terça-feira, 15 de setembro de 2020

O evangelho bolsonarista

A caridade com as igrejas só se presta a alimentar a base de apoio de Bolsonaro com vista à reeleição, seu único projeto claro

Em célebre passagem da Bíblia (Mateus 22:17-21), o próprio Cristo aconselha a pagar os impostos em dia: “Dai, pois, a César o que é de César, a Deus o que é de Deus”. Religioso como diz ser, o presidente Jair Bolsonaro deve conhecer essa prédica, mas aparentemente se esqueceu dela ao defender a criação de “instrumentos normativos” para permitir que entidades religiosas, já isentas do pagamento de impostos, deixem de pagar também contribuições, como a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e a previdenciária.

A defesa da isenção total para igrejas foi feita depois que Bolsonaro se viu na contingência de, muito a contragosto, vetar um “jabuti” incorporado ao Projeto de Lei 1.581/2020, que trata de acordos para pagamento de precatórios entre a União e seus credores. Se sancionado pelo presidente, o tal quelônio que a Câmara desavergonhadamente aprovou anistiaria R$ 1 bilhão em débitos tributários das igrejas, segundo cálculos da equipe econômica.

O Ministério da Economia, obviamente, recomendou a Bolsonaro que vetasse esse dispositivo, que já seria absurdo em condições normais, mas que se tornaria especialmente ofensivo diante do quadro de penúria fiscal e de despesas crescentes com a pandemia de covid-19. O presidente o fez, mas apenas parcialmente – manteve uma anistia a multas aplicadas pela Receita Federal pela não quitação de tributos sobre a chamada “prebenda”, nome que se dá ao pagamento que ministros de ordens religiosas recebem, entendido como remuneração direta ou indireta. Uma lei de junho de 2015 isentou os religiosos desse tributo, e o dispositivo sancionado por Bolsonaro perdoa todas as autuações feitas antes daquela data. Uma dádiva.

Não é preciso ler a Bíblia para saber que se trata de uma imoralidade – além de uma ilegalidade. Basta consultar o Código Tributário Nacional, cujo artigo 144 mantém multas e autuações mesmo que a lei que as determinou seja posteriormente alterada ou revogada. Foi essa singela constatação – a de que havia um “obstáculo jurídico incontornável”, segundo nota da Secretaria Geral da Presidência – que fez Bolsonaro acatar a necessidade de vetar parcialmente as manobras para privilegiar escandalosamente os donos de igrejas evangélicas que o apoiam. Só a igreja pertencente à família do deputado David Soares, autor do “jabuti”, deve algo em torno de R$ 38 milhões à União.

Mas a fé move montanhas. Enquanto se via obrigado a cumprir o que determina a lei – reconhecendo que, se não o fizesse, incorreria em crime de responsabilidade, com risco inclusive de impeachment –, o presidente Bolsonaro estimulava os deputados a ignorá-la, derrubando seu próprio veto. “Confesso. Caso fosse deputado ou senador, por ocasião da análise do veto que deve ocorrer até outubro, votaria pela derrubada do mesmo (sic)”, declarou o presidente nas redes sociais, desmoralizando de vez o instituto do veto presidencial – fundamental no processo legislativo. Bolsonaro prometeu ainda que apresentará “nesta semana” uma proposta de emenda constitucional para determinar “uma possível solução para estabelecer o alcance adequado para a imunidade das igrejas nas questões tributárias”.

Há tempos o presidente Bolsonaro vem pressionando a Receita Federal a, segundo suas palavras, “resolver o assunto” das dívidas tributárias das igrejas, tema de grande interesse da bancada evangélica. Diante da resistência dos técnicos do Fisco, que preferem a ortodoxia da lei à heterodoxia do evangelho bolsonarista, restou articular a aprovação legislativa de alguma manobra que facilitasse o drible nas obrigações fiscais das igrejas e de seus donos. O problema é que essa caridade com chapéu alheio, além de ser acintosa em tempos de pandemia, só se presta a alimentar a base de apoio de Bolsonaro com vista à sua reeleição, o único projeto claro de sua Presidência até o momento.

Já os brasileiros comuns – religiosos ou ateus – continuarão obrigados a pagar seus impostos em dia, sem a menor possibilidade de perdão – que, no Brasil de Bolsonaro, está reservado somente a uns poucos eleitos. 

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, 15 de setembro de 2020

A política por trás

Foi o vice-presidente Hamilton Mourão quem candidamente definiu a situação: a decisão econômica é fácil, mas “tem política por trás disso”. Falava do debate sobre a posição do presidente Bolsonaro a respeito de uma lei aprovada pelo Congresso que anistiava multas e dívidas previdenciárias de igrejas evangélicas.  

O presidente acabou vetando parcialmente o projeto, no que se refere às contribuições sobre lucros das igrejas, mas sancionou a isenção sobre os salários dos pastores, a chamada “prebenda”, que ganhou na linguagem popular o sentido de “sinecura”.  

No Brasil, o catolicismo era a religião oficial do Estado, que a subvencionava, e as demais religiões eram proibidas pela Constituição de 1824. A separação entre a Igreja e o Estado foi efetivada por decreto em 7 de janeiro de 1890, e oficializada na Constituição de 1891.  

A Constituição de 1988 proíbe aos entes federativos "estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento, ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público."  

Por incrível que pareça, regredimos no debate político à época em que religião e política se misturavam, sem o necessário firewall. O mais vergonhoso é que os artigos sobre as dívidas das igrejas foram incluídos em um projeto que falava de precatórios para financiar recursos para o combate à Covid-19 pelo deputado federal David Soares, filho do missionário R.R. Soares, fundador da Igreja Internacional da Graça de Deus, uma dissidência da Igreja Universal do Reino de Deus, de seu cunhado Edir Macedo.

Esse tipo de manobra é chamado de “jabuti” e é largamente utilizada pelos mais diversos governos para resolver questões que nada têm a ver com o teor do projeto em si, a até de medidas provisórias. Como o Congresso não rejeita esse tipo de ilegalidade e, como agora, se aproveita dela em benefício próprio,seguimos adiante como se nada houvesse.  

 A proposta, porém, era inviável juridicamente, o presidente Bolsonaro relutou muito, mas acabou cedendo à pressão do ministério da Economia, cujos técnicos advertiram que o gasto a mais com a anistia – cerca de R$ 1 bilhão – poderia gerar um processo de impeachment, pois não há previsão no Orçamento para ele, o que é proibido por lei.  

Mas o presidente deu um golpe político inédito, enviando aos congressistas, através de mensagens do twitter, estímulos para que derrubem seu próprio veto. Na postagem, Bolsonaro explicou que, devido à Lei de Diretrizes Orçamentárias e da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), foi “obrigado a vetar dispositivo que isentava as igrejas da Contribuição sobre o Lucro Líquido (CSLL), tudo para que eu evite um quase certo processo de impeachment”.

O governo vai propor “instrumentos normativos a fim de atender a justa demanda das entidades religiosas”, anunciou o Palácio do Planalto. Só um presidente sem noção do cargo que ocupa, e de suas responsabilidades, pode incentivar políticos a derrubarem o veto dele mesmo. É o famoso “auto-golpe”, desta vez parlamentar.

Bolsonaro não sancionou a lei porque sabe que é um escândalo, que a sociedade não aceita, e como houve uma reação muito forte, acabou vetando, e criou essa situação estranha. Além de incentivar sua própria derrota no Congresso, o que seria a derrota do equilíbrio fiscal e da separação do Estado da Igreja, Bolsonaro quer que o Congresso crie uma verba especial para isentar as igrejas de impostos, e promete mandar uma emenda constitucional para transformar em lei esse absurdo.

Igrejas devem ser taxadas pelos produtos que criam – filmes, livros, canções gospel – efeitos dos cultos religiosos que geram lucros formidáveis. O veto à cobrança de impostos sobre os salários dos que atuam nas celebrações é discutível, mas eles deixam de pagar impostos sobre bens particulares que estão em nome das igrejas. Essa é a distorção da lei que pretendem aprovar.  

Merval Pereira, o autor deste artigo, é Jornalista especializado em política. Além de artigos, faz comentários diários na rádio CBN e na Globo News. É membro da Academia Brasileira de Letras. Publicado originalmente por O Globo, edição de 15/09/2020. 

Muito além do R$ 1 bilhão: os tributos que as igrejas não precisam pagar no Brasil

As dívidas das igrejas são resultado de multas (e encargos) aplicadas pela Receita Federal / Direito de imagemNELSON ALMEIDA/GETTY

O Congresso Nacional aprovou um projeto de lei que pode levar ao perdão de enormes dívidas de igrejas com a União. O PL ainda precisa ser sancionado pelo presidente da República — se isso acontecer, o valor perdoado poderia chegar a R$ 1 bilhão, segundo apurou o jornal O Estado de S. Paulo. Mesmo que o perdão das dívidas não aconteça, os tributos que os centros religiosos não precisam pagar no Brasil já são vários.

Entenda quais são eles e o que está em jogo nas mudanças tributárias que vêm pela frente.

Perdão e isenção

O perdão das dívidas que podem somar R$ 1 bilhão será resultado de um pequeno trecho incluído como emenda em um projeto sobre renegociações de precatórios (dívidas do governo cobradas pela Justiça) que tramitava em regime de urgência na Câmara por causa do aumento das dívidas do governo durante a pandemia, o PL 1581 de 2020.

A medida vinha sendo discutida na bancada evangélica desde o ano passado e foi incluída no projeto de lei pelo deputado federal David Soares (DEM-SP), filho do pastor R.R. Soares, líder da igreja evangélica Internacional da Graça de Deus — que tem uma dívida tributária de pelo menos R$ 37 milhões.

O trecho incluído pelo deputado tira as igrejas do rol de instituições obrigadas a pagar a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), o imposto que incide sobre o lucro líquido das instituições e serve para apoiar a seguridade social no país. A emenda também anula autuações feitas pelo não pagamento desse tributo até hoje.

As dívidas das igrejas — que podem somar até R$ 1 bilhão — são resultado de multas (e encargos) aplicadas pela Receita Federal após fiscalizações mostrarem que algumas igrejas haviam feito pagamentos a pastores e líderes sem recolher os tributos devidos, o que foi considerado como manobras para distribuir lucros, tecnicamente chamada de distribuição disfarçada de lucros o que evitaria o pagamento do tributo.

Não há incidência de contribuição à Previdência sobre o pagamento de líderes religiosos se eles receberem um valor sempre igual, mas a Receita Federal identificou que algumas igrejas faziam uma distribuição de dinheiro variável, que se assemelhavam à bonificações e participações nos lucros feitas por empresas.

Membros da bancada evangélica discutiam a medida desde o ano 

passado  /  Direito de imagemAGÊNCIA BRASIL

Impostos e contribuições

No Brasil, as igrejas e centros religiosos de qualquer religião estão entre as instituições às quais a Constituição Federal garante imunidade para impostos.

"Mas isso não quer dizer que elas estão livres de qualquer tipo de tributo", explica Tathiane Piscitelli, professora de direito tributário da FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas).

Impostos são apenas um dos tributos (pagamentos compulsórios ao Estado) existentes no Brasil; e servem para custear em geral as atividades do poder público. Há também taxas e contribuições, que são tributos com finalidades específicas.

As igrejas não são imunes ao pagamento de taxas e contribuições, explica Piscitelli, que também presidente da comissão de direito tributário da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil).

A tributarista explica também que imunidade é diferente de isenção.

"Enquanto a imunidade é garantida pela Constituição e impede qualquer ente público de cobrar os impostos, as isenções são escolhas políticas quanto ao pagamento de tributos específicos, e podem ser alteradas de maneira mais fácil", explica ela.

E a emenda do deputado David Soares visa justamente garantir uma isenção para centros religiosos em uma dessas contribuições, a CSLL.

Mas há pressão da bancada evangélica para que as instituições fiquem livres de outros tributos, como a Contribuição sobre Operações com Bens e Serviços (CBS) — novo tributo previsto pela reforma tributária que vai substituir o PIS e a Cofins.

No texto atual da reforma tributária, a CBS terá isenção para empresas que não exercem atividade econômica, como entidades de assistência social e educação — incluindo igrejas.

Ou seja, o texto pressupõe que nenhuma igreja exerce atividade econômica — mesmo que a Receita Federal tenha encontrado indícios disso na fiscalização.

O que as igrejas não pagam

A imunidade a impostos faz com que nem União, nem Estados e municípios, possam cobrar de centros religiosos qualquer tributo que seja classificado como imposto e que tenha incidência sobre o patrimônio, renda ou serviços dos centros religiosos, explica Piscitelli.

Isso significa que os templos das igrejas não pagam IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), por exemplo, que são pagos pela maioria dos cidadãos nas cidades.

Também não pagam impostos sobre dízimos, rendas e contribuições feitas por fieis.

Embora não seja uma garantia do texto constitucional, uma lei sancionada no ano passado pelo presidente Jair Bolsonaro garante que Estados possam prorrogar por até 15 anos a isenção das igrejas no pagamento de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) em alguns serviços (como na conta de luz).

As instituições também não precisam pagar IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores) — na prática isso significa que se líderes religiosos usam carros que estão em nome da igreja, não há pagamento de imposto sobre eles.

A imunidade, no entanto, não atinge o imposto de renda, que é pago pelos indivíduos e não pelas instituições religiosas. O imposto precisa ser declarado pelo próprio religioso — qualquer sacerdote que receba um pagamento mensal maior do que R$ 1.903,98 deve fazer declaração anual de imposto de renda e pagar ele mesmo o imposto devido.

Não há um cálculo do Fisco de quanta arrecadação o Estado perde com a imunidade das igrejas para impostos.

Mas é um valor que deve ter crescido na última década, já que a receita das igrejas praticamente dobrou no Brasil entre 2006 e 2013, segundo dados obtidos no ano passado pela Folha de S. Paulo, via Lei de Acesso à Informação. A renda das igrejas subiu de R$ 13,3 bilhões, em 2006, para R$ 24,2 bilhões, em 2013, mostra o jornal.

Direito de imagemBETO OLIVEIRA/SENADO FEDERAL

Constituição garante imunidade para impostos à igrejas

Polêmica

A imunidade é polêmica e gera muito debate, mas acabar com ela não seria uma tarefa fácil.

Em tese, "poderia acontecer via emenda constitucional", explica Piscinelli, "mas é possível que nem assim (a imunidade fosse afastada), já que há quem argumente que a imunidade é uma cláusula pétrea da Constituição por estar ligada com a questão da liberdade religiosa."

O argumento de que a isenção é importante para garantir a liberdade religiosa não é exclusivo de religiosos, sendo defendido também por tributaristas e constitucionalistas não religiosos.

A ideia é que não se impeça nenhum grupo de pessoas de exercer sua fé por não conseguir pagar imposto. Já os críticos argumentam que muitas igrejas funcionam como empresas, o que desviaria o propósito constitucional da imunidade.

Letícia Mori, da BBC News Brasil em São Paulo 

segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Força-tarefa da Lava Jato denuncia Lula, Palocci e Okamotto por lavagem de dinheiro

Denúncia do MPF indica repasse de propina pela Odebrecht, por doações ao Instituto Lula; defesa do ex-presidente afirmou que doações estão devidamente documentadas e contabilizadas.

Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi denunciado pela força-tarefa da Lava Jato, nesta segunda-feira (14) — Foto: Fabrice Coffrini/AFP

Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi denunciado pela força-tarefa da Lava Jato, nesta segunda-feira (14) — Foto: Fabrice Coffrini/AFP

A força-tarefa da Lava Jato no Paraná denunciou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci e o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto.

A denúncia de crime por lavagem de dinheiro foi apresentada nesta segunda-feira (14), de acordo com o Ministério Público Federal (MPF).

De acordo com os procuradores, os três cometeram os crimes em ações envolvendo doações da Odebrecht ao Instituto Lula para disfarçar repasses no total de R$ 4 milhões, entre dezembro de 2013 e março de 2014.

A defesa do ex-presidente afirmou que doações estão "devidamente documentadas por meio recibos emitidos pelo Instituto Lula — que não se confunde com a pessoa do ex-presidente — e foram devidamente contabilizadas".

O G1 tenta contato com as defesas dos demais citados.

Por G1 PR e RPC Curitiba

Esta reportagem está em atualização.

Mundo registra recorde de casos diários de covid-19

Em apenas 24 horas, foram mais de 307 mil casos. Nova cifra foi impulsionada por Estados Unidos, Índia e Brasil, mas OMS alerta Europa para possível aumento de mortes em outubro e novembro.


    Pessoa com roupa especial, máscara e óculos de proteção examina homem. Mulher com máscara, sentada no chão, escreve. Outra pessoa com roupa de proteção descansa. Uma terceira pessoa com roupa especial conversa com uma mulher de máscara.

Pessoa com roupa especial, máscara e óculos de proteção examina homem. Mulher com máscara, sentada no chão, escreve. Outra pessoa com roupa de proteção descansa. Uma terceira pessoa com roupa especial conversa com uma mulher de máscara. 

Índia registra várias semanas seguidas e recordes no número de casos diários

O mundo registrou no domingo (13/09) o recorde diário de casos de covid-19: foram contabilizadas 307.930 novas infecções, a maior cifra desde o começo da pandemia, segundo informou a Organização Mundial da Saúde (OMS).

O aumento foi impulsionado, principalmente, por Índia, Estados Unidos e Brasil, os três países com maior número de casos.  No total, o mundo já contabiliza mais de 29 milhões de infecções por covid-19, de acordo com dados da universidade americana Johns Hopkins. No domingo, em 24 horas, foram 5.537 mortes, elevando o total para 917.417.

De acordo com a OMS, o recorde diário anterior havia sido registrado em 6 de setembro, quando foram haviam sido contabilizados 306.857 casos em 24 horas. O dia com o maior número de mortes foi 17 de abril, quando 12.430 óbitos foram registrados.

O número de casos segue em elevação em várias partes o mundo, incluindo na Europa, onde as altas cifras preocupam autoridades. Nesta segunda-feira, o diretor-regional da OMS na Europa, Hans Kluge, alertou que o número de mortes por covid-19 no continente deve subir em outubro e novembro, durante o outono, refletindo a alta nos casos.

"Vai ficar mais difícil. Em outubro e novembro veremos uma mortalidade maior", declarou Kluge à agência de notícias AFP. "Estamos num momento em que os países não querem ouvir este tipo de má notícia, e eu compreendo", completou o diretor-regional da OMS para a Europa.

Kluge também alertou sobre colocar muitas expectativas no desenvolvimento de uma vacina. "Eu ouço o tempo todo: 'a vacina vai acabar com a epidemia'. Claro que não!", afirmou. "Não sabemos nem se a vacina será eficaz em todas as camadas da população. Alguns sinais que recebemos indicam que ela será eficaz para uns, mas não para todos", sublinhou o médico belga. "E se, de repente, tivermos que desenvolver vacinas diferentes, será um pesadelo logístico", acrescentou.

O número de casos na Europa vem aumentando de forma acentuada há várias semanas, especialmente em países como Espanha e França. Apesar disso, o número de óbitos até o momento vem se mantendo estável. Os 55 países membros da OMS Europa se reúnem nesta segunda e terça-feira para discutir a pandemia e acordar estratégias para os próximos cinco anos.

Neste domingo, o Reino Unido registrou, pelo terceiro dia consecutivo, mais de 3 mil casos confirmados de coronavírus em 24 horas – tal sequência não era vista desde maio. Foram 3.330 novas infecções, elevando para 10 mil o total dos últimos três dias, informou o Departamento de Saúde britânico. O número diário de infecções mais que dobrou em comparação com algumas semanas atrás, gerando preocupações de uma segunda onda.

A França é outro país que tem registrado altas preocupantes nos casos. Autoridades francesas reportaram mais de 10.500 novas infecções neste sábado, mil a mais que o registrado na véspera. O número diário é o mais alto no país desde o início da pandemia. O número de pacientes hospitalizados também voltou a crescer. Segundo dados de sábado, 2.432 pessoas foram internadas com o vírus – 75 a mais que no dia anterior. Desses, 417 pacientes estão em unidades de terapia intensiva (UTIs).

Na Áustria, o chanceler federal Sebastian Kurz afimou neste domingo que o país está enfrentando o "início de uma segunda onda" e, por isso, pediu aos cidadãos que cumpram as medidas recém-endurecidas pelo governo para conter a recente alta nos casos.

A República Tcheca bateu seu terceiro recorde consecutivo de casos diários neste domingo, ao registrar 1.541 infecções em 24 horas. Foi ainda o quinto dia seguido com mais de mil novos casos, num país com 10,7 milhões de habitantes.

Aumento de casos em todo mundo

Também no domingo, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, anunciou que o país decidiu impor seu segundo confinamento obrigatório em nível nacional, como resposta a um aumento das infecções pelo coronavírus. A medida valerá por três semanas a partir da próxima sexta-feira. Israel é o primeiro país a reimpor a quarentena em todo seu território.

A princípio, o confinamento se estenderá por toda a temporada de feriados judaicos, com início em 18 de setembro, dia em que se comemora o Ano Novo Judaico, e fim em 9 de outubro, ao fim da semana de festividades conhecida como Sucot.

O premiê destacou que o "objetivo é interromper o aumento [nos casos de covid-19] e reduzir o contágio". O país ultrapassou a marca de 4 mil novas infecções por dia.

Na Indonésia, cerca de 10 milhões de habitantes da capital, Jacarta, terão de respeitar novamente medidas de isolamento social a partir desta segunda-feira por pelo menos duas semanas.  A cidade acumula mais de 54 mil casos desde o início da pandemia, quase um quarto do total nacional. A medida foi tomada devido à preocupação com um possível colapso do sistema de saúde, já com sérias limitações de capacidade.

Na Nova Zelândia, o governo anunciou nesta segunda-feira a prorrogação das medidas de restrição até pelo menos 21 de setembro em todo o território.

Publicado por DW Deutsche Welle, a emissora oficial da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas.

domingo, 13 de setembro de 2020

Pantanal virou cemitério de animais a céu aberto

O Estadão esteve em áreas às margens da rodovia Transpantaneira e encontrou dezenas de animais carbonizados

Pantanal

Jacaré queimado, de ponta cabeça, indica que ele pode ter morrido se debatendo Dida Sampaio| Estadão

Queimadas são consequência de incêndios criminosos e desequilíbrio climático

Segurança não é uma característica da Rodovia Transpantaneira. A paisagem, com suas árvores, áreas alagadas e fauna, ao longo de 145 quilômetros de perigo, permite uma sensação de prazer. Com as queimadas, porém, terrenos secos, habitats dos animais, se transformaram em cemitérios para as espécies.

Na companhia de biólogos que atuam no salvamento de animais, o Estadão esteve em áreas às margens da estrada com dezenas de serpentes carbonizadas. Cascavéis e sucuris morreram contorcidas presas pelo fogo que se alastrou pela mata da várzea e pelos pastos nativos.

Um jacaré queimado, de ponta cabeça, indica que ele pode ter morrido se debatendo, segundo os especialistas. Outro da mesma espécie chegou a identificar a presença de água e partiu em direção a uma área com tímida presença de vegetação. O instinto acertou ao prever a água no local, mas ela estava sob depósitos de cinzas. As patas traseiras estendidas indicavam, segundo biólogos, um esforço extremo do jacaré para correr o mais rápido que pôde.

Pantanal

Jacaré queimado, de ponta cabeça, indica que ele pode ter morrido se debatendo Foto: Dida Sampaio/ Estadão

A única estratégia para poupar vidas de animais que ainda não foram consumidos pelas chamas é espalhar alimentos e água por locais estratégicos. São as ONGs, entidades empurradas por trabalhos de voluntários, que mais se dedicam à tarefa.

Pantanal em chamas

Casco de Jabuti carbonizado durante incêndio no Pantanal  Foto: Dida Sampaio/ Estadão

A bióloga Karen Domingo contou ao Estadão que sai de Cuiabá aos finais de semana para auxiliar no amparo a animais. Os voluntários gastam para comprar os próprios equipamentos de segurança, dormem em instalações improvisadas e se lançam em missões sem estrutura.

Eu acho que o Pantanal é a minha casa. Tenho que dar a minha contribuição,diz Karen Domingo, bióloga

Pantanal em chamas

Cobra morta em incêndio no Pantanal  Foto: Dida Sampaio/ Estadão

O professor de biologia Luiz Solino também tem dedicado os finais de semana ao trabalho. “Acho que preciso dar uma resposta pra sociedade porque fiz meu mestrado em faculdade, e fiz aqui no Pantanal. De alguma forma aproveitei isso”, conta. “São pessoas que estão aqui sem receber um real. Muita gente não acredita, acha que é fake. Mas é o maior evento atípico do Pantanal e quem está atuando são os próprios afetados”, disse Ilvânio, presidente da ONG Ecotrópica, às quais Solino e Karen são ligados. 

Vinícius Valfré e Dida Sampaio, enviados especiais a Poconé (MT) , O Estado de S.Paulo

13 de setembro de 2020 | 15h00


‘Sistema criminal brasileiro é injusto e desigual para a parcela menos abastada da população e leniente com os poderosos’, diz Fachin

Avaliação sobre o sistema criminal brasileiro foi feita em ofício encaminhado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal ao novo presidente da Corte, Luiz Fux, com estatísticas referentes à Operação Lava Jato

O ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin. Foto: Carlos Moura/SCO/STF

O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), qualificou o sistema criminal brasileiro como ‘injusto e desigual’ para a população menos abastada e ‘leniente com os poderosos’. A avaliação foi feita em ofício encaminhado por Fachin na sexta-feira, 11, ao novo presidente do STF, ministro Luiz Fux, com estatísticas referentes à Operação Lava Jato. Fachin é relator dos processos na Corte.

No ofício, Fachin cita dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para corroborar sua visão. De cerca de 800 mil presos, conforme o ministro, ‘é a pobreza que está no cárcere; dos quase 35% dos presos sobre os quais há informação sobre escolaridade, 99% possuem apenas até o ensino médio incompleto, sendo expressiva a quantidade de analfabetos e aqueles somente com nível fundamental’.

Fachin afirma ainda que ‘a raça também é um ingrediente da seletividade punitiva: as pessoas presas de cor preta e parda totalizam 63,6% da população carcerária nacional, consoante dados do Infopen (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias) de junho de 2017’.

“E o mais grave: apenas 1,43% dos presos responde por crimes contra a Administração Pública. Por aí, Senhor Presidente, consoante é consabido, se percebe com nitidez quem é, tradicionalmente, infenso à lei penal”, acrescentou Fachin na mensagem a Fux.

Os relatórios estatísticos a respeito da Lava Jato encaminhados por Fachin informam que, atualmente, existem 32 inquéritos sob sua relatoria. Desde o início da operação, a Procuradoria-Geral da República (PGR) ofereceu denúncia em 29 deles, enquanto a Segunda Turma do STF examinou 20.

Das denúncias, 11 foram recebidas, oito rejeitadas e uma foi declarada extinta. Outros sete inquéritos estão em fase de processamento. Cinco ações penais foram julgadas pela segunda turma do STF. Houve uma condenação.

Fabrício de Castro, de O Estado de São Paulo / BRASÍLIA,13 de setembro de 2020 | 13h13

Brasil tem mais 14 mil casos de covid e 415 mortes

Com novo balanço, país soma agora mais de 4,33 milhões de infectados e 131,6 mil mortos pelo coronavírus, segundo dados oficiais. Mundo registra mais de 307 mil casos em 24 horas e bate novo recorde diário.

    Manifestante simula túmulos na areia em praia do Rio de Janeiro, em protesto contra inação do governo na pandemia

Manifestante simula túmulos na areia em praia do Rio de Janeiro, em protesto contra inação do governo na pandemia

O Brasil registrou 14.768 casos confirmados de coronavírus e 415 mortes ligadas à doença nas últimas 24 horas, segundo dados divulgados neste domingo (13/09) pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e pelo Ministério da Saúde.

O balanço eleva o total de infectados para 4.330.455, enquanto o total de óbitos chega a 131.625. Ao todo, 3.573.958 pessoas se recuperaram da doença, segundo o ministério. O Conass não divulga número de recuperados.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam que os números reais de casos e mortes devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação. As cifras reportadas no fim de semana também costumam ser mais baixas, já que equipes responsáveis pela notificação funcionam em escala reduzida.

São Paulo é o estado brasileiro mais atingido pela epidemia, com 892.257 casos e 32.606 mortes. O total de infectados no território paulista supera os registrados em praticamente todos os países do mundo, exceto Estados Unidos (6,5 milhões), Índia (4,7 milhões) e Rússia (1 milhão).

A Bahia é o segundo estado brasileiro com maior número de casos, somando 282.517, seguida de Minas Gerais (252.263), Rio de Janeiro (242.491), Ceará (227.449) e Pará (214.376).

Já em número de mortos, o Rio é o segundo estado com mais vítimas, somando 16.990 óbitos. Em seguida vêm Ceará (8.686), Pernambuco (7.874), Pará (6.344), Minas Gerais (6.276) e Bahia (5.961).

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 62,6 no Brasil, uma das dez maiores do mundo. A cifra fica bem acima da registrada em países vizinhos como Argentina (25,31) e Uruguai (1,30) e também supera a dos EUA, país mais atingido do planeta, que tem taxa de mortalidade de 59,20.

Por outro lado, nações europeias duramente afetadas, como Reino Unido (62,74) e Bélgica (86,88), ainda aparecem à frente, embora suas taxas estejam praticamente estabilizadas, enquanto a brasileira segue crescendo.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam 6,51 milhões de casos, e da Índia, com 4,75 milhões. Mas é o segundo em número de mortos, depois dos EUA, onde mais de 193 mil pessoas morreram.

A Índia, que chegou a impor uma das maiores quarentenas do mundo no início da pandemia e depois flexibilizou as restrições, é a terceira nação com mais mortos, somando 78,5 mil óbitos.

Neste domingo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) informou que o mundo bateu um novo recorde diário de novas infecções, ao registrar 307.930 casos confirmados em apenas 24 horas. O aumento foi puxado principalmente pela Índia, Estados Unidos e Brasil. Foram reportadas ainda 5.537 mortes neste domingo no planeta.

Ao todo, o mundo já registrou mais de 28,8 milhões de pessoas infectadas pelo coronavírus, enquanto mais de 921 mil morreram em decorrência da doença, segundo contagem mantida pela Universidade Johns Hopkins.

DW / Deutsche Welle, a emissora oficial da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas.

sábado, 12 de setembro de 2020

Em um ano, governo Bolsonaro corta verba para brigadistas em 58%

Apesar de alta das queimadas na Amazônia e no Pantanal, orçamento destinado à contratação de pessoal de prevenção e controle de incêndios florestais em áreas federais sofreu forte redução entre 2019 e 2020

  Brasilien Pantanal Waldbrände (DW/G. Basso)

Até o fim de agosto, fogo consumiu 12% do Pantanal em 2020


Mesmo com as queimadas na Amazônia aumentando 30% em 2019 e com o Pantanal registrando o maior número de queimadas em uma década, o governo Bolsonaro vem cortando drasticamente a verba para contratação de profissionais para prevenção e controle de incêndios florestais em áreas federais. 

O gasto esperado com a contratação de pessoal de combate ao fogo por tempo determinado, somado ao de diárias de civis que atuam como brigadistas, caiu de R$ 23,78 milhões em 2019 para R$ 9,99 milhões neste ano – uma redução de 58%, de acordo com dados oficiais do Portal da Transparência. 

Este foi o segundo ano seguido de redução no orçamento total para prevenção e controle de incêndios florestais em áreas federais. A verba inicialmente planejada para a área em 2018 era de R$ 53,8 milhões, reduzida em 2019 para R$ 45,5 milhões, e para R$ 38,6 milhões em 2020. Do ano passado para este, a redução foi de 15%.

Em meio aos cortes, o Pantanal vive seu pior ano em termos de queimadas de que se tem registro. De janeiro a 10 de setembro de 2020, o Pantanal somou 12.703 focos de incêndio, o mair número para o período desde que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) começou o monitoramento, em 1998. Segundo dados do órgão federal, nos primeiros oito meses do ano, 18.646 km² do bioma foram consumidos pelas chamas, mais da metade disso em agosto.

Historicamente, a situação observada em setembro é ainda pior, com mais áreas de campos, florestas e arbustos queimados. Se o ritmo medido em agosto se mantiver, o Pantanal terá um total de 28, 8 mil km² carbonizados até setembro, superando todos os anos anteriores.

A área queimada até o fim de agosto, equivalente a 15 cidades do Rio de Janeiro inteiras queimadas, representa 12% do Pantanal. O bioma possui 83% de cobertura vegetal nativa e a maior densidade de espécies de mamíferos do mundo, com uma concentração nove vezes maior que a vizinha Amazônia, que também vem sofrendo com as queimadas.

Brasilien Pantanal Waldbrände (DW/G. Basso)

Em Mato Grosso – que, junto com Mato Grosso do Sul, abriga o Pantanal – não chove forte desde maio

Na Floresta Amazônica, 29.307 focos de queimadas foram registrados em agosto deste ano, destruindo uma área maior que a da Eslovênia. O número ficou pouco abaixo dos 30.900 registrados no mesmo período de 2019  que, de acordo com o Inpe, foi o pior mês de agosto para a Amazônia desde 2010, interrompendo uma tendência de queda observada em anos anteriores. 

De acordo com especialistas, nem a Amazônia nem o Pantanal sofrem com incêndios espontâneos. Em Mato Grosso – que, junto com Mato Grosso do Sul, abriga o Pantanal – não chove forte desde maio, logo, não há raios que pudessem inflamar os campos e matas secas, levando à conclusão de que se trata de incêndios irregulares. Isso apesar de o uso do fogo para limpeza e manejo de territórios ter sido proibido no estado entre 1º de julho e 30 de setembro. Segundo decreto estadual, quem provocar queimadas pode ser punido com reclusão de dois a quatro anos e multa a partir de R$ 5 mil por hectare.

Atraso no combate

Em nota, o Ministério do Meio Ambiente afirma que aumentou o número de brigadistas em relação ao último mandato da ex-presidente de Dilma Rousseff. Questionada pela DW Brasil sobre os cortes, a pasta não explicou a questão orçamentária, e afirmou que em 2020 foram contratados 3.326 brigadistas pelo Ibama e pelo ICMBio, contra 2.080 em 2016.

No entanto, os editais de contratação para os profissionais, que costumam ser realizadas a partir de abril, para que as brigadas tenham tempo para o trabalho de prevenção dos incêndios, neste foram publicados somente em junho, atrasando todo o cronograma.

Segundo uma fonte do ICMBio que prefere não se identificar, o trabalho de combate aos incêndios no Pantanal demorou para começar, de modo que agora resta apenas esperar pela chuva e tentar impedir o fogo de consumir construções, pontes e unidades de conservação – os chamados alvos preferenciais.

"O grosso do trabalho de combate é feito de julho a setembro, antes há os trabalhos de queima preventiva, abertura de aceiros, feitos com acompanhamento do PrevFogo. O trabalho preventivo é até 20 vezes mais barato que o combate", calcula.

No Pantanal, Ibama e ICMBio vêm trabalhando em conjunto com bombeiros, militares e o Sesc Pantanal na força conjunta que tenta manter a salvo o Parque Estadual Encontro das Águas e o Parque Nacional do Pantanal Matogrossense, ambos refúgios de vida silvestre. Além do Mato Grosso, as brigadas atuam em outros 16 estados e no Distrito Federal em áreas ido Pantanal, do Cerrado e da Amazônia.

Agosto, mês de queimadas

Em junho, o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), alertou que o desmatamento observado no último um ano e meio na Amazônia poderia ser o prenúncio de uma catástrofe na região. O modus operandi do desmate da floresta é a derrubada em massa das árvores, com tratores que arrastam grandes correntes, derrubando tudo pelo caminho, para, no período seco seguinte, a vegetação ser queimada para limpeza do terreno.

Em nota técnica publicada, o Ipam apontou que, entre janeiro de 2019 e abril de 2020, uma área de 4.509 km² de Floresta Amazônica havia sido derrubada. "Se 100% queimar, pode se instalar uma calamidade de saúde sem precedentes na região ao se somar os efeitos da covid-19", previu, apontando que o mês de agosto é quando grande parte da queima acontece na Amazônia.

Segundo os dados do Inpe citados no início deste texto, a Amazônia teve seu segundo pior agosto da última década em termos de queimadas registradas. No entanto, de acordo com reportagem a Folha de S.Paulo, o sensor Modis, do satélite Aqua, da Nasa, apresentou problemas a partir de meados do mês, prejudicando a medição dos focos de incêndio em algumas áreas. Com isso, é possível que a situação tenha sido ainda mais severa do que a de agosto do ano passado.

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sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Inflação e populismo

A comida encareceu, o consumidor reclamou e o governo reagiu com um showzinho eleitoral, baseado num script já desmoralizado há trinta anos

A comida encareceu, o consumidor reclamou e o governo reagiu com mais populismo. O presidente pediu patriotismo e lucro “próximo de zero” aos donos de supermercados. Em seguida, o Ministério da Justiça deu cinco dias a produtores e comerciantes para explicarem a alta de preços, acenando com multas se forem comprovados aumentos abusivos – um conceito misterioso e estranho à ciência econômica. Enfim, foi zerada a tarifa de importação do arroz, o vilão mais notório da nova crise inflacionária. Resta esperar e conferir se o produto estrangeiro de fato derrubará os preços – efeito duvidoso, se o dólar continuar muito caro. Por enquanto só se viu o showzinho eleitoral, baseado num script já desmoralizado há 30 anos.

Com tanto barulho, muita gente poderá desconfiar de um novo estouro inflacionário. Mas convém olhar alguns números. Com alta de 0,24% em agosto, 0,70% no ano e 2,44% em 12 meses, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), retrato principal da inflação, estará mesmo fora dos conformes?

Para o consumidor pouco familiarizado com estatísticas, aquele número mensal, 0,24%, é uma ficção sem sentido. Algo mais próximo da verdade talvez apareça nos detalhes. Com alta de 3,08% em agosto, o preço do arroz acumula aumento de 19,25% no ano. O do feijão subiu mais de 30% em oito meses, dependendo do tipo e da região, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

No entanto, o custo da alimentação fora de casa diminuiu 0,29% em julho e 0,11% em agosto. Mas quem se importa com isso, se menos pessoas estão comendo fora? Roupas e calçados também ficaram mais baratos, assim como a educação (descontos foram concedidos depois do fechamento de escolas). De novo, isso faz diferença?

Consumidores tendem a dar mais atenção à alta de preços do que à baixa. Além disso, a inflação medida pelos institutos de pesquisa reflete a média das variações de centenas de preços. Seria espantoso se os gastos de alguma família tivessem os mesmos itens do orçamento modelo, com os mesmos pesos. Além disso, hábitos mudaram com a pandemia. Os modelos de orçamento, no entanto, foram mantidos.

Mas a disparada dos preços da comida – porque houve, de fato, disparada – é um fato bem mais complexo do que talvez perceba a maior parte das pessoas, incluídas várias autoridades. Em vários momentos o valor do dólar esteve cerca de 40% acima do nível do início do ano. Valores em torno de R$ 5,60 têm reaparecido com frequência. Um segundo fator, parcialmente associado ao primeiro, é o aumento das exportações do agronegócio.

As estrelas dessas exportações continuam sendo a soja, seus derivados, o milho e as carnes. De janeiro a julho o setor exportou US$ 61,19 bilhões, 9,2% mais que um ano antes, segundo o Ministério da Agricultura. Essa receita, recorde para o período, resultou principalmente do volume, 15,8% superior ao de janeiro-julho de 2019. A China continuou como destino principal.

O aumento do volume exportado ajuda a entender a alta dos preços internos, mas há também o efeito do câmbio. Com maiores embarques e dólar muito mais caro, produtores e distribuidores de alimentos ajustaram seus preços às novas condições.

O câmbio e a perspectiva do retorno em reais estimularam também os embarques de produtos de menor peso nas exportações, como o arroz. As vendas externas de 982,89 mil toneladas desse produto entre janeiro e julho foram um recorde para o período. As vendas têm ficado, em alguns meses, perto do dobro dos volumes de 2019. Alguma surpresa, ainda, quanto aos preços internos?

Quanto ao câmbio, o real tem sido uma das moedas mais desvalorizadas. Muito capital tem saído do País. Além disso, diminuiu o ingresso de recursos, principalmente de curto prazo. Há incerteza quanto às finanças públicas, por causa das prioridades eleitorais do presidente e das pressões por gastos. Além disso, o fogo nas florestas assusta investidores. Parte importante dos problemas está no Palácio do Planalto, bem longe dos armazéns agrícolas e dos supermercados.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, 11 de setembro de 2020 

O conceito de improbidade

Vem em boa hora a revisão de uma lei tão vaga que, no limite, inviabiliza a gestão

 A Câmara está em fase final de articulação para levar a votação um projeto que altera a Lei n.º 8.429, de 1992, que dispõe sobre improbidade administrativa. O texto limita a interpretação do que vem a ser improbidade administrativa e também as punições previstas para agentes públicos eventualmente enquadrados na lei.

À primeira vista, esse projeto sugere um relaxamento do escrutínio e da punição de gestores ímprobos. É bom lembrar que a Lei n.º 8.429 foi aprovada como resposta aos escândalos de corrupção envolvendo o governo Collor. Era, portanto, uma reação legislativa, estimulada por pressão popular, para pôr cobro a malfeitos de dirigentes.

De lá para cá, escândalos não faltaram, e é por essa razão que pode soar estranho que se elabore um projeto supostamente para diminuir, e não aumentar, a punição a administradores desonestos. No entanto, o projeto ora em tramitação não é necessariamente um sintoma de leniência em relação a esses gestores corruptos. Ao contrário: a revisão em discussão, segundo seus defensores, visa justamente a punir apenas os desonestos, e não o gestor que eventualmente comete um erro, como acontece hoje.

Abundam casos, há anos, em que o Ministério Público acusa autoridades de improbidade administrativa em denúncias sem fundamento ou simplesmente fúteis, muitas vezes baseadas em notícias de jornal que os próprios procuradores, como fontes, ajudaram a produzir. Essa distorção decorre da margem muito ampla de interpretação do que vem a ser improbidade.

Com isso, qualquer erro administrativo passou a ser considerado potencial indício de desonestidade. Hoje, se um promotor de Justiça discordar de alguma decisão de um prefeito, pode entrar com processo acusando-o de improbidade, embora a tarefa de julgar o desempenho de um prefeito seja do eleitorado.

O resultado desse estado de coisas é que gestores simplesmente deixam de tomar decisões, esperando ser obrigados a isso pela Justiça. Ou seja, administram a coisa pública por ordem judicial, para se verem livres de processos. A isso se dá o nome de “apagão de canetas”, como explicou o relator do projeto, deputado Carlos Zarattini (PT-SP). “Muitos gestores deixam de tomar decisões, ou se afastam da vida pública, por temor de serem enquadrados de forma indevida na Lei de Improbidade”, disse o parlamentar.

Um dos exemplos citados pelo deputado é o caso da região de Sorocaba (SP), em que, nos últimos 16 anos, 80% dos prefeitos ou ex-prefeitos foram processados por improbidade e 64% sofreram alguma condenação. É muito difícil acreditar que quase todos os prefeitos daquela região fossem efetivamente desonestos, o que sugere que há de fato um exagero nas denúncias.

O projeto que altera a Lei de Improbidade exclui do rol dos atos passíveis de punição aqueles que resultam de “interpretação razoável” da legislação ou dos contratos. A proposta acaba também com a possibilidade de enquadrar o gestor na forma culposa de improbidade, em que a irregularidade é cometida sem intenção – e sim como resultado de imperícia, imprudência ou negligência. Desse modo, cabe ao Ministério Público provar a má intenção do gestor, o que deve reduzir drasticamente as punições por improbidade.

Em nota, a 5.ª Câmara de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal critica o projeto, dizendo que, com ele, haverá impunidade para “um oceano de condutas graves” e, por isso, será “um dos maiores retrocessos no combate à corrupção e defesa da moralidade administrativa”. Para o procurador Ronaldo Queiroz, “esse dispositivo cria um excludente de ilicitude genérico intolerável”.

A preocupação dos procuradores é a mesma de todos os brasileiros interessados no fim da impunidade de administradores corruptos. Mas essa preocupação não pode ser pretexto para criminalizar toda e qualquer conduta administrativa que resulte em prejuízo para o Estado nem tratar gestores como desonestos até prova em contrário. Vem em boa hora, pois, a revisão de uma lei tão vaga que, no limite, acaba por inviabilizar a gestão pública.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

Brasil tem 129,8 mil mortes por Covid

Já são 4.251.455 de infectados pelo coronavírus

Veja os números consolidados:

129.865 mortes confirmadas

4.251.455 casos confirmados

Na quinta-feira, às 20h, o balanço indicou: 129.575 mortes confirmadas, 922 em 24 horas. Com isso, a média móvel de novas mortes no Brasil nos últimos 7 dias foi de 692 óbitos, uma variação de -21% em relação aos dados registrados em 14 dias.

Em casos confirmados, eram 4.239.763 brasileiros com o novo coronavírus desde o começo da pandemia, 40.431 desses confirmados no último dia. A média móvel de casos foi de 27.659 por dia, uma variação de -29% em relação aos casos registrados em 14 dias. Foi a maior queda no número de novos casos que o Brasil registrou desde o início da pandemia.

Fonte: G1 / Globo News

Alta dos alimentos deve agravar insegurança alimentar no Brasil

Aliado ao fim do auxílio emergencial, aumento dos preços pode fazer com que Brasil volte ao Mapa da Fome. Provocada pela alta do dólar e da demanda, inflação dos alimentos deve continuar pelos próximos meses.

    Distribuição de alimentos em favela do Rio de Janeiro

Distribuição de alimentos em favela do Rio: mais pobres são os mais afetados por alta dos alimentos

No começo da pandemia, Tamires Belineli de Souza, recepcionista de 32 anos, desempregada há um, conseguia incluir na cesta de compras mensal da  família 12 litros de leite. Além dela, o leite servia para alimentar a filha de 10 anos e o marido, também sem trabalho. Uma opção de carne ou frango era frequente nas refeições. A família vive atualmente com os R$ 600 reais do auxílio emergencial, e gasta metade com alimentação.

Agora, Souza dá conta de comprar apenas cinco litros de leite por mês. Carne virou quase luxo, e é preciso revezar. "Às vezes, deixo de comer alguma coisa para dar para a minha filha", diz a moradora do Parque Santo Antônio, na Zona Sul da capital paulista, que passou a recorrer a doações para complementar a alimentação.

Para quem gasta tudo ou quase tudo que ganha com comida, não há escapatória diante da inflação dos alimentos: é preciso deixar de comer ou substituir comida nutricionalmente boa por ultraprocessados. Se o auxílio emergencial ajudou a evitar que muita gente caísse na pobreza e até mesmo tirou muitos da situação de vulnerabilidade, a perspectiva do fim do benefício associada à alta dos preços dos alimentos formam uma equação perigosa.

O benefício de R$ 600 reais, que chegou a R$ 1,2 mil para mães solteiras, começou a ser pago em abril para um período inicial de três meses. Em junho, foi alongado por mais dois meses, e no início de setembro, o governo prorrogou a transferência por mais quatro meses, reduzindo a parcela mensal a 300 reais. A última parcela será paga em dezembro.

A inflação dos alimentos no Brasil, na esteira de demanda maior e da forte desvalorização do real frente ao dólar, deve continuar pelos próximos meses, segundo economistas, e tende a agravar o quadro de insegurança alimentar no país, conforme representantes de entidades ligadas a segurança alimentar ouvidos pela DW Brasil.

"Mesmo com o auxílio emergencial, estamos prevendo que o Brasil esteja voltando para o Mapa da Fome", afirma a antropóloga Maria Emilia Pacheco, ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea) e membro do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN).

A fala de Pacheco ecoa a avaliação do economista Daniel Balaban, diretor do Centro de Excelência contra Fome do Programa Mundial de Alimentos (WFP) da Organização das Nações Unidas (ONU). "Isso [alta dos alimentos] é muito preocupante, porque a grande maioria desses 65 milhões de brasileiros que receberam o auxílio utilizam o recurso para comprar comida, o próprio IBGE mostra. Com o preço dos alimentos aumentando, eles têm que comprar menos. E têm um problema nutricional também."

Em 2014, o Brasil deixou o Mapa da Fome da ONU – que inclui países em que mais de 5% da população se encontra em pobreza extrema, ganhando menos que 1,90 dólar por dia –, e caminhava a passos largos para voltar a ele, quando foi "salvo" pelo auxílio emergencial. "Com certeza, acabando o auxílio emergencial, tem risco de voltarmos. A redução [do valor do auxílio] já vai ser um baque", diz Balaban.

Segundo Preto Zezé, representante global da Central Única das Favelas (Cufa), é perceptível um aumento na procura por doações de cestas básicas nos últimos meses, embora ainda não haja dados consolidados dessa alta. Desde o início da pandemia, as doações da entidade já alcançaram 1,175 milhão de famílias em 5 mil favelas. "Você tem o arroz aumentando, e o auxílio caindo. As pessoas estão sem perspectiva", diz.

"Quanto menos se ganha, mais da renda é comprometido com comida. Os mais pobres perceberam uma inflação gigantesca dos alimentos, porque a cesta deles é só de alimentos e foi o que mais subiu nos últimos meses. O brasileiro de classe média alta tem uma cesta muito diversificada, e muitas coisa ele deixou de consumir. Tudo o que a classe média economizou, ela pode gastar a mais em alimentos", diz o economista Andre Braz, do grupo que acompanha o Índice de Preços ao Consumidor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) .

Conforme dados do Datafolha de agosto, a compra de alimentos é o principal destino do auxílio emergencial para 53% dos entrevistados. Entre os que têm renda menor, essa parcela sobe para 61%.

Por que os preços subiram?

Segundo o IBGE, a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de agosto foi de 0,24%, a maior alta para o mês em quatro anos, influenciada principalmente por alimentação e bebidas, que tiveram incremento de 0,78% no período e pelos transportes (0,82%). No acumulado do ano, os alimentos que mais encareceram foram cebola (50,40%), leite longa vida (22,99%), arroz (19,25%) e óleo de soja (18,63%) – este último, ficou 9% mais caro só no mês passado .

Na última semana, o Dieese divulgou que o preço da cesta básica aumentou em 13 de 17 capitais pesquisadas em agosto. Nos últimos 12 meses, todas as capitais nas quais é feita a pesquisa, com exceção de Brasília, tiveram aumento de dois dígitos no preço da cesta.

A alta dos preços dos alimentos é resultado de uma soma de fatores. Recentemente, uma demanda maior da China – principal parceiro comercial do Brasil –, que se recupera economicamente dos impactos da pandemia de covid-19, pressiona os preços internos. De janeiro a agosto, o valor exportado para os chineses cresceu 14% em comparação com o mesmo período do ano passado. Só no mês passado, a alta foi de 8%. Soja e carnes estão entre os líderes no aumento de vendas ao exterior, e é daí que vem a pressão maior sobre esses produtos.

A alta do dólar também contribui, e muito. De agosto de 2019 a agosto deste ano, o real perdeu 36% do seu valor em relação à moeda americana. "Isso aumenta o preço de commodities agrícolas, que passam a custar mais caro para a gente. Não importa que o Brasil seja um grande produtor, porque os preços são cotados internacionalmente", explica Braz.

Essa desvalorização do real, diz o economista, também contribui para que a China compre ainda mais do Brasil, que tem as exportações barateadas pelo câmbio. Se por um lado isso é bom para a balança comercial brasileira, acaba aumentando os preços internamente.

Pobreza e desabrigados aumentam no Brasil em meio à pandemia

Para Balaban, da ONU, há outro ponto importante na equação: a falta de apoio à agricultura familiar, que deixa o consumidor mais refém dos preços internacionais das commodities. Desidratação de programas do governo federal, como o de Aquisição de Alimentos, acabaram por desincentivar os pequenos produtores, aponta.

"São eles que produzem o que comemos, e não o agronegócio. Não existe milagre: se você não apoia os agricultores familiares, você faz com que eles sejam expulsos de sua terra. Todos os países do mundo que se desenvolveram têm agricultura familiar forte", afirma Balaban.

Alguns produtos reagiram também a efeitos sazonais. É o caso do feijão, explica Braz, que teve uma primeira safra ruim, reduzindo a oferta do produto e aumentando o preço. Outro exemplo é o leite, cujo preço sobe no inverno porque há um desgaste das pastagens, que contribui para a perda de peso dos animais e uma consequente produção menor.

Soma-se a isso a demanda interna, que cresceu durante a pandemia à medida que a população passou a fazer mais compras para comer em casa em substituição a refeições fora do domicílio. O próprio auxílio emergencial, que injetou R$ 50 bilhões por mês na economia, contribuiu para a pressão do lado da demanda.

Como praticamente todos esses fatores continuam sobre a mesa, a perspectivava é que os preços dos alimentos continuem sob pressão nos próximos meses. "A inflação dos alimentos deve continuar incômoda, não a vejo cedendo para níveis em torno da meta de inflação", diz o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves.

Apelo a supermercados

O presidente Jair Bolsonaro disse na última terça-feira (08/09) ter feito um apelo aos supermercadistas para que a margem de lucro sobre os produtos alimentares essenciais seja mantida próximo de zero. Isso depois de pedir, na semana passada, "patriotismo" por parte dos empresários e que evitassem repassar os aumentos ao consumidor, reavivando na memória dos brasileiros os chamados "fiscais do Sarney" – segundo o ex-presidente José Sarney, cada cidadão deveria ser um fiscal os preços. Bolsonaro negou, no entanto, que fosse recorrer a canetadas para segurar os preços.

Pacheco, ex-presidente do Consea, acusa o governo federal de culpabilizar supermercadistas ao mesmo tempo que enfraquece órgãos como a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), responsável por estoques públicos, importantes para a manutenção de preços, e programas como o de Aquisição de Alimentos.

Para Gonçalves, não faz sentido debater margem de lucro. "O mais óbvio é tentar aumentar a importação rapidamente, para aumentar a oferta, não tem outro jeito, já que o Brasil não leva muito a sério a questão dos estoques reguladores", diz o economista.

A Câmara de Comércio Exterior (Camex), ligada ao Ministério da Economia, anunciou nesta quarta-feira que decidiu zerar a taxa de importação de arroz, cujo preço subiu de forma mais acentuada nas últimas semanas. A medida vale até 31 de dezembro. "Contribui para alguma desaceleração do arroz, mas é um produto só, e quantos temos na cesta básica? Não parece ser uma coisa séria a ponto de mitigar esse problema", avalia Braz, da FGV.

Senacon e Procon investigam abuso de preços

Após as declarações de Bolsonaro, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), ligada ao Ministério da Justiça, enviou questionamentos, na quarta-feira, às principais empresas e associações ligadas à produção e distribuição de alimentos da cesta básica, que terão cinco dias para responder. A Secretaria também deve discutir junto aos Ministérios da Agricultura e da Economia medidas para mitigar o aumento dos preços.

O órgão também convidou os ministérios da Agricultura e da Economia para discutir medidas que mitiguem o "aumento exponencial nos preços de alimentos que compõem a base alimentar dos brasileiros".

Em comunicado, a Senacon disse não ser possível falar em abuso de preços sem antes avaliar toda a cadeia de produção. Mas, caso seja comprovado que há abusos, podem ser aplicadas multas que ultrapassam R$ 10 milhões.

O Procon também pretende atuar. "Os preços dos alimentos explodiram. Um saco de arroz, por exemplo, chegou a R$ 40. Apesar de sabermos que se trata de uma questão macroeconômica, alta do dólar e facilitação da exportação, o consumidor não pode ser prejudicado. Atuaremos para combater a alta dos preços", afirmou o diretor-executivo do Procon-SP, Fernando Capez, em comunicado à imprensa.

Publicado originalmente por DW / Deutsche Welle Brasil, a emissora internacional da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas.

"Temos um governo inimigo das liberdades", diz Caetano Veloso

Em entrevista à DW Brasil, artista fala sobre os 54 dias que passou na prisão durante a ditadura militar, tema do documentário "Narciso em férias", e diz ver uma perspectiva "sombria" para o Brasil sob Bolsonaro.

    Cena de Narciso em Férias, com Caetano Veloso

Cena de "Narciso em Férias", com Caetano Veloso

"Não podemos esquecer que o golpe militar de 1964 foi apoiado por grande parte da população", diz Caetano

Aos 78 anos, Caetano Veloso convida espectadores a mergulharem em algumas de suas  mais profundas e dolorosas memórias. Ao assistir ao documentário Narciso em Férias, que estreou na última segunda-feira (07/09) na 77ª edição do Festival de Veneza, experimenta-se a força da narrativa, mas também da linguagem corporal e simbólica do cantor e compositor baiano.

Tudo começou quando Paulinha, como Caetano se refere carinhosamente à companheira Paula Lavigne, teve a ideia de recontar o capítulo Narciso em Férias, do livro de memórias Verdade Tropical, com imagens em movimento. Nesse capítulo, o baiano descreve a temporada que passou no cárcere durante a ditadura militar.

A produtora e empresária Lavigne idealizou o documentário e, para dirigi-lo, convidou Renato Terra, que repetiu a parceria com Ricardo Calil, iniciada no longa Uma Noite em 67. "Nesse momento do país, sinto que o filme entra como um sopro de afeto, de esperança, de força e de clareza", diz Terra à DW Brasil.

Os dois diretores optaram por um formato minimalista, no qual cada detalhe ganha relevância: os silêncios, as pausas, as inflexões de Caetano. "Tiramos imagens de arquivo, tiramos entrevistas, tiramos trilha sonora, tiramos qualquer efeito de câmera", explica Terra.

No longa, com 83 minutos de duração e também disponibilizado no Globoplay, Caetano aparece numa sala cinza vazia da Cidade das Artes, espaço cultural inacabado no Rio de Janeiro. Ele está sentado em uma cadeira e algumas vezes, poucas, pega o violão e canta. 

"O Antônio Prata me disse que, ao ver o filme, a experiência dele foi muito melhor assim, porque foi completando o que Caetano estava dizendo com as imagens da cabeça dele. É como um filme de terror, por exemplo, que fica muito mais interessante quando você não mostra o monstro. Você só sugere o monstro", diz Terra.

Os 54 dias de encarceramento de Caetano tiveram início em dezembro de 1968, apenas 14 dias depois da emissão do AI-5. Ele e Gilberto Gil fora retirados de suas casas em São Paulo e levados para o Rio de Janeiro por policiais à paisana. Em entrevista à DW Brasil, Caetano relembra os horrores do cárcere: "Eu tinha uma alucinação de que a minha vida era só aquilo. Eu me lembrava das coisas como se elas fossem apenas sonhos."

Sobre o atual momento vivido pelo Brasil, sob o governo do presidente Jair Bolsonaro, Caetano diz que a perspectiva para o país é "sombria". "Temos um governo inimigo das liberdades [...] No médio prazo, a gente olha para frente e não vê uma coisa muito boa."

DW Brasil: Como era sua rotina durante os 54 dias em que ficou encarcerado?

Caetano Veloso: Gil e eu fomos levados para o 1º Batalhão de Polícia do Exército, na Tijuca. Na primeira semana, eu fiquei numa solitária. Foi terrível. Dormia no chão, tinha uma privada perto da minha cabeça, um chuveiro por cima da privada e nada mais. Depois de alguns dias, eu estava muito mal da cabeça. Achava que nunca tinha vivido outra coisa, senão aquilo. No fim dessa primeira semana, fomos transferidos, Gil e eu, para um outro quartel (da Polícia do Exército da Vila Militar, no subúrbio de Deodoro), onde eu dividi o xadrez com outros rapazes. Eu num xadrez, e Gil no outro. Só por não estar mais na solitária já era melhor, mas continuava ruim. Não tinha onde dormir, tinha mais gente do que a cela podia comportar, tínhamos que dividir um chuveiro para todos. Por fim, me transferiram para o quartel dos paraquedistas do Exército. Desta vez, eu tinha cama, travesseiro, lençol. Tinha até um banheiro separado.

Você dividia a cela com outros artistas e intelectuais?

Eu não. No xadrez de Gil estavam alguns nomes da cultura brasileira, como o poeta Ferreira Gular, o escritor Antônio Calado, o jornalista e romancista Paulo Francis. Geraldo Vandré era procurado. Os militares tinham um ódio violento dele por causa daquela canção Pra não dizer que não falei das flores, que falava de "soldados armados, amados ou não". Eu estava com líderes estudantis, rapazes vinculados à Igreja Católica, mas de esquerda. O Gil estava numa cela melhor porque tinha diploma, ele podia até ter violão. O sofrimento era grande. A minha mulher [Dedé Gadelha] não sabia onde eu estava. Ninguém da minha família sabia. Eu fui sequestrado, estava desaparecido. E já fazia um mês.

Caetano Veloso

Caetano Veloso / Foto do corte de cabelo feito na prisão foi parar no cartaz do filme "Narciso em férias"

Foi nesse momento que você achou que poderia ser assassinado?

Eu vivi muitos momentos terríveis. No período final da primeira semana nessa solitária que eu descrevi, fiquei muito mal da cabeça. Achei que a vida tinha sido sempre aquilo. Porque eu dormia e acordava, e estava sempre ali. Não via ninguém, não via nem a mim mesmo. O carcereiro colocava café e um pedaço de pão através de uma portinhola. Eu tinha uma alucinação de que a minha vida era só aquilo. Eu me lembrava das coisas como se elas fossem apenas sonhos.

Um dia, quando eu estava no segundo quartel, o tenente chegou com um soldado. Eu me lembro que o soldado me olhava chorando. Ele balançava a cabeça, como se reprovasse aquela situação. Eu pensei: "O que será que vai acontecer?" Lembro-me de meus companheiros de cela assustados. Eles me olhavam com uma cara como se também estivessem se perguntando: "O que será que vai acontecer?" Esse tenente e outros dois outros militares me tiraram da cela. Eles me mandaram andar na frente deles. Eu saí da minha cela bastante tenso. Estávamos em uma vila militar. Quando eu estava andando na frente, eles armados atrás de mim disseram para eu não olhar para trás, e eu pensei: "Vão atirar, vão atirar."

Então um deles me disse: "Vire à direita." Eu fui por um corredor, era o barbeiro. Eles cortaram o meu cabelo, e embora eles estivessem simbolicamente tirando mais um pedaço da minha liberdade, fiquei feliz. Eles tosaram meu cabelo num estilo militar, bem batidinho dos lados [A foto do corte foi parar no cartaz do filme].

Você só compôs uma música na prisão. Em qual momento isso aconteceu?

Foi no terceiro quartel, o dos paraquedistas do Exército. A minha mulher [Dedé], enfim, me encontrou. Ela ficava do lado de fora da grade e, assim, podíamos nos ver. Aí minha cabeça melhorou e fiz uma canção meio de vontade de estar fora, de ser solto para eu ver minha irmã mais nova de novo, que era adolescente e tinha uma risada linda, a Irene. Eu fiz essa música sem violão, sem nada.

Caetano Veloso

"Nesse momento do país, sinto que o filme entra como um sopro de afeto, de esperança", diz o diretor Renato Terra

Este é o momento em que você chora no filme, quando a Dedé vai te visitar?

Eu me emocionei por não lembrar o nome do sargento baiano que facilitou meu encontro com Dedé. Depois, ele acabou sendo preso. Não gosto de falar disso. A gente teve que parar a gravação. Mas é preciso ter coragem de enfrentar o tema.

E como foi quando a Dedé te mostrou a foto do planeta Terra pela primeira vez na cadeia?

Foi estimulante. Dedé foi me visitar e levou a revista Manchete. E tinha as primeiras fotos da Terra tiradas do espaço sideral. Era a primeira vez que a gente via a Terra. Claro, estudávamos na escola que "a Terra é redonda", tinha o globo para olharmos, mas ver uma fotografia da Terra tirada do espaço sideral foi a primeira vez. Aquilo me entusiasmou, fiquei pensando... Isso não está em lugar nenhum, estou contando a você. Eu pensei assim: "Mas a Terra aqui aparece toda redondinha, a gente estudou que ela é achatada nos polos, mas nas fotografias nunca aparece achatada. Mais ou menos dez anos depois fiz uma canção chamada Terra, que começa justamente por causa do fato de eu ter visto as primeiras fotos da Terra, tiradas de fora, de dentro de uma cela: "Quando eu me encontrava preso, na cela de uma cadeia, foi que vi pela primeira vez, as tais fotografias…"

O governo Bolsonaro pode ser comparado ao período da ditadura militar?

Nós temos agora um governo de extrema direita, mas que foi eleito democraticamente. Oficialmente, não temos um governo autoritário. Temos um governo inimigo das liberdades. Eles aparelharam as áreas de cultura, de educação. Eles estão fazendo uma corrosão da situação democrática. Isso é perigoso. Sem falar no total desrespeito pelos cuidados ambientais. É duro, porque estão fazendo uma onda populista para se reelegerem em 2022. A perspectiva é sombria. No médio prazo, a gente olha para frente e não vê uma coisa muito boa, não. Eles ficam lutando contra os princípios da democracia, mas dentro das formalidades da democracia. É tenso.

No golpe militar, não houve opção. Foi um golpe. Agora, os brasileiros escolheram este governo...

Olha, não podemos esquecer que o golpe militar de 1964 foi apoiado por grande parte da população e por toda a imprensa. Por toda a imprensa. Ele foi pedido, rogado, pelo Globo, pela Folha de S.Paulo, pelo Estadão, todo mundo. E teve uma passeata que era "Família com Deus pela liberdade", algo assim, que defendia que estávamos sendo ameaçados pelo comunismo, por causa do governo de João Goulart, que, na prática, era de centro-esquerda. Até alguns intelectuais respeitáveis e adoráveis, como Carlos Drummond de Andrade, chegaram a achar razoável que houvesse um golpe.

Publicado originalmente por DW / Deutsche Welle Brasil, a emissora internacional da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas.

Ministro do STF determina que Bolsonaro deponha pessoalmente

Celso de Mello nega pedido para que o presidente prestasse depoimento por escrito no inquérito que apura acusações de interferência na PF feitas por Moro. Decano argumenta que benefício não contempla investigados.

Bolsonaro e Moro romperam em abril, quando o ex-ministro deixou o cargo lançando acusações contra o presidente

    O ex-ministro da Justiça Sergio Moro ao fundo, ao lado do presidente Jair Bolsonaro

O ex-ministro da Justiça Sergio Moro ao fundo, ao lado do presidente Jair Bolsonaro

O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), rejeitou o pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) para que o presidente Jair Bolsonaro prestasse depoimento por escrito no caso que investiga as declarações do ex-ministro Sergio Moro contra ele. A informação foi divulgada pela imprensa brasileira nesta sexta-feira (11/09).

Celso de Mello é relator do inquérito que apura suspeitas de interferência de Bolsonaro na Polícia Federal (PF). A investigação foi aberta em abril, após Moro pedir demissão do Ministério da Justiça e lançar acusações contra o presidente.

Segundo o ex-ministro, Bolsonaro decidiu trocar a chefia da corporação em abril, à época comandada por Maurício Valeixo, para ter acesso a informações de inquéritos sobre a família dele. A exoneração de Valeixo levou à renúncia de Moro ao cargo de ministro no mesmo dia.

Em sua decisão de negar o depoimento por escrito de Bolsonaro, Celso de Mello justificou que o benefício é uma prerrogativa de presidentes somente se eles forem testemunhas ou vítimas no processo, e não quando são réus ou investigados, como é o caso de Bolsonaro. A regra está descrita no Código de Processo Penal.

O ministro também permitiu que Moro envie perguntas, por meio de seus advogados, para serem respondidas pelo presidente durante o depoimento, que deverá ser feito pessoalmente.

"A inquirição do Chefe de Estado, no caso ora em exame, deverá observar o procedimento normal, respeitando-se, desse modo, mediante comparecimento pessoal e em relação de direta imediatidade com a autoridade competente (a Polícia Federal, na espécie), o princípio da oralidade, assegurando-se ao Senhor Sérgio Fernando Moro, querendo, por intermédio de seus Advogados, o direito de participar do ato de interrogatório e de formular reperguntas ao seu coinvestigado", escreveu Celso de Mello no despacho, segundo o jornal Estadão.

O ministro do STF está de licença médica desde 19 de agosto, quando se afastou da Corte para se submeter a um procedimento cirúrgico. Ele deve permanecer ausente até o fim de setembro, mas já pode liberar decisões que haviam sido elaboradas antes da licença.

À revista Veja, a assessoria do decano informou que a decisão sobre Bolsonaro "já se encontrava pronta em 18/08/2020, quando o ministro Celso de Mello, inesperadamente, sofreu internação hospitalar e posterior cirurgia, o que o impediu de assinar o ato decisório em questão, somente vindo a fazê-lo agora".

O caso

Maurício Valeixo foi exonerado da chefia da PF em 24 de abril. Na véspera, Moro havia dito a Bolsonaro que não ficaria no ministério se o diretor-geral fosse afastado, e acabou pedindo demissão na mesma data. À época, o ex-ministro afirmou que não assinou a exoneração de Valeixo e que ficou sabendo dela pelo Diário Oficial. Ele também já havia declarado que Valeixo não pediu para deixar o cargo, como Bolsonaro chegou a alegar.

Ao anunciar sua renúncia, o ex-juiz acusou o presidente de tentar interferir na Polícia Federal ao cobrar a troca da direção-geral, bem como a do comando da Superintendência no Rio de Janeiro. As declarações acabaram levando à abertura de uma investigação pelo Supremo em 28 de abril. Bolsonaro vem negando as acusações desde então.

Tanto o presidente como Moro são investigados na ação, que apura se Bolsonaro de fato tentou interferir na PF, ou se o ex-ministro da Justiça mentiu em suas alegações.

Em depoimento ao Supremo, Moro apontou que uma reunião ministerial realizada em 22 de abril serviria de prova contra Bolsonaro no caso, e Celso de Mello acabou tornando pública a gravação do encontro em maio, gerando fortes repercussões no meio político pelo teor das conversas.

As imagens mostraram que o presidente estava insatisfeito com a Polícia Federal e revelaram desejos de Bolsonaro de proteger seus filhos, irmãos e amigos.

"Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro oficialmente e não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar foder minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura. Vai trocar, se não puder trocar, troca o chefe dele; não pode trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira", disse Bolsonaro na reunião.

Enquanto a defesa do mandatário insiste que a preocupação fosse em torno da segurança física de seus familiares, Moro disse em depoimento que Bolsonaro estava preocupado com investigações em curso que atingiriam sua família, por isso os desejos de trocas em postos-chave da PF.

Publicado originalmente por DW/Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas.    

quinta-feira, 10 de setembro de 2020

O sequestro do Brasil

País continua refém da disputa retórica entre o ruim e o pior, isto é, petismo e bolsonarismo

Brasil continua refém de uma disputa retórica entre o ruim e o pior, que nada tem a ver com a construção de um país democrático e moderno. O presidente Jair Bolsonaro e seu antípoda, o petista Lula da Silva, aproveitaram o Dia da Independência para terçar as conhecidas armas do autoritarismo e do atraso, reiterando a miséria ideológica produzida pelo lulopetismo e pelo bolsonarismo.

“No momento em que celebramos essa data tão especial, reitero, como presidente da República, meu amor à Pátria e meu compromisso com a Constituição e com a preservação da soberania, democracia e liberdade”, discursou Bolsonaro em rede de rádio e TV. Ora, o respeito à Constituição e à democracia é obrigação precípua de todas as autoridades do País, aliás de todo e qualquer brasileiro, e não deveria ser necessário o presidente da República vir a público para confirmar sua disposição de cumpri-la. No caso de Bolsonaro, contudo, é mais que necessário, pois seu histórico de ataques às instituições republicanas, de apoio a movimentos golpistas e de agressão sistemática ao decoro indica profundo desrespeito à Constituição e à democracia.

Assim, o anunciado compromisso de Bolsonaro com a democracia e a Constituição foi bem recebido em parte do meio político – seria mais uma prova de sua disposição de abandonar a truculência que lhe é característica. Mas, como tudo no bolsonarismo, um movimento de natureza intrinsecamente autoritária, as palavras “democracia” e “liberdade” ganham significado bastante diverso daquele consagrado no léxico democrático.

No discurso, Bolsonaro disse que “o sangue dos brasileiros sempre foi derramado por liberdade”. Citou, como exemplos desse heroísmo, a Guerra do Paraguai, a ação da FEB na 2.ª Guerra e, pasme o leitor, o golpe militar de 1964. Ou seja, o presidente equiparou a mobilização militar do País contra inimigos externos à instalação de um regime de força no Brasil para combater inimigos internos – a “sombra do comunismo”, em suas palavras. Isso é o bolsonarismo em seu estado puro: a “liberdade” e a “democracia” que o presidente diz defender são restritas aos brasileiros que andam na linha – os demais, como Bolsonaro mesmo já disse em outros tempos, deveriam ser “fuzilados”.

Enquanto isso, o chefão petista Lula da Silva gravou um pronunciamento em que tratou de relembrar aos brasileiros por que razão o PT foi varrido do poder. A título de denunciar o descaso de Bolsonaro a respeito da pandemia, o ex-presidente recitou todo o abecedário do subdesenvolvimentismo militante. Criticou, por exemplo, a determinação de “pagar juros ao sistema financeiro” com o lucro cambial do Banco Central, dizendo que esses recursos “poderiam estar sendo usados para salvar vidas” na pandemia. Essa afirmação, em si falsa, apenas reitera a rançosa hostilidade esquerdista aos investidores que financiam o governo. Na mesma toada, criticou o teto de gastos, “que deixa o Estado brasileiro de joelhos diante do capital financeiro nacional e internacional”.

Como se fosse líder de chapa estudantil, Lula também atacou o acordo para o uso norte-americano da Base de Alcântara, visto pelo petista como “submissão do Brasil aos interesses militares de Washington”.

Além disso, Lula atacou o “furor privatista” de Bolsonaro, algo que nem os próprios funcionários do governo estão vendo – alguns inclusive pediram demissão recentemente, frustrados com a lentidão do prometido processo de venda de estatais.

Por fim, acusou uma aliança das “forças conservadoras do Brasil” com “interesses de outras potências” para sabotar “os avanços que fizemos”. Até sua prisão Lula atribuiu a uma “criminosa colaboração secreta de organismos de inteligência norte-americanos”.

Enquanto estiver cativo do duelo anacrônico entre lulopetismo e bolsonarismo, repleto de inimigos ocultos, conspirações e imposturas, o Brasil terá enorme dificuldade de identificar seus reais problemas e de arregimentar forças para enfrentá-los. O futuro do País depende da superação, o quanto antes, desse ruinoso embate.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

Fux destaca Lava Jato e diz que não vai permitir recuos no combate à corrupção

        Fux usou seis vezes a palavra 'corrupção' em seu discurso para enfatizar a                    fala contra a impunidade. 'Esses corruptos de ontem e de hoje é que são                       os verdadeiros responsáveis pela ausência de leitos nos hospitais',                                                                             discursou

 

       

O novo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Fux, ao lado do presidente Jair Bolsonaro. Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

O novo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, destacou nesta quinta-feira (10) os resultados da Operação Lava Jato em seu discurso de posse e disse que não vai permitir recuos no combate à corrupção. Considerado um aliado da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, Fux usou seis vezes a palavra “corrupção” em seu discurso para enfatizar a fala contra a impunidade, conforme antecipou o Estadão na edição desta quinta-feira.

O ministro carioca, de 67 anos, assumiu o comando do tribunal em uma cerimônia com cerca de 50 convidados na sala de sessão plenária por conta das restrições impostas pela pandemia do novo coronavírus. Entre as autoridades que prestigiaram a solenidade estão os presidentes da República, Jair Bolsonaro, e da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), além de integrantes do STF.

“Não mediremos esforços para o fortalecimento do combate à corrupção, que ainda circula de forma sombria em ambientes pouco republicanos em nosso País. Como no mito da caverna de Platão, a sociedade brasileira não aceita mais o retrocesso à escuridão e, nessa perspectiva, não admitiremos qualquer recuo no enfrentamento da criminalidade organizada, da lavagem de dinheiro e da corrupção. Aqueles que apostam na desonestidade como meio de vida não encontrarão em mim qualquer condescendência, tolerância ou mesmo uma criativa exegese do Direito”, disse Fux.

“Não permitiremos que se obstruam os avanços que a sociedade brasileira conquistou nos últimos anos, em razão das exitosas operações de combate à corrupção autorizadas pelo Poder Judiciário brasileiro, como ocorreu no Mensalão e tem ocorrido com a Lava Jato”, acrescentou.

O mandato de Fux marca o início de uma era em que o Supremo será presidido por ministros da ala considerada mais linha dura com os réus. Depois dele, o tribunal será comandado por Rosa Weber, Luís Roberto Barroso e pelo relator da Lava Jato, Edson Fachin.

“A tecnologia também será primoroso instrumento para o aprimoramento do sistema de combate à corrupção, e a recuperação de ativos de nosso país por meio de ampliação das parcerias estratégicas com organismos nacionais e internacionais, tão essenciais o ingresso do Brasil na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico)”, observou o ministro.

Durante a presidência do ministro Dias Toffoli, que passou o bastão para Fux nesta quinta-feira, o Supremo impôs uma série de reveses à Operação Lava Jato, como o fim da condução coercitiva para investigados e o veto à possibilidade de prisão após condenação em segunda instância, o que abriu caminho para a soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nesses dois casos, Fux votou alinhado aos interesses dos procuradores de Curitiba.

“Esses corruptos de ontem e de hoje é que são os verdadeiros responsáveis pela ausência de leitos nos hospitais, de saneamento e de saúde para a população carente, pela falta de merenda escolar para as crianças brasileiras e por impor ao pobre trabalhador brasileiro uma vida lindeira à sobrevivência biológica”, frisou o presidente do STF.

Em 36 páginas de discurso, o ministro também reforçou o papel da Corte como defensora da Constituição e criticou a “judicialização vulgar e epidêmica” de questões que deveriam se resolvidas pelos demais poderes.

Currículo. Formado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e doutor em Direito Processual Civil pela mesma instituição, Fux ingressou na magistratura em 1983, atuando como juiz nas Comarcas de Niterói, Caxias e Petrópolis. Foi ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de 2001 até 2011, quando foi indicado pela então presidente Dilma Rousseff a uma vaga no STF.

O ministro também presidiu uma comissão de juristas responsável pelo anteprojeto do novo Código de Processo Civil. Em um dos episódios de maior atrito com o Congresso, mandou devolver à estaca zero à Câmara um projeto com 10 medidas de combate à corrupção.

Rafael Moraes Moura, Jussara Soares e Julia Lindner, de O Estado de São Paulo  BRASÍLIA

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

O bolso do contribuinte

O Congresso demonstrou estar descolado da realidade do País ao aprovar projeto de lei que anistia R$ 1 bilhão em débitos tributários das igrejas

O Congresso, quem diria, demonstrou estar descolado da realidade do País ao aprovar um projeto de lei que anistia R$ 1 bilhão em débitos tributários das igrejas. Trata-se de um despropósito. Já seria inconcebível ainda que o Brasil não estivesse atravessando uma tempestade perfeita, uma crise que combina emergência sanitária, recessão econômica e alta vulnerabilidade social. Quando contraposta às prioridades ditadas por tantas condições adversas, é ainda mais escandalosa essa demonstração de absoluto descaso com o interesse público.

Agora resta torcer para que o presidente Jair Bolsonaro vete o projeto, como lhe foi recomendado pelo Ministério da Economia. Se assim o fizer, Bolsonaro demonstrará ser mais sensível aos imperativos da moralidade pública do que às fortes pressões do lobby das igrejas, em especial ao das denominações evangélicas com expressiva presença nas bancadas da Câmara dos Deputados e do Senado.

O presidente tem até o dia 11 para decidir se veta ou sanciona o projeto.

De acordo com a apuração do Estadão/Broadcast, a bilionária cortesia feita pelo Congresso com o chapéu dos contribuintes é fruto de um “jabuti” inserido pelo deputado David Soares (DEM-SP) no Projeto de Lei (PL) 1.581/2020, que trata dos acordos para pagamento de precatórios entre a União e seus credores. O PL foi aprovado pelo Congresso há poucos dias. Seu principal objetivo é destinar os recursos oriundos de descontos obtidos nesses acordos às ações de combate à pandemia de covid-19 ou à amortização da dívida pública mobiliária federal.

O tema é de alto interesse da bancada evangélica desde pelo menos abril deste ano. Na ocasião, Bolsonaro promoveu uma reunião entre o deputado David Soares e o secretário especial da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto, para tratar especificamente dos passivos tributários das igrejas. O presidente determinou que a equipe econômica “resolvesse o assunto”. Como os técnicos não se mostraram sensíveis à pressão, a solução encontrada foi outra.

A emenda ao PL 1.581/2020 apresentada por David Soares, e aprovada contra o parecer do relator, o deputado Fábio Trad (PSD-MS), isentou as igrejas do pagamento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e da Contribuição Previdenciária. A Constituição proíbe que a União, os Estados e os municípios instituam impostos sobre templos de qualquer culto, mas não isenta as igrejas do pagamento de contribuições, como a CSLL e a Previdenciária.

A Receita Federal autuou as igrejas justamente por ter encontrado o que chamou de “dribles” na legislação a fim de escamotear a distribuição de lucros e outras remunerações aos líderes religiosos como forma de evitar o recolhimento da CSLL e da Contribuição Previdenciária devidas.

Além de isentar as igrejas do pagamento das contribuições, a emenda do deputado David Soares declarou “nulas todas as autuações emitidas” antes de 2015 pela Receita Federal. É no mínimo um abuso de poder do Legislativo conceder deste modo perdão de dívidas já inscritas na Dívida Ativa da União.

A anistia não é apenas imoral. Ela é ilegal. Segundo se lê no relatório do PL 1.581/2020, a anistia contraria frontalmente a Lei 5.172/66 – o Código Tributário Nacional. “A emenda viola o art. 144 do Código Tributário Nacional, segundo o qual o lançamento (de autuações) reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada”, disse o deputado Fábio Trad. Custa crer que os parlamentares que aprovaram a emenda puderam confrontar um diploma legal com tanto desassombro.

Igualmente impressionante é a desenvoltura do deputado David Soares para liderar as tratativas de anistia tributária às igrejas. Seu pai, o pastor R. R. Soares, é líder da Igreja Internacional da Graça de Deus, que deve R$ 38 milhões à União, fora outros débitos em fase de cobrança.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
09 de setembro de 2020 | 03h00

Olhando a banda passar

Pandemia segue matando, Bolsonaro se recupera, mas tema da esquerda é stalinismo. Comenta Vera Magalhães em artigo publicado hoje por O Estado de São Paulo.

 Já são mais de 127 mil os brasileiros mortos pela covid-19. Diante desse número, assim como dos que o antecederam, Jair Bolsonaro segue em sua jornada negacionista. O mais recente ataque ao bom senso se dá em declarações diárias semeando desconfiança na população quanto à necessidade e a segurança da vacinação em massa.

Enquanto isso, num planeta muito distante em que vive uma parcela da esquerda brasileira, a discussão do momento se dá entre os que defendem que o stalinismo nem foi tão nefasto assim e os que lembram o genocídio promovido por Stalin na União Soviética no século passado.

A banda de Bolsonaro passa na janela e nossa gente sofrida para tudo para discutir o passado distante.

Isso não é um fenômeno isolado, um lapso de um feriado prolongado. Tem sido uma constante desde antes da eleição do capitão e segue de forma sistemática e espantosa a cada avanço do presidente contra as liberdades, a ciência, o bom senso, as instituições e o que mais ele tiver pela frente para destruir.

E agora, quando ele se recupera nas pesquisas, ou lá na frente, quando e se chegar competitivo a 2022, a “culpa” certamente terá sido da imprensa, que “normalizou” (bocejos) Bolsonaro, e não dos adversários que não entenderam absolutamente nada do modus operandi do bolsonarismo.

A imprensa sempre denunciou que Bolsonaro era misógino, machista, homofóbico, que louvava a ditadura e aplaudia a tortura. Fez isso de forma repetitiva na campanha. E as pessoas votaram em Bolsonaro apesar ou até por causa disso, a verdade é essa.

A imprensa denuncia os abusos de Bolsonaro diariamente. É vítima preferencial deles. E a banda segue, cantando coisas de amor e fazendo populismo fiscal e político.

Não existe nenhuma organização, da centro direita à esquerda, para desmontar o discurso de Bolsonaro, oferecer alternativas a ele e, principalmente, responsabilizá-lo pela forma como sabota o enfrentamento da pandemia no Brasil.

Agora são os stalinistas do Twitter, mas já tivemos dezenas de discussões igualmente estéreis, que servem para distrair as Carolinas na janela enquanto o tempo e a banda passam.

E parcela considerável da chamada intelligentsia brasileira contribui para a distração. Há algumas semanas, uma intelectual brasileira cuja obra de denúncia do racismo e de defesa da igualdade de raças é incontroversa, Lilia Schwarcz, foi submetida ao tribunal das redes sociais por ter emitido uma opinião crítica a um filme da cantora norte-americana Beyoncé.

Em que isso ajuda na discussão sobre racismo e representatividade no Brasil ou, no sentido mais amplo, na articulação das forças ditas progressistas para se contrapor a Bolsonaro e a seu desmonte das políticas de reparação, por exemplo? Em absolutamente nada. Mas consumiu horas a fio de algumas das principais vozes da oposição e levou a historiadora a ter de se retratar uma, duas, três vezes até receber um desconfiado salvo-conduto para poder voltar a falar. Isso é absolutamente irrazoável e é a chave da nossa tragédia.

O Pantanal queima há semanas, fornecendo imagens cada vez mais tristes de morte de animais e desespero de populações locais, mas estamos sendo distraídos pelo secretário de Cultura, um dublê de canastrão de seriado adolescente dos anos 1990 e bolsominion. É uma armadilha à qual todos nós, jornalistas incluídos, são atraídos diariamente.

Enquanto as opções forem escolher o genocida mais limpinho, ou entre o pronunciamento de Bolsonaro ou Lula no Sete de Setembro, não sairemos da espiral de morte, destruição civilizatória e declínio científico, educacional, cultural e econômico em que estamos enfiados. Olhando a banda passar e esquecidos da vida.

Vera Magalhães é comentarista de política e âncora do Roda Viva, programa de debates da TV Cultura, apresentado às segundas feiras. Este artigo foi publicado originalmente por O Estado de São Paulo, edição de 09.09.20.