quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Tudo pela reeleição

O presidente Jair Bolsonaro, como se sabe, não governa o Brasil - não só por sua patente incapacidade, mas também, como está ficando a cada dia mais claro, por cálculo político

Quem governa deve necessariamente assumir responsabilidades, e muitas vezes, em razão disso, acaba por indispor-se com seu eleitorado, pois muitas decisões duras devem ser tomadas mesmo que acarretem impopularidade e risco eleitoral. Assim agem os estadistas.

Já Bolsonaro, que só pensa em reeleição e jamais desceu do palanque, tudo faz para se livrar do fardo político que lhe foi designado na eleição de 2018. Sempre que vê seu projeto pessoal ameaçado, não titubeia: atribui a terceiros as consequências muitas vezes nefastas de seu modo caótico de administrar o País - e não raro esses terceiros fazem parte de seu próprio governo. É espantoso.

O último episódio dessa série já constrangedora de pusilanimidade foi a repreensão pública de Bolsonaro à sua equipe econômica em razão da informação, divulgada pelo secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, de que o governo cogitava da hipótese de congelar por dois anos o reajuste das aposentadorias para financiar o Renda Brasil, programa com o qual o presidente pretendia deixar sua marca na área social, no lugar do Bolsa Família.

“Acordei hoje surpreendido por manchetes em todos os jornais”, disse Bolsonaro em vídeo divulgado ontem. Em seu já conhecido linguajar trôpego, discursou: “Eu já disse há poucas semanas que jamais vou tirar dinheiro dos pobres para dar aos paupérrimos. Quem porventura propor uma medida como essa, eu só posso dar um cartão vermelho para essa pessoa. É gente que não tem o mínimo de coração, não tem o mínimo de entendimento de como vivem os aposentados do Brasil”.

A indignação de Bolsonaro contra gente de seu próprio governo é o ponto alto de sua ofensiva para se dissociar de tudo o que possa ameaçar sua reeleição. Já havia sido assim no auge da pandemia de covid-19, em que atribuiu ao Supremo Tribunal Federal, aos governadores de Estado e a dois ministros da Saúde que se recusaram a receitar cloroquina a responsabilidade pela escalada da crise econômica e das mortes.

Também foi assim quando, recentemente, os preços dos alimentos, em especial do arroz, subiram nos supermercados: ignorando que o livre mercado está inscrito na Constituição, o presidente fez pose de campeão dos consumidores ao mandar o Ministério da Justiça cobrar explicações dos empresários, reinventando um tal de preço abusivo. O mesmo comportamento se verificou em fevereiro deste ano, quando Bolsonaro atribuiu aos governadores de Estado a culpa pela alta dos preços dos combustíveis, pois segundo ele não abriam mão de arrecadação de ICMS e alguns só pensavam em reeleição.

O bode expiatório da vez é o Ministério da Economia. É forçoso reconhecer que a proposta de congelar o reajuste de aposentadorias para bancar um programa de transferência de renda é de uma perversidade inominável, mas nada surpreendente vinda de um governo cujo ministro da Economia já havia proposto taxar seguro-desemprego, entre outras barbaridades, como a recriação da CPMF com outro nome.

O fato é que Bolsonaro agora tenta se dissociar das soluções propostas sob o comando de Paulo Guedes, mesmo tendo desde sempre total conhecimento da natureza de suas ideias e depois de passar a campanha inteira e boa parte de seu mandato a atribuir ao “superministro” plena autonomia para conduzir a pasta.

Depois de experimentar as delícias da popularidade ao distribuir dinheiro a quem se viu privado de renda na pandemia, Bolsonaro mandou seu Ministério da Economia fazer a mágica de criar um programa de transferência de renda sem cortar despesas. Como isso não é possível, Bolsonaro anunciou que “no meu governo está proibido falar a palavra Renda Brasil” e, como sempre, já escolheu a quem responsabilizar pelo fiasco.

Diga o que disser, o presidente Bolsonaro é o único responsável pela escolha de sua equipe e pelas medidas por ela tomadas, razão pela qual, goste ou não, em algum momento terá de responder por todos os seus atos - e não somente por aqueles que dão voto.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo. Publicado em 16.09.20.

Assassinatos de mulheres sobem no 1º semestre no Brasil, mas agressões e estupros caem; especialistas apontam subnotificação durante pandemia

Houve um crescimento de 2% nos homicídios de mulheres e uma leve alta de 1% nos feminicídios. Mas registros oficiais de lesões corporais, estupros e estupros de vulneráveis caíram no país. Pesquisadoras dizem que não houve diminuição da violência, e sim menos denúncias em meio à quarentena. Governos de estados como Acre e Sergipe admitem subnotificação.

Monitor da Violência: assassinato de mulheres cresceu no 1º semestre

O Brasil teve um aumento de 2% no número de mulheres assassinadas no primeiro semestre deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado. Os casos de feminicídio também subiram. Em contrapartida, os registros de outros crimes relacionados à violência contra a mulher, como agressões e estupros, caíram no país. É o que mostra um levantamento exclusivo feito pelo G1 com base nos dados oficiais dos 26 estados e do Distrito Federal.

Nos primeiros seis meses de 2020, 1.890 mulheres foram mortas de forma violenta em plena pandemia do novo coronavírus – um aumento de 2% em relação ao mesmo período de 2019.

O número de feminicídios, quando as mulheres são mortas pelo simples fato de serem mulheres, também teve uma leve alta. Houve 631 crimes de ódio motivados pela condição de gênero.

Já os casos de lesão corporal no contexto de violência doméstica caíram 11%, e os estupros e estupros de vulneráveis tiveram uma queda de 21% e 20%, respectivamente.

MAIS DADOS: Mulheres negras são as principais vítimas de homicídios; já as brancas compõem quase metade dos casos de lesão corporal e estupro

ANÁLISE DO FBSP: As vidas das mulheres negras importam

ANÁLISE DO NEV: Os efeitos colaterais da pandemia sobre a vida das mulheres

METODOLOGIA: Monitor da Violência

O levantamento faz parte do Monitor da Violência, uma parceria do G1 com o Núcleo de Estudos da Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

A alta nas mortes segue a tendência registrada em todo o país no primeiro semestre deste ano. O percentual de homens mortos, porém, é um pouco superior. Dados do Monitor da Violência apontam que os assassinatos cresceram 6% de janeiro a junho, interrompendo as quedas recordes de mortes violentas no Brasil nos últimos dois anos.

Chama a atenção que o aumento de mortes neste ano aconteceu mesmo durante a pandemia do novo coronavírus, que fez com que estados adotassem diversas medidas de isolamento social. Ou seja, houve alta na violência mesmo com menos pessoas nas ruas.

A queda nos registros de lesões corporais e estupros, por sua vez, impressiona, já que era esperada uma alta com o confinamento. Especialistas afirmam, porém, que se trata de uma subnotificação, isto é, menos denúncias foram feitas em razão das dificuldades impostas pela pandemia. Governos de estados como Acre e Sergipe reforçam que os números estão, de fato, subestimados.

Os dados revelam que:

o Brasil teve 1.890 homicídios dolosos de mulheres no primeiro semestre de 2020 (uma alta de 2% em relação ao mesmo período de 2019)

do total, 631 foram feminicídios, número também maior que o registrado no primeiro semestre do ano passado

14 estados tiveram alta no número de homicídios de mulheres

11 estados contabilizaram mais vítimas de feminicídios de um ano para o outro

Rondônia é o estado com a maior alta (255%) e o maior índice de homicídios de mulheres: 4,4 a cada 100 mil

Acre é o estado com a maior alta (167%) e a maior taxa de feminicídios: 1,8 a cada 100 mil

o país teve 119.546 casos de lesão corporal dolosa em decorrência de violência doméstica (11% a menos que no primeiro semestre de 2019)

houve o registro de 9.310 estupros (uma redução de 21% em um ano)

foram 13.379 estupros de vulnerável (uma queda de 20% no indicador de um ano para o outro)

o Pará tem a maior alta de casos de lesão corporal (46%) e o Mato Grosso, a maior taxa (259 a cada 100 mil).

Rondônia é o único estado do país com alta no número de estupros

Brasil registra aumento de homicídios de mulheres no 1º semestre — Foto: Juliane Monteiro/G1

Pandemia e subnotificação

Segundo especialistas consultadas pelo G1, os registros das mortes e dos outros crimes não letais, como agressões e estupros, devem ser analisados de formas distintas. Isso porque as formas como esses registros são feitos diferem bastante.

Segundo a pesquisadora da Universidade de São Paulo Jackeline Romio, os registros de mortes são mais confiáveis porque passam por um “duplo registro”: são contabilizados nas delegacias e nos sistemas de segurança pública, bem como nos hospitais e nos dados de saúde.

“Por isso, ela é mais registrada que outros tipos de crime e acaba se tornando o próprio indicador de violência na sociedade”, diz Romio.

Valéria Scarance, promotora de Justiça especializada em gênero e enfrentamento à violência contra a mulher, concorda. “Não há subnotificação de morte de mulheres. Mortes são mortes, ainda que não registradas como feminicídio. Por isso, os índices de assassinatos de mulheres representam um importante indicador da evolução da violência de gênero no país”, diz.

Já as lesões corporais e os estupros dependem das denúncias das próprias mulheres.

“O problema da subnotificação é um problema grave para os crimes não letais, porque depende da iniciativa da vítima. E, muitas vezes, as pessoas sofrem a violência e preferem resolver o problema de outra maneira, e não por meio da via institucional”, diz Ana Paula Portella, socióloga e consultora, com doutorado pela Universidade Federal de Pernambuco.

Assim, segundo as especialistas, a queda nos indicadores desses crimes não letais não quer dizer que houve menos violência contra a mulher durante o primeiro semestre, mas, sim, que houve muita subnotificação.

Uma das principais evidências está no fato de que os homicídios dolosos de mulheres cresceram no mesmo período.

“O homicídio é a ‘ponta’ da violência. Então, quando você vê que os homicídios aumentaram, espera-se que outros tipos de violência, que são o processo até essa morte, também tenham aumentado”, diz Jackeline Romio.

A pesquisadora afirma que são diversos fatores por trás da subnotificação.

“A gente está em um contexto de pandemia e fechamento parcial dos serviços públicos que resultam em uma barreira institucional para que a mulher consiga fazer essas queixas e denúncias. Tem a ver também com transporte, com o funcionamento das instituições e dos próprios fóruns e da Justiça”, afirma a pesquisadora.

“As instituições fecharam, mas as ocorrências continuam. Isso causa subnotificação e gera esse ‘delay’ [atraso, demora] entre o número oficial e a realidade vivida pelas mulheres”, diz Jackeline Romio, pesquisadora da USP.

“Este cenário atinge ainda mais gravemente as milhares de mulheres brasileiras em situação de violência doméstica, que muitas vezes se veem confinadas em suas casas com seus agressores e com ainda mais dificuldade em acessar os serviços de proteção e canais de denúncia da violência”, reforçam Isabela Sobral e Juliana Martins, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Para Scarance, o funcionamento dos serviços é essencial para entender os indicadores. “Por que o atendimento é tão importante? Em regra, as mulheres sofrem violências mais severas quando não rompem o silêncio ou não conseguem atendimento adequado e desistem. Assim, se há uma rede estruturada que permite à mulher falar e ser acolhida, as mortes diminuem”, diz.

Romio afirma, porém, que, de forma geral, as instituições públicas não conseguiram adaptar os serviços às novas realidades de pandemia e isolamento social, que passaram a exigir atendimentos digitais.

E, mesmo que os serviços tenham oferecido atendimento digital, Romio lembra que o acesso à internet não é universal no país. “Isso prejudica ainda mais as mulheres pobres, negras, de periferias e regiões afastadas”, diz.

Além disso, as especialistas afirmam que a quarentena conseguiu isolar ainda mais as mulheres em situação vulnerável.

“O agressor está em casa, então é muito difícil você procurar ajuda quando o cara que agride está do seu lado. Então, se ele desconfiar que você está procurando ajuda, é possível que ele se torne mais violento e que você venha sofrer novas agressões”, diz Portella.

“Eu arriscaria dizer que essa redução pode se dever principalmente a essa dificuldade de chegar às instituições de apoio, aos locais onde as mulheres poderiam conseguir ajuda”, diz Ana Paula Portella.

Por isso, segundo Romio, “o subregistro é uma realidade”. “Se tem todo esse diagnóstico de dificuldades e aumento de óbitos, tem evidência de que esses crimes foram subnotificados pela falta de denúncias e pelo impedimento institucional”, afirma.

“Estratégias têm que ser pensadas para que isso possa acontecer de forma democrática, não só para mulheres de classe média e alta, mas também para mulheres pobres, sem internet.”

Casos de violência contra a mulher tiveram queda durante a pandemia — Foto: Juliane Monteiro/G1

Mesmo com queda, números são altos

O levantamento do G1 aponta que, mesmo com menos registros que no ano passado, o número de mulheres vítimas de estupros e de agressões em casa é alto.

Foram 119.546 registros de lesão corporal em contexto de violência doméstica no primeiro semestre deste ano. A queda em relação ao mesmo período do ano passado é de 11%, mas ainda são, em média, 664 mulheres agredidas por seus companheiros dentro de casa por dia.

O mesmo acontece com os casos de estupro e estupro de vulnerável. A queda dos registros de estupro foi de 21%, já que o número passou de 11.812 no ano passado para 9.310 neste ano. A redução de estupro de vulnerável foi de 20% (passou de 16.805 para 13.379).

Mesmo assim, foram registrados 126 casos de estupro e estupro de vulnerável, em média, por dia no primeiro semestre deste ano.

"Sabemos que uma parte significativa dos estupros ocorre no ambiente doméstico e diante da suspensão de diversas atividades, como as escolares, por exemplo, o período de convivência entre autores e vítimas aumentou. Além disso, a presença constante dos autores pode constranger a comunicação do crime às autoridades", dizem Giane Silvestre, Sofia de Carvalho e Debora Piccirillo, do Núcleo de Estudos da Violência da USP.

Mesmo com queda, número de casos de violência contra a mulher é expressivo — Foto: Alexas_Fotos/Creative Common


Mesmo com queda, número de casos de violência contra a mulher é expressivo — Foto: Alexas_Fotos/Creative Commons

Violências desiguais

As especialistas também destacam o fato de que os indicadores não seguem as mesmas tendências de altas e baixas de forma homogênea em todo o país.

Mesmo com queda nacional nos registros de lesão corporal, por exemplo, seis estados tiveram alta de casos no primeiro semestre. A mais acentuada foi a do Pará, que teve 1.827 casos em 2019 e 2.674 neste ano, ou seja, 847 registros a mais (46,4%).

A Secretaria de Segurança Pública do estado diz que "houve aumento da violência doméstica em todo o país, em especial pelo isolamento social decorrente da pandemia da Covid-19", mas que mantém canais para atender as mulheres vítimas de violência, como o aplicativo SOS Maria da Penha.

A pasta diz que ampliou os canais de denúncias anônimas e que aumentou o número de servidores no Centro Integrado de Operações (CIOP) para atender as ocorrências de emergência com maior rapidez.

Os indicadores também não são homogêneos nos outros crimes.

Apesar de a média nacional apontar uma alta de 2% nos homicídios de mulheres no primeiro semestre deste ano, por exemplo, 13 estados tiveram queda. A maior foi registrada em Roraima, estado que teve 18 casos no primeiro semestre de 2019 e apenas seis casos neste ano (ou seja, uma queda de 67%).

Já os outros 14 estados tiveram alta em um nível suficiente para fazer o país registrar um aumento.


Centro de Referência para Mulheres Vítimas de Violência em Rondônia; estado é destaque negativo no levantamento — Foto: Jheniffer Núbia

Os dados de Rondônia são os que chamam mais atenção: 11 mulheres foram assassinadas nos primeiros seis meses do ano passado, ante 39 em 2020, em uma alta de mais de 250%.

O estado aparece também com a maior taxa de mortes de mulheres do país -- ou seja, é a unidade da federação que, proporcionalmente, tem mais mulheres assassinadas. Para ter uma ideia, a taxa nacional é de 1,7 mulher morta a cada 100 mil mulheres. Já a taxa de Rondônia chega a 4,4 a cada 100 mil mulheres.

Uma dessas vítimas foi Anita Lopes, de 42 anos. Ela foi morta pelo marido, José de Souza, de 67 anos, em Ouro Preto do Oeste (RO), no dia 7 de janeiro.

Segundo o delegado Niki Locatelli, Anita queria se separar do marido, mas ele não aceitava o fim do casamento. Durante a madrugada, José pegou uma faca e golpeou a esposa no pescoço. Ela morreu na hora. Na sequência, ele se suicidou.


Anita e José estavam juntos havia 13 anos, segundo delegado — Foto: Reprodução

Apenas três dias depois, um caso semelhante aconteceu em Porto Velho com as irmãs Márcia e Carmelucia. Elas foram assassinadas pelo ex-marido de Márcia, Antônio Pereira de Carvalho, de 68 anos, também por causa do fim do relacionamento.

O crime aconteceu em um escritório de advocacia, onde Márcia e Antônio iam assinar o divórcio. Carmelucia também estava no local, acompanhando a irmã. O homem matou a mulher e a cunhada a tiros e, depois, se matou.

Rondônia também se destaca no levantamento nacional sobre estupro, pois foi o único estado do país a ter alta nos registros. Foram 136 denúncias no ano passado, contra 141 neste ano.

Em nota, o governo de Rondônia diz que “o avanço de casos aconteceu em todo o mundo”. “A convivência intensa, a tensão do momento e o próprio isolamento social, longe de parentes e amigos, são fatores decisivos para que o número de casos de violência doméstica tenham aumentado/piorado.”

O governo diz, porém, que tem promovido campanhas educativas de incentivo a denúncias via 180 e Delegacia Estadual da Mulher.

Agente penitenciário mata esposa e cunhada a tiros e comete suicídio ao assinar divórcio

Alta nos feminicídios

A mesma diferença regional acontece com os feminicídios: 15 estados do país tiveram queda e um se manteve no mesmo nível do primeiro semestre do ano passado. Já os outros 11 tiveram alta, puxando a média nacional para o aumento de 1%.

Desde 9 de março de 2015, a legislação prevê penalidades mais graves para homicídios que se encaixam na definição de feminicídio – ou seja, que envolvam "violência doméstica e familiar e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher". Os casos mais comuns desses assassinatos ocorrem por motivos como a separação.

A maior alta aconteceu no Acre. O número de feminicídios subiu de três no ano passado para oito neste ano, um aumento de quase 170%.

O estado também tem a maior taxa do país para mulheres mortas por feminicídio: 1,8 a cada 100 mil mulheres. É o triplo da taxa nacional, que é de 0,6 a cada 100 mil mulheres.

A chilena Karina Constanza Bobadilha Chat, de 22 anos, morta com mais de 20 facadas em fevereiro deste ano — Foto: Reprodução


A chilena Karina Constanza Bobadilha Chat, de 22 anos, morta com mais de 20 facadas em fevereiro deste ano — Foto: Reprodução

Um destes casos é o da chilena Karina Constanza Bobadilla Chat, de 22 anos, morta com mais de 20 facadas no dia 1º de fevereiro em Rio Branco. O crime ocorreu porque a vítima não aceitava um relacionamento com o suspeito. O homem foi indiciado pelo crime.

Outro caso chocou o estado. Em março deste ano, durante uma discussão, a jovem Katiane de Lima, de 23 anos, foi calada de forma brutal pelo companheiro com pelo menos três facadas, no pescoço, no braço e nas costelas. Ela estava com o filho no colo na hora que foi assassinada.


Katiane de Lima, morta pelo marido com o filho no colo — Foto: Arquivo pessoal 

O Acre também chama a atenção porque, mesmo sendo o estado com a maior alta de feminicídios, foi o que teve a maior queda nos registros de lesões corporais em contexto de violência doméstica: 38,6%. Ou seja, segundo as especialistas, isso aponta que o estado teve uma alta subnotificação desses casos, já que eles teoricamente deviam seguir a mesma tendência das mortes.

O governo do estado afirma que, "durante o período de pandemia, as mulheres que já viviam relacionamentos abusivos ficaram mais tempo sozinhas com seu algoz, e tensões diárias, como insegurança financeira, medo de contrair o vírus, desemprego e uso de bebidas alcoólicas são alguns dos fatores que agravaram as reações violentas nos lares".

O governo admite ainda que "a redução dos serviços da rede de atendimento presencial e a falta de informação dos canais de denúncia também são fatores que fizeram com que as vítimas fossem impedidas de pedir socorro".

Mas ressalta que, desde 2019, faz ações em conjunto com a Justiça para proteger os direitos da mulher vítima de violência doméstica, como o aplicativo Botão da Vida, vinculado à Patrulha Maria da Penha, e a realização de campanhas informativas e educativas para divulgar a legislação e os canais de denúncia.

'Não acreditamos em diminuição repentina'

Outro estado que também reconheceu a existência da subnotificação foi Sergipe. Os registros de estupro de vulnerável caíram 46,4% no estado no primeiro semestre deste ano, a maior diminuição do país.

Questionada sobre os indicadores, a Secretaria de Segurança Pública diz que “a redução nos registros de casos de crimes contra crianças e adolescentes não significa que tenha ocorrido uma queda na incidência dessas práticas delituosas”.

A pasta afirma que a queda dos indicadores “é uma preocupação” e que isso “ocorre em razão da subnotificação”. “As denúncias não estão chegando nas delegacias. (...) Não acreditamos numa diminuição repentina e consistente dos casos.”

A secretaria ainda cita alguns fatores que podem estar por trás da subnotificação. “Por conta das crianças estarem mais isoladas em suas residências, por não estarem ainda nas escolas, tudo isso faz com que exista essa redução de números. Então, pedimos que a sociedade se mobilize e, em caso de suspeita de algum crime ou de alguma violência contra a criança ou o adolescente, que denuncie à polícia e nos canais oficiais”, diz o governo de Sergipe.

Por Clara Velasco, Felipe Grandin, Gabriela Caesar e Thiago Reis. Publicado originalmente por / G1, saite de notícias do Grupo O Globo, GloboNews. 

Missão da ONU vincula Maduro e governo venezuelano a crimes contra a humanidade

A Missão Internacional da ONU sobre a Venezuela investigou 223 casos de possíveis violações dos direitos humanos no país. O próprio Maduro dava ordens para que o serviço de inteligência detivessem pessoas, disseram os investigadores.

Opositores se reúnem em protesto contra Maduro na Venezuela em fevereiro de 2019 — Foto: REUTERS/Adriana Loureiro

Nicolás Maduro, o líder da Venezuela, e os ministros mais importantes de seu governo estão vinculados a possíveis "crimes contra a humanidade", afirmou nesta quarta-feira (16) uma missão da ONU.

Foi apresentado um relatório sobre a prática sistemática de tortura e execuções extrajudiciais no país. Os encarregados pelo texto encontraram "motivos razoáveis para acreditar que as autoridades e as forças de segurança venezuelanas planejaram e executaram desde 2014 graves violações dos direitos humanos", declarou Marta Valiñas, a presidente da missão, citada em um comunicado.

"Algumas violações - incluindo execuções arbitrárias e o uso sistemático de tortura - constituem crimes contra a humanidade", segundo ela.

"Longe de serem atos isolados, estes crimes foram coordenados e cometidos de acordo com as políticas do Estado, com o conhecimento ou o apoio direto dos comandantes e de altos funcionários do governo", acrescentou Valiñas.

Envolvimento de Maduro

Os investigadores afirmaram que têm motivos para acreditar que o próprio Maduro deu ordens ao diretor da agência de inteligência do país, a Sebin, para que oponentes fossem presos sem ordem judicial.

“Depois que essas pessoas eram vigiadas, a informação era juntada, sua comunicação era interceptada e finalmente elas eram detidos sem ordem judicial, só porque havia tal ordem do presidente”, disse Francisco Cox, um dos membros da missão.

Portanto, afirma ele, houve envolvimento e contribuição para cometer crimes da parte de Maduro, ora diretamente, dando ordens, ora evitando a estrutura de comando.

Crise política

A Venezuela vive desde 2015 uma grave crise política, que se aprofundou em 2019 quando o líder opositor e presidente do Parlamento, Juan Guaidó, se proclamou presidente encarregado do país, depois de declarar que Maduro usurpou o cargo com uma reeleição polêmica em 2018.

Em julho, a Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, criticou a situação no país ao apresentar um relatório no qual denunciava "detenções arbitrárias, violações às garantias ao devido processo legal e casos de tortura e desaparecimentos forçados".

Casos investigados

A Missão Internacional Independente de determinação dos fatos das Nações Unidas sobre a República Bolivariana da Venezuela investigou 223 casos, 48 deles examinados de maneira profunda em um relatório exaustivo de 443 páginas.

Além disso, também estudou outros 2.891 casos para "corroborar os padrões de violações e crimes", como execuções extrajudiciais, desaparecimentos forçados, detenções arbitrárias e tortura.

A missão, no entanto, não foi autorizada a visitar a Venezuela porque "o governo não respondeu às solicitações reiteradas" e devido às restrições de viagens provocadas pela pandemia do novo coronavírus. De acordo com o relatório, 274 entrevistas foram realizadas à distância.

A missão reconhece "a natureza da crise e as tensões no país e a responsabilidade do Estado de manter a ordem pública", mas constatou que "o governo, os agentes estatais e os grupos que trabalhavam com eles cometeram violações flagrantes dos direitos humanos de homens e mulheres na Venezuela".

Por France Presse, publicado originalmente no Brasil por G1, O Globo, GloboNews, em 16/09/2020 

terça-feira, 15 de setembro de 2020

Brasil contabiliza média móvel diária de 813 mortos por coronavírus

Nas últimas 24 horas, País teve 34.755 novos casos e 1.090 novas mortses, segundo dados do consórcio dos veículos de imprensa

A média móvel diária de óbitos por covid-19, que registra as oscilações dos últimos sete dias e elimina distorções entre um número alto de meio de semana e baixo de fim de semana, ficou em 813 nesta terça-feira, 15. O Estado do Amapá não divulgou novos dados.

Nas últimas 24 horas, o Brasil teve 34.755 novos casos e 1.090 novos óbitos. Ao todo são 4.384.299 pessoas contaminadas e 133.207 mortos por coronavírus desde o início da pandemia, conforme dados do consórcio dos veículos de imprensa, formado por Estadão, G1, O Globo, Extra, Folha e UOL, e feito em conjunto com as secretarias estaduais de Saúde. O balanço do Ministério da Saúde desta terça mostra que há 3.671.128 brasileiros recuperados da doença e outros 578.016 que seguem em acompanhamento.

São Paulo é o Estado com os maiores números absolutos de covid-19 no País. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Estado com os maiores números absolutos de covid-19 no País, São Paulo contabilizou 7.922 novos casos e 321 novas mortes nas últimas 24 horas. No total, o Estado tem 901.271 infecções diagnosticadas e 32.963 óbitos. De acordo com boletim da Secretaria Estadual de Saúde, são 763.246 pessoas recuperadas. As taxas de ocupação dos leitos de UTI são de 50,3% na Grande São Paulo e 50,7% no Estado.

Já no Rio de Janeiro foram registradas 177 mortes e 1.607 novos casos da doença nas últimas 24 horas. Até agora, 17.180 pessoas morreram em função do coronavírus no Estado, que registra 244.418 casos. 

Parceria

O balanço de óbitos e casos é resultado da parceria entre os seis meios de comunicação que passaram a trabalhar, desde o dia 8 de junho, de forma colaborativa para reunir as informações necessárias nos 26 estados e no Distrito Federal. De forma inédita, a iniciativa foi uma resposta à decisão do governo Bolsonaro de restringir o acesso a dados sobre a pandemia e se manteve mesmo após a manutenção dos registros governamentais.

Segundo o Ministério da Saúde, 36.653 novos casos de covid-19  e 1.113 óbitos foram registrados nas últimas 24 horas, o que eleva o total para 4.382.263 pessoas infectadas e 133.119 que perderam a vida por conta da doença no País. Os números diferem dos compilados pelo consórcio de veículos de imprensa principalmente por causa do horário de coleta dos dados.

Marcela Coelho, O Estado de S.Paulo, 15 de setembro de 2020 | 20h01

O evangelho bolsonarista

A caridade com as igrejas só se presta a alimentar a base de apoio de Bolsonaro com vista à reeleição, seu único projeto claro

Em célebre passagem da Bíblia (Mateus 22:17-21), o próprio Cristo aconselha a pagar os impostos em dia: “Dai, pois, a César o que é de César, a Deus o que é de Deus”. Religioso como diz ser, o presidente Jair Bolsonaro deve conhecer essa prédica, mas aparentemente se esqueceu dela ao defender a criação de “instrumentos normativos” para permitir que entidades religiosas, já isentas do pagamento de impostos, deixem de pagar também contribuições, como a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e a previdenciária.

A defesa da isenção total para igrejas foi feita depois que Bolsonaro se viu na contingência de, muito a contragosto, vetar um “jabuti” incorporado ao Projeto de Lei 1.581/2020, que trata de acordos para pagamento de precatórios entre a União e seus credores. Se sancionado pelo presidente, o tal quelônio que a Câmara desavergonhadamente aprovou anistiaria R$ 1 bilhão em débitos tributários das igrejas, segundo cálculos da equipe econômica.

O Ministério da Economia, obviamente, recomendou a Bolsonaro que vetasse esse dispositivo, que já seria absurdo em condições normais, mas que se tornaria especialmente ofensivo diante do quadro de penúria fiscal e de despesas crescentes com a pandemia de covid-19. O presidente o fez, mas apenas parcialmente – manteve uma anistia a multas aplicadas pela Receita Federal pela não quitação de tributos sobre a chamada “prebenda”, nome que se dá ao pagamento que ministros de ordens religiosas recebem, entendido como remuneração direta ou indireta. Uma lei de junho de 2015 isentou os religiosos desse tributo, e o dispositivo sancionado por Bolsonaro perdoa todas as autuações feitas antes daquela data. Uma dádiva.

Não é preciso ler a Bíblia para saber que se trata de uma imoralidade – além de uma ilegalidade. Basta consultar o Código Tributário Nacional, cujo artigo 144 mantém multas e autuações mesmo que a lei que as determinou seja posteriormente alterada ou revogada. Foi essa singela constatação – a de que havia um “obstáculo jurídico incontornável”, segundo nota da Secretaria Geral da Presidência – que fez Bolsonaro acatar a necessidade de vetar parcialmente as manobras para privilegiar escandalosamente os donos de igrejas evangélicas que o apoiam. Só a igreja pertencente à família do deputado David Soares, autor do “jabuti”, deve algo em torno de R$ 38 milhões à União.

Mas a fé move montanhas. Enquanto se via obrigado a cumprir o que determina a lei – reconhecendo que, se não o fizesse, incorreria em crime de responsabilidade, com risco inclusive de impeachment –, o presidente Bolsonaro estimulava os deputados a ignorá-la, derrubando seu próprio veto. “Confesso. Caso fosse deputado ou senador, por ocasião da análise do veto que deve ocorrer até outubro, votaria pela derrubada do mesmo (sic)”, declarou o presidente nas redes sociais, desmoralizando de vez o instituto do veto presidencial – fundamental no processo legislativo. Bolsonaro prometeu ainda que apresentará “nesta semana” uma proposta de emenda constitucional para determinar “uma possível solução para estabelecer o alcance adequado para a imunidade das igrejas nas questões tributárias”.

Há tempos o presidente Bolsonaro vem pressionando a Receita Federal a, segundo suas palavras, “resolver o assunto” das dívidas tributárias das igrejas, tema de grande interesse da bancada evangélica. Diante da resistência dos técnicos do Fisco, que preferem a ortodoxia da lei à heterodoxia do evangelho bolsonarista, restou articular a aprovação legislativa de alguma manobra que facilitasse o drible nas obrigações fiscais das igrejas e de seus donos. O problema é que essa caridade com chapéu alheio, além de ser acintosa em tempos de pandemia, só se presta a alimentar a base de apoio de Bolsonaro com vista à sua reeleição, o único projeto claro de sua Presidência até o momento.

Já os brasileiros comuns – religiosos ou ateus – continuarão obrigados a pagar seus impostos em dia, sem a menor possibilidade de perdão – que, no Brasil de Bolsonaro, está reservado somente a uns poucos eleitos. 

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, 15 de setembro de 2020

A política por trás

Foi o vice-presidente Hamilton Mourão quem candidamente definiu a situação: a decisão econômica é fácil, mas “tem política por trás disso”. Falava do debate sobre a posição do presidente Bolsonaro a respeito de uma lei aprovada pelo Congresso que anistiava multas e dívidas previdenciárias de igrejas evangélicas.  

O presidente acabou vetando parcialmente o projeto, no que se refere às contribuições sobre lucros das igrejas, mas sancionou a isenção sobre os salários dos pastores, a chamada “prebenda”, que ganhou na linguagem popular o sentido de “sinecura”.  

No Brasil, o catolicismo era a religião oficial do Estado, que a subvencionava, e as demais religiões eram proibidas pela Constituição de 1824. A separação entre a Igreja e o Estado foi efetivada por decreto em 7 de janeiro de 1890, e oficializada na Constituição de 1891.  

A Constituição de 1988 proíbe aos entes federativos "estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento, ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público."  

Por incrível que pareça, regredimos no debate político à época em que religião e política se misturavam, sem o necessário firewall. O mais vergonhoso é que os artigos sobre as dívidas das igrejas foram incluídos em um projeto que falava de precatórios para financiar recursos para o combate à Covid-19 pelo deputado federal David Soares, filho do missionário R.R. Soares, fundador da Igreja Internacional da Graça de Deus, uma dissidência da Igreja Universal do Reino de Deus, de seu cunhado Edir Macedo.

Esse tipo de manobra é chamado de “jabuti” e é largamente utilizada pelos mais diversos governos para resolver questões que nada têm a ver com o teor do projeto em si, a até de medidas provisórias. Como o Congresso não rejeita esse tipo de ilegalidade e, como agora, se aproveita dela em benefício próprio,seguimos adiante como se nada houvesse.  

 A proposta, porém, era inviável juridicamente, o presidente Bolsonaro relutou muito, mas acabou cedendo à pressão do ministério da Economia, cujos técnicos advertiram que o gasto a mais com a anistia – cerca de R$ 1 bilhão – poderia gerar um processo de impeachment, pois não há previsão no Orçamento para ele, o que é proibido por lei.  

Mas o presidente deu um golpe político inédito, enviando aos congressistas, através de mensagens do twitter, estímulos para que derrubem seu próprio veto. Na postagem, Bolsonaro explicou que, devido à Lei de Diretrizes Orçamentárias e da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), foi “obrigado a vetar dispositivo que isentava as igrejas da Contribuição sobre o Lucro Líquido (CSLL), tudo para que eu evite um quase certo processo de impeachment”.

O governo vai propor “instrumentos normativos a fim de atender a justa demanda das entidades religiosas”, anunciou o Palácio do Planalto. Só um presidente sem noção do cargo que ocupa, e de suas responsabilidades, pode incentivar políticos a derrubarem o veto dele mesmo. É o famoso “auto-golpe”, desta vez parlamentar.

Bolsonaro não sancionou a lei porque sabe que é um escândalo, que a sociedade não aceita, e como houve uma reação muito forte, acabou vetando, e criou essa situação estranha. Além de incentivar sua própria derrota no Congresso, o que seria a derrota do equilíbrio fiscal e da separação do Estado da Igreja, Bolsonaro quer que o Congresso crie uma verba especial para isentar as igrejas de impostos, e promete mandar uma emenda constitucional para transformar em lei esse absurdo.

Igrejas devem ser taxadas pelos produtos que criam – filmes, livros, canções gospel – efeitos dos cultos religiosos que geram lucros formidáveis. O veto à cobrança de impostos sobre os salários dos que atuam nas celebrações é discutível, mas eles deixam de pagar impostos sobre bens particulares que estão em nome das igrejas. Essa é a distorção da lei que pretendem aprovar.  

Merval Pereira, o autor deste artigo, é Jornalista especializado em política. Além de artigos, faz comentários diários na rádio CBN e na Globo News. É membro da Academia Brasileira de Letras. Publicado originalmente por O Globo, edição de 15/09/2020. 

Muito além do R$ 1 bilhão: os tributos que as igrejas não precisam pagar no Brasil

As dívidas das igrejas são resultado de multas (e encargos) aplicadas pela Receita Federal / Direito de imagemNELSON ALMEIDA/GETTY

O Congresso Nacional aprovou um projeto de lei que pode levar ao perdão de enormes dívidas de igrejas com a União. O PL ainda precisa ser sancionado pelo presidente da República — se isso acontecer, o valor perdoado poderia chegar a R$ 1 bilhão, segundo apurou o jornal O Estado de S. Paulo. Mesmo que o perdão das dívidas não aconteça, os tributos que os centros religiosos não precisam pagar no Brasil já são vários.

Entenda quais são eles e o que está em jogo nas mudanças tributárias que vêm pela frente.

Perdão e isenção

O perdão das dívidas que podem somar R$ 1 bilhão será resultado de um pequeno trecho incluído como emenda em um projeto sobre renegociações de precatórios (dívidas do governo cobradas pela Justiça) que tramitava em regime de urgência na Câmara por causa do aumento das dívidas do governo durante a pandemia, o PL 1581 de 2020.

A medida vinha sendo discutida na bancada evangélica desde o ano passado e foi incluída no projeto de lei pelo deputado federal David Soares (DEM-SP), filho do pastor R.R. Soares, líder da igreja evangélica Internacional da Graça de Deus — que tem uma dívida tributária de pelo menos R$ 37 milhões.

O trecho incluído pelo deputado tira as igrejas do rol de instituições obrigadas a pagar a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), o imposto que incide sobre o lucro líquido das instituições e serve para apoiar a seguridade social no país. A emenda também anula autuações feitas pelo não pagamento desse tributo até hoje.

As dívidas das igrejas — que podem somar até R$ 1 bilhão — são resultado de multas (e encargos) aplicadas pela Receita Federal após fiscalizações mostrarem que algumas igrejas haviam feito pagamentos a pastores e líderes sem recolher os tributos devidos, o que foi considerado como manobras para distribuir lucros, tecnicamente chamada de distribuição disfarçada de lucros o que evitaria o pagamento do tributo.

Não há incidência de contribuição à Previdência sobre o pagamento de líderes religiosos se eles receberem um valor sempre igual, mas a Receita Federal identificou que algumas igrejas faziam uma distribuição de dinheiro variável, que se assemelhavam à bonificações e participações nos lucros feitas por empresas.

Membros da bancada evangélica discutiam a medida desde o ano 

passado  /  Direito de imagemAGÊNCIA BRASIL

Impostos e contribuições

No Brasil, as igrejas e centros religiosos de qualquer religião estão entre as instituições às quais a Constituição Federal garante imunidade para impostos.

"Mas isso não quer dizer que elas estão livres de qualquer tipo de tributo", explica Tathiane Piscitelli, professora de direito tributário da FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas).

Impostos são apenas um dos tributos (pagamentos compulsórios ao Estado) existentes no Brasil; e servem para custear em geral as atividades do poder público. Há também taxas e contribuições, que são tributos com finalidades específicas.

As igrejas não são imunes ao pagamento de taxas e contribuições, explica Piscitelli, que também presidente da comissão de direito tributário da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil).

A tributarista explica também que imunidade é diferente de isenção.

"Enquanto a imunidade é garantida pela Constituição e impede qualquer ente público de cobrar os impostos, as isenções são escolhas políticas quanto ao pagamento de tributos específicos, e podem ser alteradas de maneira mais fácil", explica ela.

E a emenda do deputado David Soares visa justamente garantir uma isenção para centros religiosos em uma dessas contribuições, a CSLL.

Mas há pressão da bancada evangélica para que as instituições fiquem livres de outros tributos, como a Contribuição sobre Operações com Bens e Serviços (CBS) — novo tributo previsto pela reforma tributária que vai substituir o PIS e a Cofins.

No texto atual da reforma tributária, a CBS terá isenção para empresas que não exercem atividade econômica, como entidades de assistência social e educação — incluindo igrejas.

Ou seja, o texto pressupõe que nenhuma igreja exerce atividade econômica — mesmo que a Receita Federal tenha encontrado indícios disso na fiscalização.

O que as igrejas não pagam

A imunidade a impostos faz com que nem União, nem Estados e municípios, possam cobrar de centros religiosos qualquer tributo que seja classificado como imposto e que tenha incidência sobre o patrimônio, renda ou serviços dos centros religiosos, explica Piscitelli.

Isso significa que os templos das igrejas não pagam IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), por exemplo, que são pagos pela maioria dos cidadãos nas cidades.

Também não pagam impostos sobre dízimos, rendas e contribuições feitas por fieis.

Embora não seja uma garantia do texto constitucional, uma lei sancionada no ano passado pelo presidente Jair Bolsonaro garante que Estados possam prorrogar por até 15 anos a isenção das igrejas no pagamento de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) em alguns serviços (como na conta de luz).

As instituições também não precisam pagar IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores) — na prática isso significa que se líderes religiosos usam carros que estão em nome da igreja, não há pagamento de imposto sobre eles.

A imunidade, no entanto, não atinge o imposto de renda, que é pago pelos indivíduos e não pelas instituições religiosas. O imposto precisa ser declarado pelo próprio religioso — qualquer sacerdote que receba um pagamento mensal maior do que R$ 1.903,98 deve fazer declaração anual de imposto de renda e pagar ele mesmo o imposto devido.

Não há um cálculo do Fisco de quanta arrecadação o Estado perde com a imunidade das igrejas para impostos.

Mas é um valor que deve ter crescido na última década, já que a receita das igrejas praticamente dobrou no Brasil entre 2006 e 2013, segundo dados obtidos no ano passado pela Folha de S. Paulo, via Lei de Acesso à Informação. A renda das igrejas subiu de R$ 13,3 bilhões, em 2006, para R$ 24,2 bilhões, em 2013, mostra o jornal.

Direito de imagemBETO OLIVEIRA/SENADO FEDERAL

Constituição garante imunidade para impostos à igrejas

Polêmica

A imunidade é polêmica e gera muito debate, mas acabar com ela não seria uma tarefa fácil.

Em tese, "poderia acontecer via emenda constitucional", explica Piscinelli, "mas é possível que nem assim (a imunidade fosse afastada), já que há quem argumente que a imunidade é uma cláusula pétrea da Constituição por estar ligada com a questão da liberdade religiosa."

O argumento de que a isenção é importante para garantir a liberdade religiosa não é exclusivo de religiosos, sendo defendido também por tributaristas e constitucionalistas não religiosos.

A ideia é que não se impeça nenhum grupo de pessoas de exercer sua fé por não conseguir pagar imposto. Já os críticos argumentam que muitas igrejas funcionam como empresas, o que desviaria o propósito constitucional da imunidade.

Letícia Mori, da BBC News Brasil em São Paulo 

segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Força-tarefa da Lava Jato denuncia Lula, Palocci e Okamotto por lavagem de dinheiro

Denúncia do MPF indica repasse de propina pela Odebrecht, por doações ao Instituto Lula; defesa do ex-presidente afirmou que doações estão devidamente documentadas e contabilizadas.

Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi denunciado pela força-tarefa da Lava Jato, nesta segunda-feira (14) — Foto: Fabrice Coffrini/AFP

Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi denunciado pela força-tarefa da Lava Jato, nesta segunda-feira (14) — Foto: Fabrice Coffrini/AFP

A força-tarefa da Lava Jato no Paraná denunciou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci e o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto.

A denúncia de crime por lavagem de dinheiro foi apresentada nesta segunda-feira (14), de acordo com o Ministério Público Federal (MPF).

De acordo com os procuradores, os três cometeram os crimes em ações envolvendo doações da Odebrecht ao Instituto Lula para disfarçar repasses no total de R$ 4 milhões, entre dezembro de 2013 e março de 2014.

A defesa do ex-presidente afirmou que doações estão "devidamente documentadas por meio recibos emitidos pelo Instituto Lula — que não se confunde com a pessoa do ex-presidente — e foram devidamente contabilizadas".

O G1 tenta contato com as defesas dos demais citados.

Por G1 PR e RPC Curitiba

Esta reportagem está em atualização.

Mundo registra recorde de casos diários de covid-19

Em apenas 24 horas, foram mais de 307 mil casos. Nova cifra foi impulsionada por Estados Unidos, Índia e Brasil, mas OMS alerta Europa para possível aumento de mortes em outubro e novembro.


    Pessoa com roupa especial, máscara e óculos de proteção examina homem. Mulher com máscara, sentada no chão, escreve. Outra pessoa com roupa de proteção descansa. Uma terceira pessoa com roupa especial conversa com uma mulher de máscara.

Pessoa com roupa especial, máscara e óculos de proteção examina homem. Mulher com máscara, sentada no chão, escreve. Outra pessoa com roupa de proteção descansa. Uma terceira pessoa com roupa especial conversa com uma mulher de máscara. 

Índia registra várias semanas seguidas e recordes no número de casos diários

O mundo registrou no domingo (13/09) o recorde diário de casos de covid-19: foram contabilizadas 307.930 novas infecções, a maior cifra desde o começo da pandemia, segundo informou a Organização Mundial da Saúde (OMS).

O aumento foi impulsionado, principalmente, por Índia, Estados Unidos e Brasil, os três países com maior número de casos.  No total, o mundo já contabiliza mais de 29 milhões de infecções por covid-19, de acordo com dados da universidade americana Johns Hopkins. No domingo, em 24 horas, foram 5.537 mortes, elevando o total para 917.417.

De acordo com a OMS, o recorde diário anterior havia sido registrado em 6 de setembro, quando foram haviam sido contabilizados 306.857 casos em 24 horas. O dia com o maior número de mortes foi 17 de abril, quando 12.430 óbitos foram registrados.

O número de casos segue em elevação em várias partes o mundo, incluindo na Europa, onde as altas cifras preocupam autoridades. Nesta segunda-feira, o diretor-regional da OMS na Europa, Hans Kluge, alertou que o número de mortes por covid-19 no continente deve subir em outubro e novembro, durante o outono, refletindo a alta nos casos.

"Vai ficar mais difícil. Em outubro e novembro veremos uma mortalidade maior", declarou Kluge à agência de notícias AFP. "Estamos num momento em que os países não querem ouvir este tipo de má notícia, e eu compreendo", completou o diretor-regional da OMS para a Europa.

Kluge também alertou sobre colocar muitas expectativas no desenvolvimento de uma vacina. "Eu ouço o tempo todo: 'a vacina vai acabar com a epidemia'. Claro que não!", afirmou. "Não sabemos nem se a vacina será eficaz em todas as camadas da população. Alguns sinais que recebemos indicam que ela será eficaz para uns, mas não para todos", sublinhou o médico belga. "E se, de repente, tivermos que desenvolver vacinas diferentes, será um pesadelo logístico", acrescentou.

O número de casos na Europa vem aumentando de forma acentuada há várias semanas, especialmente em países como Espanha e França. Apesar disso, o número de óbitos até o momento vem se mantendo estável. Os 55 países membros da OMS Europa se reúnem nesta segunda e terça-feira para discutir a pandemia e acordar estratégias para os próximos cinco anos.

Neste domingo, o Reino Unido registrou, pelo terceiro dia consecutivo, mais de 3 mil casos confirmados de coronavírus em 24 horas – tal sequência não era vista desde maio. Foram 3.330 novas infecções, elevando para 10 mil o total dos últimos três dias, informou o Departamento de Saúde britânico. O número diário de infecções mais que dobrou em comparação com algumas semanas atrás, gerando preocupações de uma segunda onda.

A França é outro país que tem registrado altas preocupantes nos casos. Autoridades francesas reportaram mais de 10.500 novas infecções neste sábado, mil a mais que o registrado na véspera. O número diário é o mais alto no país desde o início da pandemia. O número de pacientes hospitalizados também voltou a crescer. Segundo dados de sábado, 2.432 pessoas foram internadas com o vírus – 75 a mais que no dia anterior. Desses, 417 pacientes estão em unidades de terapia intensiva (UTIs).

Na Áustria, o chanceler federal Sebastian Kurz afimou neste domingo que o país está enfrentando o "início de uma segunda onda" e, por isso, pediu aos cidadãos que cumpram as medidas recém-endurecidas pelo governo para conter a recente alta nos casos.

A República Tcheca bateu seu terceiro recorde consecutivo de casos diários neste domingo, ao registrar 1.541 infecções em 24 horas. Foi ainda o quinto dia seguido com mais de mil novos casos, num país com 10,7 milhões de habitantes.

Aumento de casos em todo mundo

Também no domingo, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, anunciou que o país decidiu impor seu segundo confinamento obrigatório em nível nacional, como resposta a um aumento das infecções pelo coronavírus. A medida valerá por três semanas a partir da próxima sexta-feira. Israel é o primeiro país a reimpor a quarentena em todo seu território.

A princípio, o confinamento se estenderá por toda a temporada de feriados judaicos, com início em 18 de setembro, dia em que se comemora o Ano Novo Judaico, e fim em 9 de outubro, ao fim da semana de festividades conhecida como Sucot.

O premiê destacou que o "objetivo é interromper o aumento [nos casos de covid-19] e reduzir o contágio". O país ultrapassou a marca de 4 mil novas infecções por dia.

Na Indonésia, cerca de 10 milhões de habitantes da capital, Jacarta, terão de respeitar novamente medidas de isolamento social a partir desta segunda-feira por pelo menos duas semanas.  A cidade acumula mais de 54 mil casos desde o início da pandemia, quase um quarto do total nacional. A medida foi tomada devido à preocupação com um possível colapso do sistema de saúde, já com sérias limitações de capacidade.

Na Nova Zelândia, o governo anunciou nesta segunda-feira a prorrogação das medidas de restrição até pelo menos 21 de setembro em todo o território.

Publicado por DW Deutsche Welle, a emissora oficial da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas.

domingo, 13 de setembro de 2020

Pantanal virou cemitério de animais a céu aberto

O Estadão esteve em áreas às margens da rodovia Transpantaneira e encontrou dezenas de animais carbonizados

Pantanal

Jacaré queimado, de ponta cabeça, indica que ele pode ter morrido se debatendo Dida Sampaio| Estadão

Queimadas são consequência de incêndios criminosos e desequilíbrio climático

Segurança não é uma característica da Rodovia Transpantaneira. A paisagem, com suas árvores, áreas alagadas e fauna, ao longo de 145 quilômetros de perigo, permite uma sensação de prazer. Com as queimadas, porém, terrenos secos, habitats dos animais, se transformaram em cemitérios para as espécies.

Na companhia de biólogos que atuam no salvamento de animais, o Estadão esteve em áreas às margens da estrada com dezenas de serpentes carbonizadas. Cascavéis e sucuris morreram contorcidas presas pelo fogo que se alastrou pela mata da várzea e pelos pastos nativos.

Um jacaré queimado, de ponta cabeça, indica que ele pode ter morrido se debatendo, segundo os especialistas. Outro da mesma espécie chegou a identificar a presença de água e partiu em direção a uma área com tímida presença de vegetação. O instinto acertou ao prever a água no local, mas ela estava sob depósitos de cinzas. As patas traseiras estendidas indicavam, segundo biólogos, um esforço extremo do jacaré para correr o mais rápido que pôde.

Pantanal

Jacaré queimado, de ponta cabeça, indica que ele pode ter morrido se debatendo Foto: Dida Sampaio/ Estadão

A única estratégia para poupar vidas de animais que ainda não foram consumidos pelas chamas é espalhar alimentos e água por locais estratégicos. São as ONGs, entidades empurradas por trabalhos de voluntários, que mais se dedicam à tarefa.

Pantanal em chamas

Casco de Jabuti carbonizado durante incêndio no Pantanal  Foto: Dida Sampaio/ Estadão

A bióloga Karen Domingo contou ao Estadão que sai de Cuiabá aos finais de semana para auxiliar no amparo a animais. Os voluntários gastam para comprar os próprios equipamentos de segurança, dormem em instalações improvisadas e se lançam em missões sem estrutura.

Eu acho que o Pantanal é a minha casa. Tenho que dar a minha contribuição,diz Karen Domingo, bióloga

Pantanal em chamas

Cobra morta em incêndio no Pantanal  Foto: Dida Sampaio/ Estadão

O professor de biologia Luiz Solino também tem dedicado os finais de semana ao trabalho. “Acho que preciso dar uma resposta pra sociedade porque fiz meu mestrado em faculdade, e fiz aqui no Pantanal. De alguma forma aproveitei isso”, conta. “São pessoas que estão aqui sem receber um real. Muita gente não acredita, acha que é fake. Mas é o maior evento atípico do Pantanal e quem está atuando são os próprios afetados”, disse Ilvânio, presidente da ONG Ecotrópica, às quais Solino e Karen são ligados. 

Vinícius Valfré e Dida Sampaio, enviados especiais a Poconé (MT) , O Estado de S.Paulo

13 de setembro de 2020 | 15h00


‘Sistema criminal brasileiro é injusto e desigual para a parcela menos abastada da população e leniente com os poderosos’, diz Fachin

Avaliação sobre o sistema criminal brasileiro foi feita em ofício encaminhado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal ao novo presidente da Corte, Luiz Fux, com estatísticas referentes à Operação Lava Jato

O ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin. Foto: Carlos Moura/SCO/STF

O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), qualificou o sistema criminal brasileiro como ‘injusto e desigual’ para a população menos abastada e ‘leniente com os poderosos’. A avaliação foi feita em ofício encaminhado por Fachin na sexta-feira, 11, ao novo presidente do STF, ministro Luiz Fux, com estatísticas referentes à Operação Lava Jato. Fachin é relator dos processos na Corte.

No ofício, Fachin cita dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para corroborar sua visão. De cerca de 800 mil presos, conforme o ministro, ‘é a pobreza que está no cárcere; dos quase 35% dos presos sobre os quais há informação sobre escolaridade, 99% possuem apenas até o ensino médio incompleto, sendo expressiva a quantidade de analfabetos e aqueles somente com nível fundamental’.

Fachin afirma ainda que ‘a raça também é um ingrediente da seletividade punitiva: as pessoas presas de cor preta e parda totalizam 63,6% da população carcerária nacional, consoante dados do Infopen (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias) de junho de 2017’.

“E o mais grave: apenas 1,43% dos presos responde por crimes contra a Administração Pública. Por aí, Senhor Presidente, consoante é consabido, se percebe com nitidez quem é, tradicionalmente, infenso à lei penal”, acrescentou Fachin na mensagem a Fux.

Os relatórios estatísticos a respeito da Lava Jato encaminhados por Fachin informam que, atualmente, existem 32 inquéritos sob sua relatoria. Desde o início da operação, a Procuradoria-Geral da República (PGR) ofereceu denúncia em 29 deles, enquanto a Segunda Turma do STF examinou 20.

Das denúncias, 11 foram recebidas, oito rejeitadas e uma foi declarada extinta. Outros sete inquéritos estão em fase de processamento. Cinco ações penais foram julgadas pela segunda turma do STF. Houve uma condenação.

Fabrício de Castro, de O Estado de São Paulo / BRASÍLIA,13 de setembro de 2020 | 13h13

Brasil tem mais 14 mil casos de covid e 415 mortes

Com novo balanço, país soma agora mais de 4,33 milhões de infectados e 131,6 mil mortos pelo coronavírus, segundo dados oficiais. Mundo registra mais de 307 mil casos em 24 horas e bate novo recorde diário.

    Manifestante simula túmulos na areia em praia do Rio de Janeiro, em protesto contra inação do governo na pandemia

Manifestante simula túmulos na areia em praia do Rio de Janeiro, em protesto contra inação do governo na pandemia

O Brasil registrou 14.768 casos confirmados de coronavírus e 415 mortes ligadas à doença nas últimas 24 horas, segundo dados divulgados neste domingo (13/09) pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e pelo Ministério da Saúde.

O balanço eleva o total de infectados para 4.330.455, enquanto o total de óbitos chega a 131.625. Ao todo, 3.573.958 pessoas se recuperaram da doença, segundo o ministério. O Conass não divulga número de recuperados.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam que os números reais de casos e mortes devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação. As cifras reportadas no fim de semana também costumam ser mais baixas, já que equipes responsáveis pela notificação funcionam em escala reduzida.

São Paulo é o estado brasileiro mais atingido pela epidemia, com 892.257 casos e 32.606 mortes. O total de infectados no território paulista supera os registrados em praticamente todos os países do mundo, exceto Estados Unidos (6,5 milhões), Índia (4,7 milhões) e Rússia (1 milhão).

A Bahia é o segundo estado brasileiro com maior número de casos, somando 282.517, seguida de Minas Gerais (252.263), Rio de Janeiro (242.491), Ceará (227.449) e Pará (214.376).

Já em número de mortos, o Rio é o segundo estado com mais vítimas, somando 16.990 óbitos. Em seguida vêm Ceará (8.686), Pernambuco (7.874), Pará (6.344), Minas Gerais (6.276) e Bahia (5.961).

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 62,6 no Brasil, uma das dez maiores do mundo. A cifra fica bem acima da registrada em países vizinhos como Argentina (25,31) e Uruguai (1,30) e também supera a dos EUA, país mais atingido do planeta, que tem taxa de mortalidade de 59,20.

Por outro lado, nações europeias duramente afetadas, como Reino Unido (62,74) e Bélgica (86,88), ainda aparecem à frente, embora suas taxas estejam praticamente estabilizadas, enquanto a brasileira segue crescendo.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam 6,51 milhões de casos, e da Índia, com 4,75 milhões. Mas é o segundo em número de mortos, depois dos EUA, onde mais de 193 mil pessoas morreram.

A Índia, que chegou a impor uma das maiores quarentenas do mundo no início da pandemia e depois flexibilizou as restrições, é a terceira nação com mais mortos, somando 78,5 mil óbitos.

Neste domingo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) informou que o mundo bateu um novo recorde diário de novas infecções, ao registrar 307.930 casos confirmados em apenas 24 horas. O aumento foi puxado principalmente pela Índia, Estados Unidos e Brasil. Foram reportadas ainda 5.537 mortes neste domingo no planeta.

Ao todo, o mundo já registrou mais de 28,8 milhões de pessoas infectadas pelo coronavírus, enquanto mais de 921 mil morreram em decorrência da doença, segundo contagem mantida pela Universidade Johns Hopkins.

DW / Deutsche Welle, a emissora oficial da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas.

sábado, 12 de setembro de 2020

Em um ano, governo Bolsonaro corta verba para brigadistas em 58%

Apesar de alta das queimadas na Amazônia e no Pantanal, orçamento destinado à contratação de pessoal de prevenção e controle de incêndios florestais em áreas federais sofreu forte redução entre 2019 e 2020

  Brasilien Pantanal Waldbrände (DW/G. Basso)

Até o fim de agosto, fogo consumiu 12% do Pantanal em 2020


Mesmo com as queimadas na Amazônia aumentando 30% em 2019 e com o Pantanal registrando o maior número de queimadas em uma década, o governo Bolsonaro vem cortando drasticamente a verba para contratação de profissionais para prevenção e controle de incêndios florestais em áreas federais. 

O gasto esperado com a contratação de pessoal de combate ao fogo por tempo determinado, somado ao de diárias de civis que atuam como brigadistas, caiu de R$ 23,78 milhões em 2019 para R$ 9,99 milhões neste ano – uma redução de 58%, de acordo com dados oficiais do Portal da Transparência. 

Este foi o segundo ano seguido de redução no orçamento total para prevenção e controle de incêndios florestais em áreas federais. A verba inicialmente planejada para a área em 2018 era de R$ 53,8 milhões, reduzida em 2019 para R$ 45,5 milhões, e para R$ 38,6 milhões em 2020. Do ano passado para este, a redução foi de 15%.

Em meio aos cortes, o Pantanal vive seu pior ano em termos de queimadas de que se tem registro. De janeiro a 10 de setembro de 2020, o Pantanal somou 12.703 focos de incêndio, o mair número para o período desde que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) começou o monitoramento, em 1998. Segundo dados do órgão federal, nos primeiros oito meses do ano, 18.646 km² do bioma foram consumidos pelas chamas, mais da metade disso em agosto.

Historicamente, a situação observada em setembro é ainda pior, com mais áreas de campos, florestas e arbustos queimados. Se o ritmo medido em agosto se mantiver, o Pantanal terá um total de 28, 8 mil km² carbonizados até setembro, superando todos os anos anteriores.

A área queimada até o fim de agosto, equivalente a 15 cidades do Rio de Janeiro inteiras queimadas, representa 12% do Pantanal. O bioma possui 83% de cobertura vegetal nativa e a maior densidade de espécies de mamíferos do mundo, com uma concentração nove vezes maior que a vizinha Amazônia, que também vem sofrendo com as queimadas.

Brasilien Pantanal Waldbrände (DW/G. Basso)

Em Mato Grosso – que, junto com Mato Grosso do Sul, abriga o Pantanal – não chove forte desde maio

Na Floresta Amazônica, 29.307 focos de queimadas foram registrados em agosto deste ano, destruindo uma área maior que a da Eslovênia. O número ficou pouco abaixo dos 30.900 registrados no mesmo período de 2019  que, de acordo com o Inpe, foi o pior mês de agosto para a Amazônia desde 2010, interrompendo uma tendência de queda observada em anos anteriores. 

De acordo com especialistas, nem a Amazônia nem o Pantanal sofrem com incêndios espontâneos. Em Mato Grosso – que, junto com Mato Grosso do Sul, abriga o Pantanal – não chove forte desde maio, logo, não há raios que pudessem inflamar os campos e matas secas, levando à conclusão de que se trata de incêndios irregulares. Isso apesar de o uso do fogo para limpeza e manejo de territórios ter sido proibido no estado entre 1º de julho e 30 de setembro. Segundo decreto estadual, quem provocar queimadas pode ser punido com reclusão de dois a quatro anos e multa a partir de R$ 5 mil por hectare.

Atraso no combate

Em nota, o Ministério do Meio Ambiente afirma que aumentou o número de brigadistas em relação ao último mandato da ex-presidente de Dilma Rousseff. Questionada pela DW Brasil sobre os cortes, a pasta não explicou a questão orçamentária, e afirmou que em 2020 foram contratados 3.326 brigadistas pelo Ibama e pelo ICMBio, contra 2.080 em 2016.

No entanto, os editais de contratação para os profissionais, que costumam ser realizadas a partir de abril, para que as brigadas tenham tempo para o trabalho de prevenção dos incêndios, neste foram publicados somente em junho, atrasando todo o cronograma.

Segundo uma fonte do ICMBio que prefere não se identificar, o trabalho de combate aos incêndios no Pantanal demorou para começar, de modo que agora resta apenas esperar pela chuva e tentar impedir o fogo de consumir construções, pontes e unidades de conservação – os chamados alvos preferenciais.

"O grosso do trabalho de combate é feito de julho a setembro, antes há os trabalhos de queima preventiva, abertura de aceiros, feitos com acompanhamento do PrevFogo. O trabalho preventivo é até 20 vezes mais barato que o combate", calcula.

No Pantanal, Ibama e ICMBio vêm trabalhando em conjunto com bombeiros, militares e o Sesc Pantanal na força conjunta que tenta manter a salvo o Parque Estadual Encontro das Águas e o Parque Nacional do Pantanal Matogrossense, ambos refúgios de vida silvestre. Além do Mato Grosso, as brigadas atuam em outros 16 estados e no Distrito Federal em áreas ido Pantanal, do Cerrado e da Amazônia.

Agosto, mês de queimadas

Em junho, o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), alertou que o desmatamento observado no último um ano e meio na Amazônia poderia ser o prenúncio de uma catástrofe na região. O modus operandi do desmate da floresta é a derrubada em massa das árvores, com tratores que arrastam grandes correntes, derrubando tudo pelo caminho, para, no período seco seguinte, a vegetação ser queimada para limpeza do terreno.

Em nota técnica publicada, o Ipam apontou que, entre janeiro de 2019 e abril de 2020, uma área de 4.509 km² de Floresta Amazônica havia sido derrubada. "Se 100% queimar, pode se instalar uma calamidade de saúde sem precedentes na região ao se somar os efeitos da covid-19", previu, apontando que o mês de agosto é quando grande parte da queima acontece na Amazônia.

Segundo os dados do Inpe citados no início deste texto, a Amazônia teve seu segundo pior agosto da última década em termos de queimadas registradas. No entanto, de acordo com reportagem a Folha de S.Paulo, o sensor Modis, do satélite Aqua, da Nasa, apresentou problemas a partir de meados do mês, prejudicando a medição dos focos de incêndio em algumas áreas. Com isso, é possível que a situação tenha sido ainda mais severa do que a de agosto do ano passado.

DW Deutsche Welle, a emissora internacional de Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Inflação e populismo

A comida encareceu, o consumidor reclamou e o governo reagiu com um showzinho eleitoral, baseado num script já desmoralizado há trinta anos

A comida encareceu, o consumidor reclamou e o governo reagiu com mais populismo. O presidente pediu patriotismo e lucro “próximo de zero” aos donos de supermercados. Em seguida, o Ministério da Justiça deu cinco dias a produtores e comerciantes para explicarem a alta de preços, acenando com multas se forem comprovados aumentos abusivos – um conceito misterioso e estranho à ciência econômica. Enfim, foi zerada a tarifa de importação do arroz, o vilão mais notório da nova crise inflacionária. Resta esperar e conferir se o produto estrangeiro de fato derrubará os preços – efeito duvidoso, se o dólar continuar muito caro. Por enquanto só se viu o showzinho eleitoral, baseado num script já desmoralizado há 30 anos.

Com tanto barulho, muita gente poderá desconfiar de um novo estouro inflacionário. Mas convém olhar alguns números. Com alta de 0,24% em agosto, 0,70% no ano e 2,44% em 12 meses, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), retrato principal da inflação, estará mesmo fora dos conformes?

Para o consumidor pouco familiarizado com estatísticas, aquele número mensal, 0,24%, é uma ficção sem sentido. Algo mais próximo da verdade talvez apareça nos detalhes. Com alta de 3,08% em agosto, o preço do arroz acumula aumento de 19,25% no ano. O do feijão subiu mais de 30% em oito meses, dependendo do tipo e da região, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

No entanto, o custo da alimentação fora de casa diminuiu 0,29% em julho e 0,11% em agosto. Mas quem se importa com isso, se menos pessoas estão comendo fora? Roupas e calçados também ficaram mais baratos, assim como a educação (descontos foram concedidos depois do fechamento de escolas). De novo, isso faz diferença?

Consumidores tendem a dar mais atenção à alta de preços do que à baixa. Além disso, a inflação medida pelos institutos de pesquisa reflete a média das variações de centenas de preços. Seria espantoso se os gastos de alguma família tivessem os mesmos itens do orçamento modelo, com os mesmos pesos. Além disso, hábitos mudaram com a pandemia. Os modelos de orçamento, no entanto, foram mantidos.

Mas a disparada dos preços da comida – porque houve, de fato, disparada – é um fato bem mais complexo do que talvez perceba a maior parte das pessoas, incluídas várias autoridades. Em vários momentos o valor do dólar esteve cerca de 40% acima do nível do início do ano. Valores em torno de R$ 5,60 têm reaparecido com frequência. Um segundo fator, parcialmente associado ao primeiro, é o aumento das exportações do agronegócio.

As estrelas dessas exportações continuam sendo a soja, seus derivados, o milho e as carnes. De janeiro a julho o setor exportou US$ 61,19 bilhões, 9,2% mais que um ano antes, segundo o Ministério da Agricultura. Essa receita, recorde para o período, resultou principalmente do volume, 15,8% superior ao de janeiro-julho de 2019. A China continuou como destino principal.

O aumento do volume exportado ajuda a entender a alta dos preços internos, mas há também o efeito do câmbio. Com maiores embarques e dólar muito mais caro, produtores e distribuidores de alimentos ajustaram seus preços às novas condições.

O câmbio e a perspectiva do retorno em reais estimularam também os embarques de produtos de menor peso nas exportações, como o arroz. As vendas externas de 982,89 mil toneladas desse produto entre janeiro e julho foram um recorde para o período. As vendas têm ficado, em alguns meses, perto do dobro dos volumes de 2019. Alguma surpresa, ainda, quanto aos preços internos?

Quanto ao câmbio, o real tem sido uma das moedas mais desvalorizadas. Muito capital tem saído do País. Além disso, diminuiu o ingresso de recursos, principalmente de curto prazo. Há incerteza quanto às finanças públicas, por causa das prioridades eleitorais do presidente e das pressões por gastos. Além disso, o fogo nas florestas assusta investidores. Parte importante dos problemas está no Palácio do Planalto, bem longe dos armazéns agrícolas e dos supermercados.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, 11 de setembro de 2020 

O conceito de improbidade

Vem em boa hora a revisão de uma lei tão vaga que, no limite, inviabiliza a gestão

 A Câmara está em fase final de articulação para levar a votação um projeto que altera a Lei n.º 8.429, de 1992, que dispõe sobre improbidade administrativa. O texto limita a interpretação do que vem a ser improbidade administrativa e também as punições previstas para agentes públicos eventualmente enquadrados na lei.

À primeira vista, esse projeto sugere um relaxamento do escrutínio e da punição de gestores ímprobos. É bom lembrar que a Lei n.º 8.429 foi aprovada como resposta aos escândalos de corrupção envolvendo o governo Collor. Era, portanto, uma reação legislativa, estimulada por pressão popular, para pôr cobro a malfeitos de dirigentes.

De lá para cá, escândalos não faltaram, e é por essa razão que pode soar estranho que se elabore um projeto supostamente para diminuir, e não aumentar, a punição a administradores desonestos. No entanto, o projeto ora em tramitação não é necessariamente um sintoma de leniência em relação a esses gestores corruptos. Ao contrário: a revisão em discussão, segundo seus defensores, visa justamente a punir apenas os desonestos, e não o gestor que eventualmente comete um erro, como acontece hoje.

Abundam casos, há anos, em que o Ministério Público acusa autoridades de improbidade administrativa em denúncias sem fundamento ou simplesmente fúteis, muitas vezes baseadas em notícias de jornal que os próprios procuradores, como fontes, ajudaram a produzir. Essa distorção decorre da margem muito ampla de interpretação do que vem a ser improbidade.

Com isso, qualquer erro administrativo passou a ser considerado potencial indício de desonestidade. Hoje, se um promotor de Justiça discordar de alguma decisão de um prefeito, pode entrar com processo acusando-o de improbidade, embora a tarefa de julgar o desempenho de um prefeito seja do eleitorado.

O resultado desse estado de coisas é que gestores simplesmente deixam de tomar decisões, esperando ser obrigados a isso pela Justiça. Ou seja, administram a coisa pública por ordem judicial, para se verem livres de processos. A isso se dá o nome de “apagão de canetas”, como explicou o relator do projeto, deputado Carlos Zarattini (PT-SP). “Muitos gestores deixam de tomar decisões, ou se afastam da vida pública, por temor de serem enquadrados de forma indevida na Lei de Improbidade”, disse o parlamentar.

Um dos exemplos citados pelo deputado é o caso da região de Sorocaba (SP), em que, nos últimos 16 anos, 80% dos prefeitos ou ex-prefeitos foram processados por improbidade e 64% sofreram alguma condenação. É muito difícil acreditar que quase todos os prefeitos daquela região fossem efetivamente desonestos, o que sugere que há de fato um exagero nas denúncias.

O projeto que altera a Lei de Improbidade exclui do rol dos atos passíveis de punição aqueles que resultam de “interpretação razoável” da legislação ou dos contratos. A proposta acaba também com a possibilidade de enquadrar o gestor na forma culposa de improbidade, em que a irregularidade é cometida sem intenção – e sim como resultado de imperícia, imprudência ou negligência. Desse modo, cabe ao Ministério Público provar a má intenção do gestor, o que deve reduzir drasticamente as punições por improbidade.

Em nota, a 5.ª Câmara de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal critica o projeto, dizendo que, com ele, haverá impunidade para “um oceano de condutas graves” e, por isso, será “um dos maiores retrocessos no combate à corrupção e defesa da moralidade administrativa”. Para o procurador Ronaldo Queiroz, “esse dispositivo cria um excludente de ilicitude genérico intolerável”.

A preocupação dos procuradores é a mesma de todos os brasileiros interessados no fim da impunidade de administradores corruptos. Mas essa preocupação não pode ser pretexto para criminalizar toda e qualquer conduta administrativa que resulte em prejuízo para o Estado nem tratar gestores como desonestos até prova em contrário. Vem em boa hora, pois, a revisão de uma lei tão vaga que, no limite, acaba por inviabilizar a gestão pública.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

Brasil tem 129,8 mil mortes por Covid

Já são 4.251.455 de infectados pelo coronavírus

Veja os números consolidados:

129.865 mortes confirmadas

4.251.455 casos confirmados

Na quinta-feira, às 20h, o balanço indicou: 129.575 mortes confirmadas, 922 em 24 horas. Com isso, a média móvel de novas mortes no Brasil nos últimos 7 dias foi de 692 óbitos, uma variação de -21% em relação aos dados registrados em 14 dias.

Em casos confirmados, eram 4.239.763 brasileiros com o novo coronavírus desde o começo da pandemia, 40.431 desses confirmados no último dia. A média móvel de casos foi de 27.659 por dia, uma variação de -29% em relação aos casos registrados em 14 dias. Foi a maior queda no número de novos casos que o Brasil registrou desde o início da pandemia.

Fonte: G1 / Globo News

Alta dos alimentos deve agravar insegurança alimentar no Brasil

Aliado ao fim do auxílio emergencial, aumento dos preços pode fazer com que Brasil volte ao Mapa da Fome. Provocada pela alta do dólar e da demanda, inflação dos alimentos deve continuar pelos próximos meses.

    Distribuição de alimentos em favela do Rio de Janeiro

Distribuição de alimentos em favela do Rio: mais pobres são os mais afetados por alta dos alimentos

No começo da pandemia, Tamires Belineli de Souza, recepcionista de 32 anos, desempregada há um, conseguia incluir na cesta de compras mensal da  família 12 litros de leite. Além dela, o leite servia para alimentar a filha de 10 anos e o marido, também sem trabalho. Uma opção de carne ou frango era frequente nas refeições. A família vive atualmente com os R$ 600 reais do auxílio emergencial, e gasta metade com alimentação.

Agora, Souza dá conta de comprar apenas cinco litros de leite por mês. Carne virou quase luxo, e é preciso revezar. "Às vezes, deixo de comer alguma coisa para dar para a minha filha", diz a moradora do Parque Santo Antônio, na Zona Sul da capital paulista, que passou a recorrer a doações para complementar a alimentação.

Para quem gasta tudo ou quase tudo que ganha com comida, não há escapatória diante da inflação dos alimentos: é preciso deixar de comer ou substituir comida nutricionalmente boa por ultraprocessados. Se o auxílio emergencial ajudou a evitar que muita gente caísse na pobreza e até mesmo tirou muitos da situação de vulnerabilidade, a perspectiva do fim do benefício associada à alta dos preços dos alimentos formam uma equação perigosa.

O benefício de R$ 600 reais, que chegou a R$ 1,2 mil para mães solteiras, começou a ser pago em abril para um período inicial de três meses. Em junho, foi alongado por mais dois meses, e no início de setembro, o governo prorrogou a transferência por mais quatro meses, reduzindo a parcela mensal a 300 reais. A última parcela será paga em dezembro.

A inflação dos alimentos no Brasil, na esteira de demanda maior e da forte desvalorização do real frente ao dólar, deve continuar pelos próximos meses, segundo economistas, e tende a agravar o quadro de insegurança alimentar no país, conforme representantes de entidades ligadas a segurança alimentar ouvidos pela DW Brasil.

"Mesmo com o auxílio emergencial, estamos prevendo que o Brasil esteja voltando para o Mapa da Fome", afirma a antropóloga Maria Emilia Pacheco, ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea) e membro do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN).

A fala de Pacheco ecoa a avaliação do economista Daniel Balaban, diretor do Centro de Excelência contra Fome do Programa Mundial de Alimentos (WFP) da Organização das Nações Unidas (ONU). "Isso [alta dos alimentos] é muito preocupante, porque a grande maioria desses 65 milhões de brasileiros que receberam o auxílio utilizam o recurso para comprar comida, o próprio IBGE mostra. Com o preço dos alimentos aumentando, eles têm que comprar menos. E têm um problema nutricional também."

Em 2014, o Brasil deixou o Mapa da Fome da ONU – que inclui países em que mais de 5% da população se encontra em pobreza extrema, ganhando menos que 1,90 dólar por dia –, e caminhava a passos largos para voltar a ele, quando foi "salvo" pelo auxílio emergencial. "Com certeza, acabando o auxílio emergencial, tem risco de voltarmos. A redução [do valor do auxílio] já vai ser um baque", diz Balaban.

Segundo Preto Zezé, representante global da Central Única das Favelas (Cufa), é perceptível um aumento na procura por doações de cestas básicas nos últimos meses, embora ainda não haja dados consolidados dessa alta. Desde o início da pandemia, as doações da entidade já alcançaram 1,175 milhão de famílias em 5 mil favelas. "Você tem o arroz aumentando, e o auxílio caindo. As pessoas estão sem perspectiva", diz.

"Quanto menos se ganha, mais da renda é comprometido com comida. Os mais pobres perceberam uma inflação gigantesca dos alimentos, porque a cesta deles é só de alimentos e foi o que mais subiu nos últimos meses. O brasileiro de classe média alta tem uma cesta muito diversificada, e muitas coisa ele deixou de consumir. Tudo o que a classe média economizou, ela pode gastar a mais em alimentos", diz o economista Andre Braz, do grupo que acompanha o Índice de Preços ao Consumidor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) .

Conforme dados do Datafolha de agosto, a compra de alimentos é o principal destino do auxílio emergencial para 53% dos entrevistados. Entre os que têm renda menor, essa parcela sobe para 61%.

Por que os preços subiram?

Segundo o IBGE, a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de agosto foi de 0,24%, a maior alta para o mês em quatro anos, influenciada principalmente por alimentação e bebidas, que tiveram incremento de 0,78% no período e pelos transportes (0,82%). No acumulado do ano, os alimentos que mais encareceram foram cebola (50,40%), leite longa vida (22,99%), arroz (19,25%) e óleo de soja (18,63%) – este último, ficou 9% mais caro só no mês passado .

Na última semana, o Dieese divulgou que o preço da cesta básica aumentou em 13 de 17 capitais pesquisadas em agosto. Nos últimos 12 meses, todas as capitais nas quais é feita a pesquisa, com exceção de Brasília, tiveram aumento de dois dígitos no preço da cesta.

A alta dos preços dos alimentos é resultado de uma soma de fatores. Recentemente, uma demanda maior da China – principal parceiro comercial do Brasil –, que se recupera economicamente dos impactos da pandemia de covid-19, pressiona os preços internos. De janeiro a agosto, o valor exportado para os chineses cresceu 14% em comparação com o mesmo período do ano passado. Só no mês passado, a alta foi de 8%. Soja e carnes estão entre os líderes no aumento de vendas ao exterior, e é daí que vem a pressão maior sobre esses produtos.

A alta do dólar também contribui, e muito. De agosto de 2019 a agosto deste ano, o real perdeu 36% do seu valor em relação à moeda americana. "Isso aumenta o preço de commodities agrícolas, que passam a custar mais caro para a gente. Não importa que o Brasil seja um grande produtor, porque os preços são cotados internacionalmente", explica Braz.

Essa desvalorização do real, diz o economista, também contribui para que a China compre ainda mais do Brasil, que tem as exportações barateadas pelo câmbio. Se por um lado isso é bom para a balança comercial brasileira, acaba aumentando os preços internamente.

Pobreza e desabrigados aumentam no Brasil em meio à pandemia

Para Balaban, da ONU, há outro ponto importante na equação: a falta de apoio à agricultura familiar, que deixa o consumidor mais refém dos preços internacionais das commodities. Desidratação de programas do governo federal, como o de Aquisição de Alimentos, acabaram por desincentivar os pequenos produtores, aponta.

"São eles que produzem o que comemos, e não o agronegócio. Não existe milagre: se você não apoia os agricultores familiares, você faz com que eles sejam expulsos de sua terra. Todos os países do mundo que se desenvolveram têm agricultura familiar forte", afirma Balaban.

Alguns produtos reagiram também a efeitos sazonais. É o caso do feijão, explica Braz, que teve uma primeira safra ruim, reduzindo a oferta do produto e aumentando o preço. Outro exemplo é o leite, cujo preço sobe no inverno porque há um desgaste das pastagens, que contribui para a perda de peso dos animais e uma consequente produção menor.

Soma-se a isso a demanda interna, que cresceu durante a pandemia à medida que a população passou a fazer mais compras para comer em casa em substituição a refeições fora do domicílio. O próprio auxílio emergencial, que injetou R$ 50 bilhões por mês na economia, contribuiu para a pressão do lado da demanda.

Como praticamente todos esses fatores continuam sobre a mesa, a perspectivava é que os preços dos alimentos continuem sob pressão nos próximos meses. "A inflação dos alimentos deve continuar incômoda, não a vejo cedendo para níveis em torno da meta de inflação", diz o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves.

Apelo a supermercados

O presidente Jair Bolsonaro disse na última terça-feira (08/09) ter feito um apelo aos supermercadistas para que a margem de lucro sobre os produtos alimentares essenciais seja mantida próximo de zero. Isso depois de pedir, na semana passada, "patriotismo" por parte dos empresários e que evitassem repassar os aumentos ao consumidor, reavivando na memória dos brasileiros os chamados "fiscais do Sarney" – segundo o ex-presidente José Sarney, cada cidadão deveria ser um fiscal os preços. Bolsonaro negou, no entanto, que fosse recorrer a canetadas para segurar os preços.

Pacheco, ex-presidente do Consea, acusa o governo federal de culpabilizar supermercadistas ao mesmo tempo que enfraquece órgãos como a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), responsável por estoques públicos, importantes para a manutenção de preços, e programas como o de Aquisição de Alimentos.

Para Gonçalves, não faz sentido debater margem de lucro. "O mais óbvio é tentar aumentar a importação rapidamente, para aumentar a oferta, não tem outro jeito, já que o Brasil não leva muito a sério a questão dos estoques reguladores", diz o economista.

A Câmara de Comércio Exterior (Camex), ligada ao Ministério da Economia, anunciou nesta quarta-feira que decidiu zerar a taxa de importação de arroz, cujo preço subiu de forma mais acentuada nas últimas semanas. A medida vale até 31 de dezembro. "Contribui para alguma desaceleração do arroz, mas é um produto só, e quantos temos na cesta básica? Não parece ser uma coisa séria a ponto de mitigar esse problema", avalia Braz, da FGV.

Senacon e Procon investigam abuso de preços

Após as declarações de Bolsonaro, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), ligada ao Ministério da Justiça, enviou questionamentos, na quarta-feira, às principais empresas e associações ligadas à produção e distribuição de alimentos da cesta básica, que terão cinco dias para responder. A Secretaria também deve discutir junto aos Ministérios da Agricultura e da Economia medidas para mitigar o aumento dos preços.

O órgão também convidou os ministérios da Agricultura e da Economia para discutir medidas que mitiguem o "aumento exponencial nos preços de alimentos que compõem a base alimentar dos brasileiros".

Em comunicado, a Senacon disse não ser possível falar em abuso de preços sem antes avaliar toda a cadeia de produção. Mas, caso seja comprovado que há abusos, podem ser aplicadas multas que ultrapassam R$ 10 milhões.

O Procon também pretende atuar. "Os preços dos alimentos explodiram. Um saco de arroz, por exemplo, chegou a R$ 40. Apesar de sabermos que se trata de uma questão macroeconômica, alta do dólar e facilitação da exportação, o consumidor não pode ser prejudicado. Atuaremos para combater a alta dos preços", afirmou o diretor-executivo do Procon-SP, Fernando Capez, em comunicado à imprensa.

Publicado originalmente por DW / Deutsche Welle Brasil, a emissora internacional da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas.