar alianças nos municípios.

Outro elemento é a atual taxa de popularidade do presidente, menor do que à registrada pelos ocupantes do Palácio do Planalto que tiveram sucesso em emprestar seu prestígio a candidatos a prefeito e vereador, como Fernando Henrique Cardoso em 1996 e Luiz Inácio Lula da Silva em 2008.

Resultados

Russomanno, que disputou a prefeitura de São Paulo pela terceira vez, terminou em quarto lugar, com 10,5% dos votos válidos. O candidato do Republicanos repetiu o roteiro que já havia percorrido nas últimas duas eleições municipais, em 2012 em 2016: largou em primeiro nas pesquisas de intenção de voto e foi paulatinamente foi perdendo força.

O seu desempenho ruim na urna é um revés na maior cidade do país também para Bolsonaro, que se empenhou pela vitória de Russomanno. Os dois candidatos que foram ao segundo turno, Bruno Covas (PSDB) e Guilherme Boulos (PSOL), são críticos ao presidente.

Na eleição presidencial de 2018, Bolsonaro teve 44,6% dos votos válidos na cidade de São Paulo e venceu em 52 das 58 zonas eleitorais do município. Seu prestígio na capital paulista, porém, está em queda. Segundo pesquisa Datafolha realizada em 9 e 10 de novembro, 50% dos moradores da cidade avaliam o seu governo como ruim ou péssimo, e apenas 23% como ótima ou boa.

No Rio de Janeiro, o atual prefeito Crivella ficou com 21,9% e disputará o segundo turno contra o ex-prefeito Eduardo Paes (DEM), que teve 37%. A cidade é o domicílio eleitoral de Bolsonaro, mas o presidente não foi tão enfático na defesa do bispo — declarou seu voto e liberou o uso de suas imagens pela campanha do candidato do Republicanos, sem se empenhar como fez com Russomanno.

No Recife, Delegada Patrícia, que recebeu o apoio do presidente em 5 de novembro, a dez dias do pleito, ficou em quarto lugar com 14% dos votos válidos. O segundo turno será disputado entre João Campos (PSB), filho do ex-governador Eduardo Campos, morto em um acidente aéreo em 2014, e Marília Arraes (PT), neta do ex-governador Miguel Arraes, morto em 2005.

O apoio de Bolsonaro a Santiago foi comemorado por ela em suas redes sociais, mas provocou uma crise na sua chapa às vésperas do pleito. O Cidadania, partido de seu candidato a vice, Leo Salazar, protestou contra a adesão dela ao presidente e anunciou o afastamento de sua campanha.

Em Fortaleza, Capitão Wagner foi ao segundo turno, em segundo lugar, com 33,3% dos votos válidos, contra Sarto, do PDT, que teve 35,7% dos votos válidos. Apesar do apoio do presidente, Wagner evitou usar a sua imagem em sua campanha e fez um reposicionamento para tentar ir além do eleitorado bolsonarista. Ele também contava com o recall de ter sido candidato a prefeito em 2016, quando chegou ao segundo turno.

Em Manaus, Coronel Menezes ficou em quinto lugar, com 11,3% dos votos. O segundo turno será disputado por Amazonino Mendes (Podemos), que já foi prefeito da cidade por três vezes, teve 23,9%, e David Almeida (Avante), que teve 22,4%.

Em Belo Horizonte, Bruno Engler obteve 9,9% dos votos válidos e terminou em segundo lugar. A disputa foi vencida em primeiro turno pelo atual prefeito da capital mineira, Alexandre Kalil (PSD), com 63,4% dos votos válidos.

Deutsche Welle, em 16.11.2020

Em ensaio para 2022, extrema direita tenta deslegitimar processo eleitoral

Bolsonaro e aliados aproveitam atrasos na apuração para questionar sistema de votação. Para pesquisadores, setores radicais querem plantar semente conspiracionista para contestar eventual derrota na próxima eleição.

Enquanto as zonas eleitorais ainda estavam abertas no pleito municipal deste ano, grupos de WhatsApp formado por apoiadores de Jair Bolsonaro já trocavam mensagens em ritmo frenético questionando a segurança do sistema de votação brasileiro e os resultados que viriam a ser divulgados mais tarde.

A movimentação conspiracionista rapidamente saiu dos grupos de mensagem privada e ser amplificada por políticos. Na noite de domingo (15/11), Joice Hasselmann, deputada federal e candidata a prefeita da capital paulista pelo PSL, compartilhou um post em sua página no Twitter que vinculava a lentidão na apuração dos resultados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a uma possível fraude.

Joice, que recebeu menos de 2% dos votos na disputa, escreveu: "Fraude? Será? Tem todo cheiro". Logo em seguida, seu post recebeu uma marcação adotada pelo Twitter para indicar mensagens potencialmente faltas em contexto eleitoral, com os dizeres: "Esta reivindicação de fraude é contestada". Depois, ela deletou o post.

Nesta segunda-feira (16/11), ao sair do Palácio da Alvorada, Bolsonaro também questionou o sistema de votação. "Nós temos que ter um sistema de apuração que não deixe dúvidas. É só isso. Tem que ser confiável e rápido. Não deixar margem para suposições. Agora [temos] um sistema que desconheço no mundo onde ele seja utilizado (…) Se nós não tivermos uma forma confiável de apurar as eleições, a dúvida sempre vai permanecer", afirmou.

Declarações de Bolsonaro colocando em dúvida as urnas eletrônicas, sem apresentar provas, não são uma novidade. Em 2018, ele afirmou, sem apresentar provas, que havia vencido no primeiro turno, mas fora vítima de fraude. Nesta segunda-feira, o presidente se aproveitou de problemas enfrentados pelo TSE no dia anterior. A divulgação do resultado final atrasou em algumas horas devido a um problema técnico, e o tribunal informou ter sido alvo de um ataque coordenado que tentou sobrecarregar e derrubar seus servidores no domingo, sem sucesso.


Brasilien Jair Bolsonaro (Andre Borges/dpa/picture-alliance)

"Nós temos que ter um sistema de apuração que não deixe dúvidas", disse Bolsonaro, após seus aliados terem colecionado derrotas no pleito de 2020

David Nemer, professor de estudos da mídia da Universidade de Virgínia, nos Estados Unidos, acompanha cerca de 70 grupos de WhatsApp de bolsonaristas. Ele afirma à DW Brasil que, nestas eleições, os grupos se dedicaram mais a questionar o sistema eleitoral como um todo do que a atacar candidatos específicos. "O bolsonarismo focou no sistema eleitoral, no [ministro Luis Roberto] Barroso, no TSE, e nas urnas. Queriam achar formas para deslegitimar o sistema", diz.

Segundo ele, o plano já estava traçado antes das eleições, mas acabou ganhando tração à medida que o TSE atrasava a divulgação dos resultados. O objetivo dos bolsonaristas, diz, "é plantar agora uma semente conspiratória para que, caso Bolsonaro não seja reeleito 2022, eles possam colher o fruto e dizer que o motivo da derrota foi uma fraude nas urnas".

Para levar essa estratégia adiante, Bolsonaro conta com blogueiros e youtubers de extrema direita, como Allan dos Santos, Bernardo Küster e Oswaldo Eustáquio. Nemer prevê que essa questionamento às urnas será "algo contínuo” nos próximos anos na extrema direita. "Vão ficar nessa pauta por um bom tempo”, diz.

"Eles querem que as pessoas não acreditem mais no sistema eleitoral, para que eles possam definir quem vai ser o próximo presidente", afirma Nemer, que em dezembro passado teve que deixar o país às pressas ao receber ameaças anônimas enquanto estava em São Paulo.

Risco à democracia

Um estudo realizado pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas da FGV e divulgado em 6 de novembro, antes do primeiro turno das eleições, monitorou conteúdos que incitam a crença na existência de fraude nas urnas e de manipulação eleitoral, no Brasil, distribuídos no Facebook e no YouTube entre os anos de 2014 e 2020. 

A pesquisa concluiu que o número de posts apontando uma suposta fraude nas urnas costuma crescer a cada eleição. Mas, em 2020, até o mês de outubro, não havia superado o pico de 2018. Em sete anos, foram identificadas 337.204 publicações que colocavam sob suspeição a lisura das eleições brasileiras. A maior parte, 335.169, foi localizada no Facebook e somou 16.107.846 interações.

A descrença em relação à urna eletrônica não se resume ao instrumento de votação, mas projeta uma descrença no sistema democrático como um todo, afirma Odilon Caldeira Neto, professor de história contemporânea na Universidade Federal de Juiz de Fora e coordenador do Observatório da Extrema Direita.

Segundo ele, o ataque à urna acabou se tornando um "ponto de aglutinação" de diversas tendências do bolsonarismo, e está relacionado a uma agenda da extrema direita global. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, é um exemplo desse fenômeno, ao questionar o processo de votação americano e não reconhecer explicitamente a vitória de Joe Biden.

A deslegitimação do sistema eleitoral também dialoga com um dos elementos que caracterizam o populismo: o estímulo à antítese entre uma ideia de "elite corrupta" e o "povo verdadeiro". "Eles afirmam que o processo institucional é ditado por regras da elite, numa dualidade que coloca a vontade do povo contra as instituições políticas e financeiras globais", diz. No fundo, trata-se de uma crítica ao próprio modelo de democracia.

Além das instituições, o efeito desse questionamento atinge o próprio equilíbrio psicológico dos eleitores, diz Nemer. Segundo pesquisas realizadas nos Estados Unidos, a exposição a retóricas conspiratórias sobre interferência nas eleições "leva a emoções negativas intensas, que geram ansiedade e raiva e prejudica o apoio às instituições democráticas", afirma.

Experimentos mostram que as pessoas que têm contato com teorias de conspiração sobre fraude eleitoral também são menos dispostas a aceitar o resultado de uma eleição contrária ao seus objetivos partidários.

"Se elas acreditam que houve fraude, não devem então fazer uma transição pacifica de poder. A alegação de fraude eleitoral atinge os próprios alicerces da democracia", afirma Nemer. Outros efeitos são a redução da participação política, da confiança em governos democraticamente eleitos e nas instituições.

Para que as democracias se defendam desse tipo de ataque, Nemer considera importante que a imprensa não dê espaço acrítico a teorias de conspiração, e que órgãos públicos sejam o máximo possível transparentes. Ele elogia o contato constante de Barroso com a imprensa durante estas eleições: "Quanto mais silêncio houver, mais se abre espaço para essas teorias", diz.

Caldeira Neto, do Observatório da Extrema Direita, defende a realização de campanhas contra a desinformação e uma articulação entre instituições para barrar a "normalização de discursos e práticas antidemocráticas".

Deutsche Welle. em 16.11.2020

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

A morte da decência

Se Jair Bolsonaro não tivesse transformado a pesquisa e a produção de vacinas contra a covid-19 numa disputa eleitoreira, teria descido aos porões da indecência?

Os padrões de decência do presidente Jair Bolsonaro, mais do que sua flagrante incompetência, marcam indelevelmente a sua condução do País em meio à maior emergência sanitária de que se tem notícia em mais de um século. Quis o destino que, além da pandemia de covid-19, mal concomitante se abatesse sobre a Nação: o infortúnio de ser governada por alguém sem a mínima noção do bem comum num dos momentos mais dramáticos de sua história.

Não é o ideal, mas, nas horas graves, um presidente incompetente sempre pode se acercar de auxiliares capazes antes de tomar decisões quando, a despeito de lhe faltar técnica, lhe sobram humildade, espírito público e genuína compaixão por seus concidadãos. Mas este não é o caso de Bolsonaro, a quem faltam esses atributos tão elementares para qualquer presidente da República digno do cargo.

Em mais uma demonstração cabal de seu absoluto desprezo pela vida e pelo bem-estar dos brasileiros, Bolsonaro não escondeu o júbilo pela interrupção dos testes da Coronavac, vacina desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, por determinação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), no dia 9 passado. A agência informou a ocorrência de um “evento adverso grave” como justificativa para interromper os testes da fase 3, que têm se revelado bastante promissores.

Antes de estar claro em que circunstâncias se deu o “evento adverso grave”, o presidente Jair Bolsonaro usou o Facebook para inflamar sua rinha particular com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Sem qualquer evidência que corroborasse suas alegações, bem a seu feitio, Bolsonaro escreveu que a Coronavac provocaria “morte, invalidez, anomalia”. Trata-se de uma mentira, uma desabrida irresponsabilidade que mostra que não há limites para Bolsonaro quando o que está em jogo são seus interesses particulares. Dane-se o interesse público.

Escrevendo em terceira pessoa e naquele seu idioma que se assemelha ao português, o presidente prosseguiu afirmando que “esta é a vacina que o Dória queria obrigar a todos os paulistanos tomá-la. O Presidente disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”. Ganha o que, senhor presidente? Tanto o teor como a forma da mensagem abjeta indicam que ali também ia um comando de Bolsonaro, diligentemente obedecido, para que seus camisas pardas disseminassem o discurso por meio das redes sociais.

Depois se soube que o “evento adverso grave” foi a morte trágica de um voluntário que participava dos testes com a Coronavac em São Paulo. A Secretaria de Estado da Saúde considera “impossível” que o fato esteja relacionado com a vacina. Mais indigna, portanto, foi a manifestação inoportuna do presidente Bolsonaro. Primeiro, por se jactar de um fato que envolve a morte de uma pessoa. Segundo, por comemorar a interrupção dos testes de uma vacina contra o novo coronavírus enquanto a esmagadora maioria do País anseia por ela e lamenta o ocorrido.

A interrupção dos testes de uma vacina quando há um desvio dos resultados esperados é procedimento comezinho na comunidade científica. Recentemente, os testes com a vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford e o laboratório AstraZeneca também foram suspensos pela Anvisa, após ter sido constatado um efeito colateral em um voluntário. Tão logo ficou esclarecido que seria seguro prosseguir com o estudo, os testes foram retomados. Portanto, a interrupção dos testes é algo que diz mais sobre a segurança do processo de desenvolvimento de uma vacina do que sobre sua possível ineficácia.

Ainda é cedo para que se faça um juízo dos critérios que levaram a Anvisa a determinar a suspensão dos testes com a Coronavac. O secretário de Saúde de São Paulo, Jean Gorinchteyn, e o presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas, disseram-se surpresos com a decisão da agência, que não teria se pautado pelo rigor científico. A agência reguladora, obviamente, afirma o contrário. Fica no ar a questão: se o presidente Jair Bolsonaro não tivesse transformado a pesquisa e a produção de vacinas contra a covid-19 numa mesquinha disputa eleitoreira, teria ele descido aos porões da indecência?

Editorial / Notas & Informações, O Estado de São Paulo, 11 de novembro de 2020

sábado, 7 de novembro de 2020

Disfarça e chora



 




Joe Biden vence eleição dramática nos EUA

Democrata supera marca de 270 votos no Colégio Eleitoral e abre caminho para fim da era Trump. Mas vitória não encerra novela eleitoral, e presidente republicano já disse que pretende contestar resultado    

Após uma das campanhas eleitorais mais tensas e tumultuadas das últimas décadas, o democrata Joe Biden venceu a disputa pelo cargo mais poderoso do mundo. Neste sábado (07/11), ele superou a marca de 270 votos no Colégio Eleitoral dos Estados Unidos, após conquistar a vitória na Pensilvânia, segundo projeções da imprensa americana.

"América, estou honrado de ter sido escolhido para liderar nosso grande país. O trabalho à nossa frente será duro, mas eu prometo: serei um presidente para todos os americanos, tenham vocês votado em mim ou não", afirmou Biden no Twitter.

Com o resultado, Donald Trump se tornou o primeiro presidente americano no cargo a perder a reeleição desde George H. Bush, em 1992. 

Trump se recusou a reconhecer a vitória do adversário e afirmou, num comunicado, que sua campanha está abrindo um processo legal "para garantir que as leis eleitorais sejam completamente respeitadas e que o vencedor legítimo seja empossado".

O resultado é divulgado num momento particularmente tenso nos EUA, que segue como a nação mais atingida do mundo pela pandemia de covid-19. Além disso, há semanas Trump vem tentando minar a confiança no processo eleitoral, no que vem sendo encarado como a maior ofensiva contra a democracia americana em décadas. Há ainda o temor de que o resultado possa desencadear violência nos próximos dias. 

Trump fomenta desconfiança

Nas últimas horas, Trump, já em desvantagem na disputa, passou a propagar com mais insistência que as eleições estavam sendo fraudadas, sem apresentar provas. Algumas de suas publicações no Twitter chegaram a ser sancionadas pela rede social, por espalharem informação falsa. Na quarta-feira, o presidente chegou a ponto de declarar vitória no pleito, muito antes da apuração estar completa, durante um discurso na Casa Branca.

Na quinta-feira, Trump voltou a afirmar que estava sendo vítima de fraude, conforme sua situação foi piorando nas contagens dos últimos estados que ainda tinham apurações em andamento. "Se você contar os votos legais, eu ganho facilmente. Se você contar os votos ilegais, eu podem roubar a eleição de nós", disse, sem apresentar qualquer prova para sustentar a acusação. Ele ainda disse que estava prevendo "bastante litígio" se o resultado fosse desfavorável. 

Oficialmente, o vencedor da eleição só é anunciado em 14 de dezembro, quando os delegados de todos os 50 estados se reúnem em Washington no colégio eleitoral para confirmar os resultados estaduais. Não há nos EUA um órgão central que compile os resultados estaduais. Normalmente, o resultado é projetado logo após o pleito pela imprensa e pelas campanhas. O anúncio do desfecho da eleição é facilitado quando um dos lados concede a derrota. No caso, de Trump isso deve ser um complicador.

Não está claro se o republicano pretende reconhecer derrota nas próximas horas, mas ele já deu sinais de que não pretende fazê-lo. Seria inédito em toda a história americana um presidente se agarrar ao cargo dessa maneira. 

Nas últimas semanas, Trump já vinha indicando que pretende contestar o resultado nos tribunais, especialmente na Suprema Corte, onde o republicano indicou três dos nove juízes. Sua campanha também chegou a pedir recontagens em vários estados-chave, mas não foi bem-sucedida. Os republicanos ainda agiram para tentar barrar a contagem de votos em três estados. As ofensivas causaram ultraje nos EUA e foram criticadas até mesmo por alguns republicanos.

Paralelamente, Trump também celebrou os bons resultados do Partido Republicano na eleição para a Câmara dos Representantes, mas neste caso evitou apontar qualquer suspeita de fraude no pleito.  

Analistas, jornalistas e grupos que monitoram eleições têm acusado o presidente de minar o sistema eleitoral e a democracia americana como forma de se manter no poder. Até mesmo nomes influentes do Partido Republicano têm evitado endossar as acusações do presidente.

Não é a primeira vez que Trump recorre a esse tipo de tática sem qualquer base. Em 2016, ele venceu no colégio eleitoral, mas perdeu no voto popular para Hillary Clinton. Com o ego ferido, disse que os democratas haviam arregimentado milhões de imigrantes ilegais para votar. Uma comissão foi formada pelo seu governo para investigar. Nenhum evidência de irregularidade foi encontrada, e o colegiado foi extinto em 2018.


US Wahl 2020 Donald Trump (Carlos Barria/REUTERS)

Trump perdeu no voto popular em 2016

A agressividade de Trump durante o pleito indica que o processo de transição também não deve ser fácil. O resultado relativamente apertado nesta que foi a eleição mais disputada desde 2000 e o fato de Trump ter chegado a ampliar seu eleitorado em relação ao pleito de 2016 ainda devem reverberar pelas próximas semanas. Muitos apoiadores de Trump já estão espalhando nas redes versões falsas sobre a eleição ter sido roubada, elevando ainda mais a tensão sobre o processo de transição.

Apuração demorada

O anúncio do resultado ameaçou se arrastar por dias ou até semanas diante das condições atípicas desta eleição, marcada pela pandemia e que registrou um número recorde de votos antecipados e enviados pelo correio.

Biden apareceu à frente de Trump nas pesquisas de voto popular ao longo de praticamente toda a campanha, mas devido ao complicado sistema eleitoral dos EUA, o desfecho era incerto.

Ao final, Trump mais uma vez se saiu melhor do que vários institutos de pesquisa haviam previsto. Ele garantiu estados como a Flórida ao expandir sua influência entre o eleitorado latino do estado. Veículos da imprensa americana apontam que membros dessa comunidade foram inundados com fake news de extrema direita nos últimos dias.

Ao longo da madrugada pós-eleição, Trump chegou a parecer que estava diante de uma vitória, mas Biden foi diminuindo a vantagem do adversário em estados cruciais, como Geórgia e Pensilvânia, à medida em que votos pelo correio enviados de bastiões democratas em grandes centros urbanos eram contados.

Comparecimento recorde às urnas

O pleito de 2020 também foi marcado por aquela que pode ser a maior participação do eleitorado em 120 anos, segundo estimativas. De acordo com levantamentos, mais de 66% dos eleitores participaram, seja comparecendo presencialmente, seja enviando o voto pelo correio. Biden se tornou o candidato a presidente com a maior quantidade de votos populares da história americana, superando o recorde de Barack Obama, a quem serviu como vice-presidente.

A derrota de Trump e a vitória de Biden também têm outro elemento histórico: os EUA agora têm sua primeira vice-presidente do sexo feminino, a senadora pela Califórnia Kamala Harris. Com 55 anos, ela também injeta diversidade no cargo por sua ascendência negra-caribenha e indiana.


                                            A senadora Kamala Harris, a vice de Biden


Resultado tem impacto global

A saída de Trump ainda deve ter forte impacto nas relações dos EUA com o mundo. Ao longo de quatro anos, o republicano promoveu uma política de sabotagem do multilateralismo, alienando vários aliados pelo mundo. A imagem do país também derreteu mundo afora. Nos EUA, a submissão do governo ao temperamento imprevisível de Trump e sua administração por meio de mensagens pelo Twitter também provocaram fissuras na política americana. Ainda durante a contagem, Biden anunciou que pretende reverter medidas de Trump, como a retirada do Acordo Climático de Paris.

Para países como o Brasil, a derrota de Trump e a ascensão de Biden também devem ter impacto. O presidente Jair Bolsonaro alinhou seu governo aos EUA de Trump e sua relação com Biden não deve ser fácil. Ainda na quarta-feira, Bolsonaro dizia que estava torcendo por Trump, uma figura que o presidente brasileiro faz questão de dizer que idolatra.

Biden, meio século de trajetória política

Biden, com 77 anos, é de longe o candidato mais velho a conquistar a presidência dos EUA. Ele terá 78 anos quando tomar posse, em janeiro.

Católico de uma família de classe trabalhadora, Joseph Robinette "Joe" Biden Jr. tem uma carreira política que se entende por mais de meio século. Ele passou a disputar cargos em 1969, montando sua base eleitoral em Delaware. Entrou para o Senado em 1973, aos 30 anos, e até hoje detém o recorde de terceiro senador mais jovem da história dos EUA no século 20.

Ele também chega à Casa Branca mais de três décadas depois de sua primeira tentativa de representar a legenda na disputa presidencial. Ele tentou duas vezes emplacar uma candidatura, em 1988 e 2008, mas em ambas falhou em conquistar a simpatia do eleitorado democrata.

Biden (centro) toma posse como senador em 1973, no hospital onde seu filho, Beau, estava internado

Sem o dom para a oratória e o carisma de outros tantos políticos democratas, como Barack Obama ou John Kennedy, ou seguidores apaixonados como Bernie Sanders, Biden jamais foi o tipo de candidato que entusiasma o eleitorado. Muitos democratas admitem que ele estava longe de ser o candidato ideal, especialmente para a ala que tenta puxar o partido para a esquerda. Seu carisma e personalidade amigável também costumam se manifestar melhor com pequenas plateias e contato direto – algo que foi bastante dificultado pela pandemia. Para piorar, ele sempre foi dado a gafes.

No lugar certo, na hora certa

Em 2020, no entanto, essa personalidade moderada e pouco polarizadora acabou se mostrando uma receita vencedora diante do populismo de Trump, um dos presidentes mais divisivos da história americana. Trump, que deve parte de sua ascensão em 2016 aos ataques incendiários que distribuiu contra seus concorrentes, teve dificuldade de pintar "Joe sonolento" (como se referia a ele) como um vilão ou um "comunista", ao contrário do que ocorreu com Hillary Clinton. O democrata também foi beneficiado por esta eleição ter sido transformada num plebiscito sobre a era Trump, que teve seu último ano marcado pela gestão errática da pandemia e o declínio da economia.

Biden serviu oito anos como vice de Barack Obama

Depois de quatro anos de montanha-russa trumpista, estava aberto o caminho para um "candidato normal”. Em agosto, Biden resumiu a disputa como "uma batalha pela alma dos Estados Unidos". Em março, Biden parecia liquidado em mais uma disputa pela indicação do Partido Democrata, mais viu sua então pré-candidatura ressurgir das cinzas na chamada primária da "Super Terça" no sul do país.

Durante a pré-campanha e a disputa direta com Trump, ele apelou de maneira sistemática para seus oito anos de experiência como vice-presidente ao lado do "amigo" Barack Obama na Casa Branca, uma arma que se revelou determinante para conquistar o eleitorado negro do país.

Dramas pessoais

Sua trajetória pessoal também contou com uma forma de angariar empatia entre o eleitorado. Biden tem uma vida marcada por tragédias. Menos de um mês após sua primeira eleição para o Senado em 1972, sua primeira esposa, Neilia Hunter, e sua filha de 1 ano morreram em um acidente de carro quando saíram para comprar uma árvore de Natal. Seus dois filhos ficaram gravemente feridos, mas sobreviveram ao acidente. No entanto, o mais velho, Beau, morreu vítima de câncer em 2015.

Seu outro filho, Hunter, um advogado que atua como lobista, foi uma potencial fonte de problemas para Biden ao longo da campanha. Ele recebeu somas elevadas para fazer parte do conselho de uma empresa de gás ucraniana quando o pai era vice-presidente de Obama entre 2009 e 2016, o que rendeu acusações de que Hunter usou essa ligação em benefício próprio.

Trump, que mesmo antes do início da pré-campanha democrata já dava sinais de ver Biden como seu adversário mais perigoso numa eleição, pressionou o governo da Ucrânia a investigar Biden pelos negócios de Hunter. O republicano recorreu até mesmo ao congelamento de verbas para os ucranianos como forma de emparedar Kiev. Isso rendeu um processo de impeachment, que acabou barrado no Senado, de maioria republicana.

Hunter nunca foi investigado pelo caso, mas Trump tentou explorar a questão sempre que teve a oportunidade durante a campanha de 2020, mas o espantalho não funcionou como suas manobras similares em 2016 contra Hillary. Com o caso Hunter não rendendo o esperado, Trump passou a se concentrar em pintar Biden como um idoso gagá.

Aceno a bandeiras progressistas

Apesar de não ter sido recebido com entusiasmo pela esquerda do Partido Democrata, Biden demonstrou ao longo da carreira que nunca temeu abraçar posições mais progressistas, embora de maneira mais lenta do que alguns desejariam.

Biden em 1972, após ser eleito para o Senado

Em 2012, como vice, ele disse que estava "absolutamente confortável" com o casamento gay, forçando Obama a acelerar seu apoio explícito a tais uniões e contribuindo para que a Suprema Corte as legalizasse, em 2015. Nos anos 1990, em contraste, Biden votou a favor de uma medida que na prática barrava homossexuais declarados de servir nas Forças Armadas.

Ele também foi muito criticado por ajudar na redação de uma lei de 1994 que muitos democratas acreditam ter provocado a detenção de uma quantidade desproporcional de cidadãos negros. Recentemente, Biden reconheceu que essa iniciativa foi um erro.

Mas essa forma lenta de abraçar novas posições também é uma faceta de uma personalidade que não se prende a dogmas e que acompanha as mudanças de humor do eleitorado. Em 2002, por exemplo, ele votou a favor da invasão do Iraque na esteira dos ataques de 11 de Setembro, uma causa que era popular entre a maior parte dos americanos. Em 2008, quando a guerra já havia virado um atoleiro para os americanos, defendeu a retirada das tropas.

São mudanças que podem ser encaradas como oportunismo, mas que também costumam ser vistas como pontos fortes, dependendo do personagem. Nesse sentido, Biden compartilha similaridades com a chanceler federal Angela Merkel, outra personalidade que caminhou para o centro e que ao longo da trajetória reverteu suas posições sobre energia nuclear e imigração seguindo o humor da população. 

Publicado originalmente por Deutsche Welle, em 07. 11. 2020

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

O resgate da democracia

Joe Biden lembrou em seu pronunciamento que a disputa eleitoral é o momento em que o povo é soberano para escolher seu governante.

Em discurso de estadista, o candidato democrata à presidência dos Estados Unidos, Joe Biden, disse que “ninguém vai nos tirar nossa democracia, nem agora nem nunca”. Foi um pronunciamento destinado a relembrar que a disputa eleitoral, numa democracia, não é uma guerra em que o adversário deve ser aniquilado, mas o momento em que o povo é soberano para escolher seu governante. 

Para que esse processo seja legítimo, enfatizou Joe Biden, “todo voto tem de ser contado”. Parece uma obviedade, mas não é: quando o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tudo faz para interromper a contagem que indica sua derrota e denuncia, sem qualquer prova, uma suposta fraude nos votos já contados, é preciso lembrar do que é feita a democracia, conceito que é estranho a Trump e, infelizmente, a muita gente nos Estados Unidos – como mostra a expressiva votação que o atual presidente obteve.

Por isso, fez muito bem o candidato Joe Biden ao enfatizar que, se confirmada sua eleição, ganhará “como democrata”, em referência a seu partido, mas governará “como presidente”. E declarou: “Temos que nos ouvir uns aos outros, respeitar e cuidar uns dos outros, nos unir como nação. Sei que não será fácil. Sei como são profundas as diferenças, mas sei que, para progredirmos, precisamos parar de tratar os oponentes como inimigos”.

Trata-se de uma mensagem poderosa, uma brisa de bom senso em meio à tormenta autoritária que tomou os Estados Unidos desde a eleição de Donald Trump, há quatro anos. Nada disso significa, contudo, que o horizonte político norte-americano se desanuviará no curto prazo, pois as condições que possibilitaram a ascensão do populismo destrutivo de Donald Trump se mantêm.

Há uma imensa massa de norte-americanos que se consideram esquecidos pelo establishment político e econômico. São cidadãos ressentidos, predispostos a crer que são vítimas do “sistema” representado por Washington e Wall Street e que se sentem desrespeitados por minorias que desafiam seus valores conservadores para ganhar espaço político e impor sua agenda.

Esses eleitores foram seduzidos por Donald Trump e seu discurso insolente em relação às instituições democráticas, que ele trata abertamente como adversárias. Seu slogan, “América primeiro”, não faz referência à América de todos os norte-americanos, mas à América imaginada por reacionários desconfortáveis com a democracia. 

Nesse lugar imaginário, em que se vive sob constante ameaça de “inimigos” inventados por teorias da conspiração disseminadas pelas redes sociais, só podem viver os que aceitam seus valores truculentos – aos demais resta viver como exilados dentro de seu próprio país.

Nenhuma nação democrática resiste a um ambiente intoxicado de rancor como esse. Nenhum governo construído sobre bases tão desagregadoras será visto como legítimo pelo conjunto dos cidadãos. 

É por esse motivo que um político experiente como Joe Biden, mesmo sem ter assegurada sua eleição, percebeu que era necessário apresentar-se a seus compatriotas como um líder capaz de “ouvir” o que os eleitores de seu adversário têm a dizer. É disso que depende a saúde da democracia norte-americana, que um dia já foi exemplo para o mundo, mas agora, sob Trump, se tornou fonte de vergonha e decepção – menos, é claro, para os que consideram o histrião que hoje está na Casa Branca como o “salvador do Ocidente”, como o classificou o chanceler brasileiro, Ernesto Araújo.

Enquanto Biden pregava união e respeito pela decisão soberana dos eleitores, o presidente Trump tuitava: “Parem a contagem!”. Ou seja, o presidente de todos os norte-americanos defendeu que os votos de milhares de seus compatriotas não fossem considerados, alegando fraudes generalizadas. Nada que surpreenda, pois Trump há tempos avisou que colocaria em dúvida o resultado da eleição se não lhe fosse favorável, pela simples razão de que não aceita a derrota.

Felizmente, a democracia, ultimamente tão vilipendiada, tem seus mecanismos de defesa, e isso ficou muito claro nos Estados Unidos. A Trump, bem como a seus aduladores mundo afora, resta espernear.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo. 06 de novembro de 2020 | 03h00

Eleições nos EUA: o que o Brasil ganhou e perdeu com a proximidade entre Bolsonaro e Trump

Em 16 de maio de 2019, quando visitava a cidade de Dallas, nos Estados Unidos, o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, adaptou seu tradicional bordão para o seguinte: "Brasil e Estados Unidos acima de todos", disse. Além disso, no mesmo evento comercial, o mandatário brasileiro bateu continência para a bandeira americana.

Meses depois, em setembro do mesmo ano, Bolsonaro demonstrou seu apreço por Donald Trump, em um evento em Nova York. "Eu te amo", disse o brasileiro, em um momento registrado pelas câmeras. O presidente americano, no entanto, não foi tão carinhoso e respondeu apenas: "Bom te ver de novo". Por outro lado, Trump já afirmou que Bolsonaro e ele são "grandes amigos".

As derrotas diplomáticas que o Brasil pode ter aceitado para ajudar Trump a se reeleger

Mas a gestão Bolsonaro defende que a aproximação de agendas dos países não é resultado apenas da simpatia mútua entre a dupla de políticos, mas o reconhecimento de que a relação até então morna com os americanos representava uma oportunidade desperdiçada de aumentar o fluxo de negócios bilaterais e a influência política brasileira na América Latina.

Mas até que ponto a dita amizade entre Trump e Bolsonaro de fato se reverteu em benefícios para o país latino-americano? Em quais pontos houve avanços e quais outros o Brasil saiu perdendo?

1 - Assimetria e política de imigração

Para Felipe Loureiro, professor e coordenador do curso de Relações Internacionais da USP, a relação entre Brasil e Estados Unidos nos dois últimos anos, com Trump e Bolsonaro no poder, pode ser classificada como "assimétrica".

"É assimétrica porque Brasil cedeu de maneira concreta em vários setores, mas recebeu em troca apenas promessas", afirma. "O governo Trump fez pouquíssimas concessões, de modo que o Brasil ganhou muito pouco nesse período."

Um desses pontos citados pelo acadêmico foram as políticas de visto e imigração. Enquanto Bolsonaro extinguiu a necessidade de visto para turistas americanos entrarem no Brasil, Trump não fez o mesmo nem anunciou qualquer mudança sobre as ações contra imigrantes brasileiros que estejam de maneira clandestina nos Estados Unidos. Pelo contrário: aviões fretados pelo governo brasileiro trouxeram centenas de imigrantes de volta ao país.

Em 2019, ao anunciar a medida sobre o visto, Bolsonaro justificou sua decisão afirmando que "americanos não vêm ao Brasil em busca de emprego". "Agora, alguém tem que estender os braços em primeiro lugar, estender as mãos em primeiro lugar, e fomos nós. Creio que podemos ganhar muito na questão do turismo", disse o presidente.

Para Loureiro, não houve reciprocidade dos Estados Unidos depois da decisão de Bolsonaro. "O governo brasileiro alegou que o fim da necessidade de visto aumentaria os investimentos e fluxo de turistas americanos ao Brasil. Isso não aconteceu na escala que foi anunciada, levando-se em conta o contexto da pandemia", afirma.

"O Brasil cedeu nesse ponto, e recebeu apenas uma promessa de revisão da política de imigração para os brasileiros, mas isso não se verificou. Muito pelo contrário: a política de imigração do governo Trump para latino-americanos é muito dura, e desrespeita a acordos internacionais que regem questões básicas de direitos humanos", completa Loureiro.

Bolsonaro já afirmou 'amar' Trump, mas não foi retribuído pelo americano

2 - Base de Alcântara, acordos comerciais e militares

Durante a visita de Bolsonaro aos Estados Unidos, em março de 2019, os dois governos anunciaram um acordo que prevê o uso pelos EUA do Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão.

O governo Bolsonaro afirmou que o acordo estimulará o desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro e poderá gerar investimentos de até R$ 1,5 bilhão na economia nacional.

Críticos do pacto apontaram, porém, possíveis entraves à transferência de tecnologias para o Brasil, riscos à soberania nacional e efeitos nocivos para moradores de Alcântara, entre os quais remoções de comunidades quilombolas.

"Na minha visão, esse é um acordo assimétrico em que o Brasil cedeu muito, sem ter muita certeza do que ganhará em troca. Além da remoção forçada de comunidade tradicionais, o Brasil pode perder o direito ao acesso a uma parte do próprio território. Porém, apesar da assinatura, o acordo pouco evoluiu nos últimos meses", explica a analista Maiara Folly, diretora de programas e cofundadora da Plataforma Cipó, dedicada a análises sobre clima, paz e cooperação internacional.

Centro de Lançamento de Alcântara

Outro ponto celebrado por Bolsonaro foi um acordo de cooperação na área de equipamentos militares, assinado em março deste ano, pouco antes da pandemia de covid-19.

Segundo pronunciamento do Ministério da Defesa na época, o objetivo do projeto é "abrir caminho para que os dois governos desenvolvam futuros projetos conjuntos alinhados com o mútuo interesse das partes, abrangendo a possibilidade de aperfeiçoar ou prover novas capacidades militares".

Para Felipe Loureiro, da USP, o projeto pode ser bom para o Brasil. "Apesar de ter pouca coisa concreta até agora, não há dúvida de que ele pode ser benéfico se viabilizar a oferta de novos equipamentos, além de um modernização do setor no Brasil", diz.

Neste mês, Brasil e EUA também assinaram três acordos comerciais depois de meses de negociações.

Os termos preveem abolição de algumas barreiras não-tarifárias no comércio bilateral: a simplificação ou extinção de procedimentos burocráticos, conhecida no jargão empresarial como facilitação de comércio, a adoção de boas práticas regulatórias, que proíbem, por exemplo, que agências reguladoras de cada país mudem regras sobre produtos sem que exportadores do outro país possam se manifestar previamente, e a adoção de medidas anticorrupção.

3 - Entrada do Brasil na OCDE

Em 2019, o governo Bolsonaro fez uma série de concessões em troca do apoio dos Estados Unidos à entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

A entidade, com sede em Paris, foi criada em 1961 e reúne 36 países-membros, a maioria economias desenvolvidas, como Estados Unidos, Japão e países da União Europeia. A organização é vista como um "clube dos ricos", apesar do ingresso de vários emergentes. Chile e México são os únicos representantes da América Latina.

Esse "fórum internacional" realiza estudos e auxilia no desenvolvimento de seus países-membros, fomentando ações voltadas para a estabilidade financeira e a melhoria de indicadores sociais.

Entre as concessões feitas por Bolsonaro, houve uma com maior potencial de impacto econômico: a renúncia do Brasil ao tratamento diferenciado, como país em desenvolvimento, nas negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC).

O tratamento diferenciado prevê benefícios para países emergentes em negociações com nações ricas. O Brasil tinha, por exemplo, mais prazo para cumprir determinações e margem maior para proteger produtos nacionais.


Para Maiara Folly, a retirada desse status foi prejudicial ao Brasil. "Há também um aspecto simbólico nessa medida, que tem a ver com a identidade da política externa brasileira. O Brasil tendia a se posicionar como um líder do mundo em desenvolvimento, o que garantia a liderança em discussões importantes, como combate à pobreza, questões ambientais, quebra de patentes e de direito intelectual. O Brasil era sempre uma voz ser ouvida, o que não ocorre mais", diz.

Inicialmente, os Estados Unidos afirmaram que iriam apoiar a entrada da Argentina na OCDE, posição reformulada no início deste ano, a favor do Brasil. Porém, ainda não se sabe quando o país vai entrar definitivamente na entidade, pois existe a dependência do apoio de outros membros do grupo.

4 - Exportação de aço e alumínio

No setor de siderurgia, Donald Trump também não favoreceu o Brasil. Essa área é bastante sensível para o governo do Partido Republicano, que foi pressionado por siderúrgicas locais a barrar as importações do produto de outros países, principalmente do Brasil.

Nos últimos dois anos, Trump ameaçou sobretaxar o aço e alumínio do Brasil, prejudicando os exportadores brasileiros e favorecendo a produção local. Nas redes sociais, o presidente ainda acusou o governo Bolsonaro de desvalorizar o real de propósito para colher mais lucros com as exportações da matéria-prima.

Em agosto deste ano, já em campanha pela reeleição, Trump reduziu a cota de exportações do aço semi-acabado do Brasil. Segundo Trump, a medida foi tomada porque houve mudanças significativas no mercado de aço americano, que se se contraiu em 2020.

O governo brasileiro não criticou a medida, o que foi visto por analistas como mais um indício do apoio de Bolsonaro à reeleição do republicano.

No geral, as exportações de produtos brasileiros caíram 25% no acumulado de janeiro a setembro deste ano em relação ao mesmo período de 2019, o menor patamar em 11 anos.

"Há uma influência da pandemia nessa queda, mas essa desaceleração das exportações para os EUA já vinha acontecendo nos últimos anos. Não dá para culpar apenas a pandemia", diz José Augusto de Castro, presidente executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).

5 - A China e o 5G

O 5G é outro ponto de influência de Trump sobre o governo brasileiro, que terá de decidir como implementar a nova tecnologia em meio a uma das disputas mais acirradas da guerra comercial entre Estados Unidos e China. Um dos principais concorrentes do 5G no Brasil é a empresa chinesa Huawei.

À primeira vista, o 5G é apenas uma atualização dos sistemas de 4G já existentes no Brasil — o uso de frequências de rádio outorgadas pelo governo a operadoras de telefonia móvel para transmissão de dados digitais. Mas na prática ele será muito mais do que isso. A velocidade esperada nas conexões é da ordem de 10 a 20 vezes maior do que a tecnologia anterior.

Em qualquer cenário, as decisões sobre um leilão dessa magnitude — que será o maior já realizado no Brasil e um dos maiores do mundo — já seriam polêmicas e difíceis.

Mas o governo Bolsonaro vem sendo pressionado pelas duas superpotências mundiais. Donald Trump chegou a falar abertamente, em julho, que está em campanha contra os chineses na questão.

Nos últimos anos os EUA iniciaram uma ofensiva contra a Huawei, que, segundo os americanos, representa um perigo de segurança nacional aos países que comprarem seus equipamentos.

A acusação é baseada na seguinte lógica: se toda a sociedade estiver interconectada usando equipamento de uma empresa chinesa — o que incluiria sistemas de trânsito, de comunicação ou até mesmo de eletrodomésticos "inteligentes" dentro dos nossos lares — todos nós estaríamos vulneráveis a espionagem pelo governo da China.

A Huawei é uma empresa privada, mas uma lei de segurança aprovada pela China em 2017 permite, em tese, que o governo de Pequim exija dados de companhias privadas, caso a necessidade seja classificada como importante para soberania chinesa.

A China nega todas as acusações e diz que o único interesse dos EUA é minar o crescimento tecnológico chinês, que vem fazendo face aos americanos.

Os Estados Unidos querem que o Brasil adote uma licitação que exclua o uso de equipamentos da Huawei por parte das operadoras — algo que já foi adotado em outros países do mundo, como Reino Unido, Japão e Austrália.

"A relação entre Brasil e Estados Unidos, muitas vezes com um caráter de subserviência e automático por parte do governo brasileiro, tem causado muitos desgastes com a China, que é nosso principal parceiro comercial desde 2009. Seria muito bom se o Brasil conseguisse encontrar um equilíbrio para manter uma boa relação com os dois países, mantendo uma postura de independência", diz Maiara Folly.

6 - Covid-19 e meio ambiente

Durante a pandemia de covid-19, Bolsonaro teve posturas semelhantes ao de seu colega americano. Ambos apostaram na cloroquina como tratamento para a doença, mesmo sem provas científicas de que o medicamento era eficaz e mesmo ante indícios de que seus efeitos colaterais poderiam ser graves.

Trump e Bolsonaro também desdenharam repetidas vezes o poder destrutivo da doença, embora ambos tenham adoecido. Estados Unidos e Brasil são hoje os países do mundo com maior número de mortos pelo coronavírus, com 231,6 mil e 160 mil vítimas fatais, respectivamente (até esta terça, 3/11).

Na área do meio ambiente, os dois políticos também são vistos como negacionistas e negligentes — ou seja, eles negam informações científicas e evidências comprovadas do alcance das mudanças climáticas e da destruição de florestas, como a Amazônia.

Se de um lado Trump saiu do Acordo de Paris, tratado que cria regras e medidas para redução de gases de efeito estufa, do outro Bolsonaro culpou, sem provas, ONGs de defesa do meio ambiente e até indígenas pelo crescimento exponencial das queimadas na Amazônia em seu governo.

Para Felipe Loureiro, a imagem internacional do Brasil hoje, em função do descaso com o meio ambiente, tem mais relevância por questões negativas do que positivas.

"A questão do meio ambiente é muito importante e vai ser o tema principal da agenda internacional nos próximos anos. Se o Brasil não fizer a lição de casa, a tendência é que exista ainda mais pressão por boicote de empresas brasileiras no exterior e até sanções econômicas", explica o professor da USP.

Para José Augusto de Castro, da Associação de Comércio Exterior do Brasil, uma eventual vitória de Joe Biden nas eleições desta terça-feira criaria ainda mais pressão sobre o governo brasileiro na pauta ambiental. "Biden já se posicionou sobre isso. Quando falamos de meio ambiente, falamos de agronegócio. O Brasil vai precisar rever suas posições para não ficar cada vez mais isolado", diz.

Já Maiara Folly, da Plataforma Cipó, cita que as posições de Bolsonaro em relação à destruição do meio ambiente, além de postura reativa a questões de direitos humanos, "transformaram o Brasil em um Estado pária, arranhando a imagem do país" na comunidade internacional.

"Bolsonaro cultivou uma relação personalista com Trump, e não fez isso com o Partido Democrata. Não acredito que o Biden, caso vença como indicam as pesquisas, vá tomar uma atitude drástica em relação ao Brasil logo no começo. Mas, se o Brasil for um empecilho na questão ambiental, que é um das principais plataformas dos democratas, é possível que haja muitas tensões entre os dois países", diz.

Fonte: BBC News Brasil.


Com comida estragando e usando água da chuva, moradores do Amapá relatam desespero: 'Estamos abandonados'

Moradores de Macapá fazem fila em posto de gasolina para conseguir água em meio a apagão, em 6 de novembro

Moradores de Macapá, capital do Amapá, relataram à BBC News Brasil uma situação caótica no quarto dia sem energia elétrica na cidade: comida estragando na geladeira, falta de água nas torneiras e filas quilométricas para sacar dinheiro vivo e abastecer o carro.

"Estamos abandonados e desesperados. Não tem como esperar 10 ou 15 dias para essa situação se resolver", diz Luccas Cavalcante, de 20 anos, estudante de Direito.

A queda de energia, provocada por um incêndio em uma subestação na capital, ocorreu na noite de terça-feira (03/11) e atingiu 13 das 16 cidades do Estado.

O que causou o apagão que leva sede e caos ao Amapá

Em pronunciamento na sexta-feira (06/11), o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, afirmou que o restabelecimento dos 100% de energia elétrica no Amapá é "complexo" e deve demorar pelo menos dez dias.

Além disso, como máquinas de cartão de crédito e débito estão desligadas no comércio, milhares de pessoas esperam horas em frente aos poucos estabelecimentos com caixas eletrônicos que funcionam por meio de geradores — um deles está no aeroporto internacional de Macapá, lotado de pessoas em busca de dinheiro.

Calor e falta d'água

No bairro Jardim Marco Zero, zona sul da capital, a energia de algumas ruas foi retomada, mas a área onde vive o universitário Luccas Cavalcante segue às escuras. Ele tem ido a casas de amigos para conseguir carregar os celulares de sua família, além de buscar água e alimentos.

"Em casa nós perdemos toda a comida que havia na geladeira. Estamos usando água da chuva ou pegando de alguns moradores que têm poço artesiano. Também há uma única torneira funcionando, da empresa de saneamento, mas a água vem barrenta e não dá para beber", explica.

O estudante conta que, na noite de ontem, ficou duas horas na fila de um dos poucos postos de gasolina que estão abastecendo veículos. "Mas, em outros postos, mais centralizados, há pessoas esperando até oito horas para conseguir abastecer", diz.

Já no bairro Renascer, o estudante Adelton Almeida Filho, de 20 anos, conta que sua família está buscando água potável em uma loja próxima, onde há uma torneira em funcionamento.

É com ela que a família toma banho, cozinha e mata a sede. "Temos poço em casa, mas, como não tem energia, não conseguimos bombear a água", diz.

Segundo ele, moradores do bairro que têm energia elétrica fornecida por geradores, estão disponibilizando água a vizinhos. "Os supermercados aumentaram muito o preço da água mineral, para lucrar. Um galão de cinco litros está custando R$ 12, e antes custava R$ 5 ou R$ 6", reclama.

O estudante conta que vários moradores de Renascer estão dormindo nos carros à noite, em virtude do calor. "Está muito quente na cidade e muita gente não está conseguindo dormir dentro de casa, sem ar-condicionado", explica.

O bancário Edson Azevedo dos Anjos, 57, enfrenta o mesmo problema. "Nossa comida comida já estragou, jogamos fora. Uma parte que ainda estava boa, dividimos com os vizinhos para não estragar também. Graças a Deus aqui temos um vizinho com poço artesiano, e ele consegue passar de vez em quando alguma água para nós", explica.

Ele conta que ontem ficou cinco horas na fila do posto de gasolina para conseguir abastecer o carro. 

"Também ficamos sem comunicação, os celulares e a internet não estão funcionando bem, oscilam muito. Não conseguimos fazer transações bancárias pela internet, e os bancos estão fechados", conta.

Moradora do centro de Macapá, Ana Karen Santos da Silva tem ajudado vizinhos, pois sua casa é uma das poucas da região que ainda têm energia elétrica e água potável no poço artesiano.

"Alguns amigos meus estão vindo de bairros distantes só para pegar água aqui em casa. Ou para carregar o celular. Estou tentando ajudar as pessoas como posso. Precisamos ficar unidos enquanto a situação não se resolve", diz.

O que aconteceu?

Na noite de terça-feira, uma explosão seguida de incêndio atingiu um transformador de uma subestação de Macapá, segundo informou o Ministério de Minas e Energia. O incêndio inutilizou o transformador e ainda danificou outro.

As equipes de emergência levaram horas para combater o fogo, afirmou o ministro Bento Albuquerque, em coletiva de imprensa na quinta-feira (5/11).

"Foi reportado um incêndio no transformador 1 da subestação de Macapá, de propriedade da Linhas de Macapá Transmissória de Energia (LMTE), tendo sido registrado perda total na unidade", informou o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), responsável por monitorar o fornecimento de energia em todo o Brasil), em nota.

A causa do fogo ainda não é conhecida, e o ONS abriu uma investigação com prazo de 30 dias para apurar as causas e responsabilidades.

O Estado do Amapá tem cerca de 860 mil habitantes, segundo projeção do IBGE para 2020. De acordo com o Ministério de Minas e Energia, 85% dessa população foi afetada pelo apagão, ou seja, cerca de 730 mil pessoas.

Três planos foram divulgados pelo Ministério de Minas e Energia para o restabelecimento de energia no Estado. O primeiro deles prevê que cerca de 60% a 70% da carga volte a ser atendida até o fim da tarde desta sexta-feira. Os outros dois estabelecem um prazo de 15 a 30 dias para a normalização.

Leandro Machado, da BBC News Brasil em São Paulo

Brasil tem 18,8 mil novos casos e 279 mortes por covid-19 nas últimas 24h

O coronavírus já infectou oficialmente 5.631.181 pessoas e causou a morte de 162.015 no Brasil, segundo o boletim mais recente do Ministério da Saúde, divulgado na sexta-feira (06/11).

Deste total, 18.862 casos da doença e 279 óbitos foram registrados nas últimas 24 horas. O Estado com o maior número de vítimas é São Paulo (39.717), seguido por Rio de Janeiro (20.849) e Ceará (9.393).

O país continua como o segundo do mundo com maior número de mortes na pandemia do novo coronavírus, depois apenas dos Estados Unidos, que têm mais de 235,6 mil mortes pela covid-19, segundo levantamento da Universidade Johns Hopkins.

O Brasil foi superado em número de casos, entretanto, pela Índia (8,4 milhões), agora em segundo lugar depois dos Estados Unidos (9,6 milhões de casos).

Fonte: BBC News Brasil

Democracias precisam de um debate honesto e baseado em fatos

Vemos nos EUA o que acontece quando uma sociedade não tem mais espaço para discutir posições políticas diferentes: ela corrói a si mesma a partir de dentro, opina Ines Pohl.

Os Estados Unidos sempre foram um país de contrastes, uma nação polarizada. Existem apenas dois partidos que realmente importam. Os governos não precisam buscar compromissos para formar uma coalizão governamental. Ou eles têm a maioria ou perderam a eleição.

Esta forma simplista de ver o mundo também é refletida pela mídia há séculos. Já os primeiros jornais de circulação regular no século 18 assumiram uma clara posição sobre decisões políticas importantes. Como em muitos outros países, publicações e emissoras de TV privadas simpatizam com certas orientações políticas. O consumo de mídia é decidido de acordo com essa orientação: indivíduos tendem a escolher como fonte de notícias os meios que mais correspondem com suas opiniões políticas.

Duas coisas são fundamentalmente diferentes em quase quatro anos de governo Trump:

1. Os veículos de mídia americanos desistiram de lutar por reportagens políticas objetivas e se transformaram em atores políticos.

2. As permanentes afirmações de Trump de que a mídia não é nada além de uma imprensa mentirosa estão tendo efeito: nunca antes a credibilidade do jornalismo foi tão baixa.

Ambos os pontos estão plenamente relacionados. As redes sociais também atuam como um amplificador.

Nos Estados Unidos quase não há espaços públicos para discussões controversas sobre conceitos políticos e propor soluções. Esta campanha eleitoral nos mostra da maneira mais brutal possível os efeitos disto: cada vez mais pessoas confiam somente em suas próprias bolhas de rede social para obter informações. As consequências são trágicas: estão abertas as portas para propagadores de teorias da conspiração e inimigos da democracia

Com sua extrema unilateralidade, os próprios meios de comunicação desperdiçaram seu papel de corretivo confiável. Ao recompensar as manchetes mais barulhentas, mais estridentes e mais polarizantes, são os algoritmos que mantêm os discursos de ambos os campos políticos firmemente sob controle.

Fatos e descobertas científicas têm pouca chance de penetrar nas bolhas que são infiltradas pelas afirmações de Donald Trump. Nas últimas semanas, vi por mim mesma o poder de persuasão com que os americanos comuns afirmam que Hillary Clinton mantém crianças pequenas escondidas no porão e que covid-19 nada mais é do que a tentativa de um grupo sinistro de assumir o controle do mundo.

Do outro lado do espectro político, não é raro encontrar cidadãos complacentes e abastados que não estão dispostos a tentar entender a situação de famílias que há gerações dependem de empregos em fábricas, os quais estão disponíveis cada vez em menor número. Ou da mineração de carvão, que não tem mais futuro.

O risco para a democracia

Isso causa medo. E com razão. Por diversos motivos, os Estados Unidos são particularmente propensos a se fragmentarem. Isso tem a ver com o sistema educacional, mas também com o desenvolvimento demográfico.

Causa insegurança o fato de que, em duas décadas, acabará o domínio branco – pelo menos em termos puramente numéricos. Isso faz tremer o que antes se pensava ser um porto seguro e mostra quão profundamente racistas ainda são grandes partes deste país.

Os americanos desaprenderam como debater usando argumentos políticos e continuam se refugiando em suas bolhas de redes sociais. Mas esse perigo de forma alguma se limita apenas aos Estados Unidos..

As democracias vivem do discurso, da disputa sobre o melhor caminho a seguir. Mas elas só podem existir sob certas condições. Uma delas é que os fatos importam. Não se pode continuar debatendo quando numa discussão prevalece a afirmação "essa é uma notícia falsa" em resposta a um argumento desagradável.

Mas esse desenvolvimento ainda pode ser interrompido? Se for possível, então apenas estabelecendo prioridades claras nas escolas. As crianças têm que aprender a lidar com as redes sociais, têm que saber diferenciar o que é propaganda e o que é ativismo. Que sites são confiáveis. E quais grupos não o são.

E é aqui que também entram os profissionais de mídia. Precisamos buscar objetividade para recuperar a credibilidade e permanecer como atores relevantes em uma democracia.

Ex-editora-chefe da DW / Deutsche Welle, Ines Pohl é correspondente em Washington. 

Biden amplia vantagem sobre Trump


 



quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Biden trava manobra de Trump

 O candidato democrata Joe Biden fez um pronunciamento a apoiadores em Wilmington, Delaware, na sede de sua campanha, acompanhado de sua candidata à vice-presidência, Kamala Harris.

Biden disse que não estava declarando vitória, mas estava muito confiante nela. "Não estou aqui para declarar que vencemos, mas sim para dizer que quando a contagem terminar, seremos os vencedores", disse o candidato.

Em sua fala, reiterou a sua confiança em Estados que ainda têm resultados indefinidos, como Wisconsin e Michigan. “Nós estamos ganhando em Wisconsin com uma diferença de cerca de 20 mil votos, margem semelhante à que o presidente Donald Trump venceu naquele Estado quatro anos atrás. Em Michigan, nós lideramos com mais de 35 mil votos, e o número está subindo, uma margem substancialmente maior à que Trump venceu em 2016”, afirmou. Disse ainda estar "confiante" com o resultado da Pensilvânia, onde ainda serão contabilizados os votos enviados pelo correio. Também destacou a virada no Arizona, que elegeu Trump na eleição passada, e o segundo distrito de Nebraska.

“Foi uma campanha longa e complicada, mas foram tempos ainda mais difíceis para o nosso país. Depois dessa campanha, será a hora de baixar a temperatura, ouvir uns aos outros, com respeito e cuidado. Precisamos nos curar e nos unir como nação." Segundo ele, a tarefa não será fácil.

“Eu sei o quanto as opiniões são diferentes em nosso país, mas também sei que, para termos progresso, temos que parar de tratar os nossos oponentes como inimigos. Não somos inimigos. O que nos une como nação é muito mais forte do que o que nos separa. Eu venço a campanha como um democrata, mas governarei como um presidente americano”, defendeu o candidato em seu discurso.

Por fim, o candidato democrata ressaltou a importância de contar todos os votos registrados. "Ninguém vai tirar nossa democracia de nós, nem agora, nem nunca", afirmou.

Fonte: estadão.com.br

Biden bate recorde de votos já recebidos por um candidato na história das eleições americanas

Com mais de 70 milhões de votos, candidato já ultrapassou o ex-presidente Barack Obama, que tinha o recorde anterior, segundo levantamento da agência de notícias Associated Press. Voto popular NÃO significa, entretanto, uma vitória.


Joe Biden, candidato à presidência dos EUA, durante evento na Pensilvânia em 2 de novembro — Foto: Kevin Lamarque/Reuters

O candidato democrata Joe Biden ultrapassou, na contagem de votos das eleições presidenciais americanas nesta quarta-feira (4), o recorde de votos já recebidos por um candidato na história eleitoral dos Estados Unidos. O ex-presidente Barack Obama, de quem Biden foi vice, detinha o recorde anterior.

Segundo a agência de notícias americana Associated Press, Biden tinha recebido, até as 15h (horário de Brasília) de quarta-feira, 70.005.562 de votos, o equivalente a 50,16% dos votos já apurados.

O recorde anterior, de 2008, foram os 69.498.516 votos dados a Barack Obama (o voto nos Estados Unidos, diferente do Brasil, não é obrigatório).

O rival de Biden, Donald Trump, que concorre à reeleição, tinha 67.290.385 de votos até as 15h desta quarta, o equivalente a 48,22% dos votos já apurados.

Voto popular não basta

É importante lembrar, no entanto, que, nas eleições americanas, não basta ter a maioria do voto popular para vencer, como no Brasil. É preciso que o candidato à Presidência conquiste a maioria dos delegados que compõem o colégio eleitoral.

Em 2016, por exemplo, a democrata Hillary Clinton teve a maioria dos votos diretos, mas não foi eleita e Donald Trump virou presidente. E o caso não foi o único na história eleitoral dos Estados Unidos.

Até 15h (horário de Brasília) desta quarta, o candidato democrata, Joe Biden, tinha projeção de vitória de 238 colégios eleitorais, e Trump, de 213. Para ser declarado vencedor, é preciso que um candidato alcance um mínimo de 270 colégios.

Publicado por G1 há 2 horas, em 04.11.20.

O escandaloso desprezo de Trump pela democracia nas eleições

Pelos próximos dias continuará indefinido quem é o próximo presidente dos EUA. Mais do que uma ameaça à democracia, o fato revela quantos americanos consideram aceitáveis as ações de Trump, opina Carla Bleiker, para a Deutsche Welle.

A noite eleitoral resultou exatamente como predisseram numerosos experts – pelo menos em um aspecto: não há um vencedor claro até a manhã desta quarta-feira (04/11) nos Estados Unidos. Os principais "estados campo de batalha" ou swing states, incluindo Michigan, Wisconsin e Pensilvânia, ainda estão em aberto e provavelmente levará algum tempo até divulgarem os resultados totais.

Previsivelmente, ambos os candidatos fizeram todo o possível para ignorar a situação de suspense e projetaram otimismo a seus apoiadores. O candidato presidencial democrata Joe Biden apresentou-se publicamente em seu estado natal, Delaware.

"Nós sabíamos que ia levar muito tempo", afirmou, acrescentando que tinha uma boa sensação quanto a sua posição na corrida pelos 270 votos do colégio eleitoral que garantem a presidência. "Não vai terminar até que cada voto, cada cédula tenha sido contada", enfatizou.

Com três tipos de votos – em pessoa no dia da eleição, em pessoa antecipado e voto pelo correio – o processo de apuração pode se estender pelos próximos dias adentro.

Isso é parte totalmente legítima do processo democrático. Ver o presidente Donald Trump descrever o fato como uma tentativa dos democratas de "roubar" a eleição, como fez no Twitter, sem fornecer provas, não deveria ser surpresa, mas ainda assim é enfurecedor.

Em seu discurso às primeiras horas desta quarta-feira, Trump alegou ter vencido inegavelmente em diversos estados que, naquele momento, ainda não haviam apurado suficientes votos para declarar um ganhador. Ele se referiu especificamente a sua dianteira na Pensilvânia, sem mencionar o importantíssimo detalhe de que tipo de cédulas estavam sendo contadas lá.

Muitos dos votos ainda por apurar foram postais, e especialistas partem do princípio que mais eleitores democratas do que republicanos optaram por esse método de votação. Portanto é claro que Trump não quer que eles sejam contados.

Mas isso também significa que os democratas não devem ainda perder as esperanças. Trump pode ter a dianteira em diversos estados ainda em aberto, mas um grande número dos votos ainda não apurados provavelmente será para Biden

Em outras palavras: embora no momento talvez pareça um deprimente déjà-vu de 2016, nem tudo está perdido. Mas Trump declarar vitória, tachar o processo de contagem de "uma grande fraude" e anunciar que apelará à Suprema Corte demonstra uma gritante desconsideração pela forma como os votos são tabulados no ano de pandemia de 2020.

Muitos americanos liberais torciam por uma vitória bem definida de Biden, e certamente não uma corrida eleitoral tão apertada assim. Afinal de contas, seu candidato concorreu com um presidente que queria impedir os muçulmanos de entrarem nos EUA; que separou filhos de migrantes de seus pais na fronteira sul; que lançou ataques racistas contra congressistas do sexo feminino; que foi objeto de impeachment por tentar negociar verbas militares para a Ucrânia com ajuda contra seu rival político; sob cuja liderança, até agora, mais de 250 mil cidadãos morreram na pandemia de covid-19... A lista é longa

O fato de um número significativo dos americanos ter votado em Donald Trump, apesar de suas ações nos últimos quatro anos demonstra o que é aceitável nos Estados Unidos. E isso é devastador, não importa quem acabe ocupando a Casa Branca.

*Carla Bleiker é correspondente da Deutsche Welle nos EUA. O texto acima reflete a opinião pessoal da autora, não necessariamente da DW.

terça-feira, 3 de novembro de 2020

O desencanto dos jovens com a democracia

Pandemia despertou o espírito cívico, mas, passado esse salutar transe, futuro é incerto.

Em nossa época o “mal-estar” da democracia tornou-se um lugar-comum. Um estudo do Centro para o Futuro da Democracia de Cambridge mostra que a sensação difusa de que os jovens estão “desconectados” do processo democrático espelha um fato mensurável. Com base em amplas evidências – são mais de 4,8 milhões de entrevistados e 43 fontes de 160 países entre 1973 e 2020 –, a pesquisa mostra que a insatisfação com a democracia não só é maior entre os jovens do que entre seus contemporâneos mais velhos, mas maior do que nas gerações anteriores no mesmo estágio da vida.

A frustração é compreensível. Nos países desenvolvidos, há uma crescente disparidade intergeracional nas oportunidades de vida: décadas de crescimento da desigualdade relegaram aos jovens dificuldades em encontrar empregos estáveis, adquirir uma casa, formar uma família ou subir na vida. Nos países em desenvolvimento, passada a transição democrática dos anos 70 aos 90, muitos enfrentam os desafios endêmicos da corrupção, ineficiência do Estado e disparidades na aplicação da lei.

Uma interpretação otimista é de que o declínio da satisfação com a democracia reflete uma geração crítica ao seu funcionamento, mas não aos seus ideais. No outro extremo, uma interpretação alarmista acusa uma crescente simpatia dos jovens por valores autoritários. Por um paradoxo aparente, a emergência dos populismos sugere que, entre a apatia e a antipatia em relação à democracia, a verdade está no meio.

Nos últimos anos, tropas dos chamados millennials apoiaram partidos populistas à direita e à esquerda. O fenômeno intrigante é que as ondas populistas foram acompanhadas de uma acentuada reversão do desencanto com a democracia. Ao fim do primeiro mandato de um populista, os jovens chegam a estar mais satisfeitos com a democracia do que seus pares em outros países – uma exceção notável foram os EUA de Donald Trump, enquanto o Brasil de Jair Bolsonaro confirma a regra. Ainda mais espantoso é que esse salto ocorre mesmo em casos de contração econômica.

Ao mesmo tempo, as tentativas de revitalizar o centro político mostram um efeito pouco durável na satisfação dos jovens: após um ligeiro repique de um ou dois anos, segue-se tipicamente uma precipitação do descontentamento e a renovação das mobilizações populistas. Esse padrão provoca uma questão desconcertante: será o populismo uma força revigorante?

É evidente o fracasso dos estamentos democráticos tradicionais em solucionar agruras como as desigualdades de renda, disparidades regionais, exclusão de minorias éticas ou a corrupção das elites políticas. Mas se o centrismo pode ser comparado a um cosmético ou um analgésico de curta duração, que alivia os sintomas, mas não ataca suas causas, o extremismo populista, ao catalisar ressentimentos profundos da população, age como um entorpecente: um poderoso estimulante que intoxica os desiludidos com a democracia com a ilusão da transformação. Mas no médio prazo, quanto maior a ilusão, maior a frustração.

Se num primeiro momento o populismo no poder – o delírio do povo “puro” varrendo as elites “corruptas” – revitaliza a satisfação com a democracia, os dados mostram que, “quando os governos populistas duram além de dois mandatos, a satisfação com a democracia declina primeiro gradualmente, depois acentuadamente”.

Qual será então o remédio? Como concluem os autores do estudo, é preciso “menos foco no ‘populismo’ como uma ameaça e mais nas promessas fundadoras da democracia”.

Um efeito de crises globais como a de 2008 ou a atual é expor agudamente as disfuncionalidades crônicas dos sistemas sociopolíticos. Como dizia Aristóteles, toda tragédia desperta uma purificação (catharsis) pela experiência do pavor e da compaixão. A catástrofe da covid-19 despertou o espírito cívico, manifesto em expressões de solidariedade viralizadas por todo o planeta. Mas, passado esse transe salutar, o futuro é incerto. A crise pode ser o início de uma radical, mas conscienciosa, reforma do pacto social – ou de uma espiral de degradação democrática. 

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, 31 de outubro de 2020 | 03h00


Com receio de violência no dia da eleição, americanos erguem proteções contra possíveis protestos e confrontos

Entidades de organização civil enviaram observadores a locais onde pode haver intimidação e ameaça a eleitores. Lojas de grandes cidades ergueram proteções com compensados de madeira para evitar danos de protestos.


Com receio de que haja protestos violentos ou confrontos nesta terça-feira (3), dia das eleições presidenciais, lojas e escritórios de cidades dos Estados Unidos ergueram proteções de fachadas com placas de compensado de madeira para evitar danos.

A sede do governo do país, a Casa Branca, também foi protegida com grades.

Com participação histórica, EUA vão às urnas para definir quem será presidente até 2024

Há um clima de tensão neste dia de votação, diferentemente das outras eleições no país.

A Organização de Liberdades Civis dos EUA (ACLU, na sigla em inglês) e outros grupos semelhantes disseram que estão acompanhando de perto os sinais de intimidação de eleitores.

No estado da Geórgia, a entidade empregou 300 advogados em locais que têm potencial de ter problemas.

Publicado por G1, em 03.11.2020.