quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Com recorde de queimadas no Pantanal, Bolsonaro diz que Brasil 'está de parabéns' na preservação do meio ambiente

Na quarta-feira (16), um grupo de oito países enviou uma carta ao governo brasileiro afirmando que o desmatamento pode prejudicar as compras de produtos brasileiros

O presidente Jair Bolsonaro Foto: Marcos Correa / Divulgação O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse nesta quinta-feira (17) que o “Brasil está de parabéns” pela forma como preserva o seu meio ambiente. A declaração foi dada durante a inauguração de uma usina fotovoltaica no interior da Paraíba e acontece em meio ao aumento recorde nas queimadas no Pantanal e um dia depois de um grupo de oito países enviar uma carta ao governo brasileiro afirmando que o desmatamento pode prejudicar as compras de produtos brasileiros.

— O Brasil é o país que mais preserva o meio ambiente e, não entendo como, é o país que mais sofre ataques no tocante ao seu meio ambiente. O Brasil está de parabéns pela maneira como preserva o seu meio ambiente. — afirmou Bolsonaro durante a cerimônia.

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) indicam um aumento de 208% nas queimadas no Pantanal entre 1º de janeiro e 16 de setembro deste ano em relação ao mesmo período de 2019. Neste ano, foram registrados 15.756 focos de incêndio no bioma, o maior número desde que o monitoramento começou. Segundo o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), pelo menos 2,9 milhões de hectares do Pantanal já foram destruídos pelo fogo, o equivalente a 19% de toda a sua área. Na Amazônia, o aumento das queimadas é de 12%.

PANTANAL EM CHAMAS: QUEIMADAS CRESCERAM 210% NESTE ANO, SEGUNDO DADOS DO INPI

Onça-pintada macho ferido pelo incêndio caminha à beira de um rio, no Parque Encontros das Águas, na região de Porto Jofre, no Pantanal mato-grossense Foto: MAURO PIMENTEL / AFP

Jacaré morto ao lado da estrada do parque Transpantaneira, no Pantanal, no Mato Grosso, que enfrenta um dos piores incêndios em mais de 47 anos, destruindo vastas áreas de vegetação e causando a morte de animais pegos pelo fogo ou fumaça Foto: MAURO PIMENTEL / AFP

Bombeiros do Mato Grosso trabalham para apagar um incêndio florestal na região de Porto Jofre, no Pantanal próximo à rodovia Parque da Transpantaneira Foto: MAURO PIMENTEL / AFP

Funcionário de um fazenda tenta apagar um incêndio na propriedade em que trabalha no Pantanal, em Pocone, Mato Grosso Foto: AMANDA PEROBELLI / REUTERS - 26/008/2020

Um jacaré morto é visto no Pantanal na estrada do parque Transpantaneira, no estado de Mato Grosso. O Pantanal está sofrendo seus piores incêndios em mais de 47 anos, destruindo vastas áreas de vegetação e causando a morte de animais pegos no fogo ou fumaça Foto: MAURO PIMENTEL / AFP - 12/09/2020

Um guia turístico caminha ao lado de uma carcaça de búfalo encontrada dentro de uma área queimada, enquanto busca sinais de uma onça-pintada ferida, na estrada do parque da Transpantaneira) Foto: MAURO PIMENTEL / AFP - 13/09/2020

Um carcará é visto pegando água de uma poça de lama no Pantanal, na estrada do parque da Transpantaneira. Queimadas na região cresceram 210% neste ano, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe) Foto: MAURO PIMENTEL / AFP - 13/09/2020

Um voluntário joga água para controlar um incêndio usando um caminhão-pipa para proteger uma ponte de madeira – uma das 119 existentes na Estrada do Parque da Transpantaneira – no Pantanal Foto: MAURO PIMENTEL / AFP - 13/09/2020

Um voluntário joga água para controlar um incêndio usando um caminhão-pipa para proteger uma ponte de madeira – uma das 119 existentes na Estrada do Parque da Transpantaneira – no Pantanal Foto: MAURO PIMENTEL / AFP - 13/09/2020

Uma vista aérea mostra a fumaça subindo ao redor do rio Cuiabá, no Pantanal, em Pocone, Mato Grosso. Número de incêncios no bioma, em relação ao ano passado, saltou de 4.660 para 14.489 no período entre 1º de janeiro e 12 de setembro Foto: AMANDA PEROBELLI / REUTERS - 28/08/2020

Um jacaré morto é visto na estrada do parque Transpantaneira. Pantanal é a área ambiental que tem registrado o maior crescimento de incêndios desde o primeiro do governo Bolsonaro Foto: MAURO PIMENTEL / AFP

Vista aérea de uma casa cercada por vegetação queimada no Pantanal, em Pocone, no Mato Grosso. Dados do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) apontam que uma área equivalente a 2,2 milhões de hectares foi consumida pelas queimadas, o equivalente a 15% do bioma Foto: AMANDA PEROBELLI / REUTERS - 28/08/2020

Imagem de folheto divulgada pelo Projeto Solos mostra um guaxinim morto durante um incêndio no Pantanal. Satélites do Inpe já detectaram 12.703 focos ativos de incêndio até meados de setembro Foto: IBERE PERISSE / AFP - 27/08/2020

Um voluntário resgata um porco-espinho na estrada do parque da Transpantaneira Foto: MAURO PIMENTEL / AFP - 13/09/2020

Uma onça-pintada caminha em meio à fumaça de um incêndio próximo, no Parque Estadual Encontro das Águas, no Pantanal, bioma que até então é um dos mais preservados do país, abrigando espécies ameaçadas de extinção Foto: AMANDA PEROBELLI / REUTERS 

Raposas são vistas comendo uma melancia deixada por protetores de animais no Parque Transpantaneira Foto: MAURO PIMENTEL / AFP

Ariranha come peixe enquanto nada no rio Cuiabá, em meio à fumaça de um incêndio, dentro do Parque Estadual Encontro das Águas Foto: AMANDA PEROBELLI / REUTERS

Gado caminha em uma área recentemente queimada do Pantanal na estrada do parque Transpantaneira Foto: MAURO PIMENTEL / AFP

Uma cobra morta é encontrada morta em uma área queimada por um incêndio no Pantanal, maior planície alagada do mundo Foto: AMANDA PEROBELLI / REUTERS

Funcionário de uma fazenda Um vê a fumaça de um incêndio subindo no ar no Pantanal. Incêndios que atingem a região há dois meses são os maiores da história Foto: AMANDA PEROBELLI / REUTERS

Em relação ao desmatamento na Amazônia, o Inpe detectou um aumento de 34,5% entre agosto de 2019 e julho de 2020 em comparação com o mesmo período dos anos de 2018 e 2019.

Na quarta-feira (16), um grupo composto por Alemanha, Bélgica, Dinamarca, França, Holanda, Itália, Noruega e Reino Unido enviou uma carta ao governo brasileiro dizendo que a alta no desmatamento dificultava investimentos e transações comerciais de empresas desses países com o Brasil.

“Enquanto os esforços europeus buscam cadeias de suprimentos não vinculadas ao desflorestamento, a atual tendência crescente de desflorestamento no Brasil está tornando cada vez mais difícil para empresas e investidores [da Europa] atender a seus critérios ambientais, sociais e de governança”, diz um trecho da carta.

O grupo, que faz parte da Parceria das Declarações de Amsterdã (com exceção da Bélgica), diz que a sociedade civil europeia está preocupada com as taxas de desmatamento registradas recentemente no Brasil.

“Os países que se reúnem através da Parceria das Declarações de Amsterdã compartilham da preocupação crescente demonstrada pelos consumidores, empresas, investidores e pela sociedade civil Europeia sobre as atuais taxas de desflorestamento no Brasil”, disse o grupo.

Na quarta-feira, ao chegar ao Palácio da Alvorada, Bolsonaro já havia feito críticas aos comentários fora do país sobre o aumento das queimadas no país. Segundo ele, as críticas internacionais são “desproporcionais”.

“(Existem) críticas desproporcionais à Amazônia e ao Pantanal. A Califórnia está ardendo em fogo, a África tem mais foco que o Brasil”, afirmou o presidente.

Publicado originalmente por O Globo, em 17/09/2020 - 13:18 / Atualizado em 17/09/2020 - 15:5.hs

Darwinismo social

O algoz dos pobres não é o teto de gastos, mas a indiferença dos que só pensam em eleição

A cada nova ideia produzida no Ministério da Economia sob o comando de Paulo Guedes para encontrar meios de financiar os projetos encomendados pelo presidente Jair Bolsonaro, fica mais evidente a vocação darwinista social de um governo que se elegeu sob a bandeira do liberalismo.

Liberalismo nada tem a ver com darwinismo social. O verdadeiro liberal jamais consideraria empobrecer a população, reduzindo a capacidade dos mais vulneráveis de usufruir integralmente das liberdades prometidas pela democracia. Ao contrário: o liberalismo digno do nome entende que a interferência estatal se faz necessária justamente para criar condições para que todos e cada um dos cidadãos tenham chances de prosperar. Um Estado que, em vez disso, amplia os obstáculos para os mais pobres, seja qual for o pretexto, não é movido pela razão liberal, e sim pelo mais perverso espírito da lei da selva.

É assustadora a lista de propostas do governo Bolsonaro que castigam os pobres a pretexto de ajudá-los. A mais recente, para ajudar a financiar o Renda Brasil – substituto bolsonarista do petista Bolsa Família –, congelaria as aposentadorias por dois anos, sem a reposição nem mesmo da inflação. Outra ideia do mesmo naipe era taxar o seguro-desemprego com o objetivo de bancar um programa de geração de empregos para jovens. Quem formulou tais propostas ou “não tem um mínimo de coração”, como disse Bolsonaro, ou o fez com o objetivo de chocar a sociedade para demonstrar que afinal é impossível fazer o que exige o presidente: ampliar gastos sem cortar despesas nem mexer com privilégios.

Como se sabe, Bolsonaro quer tudo sem abrir mão de nada. Um exemplo é a reforma administrativa. Sob pressão diante do engessamento orçamentário causado em parte pelas despesas com salários de servidores, o presidente aceitou encaminhar enfim uma proposta de reforma do serviço público, mas exigiu que não valesse para os atuais funcionários. Ou seja, é uma reforma apenas para cumprir tabela.

O mesmo espírito presidiu a conturbada formulação do Renda Brasil. Bolsonaro queria um programa de transferência de renda melhor do que o Bolsa Família, mas, para bancá-lo, não aceitou que se reduzisse nenhum outro programa social nem avalizou discussões sobre corte de subsídios e isenções. Ao contrário, sempre que pode, como no caso da isenção fiscal para igrejas, defende esse tipo de benefício, herança patrimonialista que Bolsonaro não faz questão nenhuma de extinguir, malgrado suas promessas de modernização do País.

A hora da verdade, contudo, se aproxima: no final do ano, o auxílio emergencial para quem perdeu renda na pandemia de covid-19 vai se extinguir, e o presidente, que está em campanha pela reeleição desde que tomou posse, tem todo o interesse em continuar a distribuir dinheiro a esses eleitores, que de muito agradecidos tendem a ficar muito contrariados com o fim da ajuda. O problema é que o pagamento do auxílio emergencial só foi possível porque está enquadrado no chamado “orçamento de guerra”, que, a título de combater a pandemia, permite gastos acima do teto. No ano que vem, salvo alguma manobra irresponsável, essa despesa já não será mais permitida.

Bolsonaro vai criando assim a atmosfera apropriada para a desmoralização do teto de gastos e para a recriação da famigerada CPMF, oferecida pelo ministro Paulo Guedes como fórmula mágica para entregar os programas de emprego e renda bolsonaristas enquanto mantém outros benefícios sociais e desonera a folha de pagamentos.

Se isso prosperar, mais uma vez a conta será paga pelos pobres. A CPMF é eminentemente regressiva, pois afeta toda a cadeia produtiva nas duas pontas da transação financeira, elevando preços. Já a irresponsabilidade fiscal, como está mais do que provado, pode ser muito útil para os demagogos, mas é péssima para o País, pois pressiona a inflação e os juros e inibe investimentos, dificultando a geração de empregos e o crescimento da renda.

Que fique claro de uma vez por todas: o algoz dos pobres não é o teto de gastos, mas a indiferença cruel daqueles que só pensam em eleição.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
17 de setembro de 2020 | 03h00

Brasil tem 134.363 óbitos confirmados e 4.430.227 diagnósticos de Covid-19.

Brasil tem 134.363 mortes por coronavírus, diz consórcio de veículos de imprensa

O Brasil tem 134.363 mortes por coronavírus confirmadas até as 13h desta quinta-feira (17), segundo levantamento do consórcio de veículos de imprensa a partir de dados das secretarias estaduais de Saúde.

Desde o balanço das 20h de quarta-feira (16), 7 estados atualizaram seus dados: BA, CE GO, MG, MS, PE e RR.

Veja os números consolidados:

134.363 mortes confirmadas

4.430.227 casos confirmados

Às 8h, o consórcio publicou a primeira atualização do dia com 134.198 mortes e 4.422.025 casos

Na quarta-feira, às 20h, o balanço indicou: 134.174 mortes, 967 em 24 horas. Com isso, a média móvel de novas mortes no Brasil nos últimos 7 dias foi de 789 óbitos, uma variação de -8% em relação aos dados registrados em 14 dias.

Em casos confirmados, o balanço da noite de quarta registrou 4.421.686 brasileiros com o novo coronavírus desde o começo da pandemia, 37.387 desses confirmados no último dia. A média móvel de casos foi de 31.765 por dia, uma variação de -21% em relação aos casos registrados em 14 dias.

No total, 2 estados apresentaram alta de mortes: RO e PE

Estados

Subindo (2 estados): RO e PE.

Em estabilidade, ou seja, o número de mortes não caiu nem subiu significativamente (13 estados e o DF): PR, RS, MG, RJ, SP, DF, GO, MS, MT, PA, TO, MA, PI e SE.

Em queda (11 estados): SC, ES, AC, AM, AP, RR, AL, BA, CE, PB e RN.

Essa comparação leva em conta a média de mortes nos últimos 7 dias até a publicação deste balanço em relação à média registrada duas semanas atrás (entenda os critérios usados pelo G1 para analisar as tendências da pandemia).

Estados com a média de mortes em alta — Foto: Arte G1



Estados com a média de mortes estável — Foto: Arte G1



Consórcio de veículos de imprensa

Os dados sobre casos e mortes de coronavírus no Brasil foram obtidos após uma parceria inédita entre G1, O Globo, Extra, O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo e UOL, que passaram a trabalhar, desde o dia 8 de junho, de forma colaborativa para reunir as informações necessárias nos 26 estados e no Distrito Federal (saiba mais).

Fonte: G1 - 17/09/2020 08h00  Atualizado há 2 horas

Fome volta a se alastrar no Brasil

Dados do IBGE apontam que quatro em cada dez famílias brasileiras vivem em insegurança alimentar – um índice que vinha melhorando desde 2004, e agora piorou. Fome grave atinge 10,3 milhões de pessoas no país

Prato de comida é servido

Situação é mais grave no Norte e Nordeste, mostra pesquisa

Após seguidos recuos por mais de uma década, a fome voltou a crescer no Brasil. Segundo dados do IBGE divulgados nesta quinta-feira (17/09), o percentual de domicílios que gozam de segurança alimentar caiu para 63,3% em pesquisa realizada entre 2017 e 2018, contra 77,4% em 2013 e 65,1% em 2004.

Os dados apontam que quase quatro em cada dez domicílios sofrem com algum grau de insegurança alimentar, sendo que 4,6% do total vive sob escassez grave. É uma situação que atinge 10,3 milhões de pessoas: 7,7 milhões na área urbana e 2,6 milhões na rural. Em relação aos dados de 2013, o número de pessoas nesse estado aumentou em cerca de 3 milhões, um crescimento de 43,7%.

A "Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-2018: Análise da Segurança Alimentar no Brasil" contempla apenas moradores de domicílios permanentes, excluindo pessoas em situação de rua – o que sugere que o quadro pode ser ainda pior.

Segundo o IBGE, na população de 207,1 milhões de habitantes em 2017-2018, 122,2 milhões eram moradores em domicílios com segurança alimentar, enquanto 84,9 milhões viviam com algum grau de insegurança alimentar. Destes últimos, 56 milhões estavam em domicílios com insegurança alimentar leve, 18,6 milhões, insegurança alimentar moderada, e 10,3 milhões de pessoas em domicílios com insegurança alimentar grave.

De acordo com a Escala Brasileira de Medida Direta e Domiciliar da Insegurança Alimentar, a segurança alimentar está garantida quando a família tem acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais.

Na insegurança alimentar grave, há redução quantitativa severa de alimentos também entre as crianças, ou seja, ruptura nos padrões de alimentação resultante da falta de alimentos entre todos os moradores. Nessa situação, a fome passa a ser uma experiência vivida no domicílio.

Segundo o gerente da pesquisa, André Martins, o aumento da insegurança alimentar está relacionado, entre outros motivos, à desaceleração da atividade econômica nos anos de 2017 e 2018.

Menos da metade dos domicílios do Norte (43%) e Nordeste (49,7%) tinham segurança alimentar, isto é, acesso pleno e regular aos alimentos. Os percentuais eram melhores no Centro-Oeste (64,8%), Sudeste (68,8%) e Sul (79,3%). A prevalência de insegurança alimentar grave do Norte (10,2%) era cerca de cinco vezes maior que a do Sul (2,2%).

A pesquisa ainda mostrou que quase metade das pessoas que enfrentam a fome vive na Região Nordeste do país, e pouco mais da metade dos domicílios onde prevalece a insegurança alimentar grave são chefiados por mulheres.

Fonte: Deutsche Welle

Alemanha reconhece dificuldade em cooperar com Bolsonaro

Em resposta a questionamento de deputados alemães, governo Merkel manifesta preocupação com desmatamento e aponta deterioração da proteção de indígenas. Berlim, no entanto, descarta radicalização militar no Brasil.

Merkel e Bolsonaro no G20

Governo Merkel, que sempre adotou postura discreta em relação a Bolsonaro, começa a demonstrar frustração e preocupação com o Brasil

O governo da chanceler federal Angela Merkel voltou a manifestar preocupação com as políticas ambientais e para os povos indígenas de Jair Bolsonaro e admitiu que a cooperação com o governo federal brasileiro nessas áreas está sendo cada vez mais difícil. Como resultado, Berlim tem procurado outros parceiros em governos estaduais, municipais e na sociedade civil brasileira.

Por outro lado, no aspecto político, o governo alemão diz não acreditar que o Brasil esteja sob risco de sofrer um golpe militar e avalia não haver sinais fortes de interferência entre Poderes no país.

As afirmações constam nas respostas a um questionário enviado por deputados da bancada do Partido Verde no Parlamento alemão (Bundestag). Os parlamentares indagaram o governo Merkel sobre aspectos do relacionamento entre Berlim e Brasília e como os ministros do gabinete da chanceler federal encaram a situação ambiental e política no país sul-americano.

O documento é uma espécie de raio-X da postura pública que o governo Merkel vem adotando em relação ao Brasil.

Há muita linguagem diplomática e pouco conteúdo sobre a situação política brasileira, mas as respostas evidenciam a insatisfação de Berlim com as políticas ambientais de Bolsonaro. Há ainda frustração com medidas tomadas unilateralmente pelos brasileiros, como o desmonte da estrutura do Fundo Amazônia e ações que enfraqueceram uma possível implementação do acordo UE-Mercosul.

Para o governo Merkel, "as taxas de desmatamento no Brasil são preocupantes, e as condições para melhorar os direitos territoriais e a proteção dos povos indígenas e grupos tradicionais vêm se deteriorando".

"Desenvolvimentos atuais na agenda climática brasileira, cortes na proteção das florestas tropicais e direitos indígenas são reconhecidos e tratados no diálogo político. Deve-se notar, porém, que a coordenação com o governo brasileiro está se tornando cada vez mais complexa."

"Portanto, [o governo alemão] está diversificando sua estrutura para incluir parceiros dispostos no governo central, estados federais, Ministério Público Federal e sociedade civil", afirmou o governo Merkel, ao tratar da sua cooperação com o governo Bolsonaro. "Como parte das negociações sobre cooperação para o desenvolvimento com o Brasil em 2019, a maioria dos projetos não era mais administrada por meio do governo federal brasileiro, mas sim por meio dos estados brasileiros e outras instituições."

No Brasil, o governo alemão promove ações de cooperação que envolvem, entre outras iniciativas, a promoção de mecanismos de proteção ambiental e regularização fundiária e incentivos para a adoção de energia renovável.

Fundo Amazônia

Um capítulo que vem gerando desgaste nas relações entre Berlim e Brasília envolve o Fundo Amazônia, o programa bilionário de proteção à Floresta Amazônica que conta com doações da Noruega e da Alemanha.

No momento, o mecanismo atravessa sua maior crise desde a criação em 2008. O impasse começou no primeiro semestre de 2019, quando o ministro Ricardo Salles promoveu uma série de mudanças unilaterais na gestão do programa, incluindo a extinção de dois comitês, o que contrariou os alemães e os noruegueses, que não foram consultados previamente sobre a medida.

Como resultado, o fundo segue paralisado, sem previsão de contemplar novos programas. Apenas iniciativas em andamento continuam recebendo financiamento.

Após diversos choques com Salles (o ministro chegou a dizer em dezembro que o impasse havia sido superado, e acabou sendo desmentido pela embaixada alemã), as negociações para a retomada do fundo passaram a ser chefiadas pelo vice-presidente brasileiro, Hamilton Mourão.

No questionário, o governo Merkel mencionou as negociações em andamento, mas apontou que o descongelamento do fundo vai depender de como o governo brasileiro está se portando.  "A evolução dos números do desmatamento será um critério essencial", diz o texto.

O cenário não parece promissor, já que Berlim também apontou que vê "com preocupação" a reforma implementada neste ano no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que extinguiu coordenações e centralizou o comando da entidade. Para Berlim, a medida "pode levar ao enfraquecimento das tarefas essenciais de controle e monitoramento dos recursos naturais a serem protegidos, e ao aumento do desmatamento e da destruição ambiental".

O governo alemão ainda apontou que "continua a apoiar o espírito e a intenção do acordo UE-Mercosul", por entender que ele inclui mecanismos para assegurar sustentabilidade ambiental e a implementação efetiva do Acordo Climático de Paris. No entanto, disse que irá "monitorar as condições estruturais e verificar se o acordo pode ser implementado conforme o pretendido".

"Da perspectiva de hoje, surgem questões sérias com relação aos desenvolvimentos atuais na Amazônia. O governo alemão está, portanto, acompanhando de perto a situação no Mercosul e, em particular, no Brasil", aponta o documento.

Recentemente, a Alemanha, que era de longe a maior defensora do acordo no bloco europeu – em contraste com nações como a França e a Irlanda –, começou a levantar dúvidas sobre sua implementação. Em agosto, a chanceler Merkel afirmou que tinha "sérias dúvidas" sobre o acordo. Poucos dias depois, foi a vez de a ministra alemã da Agricultura, Julia Klöckner, se posicionar abertamente contra o acordo comercial, citando o desmatamento da Amazônia e alertando que, com o pacto, agricultores europeus iriam competir com alimentos produzidos de forma prejudicial para o meio ambiente.

Aspecto político

O governo Merkel também respondeu a questionamentos dos deputados verdes sobre como avalia a situação política no Brasil. Uma das perguntas envolve a possibilidade de uma intervenção militar contra o  Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso, um movimento que é endossado por apoiadores do presidente Bolsonaro. Para Berlim, "não há indicações ou indícios de uma intervenção efetiva nesse sentido".

"A grande maioria das Forças Armadas brasileiras apoia a Constituição. Essa avaliação resulta, entre outras coisas, de discussões com um grande número de interlocutores brasileiros da política, justiça, ciência e meio militar.”

Em resposta a uma pergunta sobre a independência das instituições, o governo Merkel também fez uma avaliação similar.

"A República Federal do Brasil possui um parlamento com numerosos poderes, dividido em uma Câmara dos Deputados e um Senado, além de um Judiciário independente. Do ponto de vista do governo federal, atualmente não há motivos para duvidar da funcionalidade da separação de Poderes", apontou o governo.

Fonte: Deutsche Welle

Porandubas Políticas

Por Gaudêncio Torquato

Abro a coluna com duas historinhas hilárias, uma do PR, outra do RN.

Xaxixo

Antônio Constâncio de Sousa, deputado pelo antigo PSP (PR), pediu um aparte a Armando Queiroz, líder do então governador Ney Braga na Assembleia Legislativa.

- Não dou o aparte, não. V. Exa. não está à altura de participar dos debates. V. Exa. não é capaz de citar uma palavra com 3 x.

- Sou, sim. Xaxixo.

Pensava em salsicha.

Hotel zero Km?

O deputado do Rio Grande do Norte desceu no aeroporto Santos Dumont, no Rio, pegou um táxi:

- Hotel Zero Quilômetro.

- Zero Quilômetro? Não tem esse hotel, não.

- Tem, sim. Em frente ao Hotel Ambassador.

- Ah, Hotel OK. Senador Dantas, não é?

- Não, senhor, Deputado Antônio Bilu, de Natal.

Panorama Corrupção

De tanto ser prato diário na mídia - Lava Jato, Witzel, outros governadores, delações premiadas, ações de busca e apreensão pela PF -, a corrupção vai diminuindo o tamanho do seu território no país. Não é o caso de garantir que vai ser extirpada. O jeitinho brasileiro, os dribles que os espertos costumar usar para cometer ilícitos, a sinuosidade no comportamento integram a alma brasileira. E nessa hora, Deus avisa que não é tão brasileiro, como alguns garantem. Isso é mais coisa pro Belzebu e seus capetas. Mas os crimes contra a administração pública tendem a diminuir. Mais controles, maior transparência, cidadão mais racional e exigente.

Justiça

O acesso à Justiça, ainda difícil para as margens carentes, também avança sob o impulso de uma miríade de entidades intermediárias, que defendem minorias, agrupamentos étnicos, gêneros etc. Um fenômeno muito interessante do Brasil de hoje é a organicidade social, que confere maior autonomia e poder de decisão aos grupamentos que se formam, a cada dia, na sociedade. Esses novos agrupamentos, sob lideranças mais jovens, ganham o status de novos polos de poder. Por isso, a pressão sobre os mecanismos da Justiça é mais forte. O Brasil também avança nessa área.

Educação

Norberto Bobbio também incluiu a educação para a cidadania como uma das promessas não cumpridas pela democracia. Pois bem, o grande filósofo italiano morreu sem ver o início de um ciclo mais cidadão. No Brasil, infelizmente, a Educação não tem sido tratada nos últimos tempos de maneira elevada como merece ser privilegiada a árvore mater de uma Nação. Mas a movimentação de lá para cá, das margens para o centro, vai propiciar a semeadura de uma densa floresta de educadores. Uma questão de tempo. Não há força que resista ao vento dos tempos.

Segurança Pública

Essa é uma área mais complicada. A conflituosidade se expande no mundo, sob a gigantesca teia de gangues, drogas, máfias, competição de grupos armados, enfim, sob a lei da metralhadora. Governos, como o de Trump e o do Bolsonaro, defendem o armamento da população como uma saída pragmática para enfrentar a criminalidade. Erro de ótica. Construir os pilares da Casa das Armas é deixar de lado os fundamentos da Casa da Educação. Nem Trump nem Bolsonaro terão sucesso, com o avanço civilizatório, de sedimentar esta estratégia.

Imagem crescente

Saindo do plano teórico para a nossa realidade, comecemos com a constatação de que o brasileiro começa a se acostumar com o jeito brusco e às vezes estrambótico do governo. A anormalidade, a truculência acabam formando uma camada impermeável sobre o corpo social. Mas essa aceitação só viceja em um terreno adubado com massa, mesmo pequena, de recursos no bolso do cidadão. O auxílio emergencial deu uma sobrevida à imagem positiva do governo. Até quando? O presidente acaba de anunciar a suspensão do Renda Família, programa que iria substituir o Bolsa Família. Então, qual será a marca popular do governo lá para as margens de outubro de 2022? Tenho dúvidas se a economia conseguirá segurar a posição confortável do presidente Jair.

Frentes ideológicas

Teremos na eleição de 2022 três frentes com viés ideológico: uma frente de Direita, capitaneada pelo presidente Jair Bolsonaro que, aliás, poderá puxar um grupo de centristas; um grupo de Centro-Esquerda, a se formar com eventual aliança de partidos comandados pelo PDT e pelo PSB; e uma frente de Centro-Direita, a se formar com a aliança de partidos de esquerda e de centro, sob a égide do PSDB e possivelmente DEM. Alguns grandes partidos, como o PMDB, estarão olhando de soslaio para os dois lados. E poderemos ter ainda uma Frente de Esquerda, sob o comando do PT e apoio do PSOL. O PT, porém, só se aventurará em mais uma campanha se constatar que o clima social de 2022 o empurrará em direção às urnas. Lula, com discurso radical, já começa a dar o tom. Este consultor não acredita que o Brasil de amanhã ainda comportará Lula.

Ciro Gomes

Será o piloto da navegação de centro-esquerda. O problema que eternamente o atordoa: a inteligência emocional. Engolfa-se nas ondas emotivas. Perde o eixo. A seu favor, conta com bom domínio sobre a realidade brasileira, o saber mexer com contas e números. Bom debatedor.

João Doria

Deverá ser o piloto da frente de Centro-Direita. Pode contar a seu favor eventual boa avaliação de desempenho em São Paulo, que governa; o fato de ter boa fluência, apesar de mostrar certa superficialidade nas análises. Tem disposição, garra e recursos para fazer uma campanha eleitoral de grande visibilidade no país. Tem contra ele a imagem de "muito certinho, arrumadinho", como este consultor tem ouvido. Mas exibe uma carreira política ascendente. E um troféu de vitorioso. Vai depender do clima social e econômico de 2022.

Bruno, o primeiro teste

A candidatura do tucano Bruno Covas à reeleição para a prefeitura de São Paulo será o primeiro grande teste em direção ao amanhã. Como é sabido, o PSDB atravessa momentos turbulentos, com as denúncias sobre o senador José Serra e o ex-governador Geraldo Alckmin. FHC já deu o que tinha de dar para ancorar a identidade do partido. Resta, agora, um novo teste pelas urnas.

Campanha fragmentada

A campanha municipal será um painel de cores diferentes. Uma parede de mosaicos diferentes. Partidos serão desprezados em detrimento de nomes. Teremos imensa fragmentação partidária.

Maior interesse

O número de pretendentes será maior que o do último pleito municipal em 2016. A denotar maior interesse de brasileiros em participar da política.

Rio, um desastre

O Rio de Janeiro desce o despenhadeiro da política. E as coisas não vão parar no Palácio das Laranjeiras. Podem pegar candidatos a prefeito. O mais belo cartão postal do Brasil. Lama por todos os lados.

Raposas e porcos-espinhos

Perguntam-me: e aí, quem ganha as eleições deste ano? Governistas ou oposicionistas?0

Valho-me do relato do escritor John Lewis Gaddis, em seu denso livro "As Grandes Estratégias". Fala ele das estratégias de Xerxes, o rei dos reis, e do seu tio, Artabano. Os dois tinham estratégias diferentes e o interesse do rei era derrotar os gregos, como descreveu Heródoto a qualquer custo.

O ano era 480 a.C. Xerxes queria atravessar o Helesponto, atual Dardanelos, e queria porque queria vencer os gregos e, depois, conquistar a Europa. Um imprudente, ou, na imagem de Isaia Berlin, um "porco-espinho", que sabe uma só coisa, mas muito importante, enquanto a raposa sabe muitas coisas.

Artabano alertava: cuidado. Como atravessar o rio? Como alimentar o exército? O que fazer se conseguir chegar lá? Xerxes replicava: se formos levar em consideração tudo, não faremos nada. Mandou amarrar 360 embarcações umas às outras e fez outra ponte com 314 embarcações. Todas curvas para se adaptarem aos ventos e correntes. Transformou, como disse, água em terra. E na área de terra, mandou construir um canal, transformando terra em água. Um feito. Mas Artabano continuava alertando: como essas milhares de pessoas vão suportar a fome e a sede?

Mas o "porco espinho" confia que derrota tudo que aparece à sua frente. Artabano voltou para casa e Xerxes avançou. Em Termópilas, onde Leônidas resistira aos invasores, mas acabou vencido, Xerxes se deparou com o mesmo dilema de Napoleão. Como enfrentar o mau tempo? Resumo: os gregos afundaram sua frota e massacraram os sobreviventes. O rei, derrotado, acabou aceitando o conselho do tio Artabano e voltou para casa. Acabou, aterrorizado por Temístocles, a partir às pressas e abandonar seu exército à própria sorte.

A raposa olha para todos os lados, prós e contras; circunstâncias e oportunidades. O porco-espinho só olha para a frente. Acredita demais em sua vitória.

Resposta à pergunta que me fazem: os candidatos, estilo raposa, terão melhores condições de ganhar.

Gaudêncio Torquato, Professor Titular na USP, é cientista político e consultor de marketing político.

----------------------------------------------------------------------------------------

Livro Porandubas Políticas

A partir das colunas recheadas de humor para uma obra consagrada com a experiência do jornalista Gaudêncio Torquato.

Em forma editorial, o livro "Porandubas Políticas" apresenta saborosas narrativas folclóricas do mundo político acrescidas de valiosas dicas de marketing eleitoral.

Cada exemplar da obra custa apenas R$ 60,00. Adquira o seu, clique aqui. - https://www.livrariamigalhas.com.br/

quarta-feira, 16 de setembro de 2020

O veneno do populismo

A política populista está destruindo os fundamentos das sociedades democráticas. Seus efeitos são tão tóxicos como em países que envenenam seus opositores, opina o jornalista Martin Muno.

 Há regimes em que os membros da oposição são envenenados. São ações assassinas, com um objetivo claro: a voz que desagrada é silenciada, e ao mesmo tempo o medo é despertado entre seus correligionários. Mas também em democracias os governos trabalham com veneno. Neste caso, porém, não são substâncias químicas que fazem vítimas: o veneno em questão é furtivo, não é mortal para os indivíduos, mas destrói a base da coexistência social.

Dois exemplos dos últimos dias mostram o que isso significa: quando confrontado durante visita à área de desastre da Califórnia com comentários de que os incêndios florestais estavam de fato relacionados com o aumento da temperatura e, portanto, com a mudança climática causada pelo homem, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse, laconicamente: "Vai ficar mais frio novamente, você vai ver." Ele não acredita "que a ciência realmente saiba" o que está fazendo.

Enquanto Trump, mentiroso notório, coloca suas crenças particulares à frente das descobertas da ciência, seu filho adotivo em espírito, Boris Johnson, quer distorcer a lei – e de uma forma única, pelo menos na história britânica recente: ele apresentou à Câmara dos Comuns um projeto que violaria as disposições juridicamente vinculativas do acordo de saída da União Europeia. O espanto de grande parte do público e de quatro de seus antecessores ele prefere ignorar.

Mas o que tudo isso tem a ver com veneno? A política populista, para a qual Trump e Johnson são quase paradigmas, está destruindo os fundamentos das sociedades democráticas. Seus efeitos são quase tóxicos.

Pois as democracias se baseiam no discurso racional sobre uma realidade que é reconhecida por todas as partes. Esse discurso leva a decisões legalmente vinculativas em procedimentos reconhecidos – muitas vezes acordos dolorosos para todas as partes envolvidas.

Os populistas combatem esses pilares em todos os níveis: negam a realidade até que um debate argumentativo não seja mais possível. Bibliotecas inteiras de estudos científicos sobre a mudança climática ficam então no mesmo nível da afirmação arrogante de que "vai esfriar novamente". O mesmo método pode ser aplicado na pandemia: a frase "o vírus acabará desaparecendo" segue a mesma lógica insana.

E se nada disso ajudar, basta simplesmente ignorar as leis e tratados. A violação atualmente planejada dos tratados da UE não é a primeira tentativa de Johnson de distorcer a lei. Há cerca de um ano, ele tentou mandar a Câmara dos Comuns, que discordava dele, para uma pausa forçada e só foi contido pela Suprema Corte. Resta saber se a Justiça ou o Parlamento vão impedi-lo de infringir a lei novamente.

Os efeitos tóxicos de anos de governo populista estão sendo vistos atualmente nos EUA. Quando um debate objetivo entre democratas e republicanos se torna cada vez menos possível, quando se pensa seriamente que o resultado das eleições presidenciais de novembro pode não ser reconhecido, quando milícias armadas patrulham as ruas, não se está mais tão longe de uma guerra civil mental.

O populismo está envenenando sociedades inteiras – seja nos EUA, Reino Unido, Polônia, Hungria ou Brasil. E aproxima esses países daqueles onde os membros da oposição são literalmente envenenados.

Martin Muno é jornalista da Deutsche Welle.

Tudo pela reeleição

O presidente Jair Bolsonaro, como se sabe, não governa o Brasil - não só por sua patente incapacidade, mas também, como está ficando a cada dia mais claro, por cálculo político

Quem governa deve necessariamente assumir responsabilidades, e muitas vezes, em razão disso, acaba por indispor-se com seu eleitorado, pois muitas decisões duras devem ser tomadas mesmo que acarretem impopularidade e risco eleitoral. Assim agem os estadistas.

Já Bolsonaro, que só pensa em reeleição e jamais desceu do palanque, tudo faz para se livrar do fardo político que lhe foi designado na eleição de 2018. Sempre que vê seu projeto pessoal ameaçado, não titubeia: atribui a terceiros as consequências muitas vezes nefastas de seu modo caótico de administrar o País - e não raro esses terceiros fazem parte de seu próprio governo. É espantoso.

O último episódio dessa série já constrangedora de pusilanimidade foi a repreensão pública de Bolsonaro à sua equipe econômica em razão da informação, divulgada pelo secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, de que o governo cogitava da hipótese de congelar por dois anos o reajuste das aposentadorias para financiar o Renda Brasil, programa com o qual o presidente pretendia deixar sua marca na área social, no lugar do Bolsa Família.

“Acordei hoje surpreendido por manchetes em todos os jornais”, disse Bolsonaro em vídeo divulgado ontem. Em seu já conhecido linguajar trôpego, discursou: “Eu já disse há poucas semanas que jamais vou tirar dinheiro dos pobres para dar aos paupérrimos. Quem porventura propor uma medida como essa, eu só posso dar um cartão vermelho para essa pessoa. É gente que não tem o mínimo de coração, não tem o mínimo de entendimento de como vivem os aposentados do Brasil”.

A indignação de Bolsonaro contra gente de seu próprio governo é o ponto alto de sua ofensiva para se dissociar de tudo o que possa ameaçar sua reeleição. Já havia sido assim no auge da pandemia de covid-19, em que atribuiu ao Supremo Tribunal Federal, aos governadores de Estado e a dois ministros da Saúde que se recusaram a receitar cloroquina a responsabilidade pela escalada da crise econômica e das mortes.

Também foi assim quando, recentemente, os preços dos alimentos, em especial do arroz, subiram nos supermercados: ignorando que o livre mercado está inscrito na Constituição, o presidente fez pose de campeão dos consumidores ao mandar o Ministério da Justiça cobrar explicações dos empresários, reinventando um tal de preço abusivo. O mesmo comportamento se verificou em fevereiro deste ano, quando Bolsonaro atribuiu aos governadores de Estado a culpa pela alta dos preços dos combustíveis, pois segundo ele não abriam mão de arrecadação de ICMS e alguns só pensavam em reeleição.

O bode expiatório da vez é o Ministério da Economia. É forçoso reconhecer que a proposta de congelar o reajuste de aposentadorias para bancar um programa de transferência de renda é de uma perversidade inominável, mas nada surpreendente vinda de um governo cujo ministro da Economia já havia proposto taxar seguro-desemprego, entre outras barbaridades, como a recriação da CPMF com outro nome.

O fato é que Bolsonaro agora tenta se dissociar das soluções propostas sob o comando de Paulo Guedes, mesmo tendo desde sempre total conhecimento da natureza de suas ideias e depois de passar a campanha inteira e boa parte de seu mandato a atribuir ao “superministro” plena autonomia para conduzir a pasta.

Depois de experimentar as delícias da popularidade ao distribuir dinheiro a quem se viu privado de renda na pandemia, Bolsonaro mandou seu Ministério da Economia fazer a mágica de criar um programa de transferência de renda sem cortar despesas. Como isso não é possível, Bolsonaro anunciou que “no meu governo está proibido falar a palavra Renda Brasil” e, como sempre, já escolheu a quem responsabilizar pelo fiasco.

Diga o que disser, o presidente Bolsonaro é o único responsável pela escolha de sua equipe e pelas medidas por ela tomadas, razão pela qual, goste ou não, em algum momento terá de responder por todos os seus atos - e não somente por aqueles que dão voto.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo. Publicado em 16.09.20.

Assassinatos de mulheres sobem no 1º semestre no Brasil, mas agressões e estupros caem; especialistas apontam subnotificação durante pandemia

Houve um crescimento de 2% nos homicídios de mulheres e uma leve alta de 1% nos feminicídios. Mas registros oficiais de lesões corporais, estupros e estupros de vulneráveis caíram no país. Pesquisadoras dizem que não houve diminuição da violência, e sim menos denúncias em meio à quarentena. Governos de estados como Acre e Sergipe admitem subnotificação.

Monitor da Violência: assassinato de mulheres cresceu no 1º semestre

O Brasil teve um aumento de 2% no número de mulheres assassinadas no primeiro semestre deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado. Os casos de feminicídio também subiram. Em contrapartida, os registros de outros crimes relacionados à violência contra a mulher, como agressões e estupros, caíram no país. É o que mostra um levantamento exclusivo feito pelo G1 com base nos dados oficiais dos 26 estados e do Distrito Federal.

Nos primeiros seis meses de 2020, 1.890 mulheres foram mortas de forma violenta em plena pandemia do novo coronavírus – um aumento de 2% em relação ao mesmo período de 2019.

O número de feminicídios, quando as mulheres são mortas pelo simples fato de serem mulheres, também teve uma leve alta. Houve 631 crimes de ódio motivados pela condição de gênero.

Já os casos de lesão corporal no contexto de violência doméstica caíram 11%, e os estupros e estupros de vulneráveis tiveram uma queda de 21% e 20%, respectivamente.

MAIS DADOS: Mulheres negras são as principais vítimas de homicídios; já as brancas compõem quase metade dos casos de lesão corporal e estupro

ANÁLISE DO FBSP: As vidas das mulheres negras importam

ANÁLISE DO NEV: Os efeitos colaterais da pandemia sobre a vida das mulheres

METODOLOGIA: Monitor da Violência

O levantamento faz parte do Monitor da Violência, uma parceria do G1 com o Núcleo de Estudos da Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

A alta nas mortes segue a tendência registrada em todo o país no primeiro semestre deste ano. O percentual de homens mortos, porém, é um pouco superior. Dados do Monitor da Violência apontam que os assassinatos cresceram 6% de janeiro a junho, interrompendo as quedas recordes de mortes violentas no Brasil nos últimos dois anos.

Chama a atenção que o aumento de mortes neste ano aconteceu mesmo durante a pandemia do novo coronavírus, que fez com que estados adotassem diversas medidas de isolamento social. Ou seja, houve alta na violência mesmo com menos pessoas nas ruas.

A queda nos registros de lesões corporais e estupros, por sua vez, impressiona, já que era esperada uma alta com o confinamento. Especialistas afirmam, porém, que se trata de uma subnotificação, isto é, menos denúncias foram feitas em razão das dificuldades impostas pela pandemia. Governos de estados como Acre e Sergipe reforçam que os números estão, de fato, subestimados.

Os dados revelam que:

o Brasil teve 1.890 homicídios dolosos de mulheres no primeiro semestre de 2020 (uma alta de 2% em relação ao mesmo período de 2019)

do total, 631 foram feminicídios, número também maior que o registrado no primeiro semestre do ano passado

14 estados tiveram alta no número de homicídios de mulheres

11 estados contabilizaram mais vítimas de feminicídios de um ano para o outro

Rondônia é o estado com a maior alta (255%) e o maior índice de homicídios de mulheres: 4,4 a cada 100 mil

Acre é o estado com a maior alta (167%) e a maior taxa de feminicídios: 1,8 a cada 100 mil

o país teve 119.546 casos de lesão corporal dolosa em decorrência de violência doméstica (11% a menos que no primeiro semestre de 2019)

houve o registro de 9.310 estupros (uma redução de 21% em um ano)

foram 13.379 estupros de vulnerável (uma queda de 20% no indicador de um ano para o outro)

o Pará tem a maior alta de casos de lesão corporal (46%) e o Mato Grosso, a maior taxa (259 a cada 100 mil).

Rondônia é o único estado do país com alta no número de estupros

Brasil registra aumento de homicídios de mulheres no 1º semestre — Foto: Juliane Monteiro/G1

Pandemia e subnotificação

Segundo especialistas consultadas pelo G1, os registros das mortes e dos outros crimes não letais, como agressões e estupros, devem ser analisados de formas distintas. Isso porque as formas como esses registros são feitos diferem bastante.

Segundo a pesquisadora da Universidade de São Paulo Jackeline Romio, os registros de mortes são mais confiáveis porque passam por um “duplo registro”: são contabilizados nas delegacias e nos sistemas de segurança pública, bem como nos hospitais e nos dados de saúde.

“Por isso, ela é mais registrada que outros tipos de crime e acaba se tornando o próprio indicador de violência na sociedade”, diz Romio.

Valéria Scarance, promotora de Justiça especializada em gênero e enfrentamento à violência contra a mulher, concorda. “Não há subnotificação de morte de mulheres. Mortes são mortes, ainda que não registradas como feminicídio. Por isso, os índices de assassinatos de mulheres representam um importante indicador da evolução da violência de gênero no país”, diz.

Já as lesões corporais e os estupros dependem das denúncias das próprias mulheres.

“O problema da subnotificação é um problema grave para os crimes não letais, porque depende da iniciativa da vítima. E, muitas vezes, as pessoas sofrem a violência e preferem resolver o problema de outra maneira, e não por meio da via institucional”, diz Ana Paula Portella, socióloga e consultora, com doutorado pela Universidade Federal de Pernambuco.

Assim, segundo as especialistas, a queda nos indicadores desses crimes não letais não quer dizer que houve menos violência contra a mulher durante o primeiro semestre, mas, sim, que houve muita subnotificação.

Uma das principais evidências está no fato de que os homicídios dolosos de mulheres cresceram no mesmo período.

“O homicídio é a ‘ponta’ da violência. Então, quando você vê que os homicídios aumentaram, espera-se que outros tipos de violência, que são o processo até essa morte, também tenham aumentado”, diz Jackeline Romio.

A pesquisadora afirma que são diversos fatores por trás da subnotificação.

“A gente está em um contexto de pandemia e fechamento parcial dos serviços públicos que resultam em uma barreira institucional para que a mulher consiga fazer essas queixas e denúncias. Tem a ver também com transporte, com o funcionamento das instituições e dos próprios fóruns e da Justiça”, afirma a pesquisadora.

“As instituições fecharam, mas as ocorrências continuam. Isso causa subnotificação e gera esse ‘delay’ [atraso, demora] entre o número oficial e a realidade vivida pelas mulheres”, diz Jackeline Romio, pesquisadora da USP.

“Este cenário atinge ainda mais gravemente as milhares de mulheres brasileiras em situação de violência doméstica, que muitas vezes se veem confinadas em suas casas com seus agressores e com ainda mais dificuldade em acessar os serviços de proteção e canais de denúncia da violência”, reforçam Isabela Sobral e Juliana Martins, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Para Scarance, o funcionamento dos serviços é essencial para entender os indicadores. “Por que o atendimento é tão importante? Em regra, as mulheres sofrem violências mais severas quando não rompem o silêncio ou não conseguem atendimento adequado e desistem. Assim, se há uma rede estruturada que permite à mulher falar e ser acolhida, as mortes diminuem”, diz.

Romio afirma, porém, que, de forma geral, as instituições públicas não conseguiram adaptar os serviços às novas realidades de pandemia e isolamento social, que passaram a exigir atendimentos digitais.

E, mesmo que os serviços tenham oferecido atendimento digital, Romio lembra que o acesso à internet não é universal no país. “Isso prejudica ainda mais as mulheres pobres, negras, de periferias e regiões afastadas”, diz.

Além disso, as especialistas afirmam que a quarentena conseguiu isolar ainda mais as mulheres em situação vulnerável.

“O agressor está em casa, então é muito difícil você procurar ajuda quando o cara que agride está do seu lado. Então, se ele desconfiar que você está procurando ajuda, é possível que ele se torne mais violento e que você venha sofrer novas agressões”, diz Portella.

“Eu arriscaria dizer que essa redução pode se dever principalmente a essa dificuldade de chegar às instituições de apoio, aos locais onde as mulheres poderiam conseguir ajuda”, diz Ana Paula Portella.

Por isso, segundo Romio, “o subregistro é uma realidade”. “Se tem todo esse diagnóstico de dificuldades e aumento de óbitos, tem evidência de que esses crimes foram subnotificados pela falta de denúncias e pelo impedimento institucional”, afirma.

“Estratégias têm que ser pensadas para que isso possa acontecer de forma democrática, não só para mulheres de classe média e alta, mas também para mulheres pobres, sem internet.”

Casos de violência contra a mulher tiveram queda durante a pandemia — Foto: Juliane Monteiro/G1

Mesmo com queda, números são altos

O levantamento do G1 aponta que, mesmo com menos registros que no ano passado, o número de mulheres vítimas de estupros e de agressões em casa é alto.

Foram 119.546 registros de lesão corporal em contexto de violência doméstica no primeiro semestre deste ano. A queda em relação ao mesmo período do ano passado é de 11%, mas ainda são, em média, 664 mulheres agredidas por seus companheiros dentro de casa por dia.

O mesmo acontece com os casos de estupro e estupro de vulnerável. A queda dos registros de estupro foi de 21%, já que o número passou de 11.812 no ano passado para 9.310 neste ano. A redução de estupro de vulnerável foi de 20% (passou de 16.805 para 13.379).

Mesmo assim, foram registrados 126 casos de estupro e estupro de vulnerável, em média, por dia no primeiro semestre deste ano.

"Sabemos que uma parte significativa dos estupros ocorre no ambiente doméstico e diante da suspensão de diversas atividades, como as escolares, por exemplo, o período de convivência entre autores e vítimas aumentou. Além disso, a presença constante dos autores pode constranger a comunicação do crime às autoridades", dizem Giane Silvestre, Sofia de Carvalho e Debora Piccirillo, do Núcleo de Estudos da Violência da USP.

Mesmo com queda, número de casos de violência contra a mulher é expressivo — Foto: Alexas_Fotos/Creative Common


Mesmo com queda, número de casos de violência contra a mulher é expressivo — Foto: Alexas_Fotos/Creative Commons

Violências desiguais

As especialistas também destacam o fato de que os indicadores não seguem as mesmas tendências de altas e baixas de forma homogênea em todo o país.

Mesmo com queda nacional nos registros de lesão corporal, por exemplo, seis estados tiveram alta de casos no primeiro semestre. A mais acentuada foi a do Pará, que teve 1.827 casos em 2019 e 2.674 neste ano, ou seja, 847 registros a mais (46,4%).

A Secretaria de Segurança Pública do estado diz que "houve aumento da violência doméstica em todo o país, em especial pelo isolamento social decorrente da pandemia da Covid-19", mas que mantém canais para atender as mulheres vítimas de violência, como o aplicativo SOS Maria da Penha.

A pasta diz que ampliou os canais de denúncias anônimas e que aumentou o número de servidores no Centro Integrado de Operações (CIOP) para atender as ocorrências de emergência com maior rapidez.

Os indicadores também não são homogêneos nos outros crimes.

Apesar de a média nacional apontar uma alta de 2% nos homicídios de mulheres no primeiro semestre deste ano, por exemplo, 13 estados tiveram queda. A maior foi registrada em Roraima, estado que teve 18 casos no primeiro semestre de 2019 e apenas seis casos neste ano (ou seja, uma queda de 67%).

Já os outros 14 estados tiveram alta em um nível suficiente para fazer o país registrar um aumento.


Centro de Referência para Mulheres Vítimas de Violência em Rondônia; estado é destaque negativo no levantamento — Foto: Jheniffer Núbia

Os dados de Rondônia são os que chamam mais atenção: 11 mulheres foram assassinadas nos primeiros seis meses do ano passado, ante 39 em 2020, em uma alta de mais de 250%.

O estado aparece também com a maior taxa de mortes de mulheres do país -- ou seja, é a unidade da federação que, proporcionalmente, tem mais mulheres assassinadas. Para ter uma ideia, a taxa nacional é de 1,7 mulher morta a cada 100 mil mulheres. Já a taxa de Rondônia chega a 4,4 a cada 100 mil mulheres.

Uma dessas vítimas foi Anita Lopes, de 42 anos. Ela foi morta pelo marido, José de Souza, de 67 anos, em Ouro Preto do Oeste (RO), no dia 7 de janeiro.

Segundo o delegado Niki Locatelli, Anita queria se separar do marido, mas ele não aceitava o fim do casamento. Durante a madrugada, José pegou uma faca e golpeou a esposa no pescoço. Ela morreu na hora. Na sequência, ele se suicidou.


Anita e José estavam juntos havia 13 anos, segundo delegado — Foto: Reprodução

Apenas três dias depois, um caso semelhante aconteceu em Porto Velho com as irmãs Márcia e Carmelucia. Elas foram assassinadas pelo ex-marido de Márcia, Antônio Pereira de Carvalho, de 68 anos, também por causa do fim do relacionamento.

O crime aconteceu em um escritório de advocacia, onde Márcia e Antônio iam assinar o divórcio. Carmelucia também estava no local, acompanhando a irmã. O homem matou a mulher e a cunhada a tiros e, depois, se matou.

Rondônia também se destaca no levantamento nacional sobre estupro, pois foi o único estado do país a ter alta nos registros. Foram 136 denúncias no ano passado, contra 141 neste ano.

Em nota, o governo de Rondônia diz que “o avanço de casos aconteceu em todo o mundo”. “A convivência intensa, a tensão do momento e o próprio isolamento social, longe de parentes e amigos, são fatores decisivos para que o número de casos de violência doméstica tenham aumentado/piorado.”

O governo diz, porém, que tem promovido campanhas educativas de incentivo a denúncias via 180 e Delegacia Estadual da Mulher.

Agente penitenciário mata esposa e cunhada a tiros e comete suicídio ao assinar divórcio

Alta nos feminicídios

A mesma diferença regional acontece com os feminicídios: 15 estados do país tiveram queda e um se manteve no mesmo nível do primeiro semestre do ano passado. Já os outros 11 tiveram alta, puxando a média nacional para o aumento de 1%.

Desde 9 de março de 2015, a legislação prevê penalidades mais graves para homicídios que se encaixam na definição de feminicídio – ou seja, que envolvam "violência doméstica e familiar e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher". Os casos mais comuns desses assassinatos ocorrem por motivos como a separação.

A maior alta aconteceu no Acre. O número de feminicídios subiu de três no ano passado para oito neste ano, um aumento de quase 170%.

O estado também tem a maior taxa do país para mulheres mortas por feminicídio: 1,8 a cada 100 mil mulheres. É o triplo da taxa nacional, que é de 0,6 a cada 100 mil mulheres.

A chilena Karina Constanza Bobadilha Chat, de 22 anos, morta com mais de 20 facadas em fevereiro deste ano — Foto: Reprodução


A chilena Karina Constanza Bobadilha Chat, de 22 anos, morta com mais de 20 facadas em fevereiro deste ano — Foto: Reprodução

Um destes casos é o da chilena Karina Constanza Bobadilla Chat, de 22 anos, morta com mais de 20 facadas no dia 1º de fevereiro em Rio Branco. O crime ocorreu porque a vítima não aceitava um relacionamento com o suspeito. O homem foi indiciado pelo crime.

Outro caso chocou o estado. Em março deste ano, durante uma discussão, a jovem Katiane de Lima, de 23 anos, foi calada de forma brutal pelo companheiro com pelo menos três facadas, no pescoço, no braço e nas costelas. Ela estava com o filho no colo na hora que foi assassinada.


Katiane de Lima, morta pelo marido com o filho no colo — Foto: Arquivo pessoal 

O Acre também chama a atenção porque, mesmo sendo o estado com a maior alta de feminicídios, foi o que teve a maior queda nos registros de lesões corporais em contexto de violência doméstica: 38,6%. Ou seja, segundo as especialistas, isso aponta que o estado teve uma alta subnotificação desses casos, já que eles teoricamente deviam seguir a mesma tendência das mortes.

O governo do estado afirma que, "durante o período de pandemia, as mulheres que já viviam relacionamentos abusivos ficaram mais tempo sozinhas com seu algoz, e tensões diárias, como insegurança financeira, medo de contrair o vírus, desemprego e uso de bebidas alcoólicas são alguns dos fatores que agravaram as reações violentas nos lares".

O governo admite ainda que "a redução dos serviços da rede de atendimento presencial e a falta de informação dos canais de denúncia também são fatores que fizeram com que as vítimas fossem impedidas de pedir socorro".

Mas ressalta que, desde 2019, faz ações em conjunto com a Justiça para proteger os direitos da mulher vítima de violência doméstica, como o aplicativo Botão da Vida, vinculado à Patrulha Maria da Penha, e a realização de campanhas informativas e educativas para divulgar a legislação e os canais de denúncia.

'Não acreditamos em diminuição repentina'

Outro estado que também reconheceu a existência da subnotificação foi Sergipe. Os registros de estupro de vulnerável caíram 46,4% no estado no primeiro semestre deste ano, a maior diminuição do país.

Questionada sobre os indicadores, a Secretaria de Segurança Pública diz que “a redução nos registros de casos de crimes contra crianças e adolescentes não significa que tenha ocorrido uma queda na incidência dessas práticas delituosas”.

A pasta afirma que a queda dos indicadores “é uma preocupação” e que isso “ocorre em razão da subnotificação”. “As denúncias não estão chegando nas delegacias. (...) Não acreditamos numa diminuição repentina e consistente dos casos.”

A secretaria ainda cita alguns fatores que podem estar por trás da subnotificação. “Por conta das crianças estarem mais isoladas em suas residências, por não estarem ainda nas escolas, tudo isso faz com que exista essa redução de números. Então, pedimos que a sociedade se mobilize e, em caso de suspeita de algum crime ou de alguma violência contra a criança ou o adolescente, que denuncie à polícia e nos canais oficiais”, diz o governo de Sergipe.

Por Clara Velasco, Felipe Grandin, Gabriela Caesar e Thiago Reis. Publicado originalmente por / G1, saite de notícias do Grupo O Globo, GloboNews. 

Missão da ONU vincula Maduro e governo venezuelano a crimes contra a humanidade

A Missão Internacional da ONU sobre a Venezuela investigou 223 casos de possíveis violações dos direitos humanos no país. O próprio Maduro dava ordens para que o serviço de inteligência detivessem pessoas, disseram os investigadores.

Opositores se reúnem em protesto contra Maduro na Venezuela em fevereiro de 2019 — Foto: REUTERS/Adriana Loureiro

Nicolás Maduro, o líder da Venezuela, e os ministros mais importantes de seu governo estão vinculados a possíveis "crimes contra a humanidade", afirmou nesta quarta-feira (16) uma missão da ONU.

Foi apresentado um relatório sobre a prática sistemática de tortura e execuções extrajudiciais no país. Os encarregados pelo texto encontraram "motivos razoáveis para acreditar que as autoridades e as forças de segurança venezuelanas planejaram e executaram desde 2014 graves violações dos direitos humanos", declarou Marta Valiñas, a presidente da missão, citada em um comunicado.

"Algumas violações - incluindo execuções arbitrárias e o uso sistemático de tortura - constituem crimes contra a humanidade", segundo ela.

"Longe de serem atos isolados, estes crimes foram coordenados e cometidos de acordo com as políticas do Estado, com o conhecimento ou o apoio direto dos comandantes e de altos funcionários do governo", acrescentou Valiñas.

Envolvimento de Maduro

Os investigadores afirmaram que têm motivos para acreditar que o próprio Maduro deu ordens ao diretor da agência de inteligência do país, a Sebin, para que oponentes fossem presos sem ordem judicial.

“Depois que essas pessoas eram vigiadas, a informação era juntada, sua comunicação era interceptada e finalmente elas eram detidos sem ordem judicial, só porque havia tal ordem do presidente”, disse Francisco Cox, um dos membros da missão.

Portanto, afirma ele, houve envolvimento e contribuição para cometer crimes da parte de Maduro, ora diretamente, dando ordens, ora evitando a estrutura de comando.

Crise política

A Venezuela vive desde 2015 uma grave crise política, que se aprofundou em 2019 quando o líder opositor e presidente do Parlamento, Juan Guaidó, se proclamou presidente encarregado do país, depois de declarar que Maduro usurpou o cargo com uma reeleição polêmica em 2018.

Em julho, a Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, criticou a situação no país ao apresentar um relatório no qual denunciava "detenções arbitrárias, violações às garantias ao devido processo legal e casos de tortura e desaparecimentos forçados".

Casos investigados

A Missão Internacional Independente de determinação dos fatos das Nações Unidas sobre a República Bolivariana da Venezuela investigou 223 casos, 48 deles examinados de maneira profunda em um relatório exaustivo de 443 páginas.

Além disso, também estudou outros 2.891 casos para "corroborar os padrões de violações e crimes", como execuções extrajudiciais, desaparecimentos forçados, detenções arbitrárias e tortura.

A missão, no entanto, não foi autorizada a visitar a Venezuela porque "o governo não respondeu às solicitações reiteradas" e devido às restrições de viagens provocadas pela pandemia do novo coronavírus. De acordo com o relatório, 274 entrevistas foram realizadas à distância.

A missão reconhece "a natureza da crise e as tensões no país e a responsabilidade do Estado de manter a ordem pública", mas constatou que "o governo, os agentes estatais e os grupos que trabalhavam com eles cometeram violações flagrantes dos direitos humanos de homens e mulheres na Venezuela".

Por France Presse, publicado originalmente no Brasil por G1, O Globo, GloboNews, em 16/09/2020 

terça-feira, 15 de setembro de 2020

Brasil contabiliza média móvel diária de 813 mortos por coronavírus

Nas últimas 24 horas, País teve 34.755 novos casos e 1.090 novas mortses, segundo dados do consórcio dos veículos de imprensa

A média móvel diária de óbitos por covid-19, que registra as oscilações dos últimos sete dias e elimina distorções entre um número alto de meio de semana e baixo de fim de semana, ficou em 813 nesta terça-feira, 15. O Estado do Amapá não divulgou novos dados.

Nas últimas 24 horas, o Brasil teve 34.755 novos casos e 1.090 novos óbitos. Ao todo são 4.384.299 pessoas contaminadas e 133.207 mortos por coronavírus desde o início da pandemia, conforme dados do consórcio dos veículos de imprensa, formado por Estadão, G1, O Globo, Extra, Folha e UOL, e feito em conjunto com as secretarias estaduais de Saúde. O balanço do Ministério da Saúde desta terça mostra que há 3.671.128 brasileiros recuperados da doença e outros 578.016 que seguem em acompanhamento.

São Paulo é o Estado com os maiores números absolutos de covid-19 no País. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Estado com os maiores números absolutos de covid-19 no País, São Paulo contabilizou 7.922 novos casos e 321 novas mortes nas últimas 24 horas. No total, o Estado tem 901.271 infecções diagnosticadas e 32.963 óbitos. De acordo com boletim da Secretaria Estadual de Saúde, são 763.246 pessoas recuperadas. As taxas de ocupação dos leitos de UTI são de 50,3% na Grande São Paulo e 50,7% no Estado.

Já no Rio de Janeiro foram registradas 177 mortes e 1.607 novos casos da doença nas últimas 24 horas. Até agora, 17.180 pessoas morreram em função do coronavírus no Estado, que registra 244.418 casos. 

Parceria

O balanço de óbitos e casos é resultado da parceria entre os seis meios de comunicação que passaram a trabalhar, desde o dia 8 de junho, de forma colaborativa para reunir as informações necessárias nos 26 estados e no Distrito Federal. De forma inédita, a iniciativa foi uma resposta à decisão do governo Bolsonaro de restringir o acesso a dados sobre a pandemia e se manteve mesmo após a manutenção dos registros governamentais.

Segundo o Ministério da Saúde, 36.653 novos casos de covid-19  e 1.113 óbitos foram registrados nas últimas 24 horas, o que eleva o total para 4.382.263 pessoas infectadas e 133.119 que perderam a vida por conta da doença no País. Os números diferem dos compilados pelo consórcio de veículos de imprensa principalmente por causa do horário de coleta dos dados.

Marcela Coelho, O Estado de S.Paulo, 15 de setembro de 2020 | 20h01

O evangelho bolsonarista

A caridade com as igrejas só se presta a alimentar a base de apoio de Bolsonaro com vista à reeleição, seu único projeto claro

Em célebre passagem da Bíblia (Mateus 22:17-21), o próprio Cristo aconselha a pagar os impostos em dia: “Dai, pois, a César o que é de César, a Deus o que é de Deus”. Religioso como diz ser, o presidente Jair Bolsonaro deve conhecer essa prédica, mas aparentemente se esqueceu dela ao defender a criação de “instrumentos normativos” para permitir que entidades religiosas, já isentas do pagamento de impostos, deixem de pagar também contribuições, como a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e a previdenciária.

A defesa da isenção total para igrejas foi feita depois que Bolsonaro se viu na contingência de, muito a contragosto, vetar um “jabuti” incorporado ao Projeto de Lei 1.581/2020, que trata de acordos para pagamento de precatórios entre a União e seus credores. Se sancionado pelo presidente, o tal quelônio que a Câmara desavergonhadamente aprovou anistiaria R$ 1 bilhão em débitos tributários das igrejas, segundo cálculos da equipe econômica.

O Ministério da Economia, obviamente, recomendou a Bolsonaro que vetasse esse dispositivo, que já seria absurdo em condições normais, mas que se tornaria especialmente ofensivo diante do quadro de penúria fiscal e de despesas crescentes com a pandemia de covid-19. O presidente o fez, mas apenas parcialmente – manteve uma anistia a multas aplicadas pela Receita Federal pela não quitação de tributos sobre a chamada “prebenda”, nome que se dá ao pagamento que ministros de ordens religiosas recebem, entendido como remuneração direta ou indireta. Uma lei de junho de 2015 isentou os religiosos desse tributo, e o dispositivo sancionado por Bolsonaro perdoa todas as autuações feitas antes daquela data. Uma dádiva.

Não é preciso ler a Bíblia para saber que se trata de uma imoralidade – além de uma ilegalidade. Basta consultar o Código Tributário Nacional, cujo artigo 144 mantém multas e autuações mesmo que a lei que as determinou seja posteriormente alterada ou revogada. Foi essa singela constatação – a de que havia um “obstáculo jurídico incontornável”, segundo nota da Secretaria Geral da Presidência – que fez Bolsonaro acatar a necessidade de vetar parcialmente as manobras para privilegiar escandalosamente os donos de igrejas evangélicas que o apoiam. Só a igreja pertencente à família do deputado David Soares, autor do “jabuti”, deve algo em torno de R$ 38 milhões à União.

Mas a fé move montanhas. Enquanto se via obrigado a cumprir o que determina a lei – reconhecendo que, se não o fizesse, incorreria em crime de responsabilidade, com risco inclusive de impeachment –, o presidente Bolsonaro estimulava os deputados a ignorá-la, derrubando seu próprio veto. “Confesso. Caso fosse deputado ou senador, por ocasião da análise do veto que deve ocorrer até outubro, votaria pela derrubada do mesmo (sic)”, declarou o presidente nas redes sociais, desmoralizando de vez o instituto do veto presidencial – fundamental no processo legislativo. Bolsonaro prometeu ainda que apresentará “nesta semana” uma proposta de emenda constitucional para determinar “uma possível solução para estabelecer o alcance adequado para a imunidade das igrejas nas questões tributárias”.

Há tempos o presidente Bolsonaro vem pressionando a Receita Federal a, segundo suas palavras, “resolver o assunto” das dívidas tributárias das igrejas, tema de grande interesse da bancada evangélica. Diante da resistência dos técnicos do Fisco, que preferem a ortodoxia da lei à heterodoxia do evangelho bolsonarista, restou articular a aprovação legislativa de alguma manobra que facilitasse o drible nas obrigações fiscais das igrejas e de seus donos. O problema é que essa caridade com chapéu alheio, além de ser acintosa em tempos de pandemia, só se presta a alimentar a base de apoio de Bolsonaro com vista à sua reeleição, o único projeto claro de sua Presidência até o momento.

Já os brasileiros comuns – religiosos ou ateus – continuarão obrigados a pagar seus impostos em dia, sem a menor possibilidade de perdão – que, no Brasil de Bolsonaro, está reservado somente a uns poucos eleitos. 

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, 15 de setembro de 2020

A política por trás

Foi o vice-presidente Hamilton Mourão quem candidamente definiu a situação: a decisão econômica é fácil, mas “tem política por trás disso”. Falava do debate sobre a posição do presidente Bolsonaro a respeito de uma lei aprovada pelo Congresso que anistiava multas e dívidas previdenciárias de igrejas evangélicas.  

O presidente acabou vetando parcialmente o projeto, no que se refere às contribuições sobre lucros das igrejas, mas sancionou a isenção sobre os salários dos pastores, a chamada “prebenda”, que ganhou na linguagem popular o sentido de “sinecura”.  

No Brasil, o catolicismo era a religião oficial do Estado, que a subvencionava, e as demais religiões eram proibidas pela Constituição de 1824. A separação entre a Igreja e o Estado foi efetivada por decreto em 7 de janeiro de 1890, e oficializada na Constituição de 1891.  

A Constituição de 1988 proíbe aos entes federativos "estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento, ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público."  

Por incrível que pareça, regredimos no debate político à época em que religião e política se misturavam, sem o necessário firewall. O mais vergonhoso é que os artigos sobre as dívidas das igrejas foram incluídos em um projeto que falava de precatórios para financiar recursos para o combate à Covid-19 pelo deputado federal David Soares, filho do missionário R.R. Soares, fundador da Igreja Internacional da Graça de Deus, uma dissidência da Igreja Universal do Reino de Deus, de seu cunhado Edir Macedo.

Esse tipo de manobra é chamado de “jabuti” e é largamente utilizada pelos mais diversos governos para resolver questões que nada têm a ver com o teor do projeto em si, a até de medidas provisórias. Como o Congresso não rejeita esse tipo de ilegalidade e, como agora, se aproveita dela em benefício próprio,seguimos adiante como se nada houvesse.  

 A proposta, porém, era inviável juridicamente, o presidente Bolsonaro relutou muito, mas acabou cedendo à pressão do ministério da Economia, cujos técnicos advertiram que o gasto a mais com a anistia – cerca de R$ 1 bilhão – poderia gerar um processo de impeachment, pois não há previsão no Orçamento para ele, o que é proibido por lei.  

Mas o presidente deu um golpe político inédito, enviando aos congressistas, através de mensagens do twitter, estímulos para que derrubem seu próprio veto. Na postagem, Bolsonaro explicou que, devido à Lei de Diretrizes Orçamentárias e da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), foi “obrigado a vetar dispositivo que isentava as igrejas da Contribuição sobre o Lucro Líquido (CSLL), tudo para que eu evite um quase certo processo de impeachment”.

O governo vai propor “instrumentos normativos a fim de atender a justa demanda das entidades religiosas”, anunciou o Palácio do Planalto. Só um presidente sem noção do cargo que ocupa, e de suas responsabilidades, pode incentivar políticos a derrubarem o veto dele mesmo. É o famoso “auto-golpe”, desta vez parlamentar.

Bolsonaro não sancionou a lei porque sabe que é um escândalo, que a sociedade não aceita, e como houve uma reação muito forte, acabou vetando, e criou essa situação estranha. Além de incentivar sua própria derrota no Congresso, o que seria a derrota do equilíbrio fiscal e da separação do Estado da Igreja, Bolsonaro quer que o Congresso crie uma verba especial para isentar as igrejas de impostos, e promete mandar uma emenda constitucional para transformar em lei esse absurdo.

Igrejas devem ser taxadas pelos produtos que criam – filmes, livros, canções gospel – efeitos dos cultos religiosos que geram lucros formidáveis. O veto à cobrança de impostos sobre os salários dos que atuam nas celebrações é discutível, mas eles deixam de pagar impostos sobre bens particulares que estão em nome das igrejas. Essa é a distorção da lei que pretendem aprovar.  

Merval Pereira, o autor deste artigo, é Jornalista especializado em política. Além de artigos, faz comentários diários na rádio CBN e na Globo News. É membro da Academia Brasileira de Letras. Publicado originalmente por O Globo, edição de 15/09/2020. 

Muito além do R$ 1 bilhão: os tributos que as igrejas não precisam pagar no Brasil

As dívidas das igrejas são resultado de multas (e encargos) aplicadas pela Receita Federal / Direito de imagemNELSON ALMEIDA/GETTY

O Congresso Nacional aprovou um projeto de lei que pode levar ao perdão de enormes dívidas de igrejas com a União. O PL ainda precisa ser sancionado pelo presidente da República — se isso acontecer, o valor perdoado poderia chegar a R$ 1 bilhão, segundo apurou o jornal O Estado de S. Paulo. Mesmo que o perdão das dívidas não aconteça, os tributos que os centros religiosos não precisam pagar no Brasil já são vários.

Entenda quais são eles e o que está em jogo nas mudanças tributárias que vêm pela frente.

Perdão e isenção

O perdão das dívidas que podem somar R$ 1 bilhão será resultado de um pequeno trecho incluído como emenda em um projeto sobre renegociações de precatórios (dívidas do governo cobradas pela Justiça) que tramitava em regime de urgência na Câmara por causa do aumento das dívidas do governo durante a pandemia, o PL 1581 de 2020.

A medida vinha sendo discutida na bancada evangélica desde o ano passado e foi incluída no projeto de lei pelo deputado federal David Soares (DEM-SP), filho do pastor R.R. Soares, líder da igreja evangélica Internacional da Graça de Deus — que tem uma dívida tributária de pelo menos R$ 37 milhões.

O trecho incluído pelo deputado tira as igrejas do rol de instituições obrigadas a pagar a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), o imposto que incide sobre o lucro líquido das instituições e serve para apoiar a seguridade social no país. A emenda também anula autuações feitas pelo não pagamento desse tributo até hoje.

As dívidas das igrejas — que podem somar até R$ 1 bilhão — são resultado de multas (e encargos) aplicadas pela Receita Federal após fiscalizações mostrarem que algumas igrejas haviam feito pagamentos a pastores e líderes sem recolher os tributos devidos, o que foi considerado como manobras para distribuir lucros, tecnicamente chamada de distribuição disfarçada de lucros o que evitaria o pagamento do tributo.

Não há incidência de contribuição à Previdência sobre o pagamento de líderes religiosos se eles receberem um valor sempre igual, mas a Receita Federal identificou que algumas igrejas faziam uma distribuição de dinheiro variável, que se assemelhavam à bonificações e participações nos lucros feitas por empresas.

Membros da bancada evangélica discutiam a medida desde o ano 

passado  /  Direito de imagemAGÊNCIA BRASIL

Impostos e contribuições

No Brasil, as igrejas e centros religiosos de qualquer religião estão entre as instituições às quais a Constituição Federal garante imunidade para impostos.

"Mas isso não quer dizer que elas estão livres de qualquer tipo de tributo", explica Tathiane Piscitelli, professora de direito tributário da FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas).

Impostos são apenas um dos tributos (pagamentos compulsórios ao Estado) existentes no Brasil; e servem para custear em geral as atividades do poder público. Há também taxas e contribuições, que são tributos com finalidades específicas.

As igrejas não são imunes ao pagamento de taxas e contribuições, explica Piscitelli, que também presidente da comissão de direito tributário da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil).

A tributarista explica também que imunidade é diferente de isenção.

"Enquanto a imunidade é garantida pela Constituição e impede qualquer ente público de cobrar os impostos, as isenções são escolhas políticas quanto ao pagamento de tributos específicos, e podem ser alteradas de maneira mais fácil", explica ela.

E a emenda do deputado David Soares visa justamente garantir uma isenção para centros religiosos em uma dessas contribuições, a CSLL.

Mas há pressão da bancada evangélica para que as instituições fiquem livres de outros tributos, como a Contribuição sobre Operações com Bens e Serviços (CBS) — novo tributo previsto pela reforma tributária que vai substituir o PIS e a Cofins.

No texto atual da reforma tributária, a CBS terá isenção para empresas que não exercem atividade econômica, como entidades de assistência social e educação — incluindo igrejas.

Ou seja, o texto pressupõe que nenhuma igreja exerce atividade econômica — mesmo que a Receita Federal tenha encontrado indícios disso na fiscalização.

O que as igrejas não pagam

A imunidade a impostos faz com que nem União, nem Estados e municípios, possam cobrar de centros religiosos qualquer tributo que seja classificado como imposto e que tenha incidência sobre o patrimônio, renda ou serviços dos centros religiosos, explica Piscitelli.

Isso significa que os templos das igrejas não pagam IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), por exemplo, que são pagos pela maioria dos cidadãos nas cidades.

Também não pagam impostos sobre dízimos, rendas e contribuições feitas por fieis.

Embora não seja uma garantia do texto constitucional, uma lei sancionada no ano passado pelo presidente Jair Bolsonaro garante que Estados possam prorrogar por até 15 anos a isenção das igrejas no pagamento de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) em alguns serviços (como na conta de luz).

As instituições também não precisam pagar IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores) — na prática isso significa que se líderes religiosos usam carros que estão em nome da igreja, não há pagamento de imposto sobre eles.

A imunidade, no entanto, não atinge o imposto de renda, que é pago pelos indivíduos e não pelas instituições religiosas. O imposto precisa ser declarado pelo próprio religioso — qualquer sacerdote que receba um pagamento mensal maior do que R$ 1.903,98 deve fazer declaração anual de imposto de renda e pagar ele mesmo o imposto devido.

Não há um cálculo do Fisco de quanta arrecadação o Estado perde com a imunidade das igrejas para impostos.

Mas é um valor que deve ter crescido na última década, já que a receita das igrejas praticamente dobrou no Brasil entre 2006 e 2013, segundo dados obtidos no ano passado pela Folha de S. Paulo, via Lei de Acesso à Informação. A renda das igrejas subiu de R$ 13,3 bilhões, em 2006, para R$ 24,2 bilhões, em 2013, mostra o jornal.

Direito de imagemBETO OLIVEIRA/SENADO FEDERAL

Constituição garante imunidade para impostos à igrejas

Polêmica

A imunidade é polêmica e gera muito debate, mas acabar com ela não seria uma tarefa fácil.

Em tese, "poderia acontecer via emenda constitucional", explica Piscinelli, "mas é possível que nem assim (a imunidade fosse afastada), já que há quem argumente que a imunidade é uma cláusula pétrea da Constituição por estar ligada com a questão da liberdade religiosa."

O argumento de que a isenção é importante para garantir a liberdade religiosa não é exclusivo de religiosos, sendo defendido também por tributaristas e constitucionalistas não religiosos.

A ideia é que não se impeça nenhum grupo de pessoas de exercer sua fé por não conseguir pagar imposto. Já os críticos argumentam que muitas igrejas funcionam como empresas, o que desviaria o propósito constitucional da imunidade.

Letícia Mori, da BBC News Brasil em São Paulo 

segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Força-tarefa da Lava Jato denuncia Lula, Palocci e Okamotto por lavagem de dinheiro

Denúncia do MPF indica repasse de propina pela Odebrecht, por doações ao Instituto Lula; defesa do ex-presidente afirmou que doações estão devidamente documentadas e contabilizadas.

Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi denunciado pela força-tarefa da Lava Jato, nesta segunda-feira (14) — Foto: Fabrice Coffrini/AFP

Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi denunciado pela força-tarefa da Lava Jato, nesta segunda-feira (14) — Foto: Fabrice Coffrini/AFP

A força-tarefa da Lava Jato no Paraná denunciou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci e o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto.

A denúncia de crime por lavagem de dinheiro foi apresentada nesta segunda-feira (14), de acordo com o Ministério Público Federal (MPF).

De acordo com os procuradores, os três cometeram os crimes em ações envolvendo doações da Odebrecht ao Instituto Lula para disfarçar repasses no total de R$ 4 milhões, entre dezembro de 2013 e março de 2014.

A defesa do ex-presidente afirmou que doações estão "devidamente documentadas por meio recibos emitidos pelo Instituto Lula — que não se confunde com a pessoa do ex-presidente — e foram devidamente contabilizadas".

O G1 tenta contato com as defesas dos demais citados.

Por G1 PR e RPC Curitiba

Esta reportagem está em atualização.