segunda-feira, 24 de agosto de 2020

O Brasil registrou 565 mortes e 17.078 casos novos de covid-19 nas últimas 24 horas

Com isso, o país chegou a 115.309 óbitos e 3.622.861 infecções causadas pelo novo coronavírus desde o início da pandemia.

O Estado com o maior número de óbitos é São Paulo (28.505), seguido pelo Rio de Janeiro (15.392) e Ceará (8.292).

Após a controvérsia causada pela mudança e uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o assunto, a pasta recuou e voltou a divulgar os números completos.

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O Brasil ultrapassou a marca de 100 mil mortes por covid-19 no dia 8 de agosto e continua como o segundo país do mundo com maior número de casos e mortes na pandemia do novo coronavírus, depois apenas dos Estados Unidos, que tem mais de 5,7 milhões de casos e 177 mil mortes pela covid-19, segundo levantamento da Universidade Johns Hopkins.

Mudanças e atraso na divulgação de dados

O painel covid-19, do governo, que costumava trazer diversos dados e gráficos sobre a doença, ficou fora do ar por algumas horas entre os dias 5 e 6 de junho. Quando voltou, trazia apenas os dados das últimas 24 horas e não fazia referência ao total de mortes.

Diversos dados detalhados deixaram de ser exibidos.

Três dias antes, o horário de divulgação do material havia passado do início da noite para as 22h, inicialmente por "problemas técnicos", de acordo com a assessoria de imprensa do Ministério da Saúde, e, dois dias depois, porque os dados informados pelas secretarias estaduais de saúde precisariam "de checagem junto aos gestores locais".

Perguntado na ocasião sobre alterações no horário de divulgação, Bolsonaro brincou com o horário do Jornal Nacional, da TV Globo, normalmente exibido por volta de 20h30.

"Acabou matéria no Jornal Nacional?", disse, rindo.

"Mas é para pegar o dado mais consolidado, e tem que divulgar os mortos no dia. Por exemplo, ontem, praticamente dois terços dos mortos eram de dias anteriores, os mais variados possíveis. Tem que divulgar o do dia. O resto consolida para trás. Se quiser fazer um programa do Fantástico todinho sobre mortos nas últimas semanas, tudo bem."

BBC News Brasil

Bolsonaro ameaça repórter: por que milhares de pessoas estão perguntando sobre depósitos de Queiroz para Michelle

De acordo com reportagem da revista Crusoé, quebra de sigilo mostrou que Queiroz depositou 21 cheques na conta de Michelle entre 2011 e 2016 somando R$ 72 mil; a mesma conta, segundo outros veículos de imprensa, recebeu outros R$ 17 mil de mulher de Queiroz

"Presidente, por que sua esposa, Michelle, recebeu R$ 89 mil de Fabrício Queiroz?"

As dúvidas sobre cheques depositados na conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, pairam desde 2018, mas as suspeitas atingiram outro patamar depois que o presidente, Jair Bolsonaro, ameaçou agredir um repórter do jornal O Globo que lhe fez a pergunta acima.

A resposta do presidente no domingo (23/8), “vontade de encher tua boca com uma porrada, tá? Seu safado”, desencadeou críticas e notas de repúdio de políticos e entidades jornalísticas, mas também fez a pergunta viralizar nas redes sociais.

No Twitter, ela foi repetida mais de 1 milhão de vezes em menos de 24 horas e chegou a ser o assunto mais discutido da plataforma no Brasil. Segundo levantamento do professor Fabio Malini, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), a pergunta foi replicada mil vezes a cada 40 segundos. Os questionamentos se espalharam por outras plataformas, mas não há estimativas sobre o volume das mensagens nelas.

Três perguntas sobre os depósitos de Fabrício Queiroz na conta de Michelle Bolsonaro
Nomes influentes da rede social replicaram o questionamento. A exemplo, o músico Caetano Veloso, a atriz Bruna Marquezine, a cartunista Laerte, o apresentador Danilo Gentili, a cantora Anitta, o ator Bruno Gagliasso e os influenciadores Felipe Neto, Hugo Gloss e Felipe Castanhari. Esses nove somam mais de 65 milhões de seguidores no Twitter.

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'Quem precisa de foro privilegiado?': como decisão do TJ pode beneficiar Flávio com mecanismo que família Bolsonaro criticava
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— Laerte Coutinho (@LaerteCoutinho1) 23 de agosto de 2020
Final de Twitter post de @LaerteCoutinho1
Em nota, o jornal O Globo afirmou que “tal intimidação mostra que Jair Bolsonaro desconsidera o dever de qualquer servidor público, não importa o cargo, de prestar contas à população”.

Também em nota, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) disse que "o discurso hostil e intimidatório de Bolsonaro contra a imprensa vem incentivando sua militância a assediar jornalistas nas redes sociais nos últimos meses, inclusive com ameaças de morte e agressões aos profissionais e a seus familiares".

Bolsonaro foi questionado durante a mesma entrevista se sua declaração era uma ameaça à imprensa, mas ele não respondeu. As dúvidas sobre os depósitos na conta de Michelle Bolsonaro também continuam sem resposta.

Pule Twitter post de @BruMarquezine

Presidente @jairbolsonaro, por que sua esposa Michelle recebeu R$ 89 mil de Fabrício Queiroz?

— Bruna Marquezine (@BruMarquezine) 24 de agosto de 2020
Final de Twitter post de @BruMarquezine

O escândalo com a primeira-dama da República tem dois momentos. O primeiro, no fim de 2018, quando o caso veio à tona. O segundo no início de agosto, quando mais cheques foram descobertos por investigadores e apontaram contradições na explicação do presidente.

No fim de 2018, a primeira-dama foi arrastada para o caso quando foi deflagrada a investigação contra Fabrício Queiroz, amigo de Bolsonaro há décadas e ex-assessor de Flávio Bolsonaro. Ele e o filho do presidente são suspeitos de integrarem um suposto esquema de lavagem e desvio de dinheiro do gabinete parlamentar de Flávio. Ambos negam.

Pule Twitter post de @Anitta

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Presidente @jairbolsonaro, por que sua esposa Michelle recebeu R$89 mil de Fabrício Queiroz?#342artes #Porradanãonoscala pic.twitter.com/W2nl1W1oDQ

— Anitta (@Anitta) 24 de agosto de 2020
Final de Twitter post de @Anitta

À época, um relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) apontou uma série de movimentações bancárias suspeitas de Queiroz entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, somando R$ 1,2 milhão. Umas das transações era o depósito de R$ 24 mil na conta da esposa de Bolsonaro.

Questionado em dezembro de 2018, o presidente disse que se tratava do pagamento por uma dívida que Queiroz tinha com ele. Afirmou também que o dinheiro foi depositado para Michelle porque ele não tem "tempo de sair".

"Emprestei dinheiro para ele (Queiroz) em outras oportunidades. Nessa última agora, ele estava com um problema financeiro e uma dívida que ele tinha comigo se acumulou. Não foram R$ 24 mil, foram R$ 40 mil. Se o Coaf quiser retroagir um pouquinho mais, vai chegar nos R$ 40 mil."

Há duas contradições na explicação de Bolsonaro. A primeira é que a quebra de sigilo mostrou que não há depósitos do presidente na conta de Queiroz que comprovariam o empréstimo alegado por Bolsonaro, segundo os veículos da imprensa que tiveram acesso ao documento.

A segunda, que envolve o valor das transações, surgiu no início de agosto de 2020, quando veículos jornalísticos publicaram informações sobre a quebra de sigilo fiscal de Queiroz e da mulher, Marcia Aguiar.

Pule Twitter post de @DaniloGentili

Por favor, parem de perguntar pro @jairbolsonaro porque a esposa dele Michelle recebeu 89 mil do Queiróz senão o PT volta.

— Danilo Gentili (@DaniloGentili) 24 de agosto de 2020
Final de Twitter post de @DaniloGentili

Segundo reportagem da revista Crusoé, a quebra de sigilo mostrou que Queiroz depositou 21 cheques na conta de Michelle entre 2011 e 2016, somando R$ 72 mil. E o jornal Folha de S.Paulo e o portal G1 divulgaram, ainda, que a abertura das informações bancárias de Marcia Aguiar revelou mais seis cheques depositados por ela para a primeira-dama entre janeiro e junho de 2011, no valor total de R$ 17 mil.

Assim, o montante agora revelado, de R$ 89 mil, é mais que o dobro dos R$ 40 mil citados por Bolsonaro no fim de 2018.

A primeira-dama não possui imunidade constitucional e pode se tornar alvo da investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro. Como Michelle não era funcionária do gabinete de Flávio, ela não foi incluída inicialmente como investigada e não teve seu sigilo fiscal quebrado até o momento.

Não estão claros ainda quais serão os próximos passos da investigação que envolveu a mulher, um filho, uma assessora e um casal de amigos do presidente da República, que não pode ser responsabilizado por "atos estranhos ao exercício de suas funções".

BBC News Brasil

Bolsonaro, candidato a ditador

Por Merval Pereira

Bolsonaro não tem a menor capacidade de ser presidente da República. É autoritário, candidato a ditador. Não aguenta relações entre instituições e entre opinião pública, acha que não deve satisfação a ninguém, nem que tem explicar casos como o do depósito de R$ 89 mil na conta de sua mulher Michele, por Fabricio Queiroz.

A pergunta sobre essa questão  é absolutamente importante para sabermos o que está acontecendo no Brasil e naquela família, envolvida em falcatruas e corrupção de baixo calão, baixo nível. É preciso explicar o que está acontecendo e por que esse presidente se acha em condições de xingar um repórter em público e porque acha que pode dar esse tipo de resposta a uma pergunta totalmente cabível. 

É um fato denunciado pela revista Crusoé e depois confirmado com aditivos pela Folha de S. Paulo que D. Michele recebeu R$ 89 mil do Queiroz. E tudo indica que é fruto da rachadinha, da qual ele e os filhos viveram durante 30 anos. Absurdo ter que aceitar um presidente desse nível cultural e de educação baixíssimo.

A maior prova de que o país está decadente é Bolsonaro ser presidente, numa situação imprevisível, eleito por uma série de circunstâncias políticas, não por ele. Agora ele se fortalece com ações populistas; vai aumentar o Bolsa Família, mas o país não tem dinheiro, está completamente quebrado. Brasil é um país decadente, à deriva, com um governo completamente fracativo .

Ontem, o verdadeiro Bolsonaro voltou à ação, com a grosseria e a selvageria que são características desse nosso presidente. O “paz e amor” que ficou quieto durante alguns meses, com medo da prisão do Queiroz, era fake.

Publicado originalmente no blog do Merval no saite de O Globo, às 14,46 hs de hoje.

Porandubas Políticas

Por Gaudêncio Torquato

Abro a coluna com dois desembargadores aposentados.

O nome do médico

Dois desembargadores aposentados, do alto de uma juventude acumulada durante oito décadas e meia, encontram-se no aniversário do neto de um deles. Os desembargadores Amaro Quintal da Rocha e Antônio Vidal de Queiroz, como sói acontecer com amigos que se conheceram no início da idade da razão, foram direto ao assunto que mais os motivava:

– Até que enfim, encontrei o médico que curou a minha amnésia, disse Amaro.

– Como é mesmo o nome dele? Perguntou Vidal.

– É, é, é, deixe-me ver, é... é... Como é mesmo o nome dele? Espere aí... é, é... é.

O nome, escondido num cantinho do cérebro, relutava em aparecer. Começou a se perturbar. Mas não deixou a onda abatê-lo.

– É, é, como se chama... é... é... como se chama mesmo aquela coisa vermelha, amarela, branca, que nasce em um galho cheio de espinhos, aquele assim? (e foi mostrando o tamanho do galho e o formato da coisa).

Vidal matou a charada:

– Rosa, o nome é Rosa.

Amaro, radiante, grita para a mulher que estava sentada logo adiante:

– Rosa, oh, Rosa, como é mesmo o nome daquele médico que curou a minha amnésia?

Bolsonaro e a base do lulismo

Só mesmo no Brasil ocorrem coisas desse tipo: num curto espaço de tempo, o território do lulopetismo por excelência, o Nordeste, 27% da população do país, é invadido pelo novo governante que passa a ocupar o trono do pernambucano Luiz Inácio Lula da Silva. Bolsonaro tem sido mais festejado do que Lula dos velhos tempos, quando era um Deus, o Pai dos Pobres, o salvador da Pátria para os nordestinos. É ovacionado aos gritos de mito, mito, mito. Põe chapéu de couro e cai nos braços da massa que espera por ele nos aeroportos. A ponto de um atento olheiro da cena política regional confessar, perplexo, a este consultor: o cenário é do frei Damião do passado. Bolsonaro vai ao Nordeste pela 4ª vez em 19 dias.

BO+BA+CO+CA

A equação a que tenho me referido todo tempo está presente: Bolso, Barriga, Coração, Cabeça. O auxílio emergencial na paisagem da pandemia cai dos céus como maná no deserto. E como cai. Permite que famílias carentes abasteçam a velha geladeira desprovida de alimentos. Ademais, o lulismo tem perdido fôlego na região desde os turbulentos tempos de Dilma e escândalos que cercaram o PT. Lula, por seu lado, não abriu o partido para novas lideranças. Os governadores petistas da região até se esforçam para fazer um bom governo, mas a crise econômica, ao lado da crise política e da crise sanitária, solapam as estruturas estaduais. Governar nesses nebulosos tempos tem sido um exercício de arte, técnica e sorte.

2022 já começou

Outro interlocutor da região confessa a este analista: "quando você pergunta a um eleitor em quem ele vai votar este ano, comumente ouve a resposta - não sei ainda, só sei que em 2022 votarei em Bolsonaro, no mito". Donde emerge a dúvida: haverá dinheiro para sustentar o auxílio emergencial até 2022? Não se sabe. Mas é notória a satisfação de Jair Bolsonaro com a melhoria de sua imagem e a de seu governo, feitas por pesquisas de opinião pública, sendo as duas últimas feitas pelo Datafolha e XP-Ipespe. Subiu a avaliação positiva – ótimo/bom – caiu a negativa. Em torno de 8% a 10%. Sob essa sombra confortável, o presidente vai exigir de Paulo Guedes que arrume dinheiro para estender o colchão social.

E se Guedes disser não?

O pragmatismo chegou ao Palácio do Planalto. Se a reeleição vai depender do colchão social, é evidente que o presidente e seu entorno forçarão a barra para garantir a grana. Os desenvolvimentistas, liderados pelo general Braga Neto (Casa Civil) e por Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional), os dois ministros mais interessados num forte programa de investimentos e obras, estariam soltando os fios do programa Renda Brasil, que substituirá o Bolsa Família. A campanha chega às margens dos Estados. No Norte e Centro-Oeste, a tendência aponta para a melhoria dos índices do governo. Apenas o Sudeste, que tem os maiores contingentes eleitorais do país, tende a indicar retração nos números. O eleitor de classe média mais crítico mora na região. E sofre com o empobrecimento puxado pela pandemia, a par das críticas que faz à gestão da crise pelo governo. Uma de Paulo Guedes: ler é passatempo de rico. Por isso, quer taxar livros. Paulo Guedes não mostra ser um scholar de Chicago.

Debandada

Por isso mesmo, Guedes estará entre a cruz e a caldeirinha: arrume o dinheiro ou, se não quiser, caia fora. A essa altura, a mosca azul da reeleição é o bicho que mais atrai a atenção do governante. Secretários e assessores, ante a escalada da gastança que se esboça, saem em debandada do governo. Quatro já saíram. Paulo Guedes é um ministro que parece insatisfeito. Achava que ia semear a roça do liberalismo com a semente das privatizações. Não tem conseguido. Chegou a sonhar com mais de um trilhão de arrecadação. Vê esse sonho cada vez mais distante. Salim Matar, empresário e rico, pediu as cartas com muito desabafo sobre a lerdeza do Estado. E o próprio mercado já começa a perceber que Guedes não é irremovível.

Influi ou não influi?

O caso Flávio Bolsonaro influirá ou não na avaliação do seu pai, o presidente? Pelo jeito, o público tende a separar as coisas. A retomada da investigação pelo MP do RJ não terá forte impacto sobre o mandatário-mor.

Os impactos

Mas as coisas para Bolsonaro e desenvolvimentistas não estarão equacionadas apenas com a vitamina das intenções eleitorais. O Brasil real é o dos milhões de contaminados, dos milhares de mortos – chegaremos a quantos, 150 mil, 200 mil? – do empobrecimento geral da sociedade, da precária estrutura dos serviços públicos, da recessão econômica e, claro, do percurso a ser seguido pela economia mundial. O Brasil já não depende apenas de suas condições. Dependerá de outros. Os investimentos estão em estado de expectativa, de observação. Fala-se em bolha das bolsas. Os maiores investidores, como Warren Buffett, desviam suas compras para o ouro. As interrogações se multiplicam.

E a vacina?

Pois é. Mais de 150 vacinas estão sendo o objeto de testes no mundo. As mais avançadas – em número de 6 – entraram na fase 3 de testes com humanos. Duas vacinas da China, uma de Oxford, e a da Rússia, que já foi até registrada, sem ainda comprovação de eficácia, estão na frente da batalha científica. O Brasil está entre os países que testam duas vacinas, uma da China, a outra, de Oxford. São Paulo está testando. O Paraná fez acordo com a Rússia. Mas é pouco provável que tenhamos alguma delas ainda este ano. Enquanto isso, uma segunda dá sinais de vida em países europeus (Itália, Alemanha) e na própria China.

Uma leitura sobre as oposições

As oposições estão fragmentadas. Apenas em seis Estados haverá eleição com coligação majoritária entre PT e PSOL. A leitura que se faz é a de que cada partido oposicionista, face às crises pandêmica, econômica e política, quer se aventurar e apostar em seus protagonistas. Daí a razão de se ver um imenso rolo compressor formado por partidos governistas do Centrão e outros que começam a ostentar o lema de independência. Todos acreditam que terão boa oportunidade em novembro. Em alguns centros mais pesados, a polarização dará o tom.

Perfis

Até o momento, não surgiram nomes capazes de galvanizar a atenção das massas, a não ser o nome do próprio presidente. O ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro perde força. E entra no palco da polêmica como juiz que julgou com parcialidade figuras implicadas na Lava Jato, como Lula. O ex-ministro da Saúde, Luiz Mandetta, entra melhor como vice numa chapa. O governador Eduardo Leite, do RS, a depender de sua performance, poderá se habilitar. O governador Doria, de SP, está com o foco em 2022. Vejamos.

João Doria

João Doria é um atento governante. Empresário bem-sucedido na área empresarial, decidiu ingressar na área política, da qual nunca esteve afastado por ter convivido com o pai, que foi deputado Federal e cassado pela ditadura. É uma pessoa disciplinada, observador, aplicado e com um vício: o trabalho. Trabalha umas 18 horas por dia. Não bebe e não fuma. Aprendeu, desde cedo, a se articular com os universos político, empresarial e jornalístico. João tem uma feição publicitária e um banda jornalística. Sabe expressar sem cacoetes e sabe vender bem os peixes de sua rede. Dominou o PSDB. Mas o fato de ter deixado na lateral seu ex-mentor, Geraldo Alckmin, pesa na sua imagem. Um ingrato, dizem. Sobrou a impressão de que pensa assim: primeiro, eu; segundo, eu; terceiro, eu. E cola sua imagem ao creme de la creme da elite jovem empresarial. Virou, por excelência, o alvo de Bolsonaro. A depender do amanhã da economia, pode se consolidar como o principal opositor do presidente. Criou arestas entre os tucanos. E administra bem a pandemia em São Paulo.

Sara Winter

Essa moça que adotou o nome de Sara Winter é mesmo desastrada. Massificou o nome da menor, 10 anos, grávida, que fez um aborto em Recife, autorizado pela Justiça. O que essa Winter quer? Chuva de visibilidade em torno de seu nome? Deve passar o fim do inverno trancafiada. Pelo que se lê.

Fecho a coluna com um senhor rico e bom de Petrópolis.

Sou solidário e não pago

Antônio Carlos Portela era um senhor rico e bom. Dava aval a todo o mundo, em Petrópolis. Gostava de política. Gostava demais. Quando chegava a campanha eleitoral, sua maneira de ajudar os amigos era avalizar empréstimos para as despesas de campanha. Certa eleição, avalizou um título para um candidato a deputado, que perdeu feio e ficou em dificuldades de pagar. O gerente do banco, sabendo que não receberia do devedor, foi ao avalista:

– Senhor Portela, o título está vencido. Preciso que o senhor pague. Como avalista, o senhor é solidário.

– Sou, sim. Sou muito amigo dele e estou inteiramente solidário com ele. Se ele não pagou, é porque tem seus motivos. Porque estou solidário, não pago também.

Gaudêncio Torquato, Professor Titular na USP, é cientista político e consultor de marketing político.

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Livro Porandubas Políticas

A partir das colunas recheadas de humor para uma obra consagrada com a experiência do jornalista Gaudêncio Torquato.

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Sistema penal mistificado

O indiciamento é uma cortina de fumaça que se lança para cegar e iludir a sociedade. Assim pensam e sustentam Antonio Cláudio Mariz de Oliveira e Fábio Tofic Simantob, advogados criminalistas de grande respeito, em artigo n'O Estado de São Paulo, edição de hoje.

O julgamento penal não é apenas aquele ritual que se desenrola entre quatro paredes, em salas ornamentadas e com a participação de tribunos paramentados. Na sociedade do espetáculo, o julgamento penal se dá antes de tudo na mídia. Nesse julgamento, a condenação é a jato, não obedece a regras nem procedimentos e não revela nenhuma preocupação com a verdade. Interessa-se exclusivamente em transformar o crime em espetáculo. A mídia poderia exercer um papel pedagógico em relação ao crime, que é um fenômeno humano e social. As causas, as circunstâncias, as influências do meio e da própria vítima, enfim uma série de aspectos poderiam ser abordados, como uma tentativa até de ser reduzida a própria criminalidade.

A mídia tem importante papel de fiscalizar os abusos do poder público. Parece, no entanto, que quando se cuida de fiscalizar os abusos praticados nos julgamentos penais a mídia enfrenta um dilema. Os abusos e abusadores são muitas vezes as fontes das grandes manchetes.

Esquece-se muitas vezes que o cometimento de um crime dá ao Estado o direito de punir, mas para o acusado surge uma série de garantias oriundas de princípios constitucionais e processuais para a preservação de sua dignidade, para garantir o exercício da ampla defesa e para que, se ele for condenado, lhe seja aplicada uma pena justa.

A linguagem jurídica sofre na mídia um processo de pasteurização. Investigado, acusado e condenado viram a mesma coisa, embora retratem categorias jurídicas completamente diferentes. Basta uma manchete para que uma empresa, o governo, um cidadão sejam imediatamente condenados pela opinião pública.

Para o leitor leigo, a sucessão de notícias com expressões como “PF investiga”, “MP denuncia” costuma levar à falsa impressão de que os fatos já foram completamente apurados e julgados, quando, na verdade, o processo mal começou, nenhuma defesa ainda foi apresentada. E quando há prisão, então? Bom, se foi preso é porque é culpado. O efeito danoso que isso traz para a justiça é enorme. Quando o julgamento midiático sai tão à frente do julgamento penal, este acaba ficando refém do veredicto que os holofotes precipitaram. E, note-se, esse julgamento midiático aplica uma pena que é cruel e perpétua. Crueldade e perpetuidade proibidas pela Constituição. Cruel pelo sofrimento causado ao suspeito e a seus familiares em razão da exposição de sua imagem e perpétua porque a mácula o acompanhará pelo resto de seus dias.

É importante também ter presente que, em face da cultura punitiva incentivada pelo próprio Poder Judiciário e amplamente divulgada e estimulada pela imprensa, a sociedade criou uma única expectativa diante de um procedimento penal, pela culpa e pela condenação, como se não existissem as alternativas da inocência e da absolvição.

Qualquer decisão que não seja pela condenação é vista com desconfiança, como se a Justiça, na melhor das hipóteses, tivesse sido leniente, a defesa houvesse praticado chicana e o Ministério Público, quando requer absolvição, negligenciado ou prevaricado. Afinal, o sujeito estava condenado (pelo menos é o que se achava), pois foi até preso, como pode agora ter sido absolvido?

O dano que essa publicidade opressiva causa ao regular andamento da justiça e o grau de sofrimento impingido ao acusado são tão expressivos que em alguns países ela virou crime, como na Inglaterra e na França. Aqui, no Brasil, a Lei de Abuso de Autoridade, recentemente aprovada, veio timidamente cuidar do problema ao proibir que os meios de comunicação sejam usados para promover acusações criminais com o pernicioso combustível do clamor público, ou da vox populi, como chamavam os romanos.

O punitivismo que campeia conseguiu criar falsas ideias, noções deturpadas, conceitos adulterados, referentes à chamada persecução penal, que iludem a sociedade e trazem a falsa impressão de se estar combatendo o crime, quando não se está. Estaria o crime sendo atacado caso as suas causas estivessem disso debeladas. Nessa hipótese, sim.

Como exemplo dessa cortina de fumaça que se lança para cegar e iludir a sociedade temos, entre outros, um instituto propositadamente desfigurado, conceitualmente deturpado e enganosamente explorado pela mídia: o indiciamento.

Provavelmente, o leitor nem saiba o que seja indiciamento. A qualquer leigo que pela primeira vez se depara com o drama de responder a um inquérito, e fica sabendo que será indiciado, logo o acometem as mais sombrias previsões. E tem razão, pois logo surgirá uma manchete: “Fulano é indiciado”. Pronto. Não há salvação para ele. Acabou. A Justiça o condenou. A sociedade passa a vê-lo de outra forma.

Mas, não. O indiciamento é um dos institutos mais inúteis da lei brasileira. Sua inocuidade é absoluta. Trata-se de um penduricalho que serve como estigma e nada mais. É mero ato administrativo praticado pelo delegado para registro policial, que mercê da exploração midiática se tornou sinônimo de condenação e de execração pública.

Como o indiciamento, outros mitos precisam ser desfeitos em nome de uma compreensão realista e honesta do sistema penal, pois ele trata de um fenômeno humano, portanto, nosso, que é o crime.

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Opositor russo Alexei Navalny é hospitalizado por envenenamento, diz porta-voz

Navalny, de 44 anos, passou mal durante voo da Sibéria para Moscou e está em tratamento intensivo

O líder opositor russo Alexei Navalny, crítico mais proeminente do presidente Vladimir Putin, está em coma em uma unidade de terapia intensiva na Sibéria após ter sido supostamente envenenado, disse sua porta-voz.

Ele passou mal após tomar um chá no aeroporto de Tomsk, na Sibéria, antes de viajar para Moscou, segundo sua representante, Kira Yamysh.

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Alexei Navalny foi preso duas vezes em 2018 por organizar protestos contra o governo de Vladimir Putin. Foto: Shamil Zhumatov/REUTERS

Já com a aeronave no ar, Nalvany começou a suar frio e perdeu a consciência no banheiro. O avião fez um pouso de emergência em Omsk e ele foi levado ao hospital. “Nós suspeitamos que Alexei foi envenenado com algo misturado no seu chá”, escreveu Yamysh em seu Twitter. “Essa foi a única coisa que ele bebeu nesta manhã.”

O hospital confirmou que o advogado e ativista anticorrupção está em coma e que respira com a ajuda de aparelhos. De acordo com os médicos, seu estado é grave, mas estável, e o suposto envenenamento é apenas "uma das teorias sob investigação".

Segundo a agência de notícias Interfax, exames iniciais indicam que havia em seu corpo sinais de um “agente psicodisléptico não identificado”. O canal de mensagens Baza, que atua no Telegram, noticiou que ele teria sido envenenado com GHB, uma das drogas habitualmente usadas em golpes conhecidos como “boa noite, Cinderela”. O jornal britânico The Guardian divulgou um vídeo de Navalny sendo retirado do avião após ser supostamente envenenado.

A médica de Navalny, Anastasia Vasilieva, disse à Deutsche Welle que a equipe médica local se recusa a falar com ela e que, dada a gravidade da situação, transferi-lo para o exterior neste momento não é uma opção viável.

“Eu estou indo para Omsk agora para insistir que me deixem examiná-lo. Nós decidiremos se ele precisará ser transferido para outro hospital. Precisamos salvá-lo”, disse Vasilieva.

Navalny, o principal nome da oposição a Putin

Navalny é o principal rosto do movimento de oposição ao Kremlin e esta não é a primeira vez que recebe ameaças. No ano passado, ele afirma ter sido envenenado com uma substância que lhe causou um grave reação alérgica durante uma de suas diversas passagens pela prisão. Em 2017, foi atacado por um homem desconhecido com um líquido verde, perdendo 80% da visão de um olho e sofrendo queimaduras químicas.

Ele é fundador do Fundo Anticorrupção (FBK), entidade que se tornou conhecida nos últimos anos por descobrir e publicar nas redes sociais escândalos de corrupção das elites políticas e empresariais russas.

Nos últimos anos, o grupo conseguiu construir uma rede local grande pelo país. O FBK já foi considerado culpado de violar uma lei de "agente externo" por aceitar financiamento estrangeiro e Navalny, condenado por corrupção.

Seus apoiadores, no entanto, afirmam que ele é vítima de perseguição política pelo Kremlin. O advogado já foi barrado de participar de diversas eleições e, frequentemente, é detido nas manifestações antigoverno que muitas vezes lidera.

Envenenamento no chá de Navalny

A polícia de Omsk disse que está investigando um possível envenenamento, mas segundo a agência de notícias estatal Tass, esta hipótese não é considerada. De acordo com uma fonte da agência, não se exclui que Navalny tenha “bebido ou tomado algo por conta própria”.

A companhia aérea que o transportava, a S7, no entanto, disse que ele não bebeu ou comeu nada enquanto estava no ar. Segundo o relato que um passageiro, Pavel Lebedev, postou em suas redes sociais, Nalvany gritava de dor pouco antes de perder a consciência.

Opositores envenenados

O suposto envenenamento de opositores do  regime de Putin não é algo raro na Rússia. Em 2006, Alexander Litvinenko, ex-agente da KGB e crítico de Putin, morreu em Londres após beber chá envenenado com polônio-210.

Oito anos depois, Sergei Skripal, um russo que trabalhava como agente duplo para as Inteligências russa e britânica, foi envenenado com um agente nervoso em Salisbury, no Reino Unido.

Em 2018, Petr Verzilov, editor do site independente Mediazona, passou um mês na UTI após uma substância desconhecida lhe custar a fala e parte da visão. O Kremlin nega qualquer envolvimento com os casos, chamando-os de "provocações anti-Rússia". /AFP e Reuters

Publicado originalmente em O Estado de São Paulo, edição de 20.08.2020

Na convenção democrata, Obama denuncia Trump como uma ameaça à democracia

Ex-presidente apelou à responsabilidade individual de cada americano e disse que ninguém conseguirá consertar o país sozinho

A noite mais esperada da convenção democrata foi marcada pela dura crítica do ex-presidente Barack Obama ao seu sucessor, Donald Trump. Em um dos discursos mais contundentes contra o republicano desde que deixou a Casa Branca, Obama disse que Trump nunca "sentiu o peso do cargo" e que não teve "nenhum interesse" em tratar a presidência como algo que não fosse um reality show para ganhar atenção.

Obama repetiu uma ideia apresentada no discurso de sua mulher, Michelle: a de que Trump não consegue ser melhor. A ex-primeira-dama disse que o republicano não estava à altura do momento. "É o que é", disse. Na noite desta quarta-feira, Obama retomou o mantra com outras palavras. "Donald Trump não cresceu no cargo porque ele não consegue", afirmou o ex-presidente.

A consequência, segundo o ex-presidente, são "170 mil americanos mortos. Milhões de empregos perdidos. Nossos piores impulsos  soltos, nossa orgulhosa reputação ao redor do mundo diminuída drasticamente e nossa democracia e nossas instituições ameaçadas como nunca antes".

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O ex-presidente Barack Obama discursa durante terceira noite da convenção nacional Foto: DNCC via AFP

Obama apelou à responsabilidade individual de cada americano e disse que ninguém conseguirá consertar o país sozinho. "Eu estou pedindo a vocês que acreditem em sua capacidade, que abracem sua responsabilidade como cidadãos, para garantir que os princípios básicos da nossa democracia perdurem. Porque é isso que está em jogo agora: nossa democracia", disse o ex-presidente.

Em um pedido para que os eleitores se mobilizem a votar, ele disse que o presidente conta com o cinismo dos eleitores."Este presidente e aqueles que estão no poder contam com seu cinismo. Eles sabem que não podem te ganhar com as políticas deles. Então querem tornar o mais difícil possível para você votar e convencê-lo de que seu voto não importa. É assim que eles ganham. (...) É assim que uma democracia definha, até que não haja mais democracia", disse Obama. "Não podemos deixar isso acontecer. Não os deixe tirar seu poder. Não os deixe tirar sua democracia", disse Obama, que estimulou que eleitores façam um plano para votar.

O discurso de Obama nesta noite foi um tom acima do que o que costuma adotar. Ele tem feito poucas e pontuais aparições desde 2017. Michelle já relatou que o silêncio do marido em alguns momentos políticos a incomoda.

"Eu nunca esperei que meu sucessor fosse abraçar minha visão ou continuar minhas políticas. Eu esperava, pelo bem do nosso país, que Donald Trump pudesse mostrar algum interesse em levar o trabalho a sério, que ele sentisse o peso do cargo e descobrisse alguma reverência pela democracia que fora colocada sob seus cuidados. Mas ele nunca fez", disse Obama.

"Ele não mostrou interesse em trabalhar. Nenhum interesse em encontrar terreno comum. Nenhum interesse em usar o incrível poder do seu cargo para ajudar alguém além de si mesmo e de seus amigos. Nenhum interesse em tratar a presidência como algo além de um reality show que ele pode usar para obter a atenção que deseja", completou o presidente.

Durante as últimas três noites, os democratas têm apresentado Trump como um presidente inexperiente, incapaz de liderar o país em um momento de crise e sem comprometimento com os americanos. "Donald Trump é o presidente errado para este país", disse Michelle na segunda-feira, ao condensar a mensagem da abertura da convenção.

A receita de apresentar Joe Biden como a única alternativa para retirar o país da crise foi repetida nos três dias de evento, mas ganha importância na voz de Obama. Os dois disputaram juntos as eleições de 2008 e 2012, da qual saíram vencedores, e dividiram a responsabilidade de governar os Estados Unidos durante oito anos.

Biden foi um vice-presidente leal, dizem ex-assessores de Obama. O ex-presidente, reconhecido pela boa oratória e com alta popularidade, relembrou os tempos de campanha. "Há 12 anos, quando comecei uma busca por um vice-presidente, eu não sabia que acabaria encontrando um irmão", disse Obama.

"Joe e eu viemos de diferentes lugares e gerações. Mas o que eu rapidamente comecei a admirar nele é sua resiliência, fruto de muita luta. Sua empatia, nascida de muita dor", disse Obama. "Ao longo de oito anos, Joe era o último na sala sempre que eu enfrentava uma grande decisão. Ele me tornou um presidente melhor. Ele tem o caráter e a experiência para nos tornar um país melhor", disse o ex-presidente.

Os democratas têm tentado mostrar que uma grande coalizão contra Trump foi construída, abarcando as alas progressista e moderada do partido, as diferentes gerações e até alguns republicanos descontentes. O engajamento do senador independente Bernie Sanders na campanha deste ano foi um sinal de que o partido está mais unido do que em 2016, em torno de um inimigo comum.

Para vencer em novembro, Biden precisa que um eleitorado tipicamente democrata se empolgue para votar em escala maior do que o registrado quando Hillary Clinton disputou. Por isso, é crucial energizar jovens, negros, latinos, mulheres que moram nos subúrbios e alguns independentes e moderados que estiveram desgostosos com a política.

A terceira noite da festa democrata foi batizada de "uma união mais perfeita", o mesmo nome dado a Obama ao primeiro discurso em que citou a questão racial na campanha de 2008. Na época, ele clamou pela necessidade de buscar a união em um país racialmente dividido. O tema voltou na noite desta quarta-feira, com a celebração de Kamala Harris como a primeira mulher negra a disputar a vice por um grande partido.

Os democratas também fizeram um apelo claro para os que os eleitores se organizem para votar. "Por quatro anos, as pessoas me disseram: 'Eu não percebi o quão perigoso ele era'. 'Eu gostaria de poder voltar e fazer de novo.' Ou pior 'Eu deveria ter votado'. Bem, esta não pode ser mais uma eleição deveria, gostaria, poderia", disse Hillary.

Em 2016, ela ganhou a eleição no voto popular com 3 milhões de votos a mais do que Trump, mas perdeu a eleição no Colégio Eleitoral, onde o republicano recebeu a maioria dos delegados. "Chame um amigo e use uma máscara. Não importa o que, vote. Vote como se suas vidas e subsistência estivessem em jogo, porque elas estão", disse a ex-candidata.

Beatriz Bulla / Correspondente, Washington, O Estado de S.Paulo
20 de agosto de 2020 | 00h01

Contra o racismo não há vacina, diz Kamala

Senadora é a primeira mulher negra que concorre à Casa Branca por um grande partido e fez do discurso na convenção democrata uma de suas manifestações mais fortes contra o racismo

     


A senadora Kamala Harris aceitou na noite desta quarta-feira, 19, a nomeação histórica do Partido Democrata para disputar a vice-presidência como companheira de chapa de Joe Biden. Kamala é a primeira mulher negra que concorre à Casa Branca por um grande partido e fez do discurso desta noite uma de suas manifestações mais fortes contra o racismo. "Vamos ser claros: não há vacina para o racismo. Nós temos de fazer o trabalho", disse Kamala.

 Kamala Harris - EUA
Kamala Harris em seu discurso para aceitar indicação histórica na política americana   Foto: Kevin Lamarque/Reuters

Kamala falou sobre o sofrimento com perdas causadas pela pandemia de coronavírus e sobre o fato de negros, latinos e indígenas terem sido atingidos desproporcionalmente mais do que os brancos. "Isso não é uma coincidência. É efeito do racismo estrutural. Das desigualdades na educação e tecnologia, acesso a saúde e moradia, segurança no trabalho e transporte. A injustiça no acesso a saúde reprodutiva e maternal. No excesso de uso da força pela polícia. E no nosso sistema de justiça criminal", disse a candidata a vice.

"O vírus não tem olhos e ainda assim ele sabe exatamente como nós vemos uns aos outros e como tratamos uns aos outros", disse Kamala.

A terceira noite da festa democrata foi batizada com o mesmo nome dado por Barack Obama a um discurso crucial da campanha de 2008: Uma união mais perfeita. Na época, Obama falou pela primeira vez sobre a questão racial e admitiu que os EUA eram um país racialmente dividido. Com Kamala Harris na chapa, os democratas querem sinalizar que estão comprometidos com a diversidade no partido e também com o trabalho de união da sociedade.

O tema já era caro a Biden, que foi vice de Obama e herdou capital político do ex-presidente junto ao eleitorado negro, mas ganhou especial importância depois da ebulição social de junho, quando americanos protestaram contra o racismo após a morte de George Floyd.

A eleição deste ano, disse a candidata, é um "ponto de inflexão". "O caos constante nos deixa à deriva. A incompetência nos dá medo. A insensibilidade nos faz sentir sozinhos. É demais", disse ela. "Neste momento temos um presidente que transforma nossas tragédias em armas políticas. Joe vai ser um presidente que irá transformar nossos desafios em propósitos", disse a candidata a vice.

Filha de pai jamaicano e mãe indiana que se conheceram nos Estados Unidos marchando pelos movimentos civis, Kamala explorou sua trajetória pessoal no discurso desta noite.

A candidata a vice disse que um país de união parece distante com Donald Trump na presidência. Ao dizer que carrega valores ensinados por sua mãe, disse que é preciso ter "uma visão da nossa nação como uma comunidade amada onde todos são bem-vindos, não importa nossa nossa aparência, de onde viemos ou quem amamos".

"Um país onde podemos não concordar em cada detalhes, mas estamos unidos em torno da crença fundamental de que todo ser humano tem um valor infinito e merece dignidade e respeito", afirmou a senadora. "Um país em que nos preocupamos uns com os outros, onde nós ascendemos e caímos como um só, onde nós enfrentamos nossos desafios e celebramos nossos triunfos. Juntos. Hoje, esse país parece distante. O fracasso de Donald Trump custou vidas e meios de subsistência", disse ela.

Kamala é vista como uma senadora pragmática e moderada, disposta a flexibilizar opiniões para compor com o partido. A escolha de seu nome deve o efeito de acenar à ala progressista, que cobra por mais diversidade no partido, ao mesmo tempo que mantém a percepção de que Biden fará um governo de centro.

Ela foi procuradora-geral da Califórnia antes de ser eleita senadora em 2016. Seu passado como procuradora chegou a ser um problema entre a ala progressista do partido, que a acusa de não ter pressionado pela reforma do sistema criminal americano. Em junho, no entanto, Kamala conseguiu diminuir o volume das críticas ao marchar ao lado dos manifestantes que pediram o fim do racismo nas abordagens policiais, após a morte de George Floyd.

No discurso, ela voltou a lembrar da amizade com Beau Biden, filho de Joe Biden e sua conexão pessoal com o companheiro de chapa. Beau ocupava o cargo de procurador-geral de Delaware quando ela tinha o mesmo cargo na Califórnia, mas morreu em decorrência de um tumor no cérebro em 2015.

Durante as últimas três noites, os democratas têm apresentado Trump como um presidente inexperiente, incapaz de liderar o país em um momento de crise e sem comprometimento com os americanos. A ex-secretária de Estado e candidata derrotada do partido democrata em 2016, Hillary Clinton, foi na mesma linha. "Eu gostaria que Donald Trump tivesse sido um presidente melhor. Mas, infelizmente, ele é quem ele é", disse em discurso na mesma noite.

Os democratas têm tentado mostrar que uma grande coalizão contra Trump foi construída, abarcando as alas progressista e moderada do partido, as diferentes gerações e até alguns republicanos descontentes. O engajamento do senador independente Bernie Sanders na campanha deste ano foi um sinal de que o partido está mais unido do que em 2016, em torno de um inimigo comum.

Para vencer em novembro, Biden precisa que um eleitorado tipicamente democrata se empolgue para votar em escala maior do que o registrado quando Hillary Clinton disputou. Por isso, é crucial energizar jovens, negros, latinos, mulheres que moram nos subúrbios e alguns independentes e moderados que estiveram desgostosos com a política.

Beatriz Bulla / Correspondente, Washington, O Estado de S.Paulo
20 de agosto de 2020 | 00h39
Atualizado 20 de agosto de 2020 | 10h00

quarta-feira, 19 de agosto de 2020

O Brasil tem 110.171 mortes por coronavírus confirmadas até as 13h desta quarta-feira (19)

Veja os números consolidados:

110.171 mortes confirmadas
3.418.306 casos confirmados

Na terça-feira (18), às 20h, o balanço indicou: 110.019 mortes, 1.365 em 24 horas. Com isso, a média móvel de novas mortes no Brasil nos últimos 7 dias foi de 989 óbitos, uma variação de -4% em relação aos dados registrados em 14 dias.

Sobre os infectados, eram 3.411.872 brasileiros com o novo coronavírus, 48.637 confirmados no último período. A média móvel de casos foi de 42.783 por dia, uma variação de -3% em relação aos casos registrados em 14 dias.

No total, 2 estados e o Distrito Federal apresentaram alta de mortes: MG, DF e AM.

Em relação a segunda (17), RO estava com a média de mortes em alta e, hoje, está em estabilidade.

Total de mortes: 110.019

Registro de mortes em 24 horas: 1.365

Média de novas mortes nos últimos 7 dias: 989 por dia (variação em 14 dias: -4%)

Total de casos confirmados: 3.411.872

Registro de casos confirmados em 24 horas: 48.637

Média de novos casos nos últimos 7 dias: 42.783 por dia (variação em 14 dias: -3%)
(Antes do balanço das 20h, o consórcio divulgou dois boletins parciais, às 8h, com 108.696 mortes e 3.363.807 casos; e às 13h, com 108.900 mortes e 3.370.262 casos confirmados.)

Estados

Subindo: MG, DF e AM.
Em estabilidade, ou seja, o número de mortes não caiu nem subiu significativamente: PR, RS, SC, ES, SP, GO, MS, RO, TO, BA, PB e PE.
Em queda: RJ, MT, AC, AP, PA, RR, AL, CE, MA, PI, RN e SE.
Essa comparação leva em conta a média de mortes nos últimos 7 dias até a publicação deste balanço em relação à média registrada duas semanas atrás (entenda os critérios usados pelo G1 para analisar as tendências da pandemia).

Fonte: G1 / Globo News

O Brasil entre Donald Trump e Joe Biden

Diante da incerteza sobre que país irá emergir da disputa presidencial, é imperioso que o governo brasileiro mantenha uma prudente distância do embate político nos EUA. Análise de Hussein Kalout, em artigo publicado hoje n' O Estado de S.Paulo

Uma relação equilibrada entre o Brasil e os Estados Unidos será sempre importante para a estabilidade hemisférica, para o desenvolvimento socioeconômico latino-americano e, sobretudo, para o avanço de uma agenda bilateral mutuamente benéfica nas mais variadas esferas, tais como comércio, investimentos, defesa, saúde, educação e ciência, tecnologia e inovação.

É imprescindível que Brasília e Washington tenham uma verdadeira parceria estratégica – sem que haja subordinação de interesses ou alinhamento automático. O que se espera de um país da envergadura do Brasil é que mantenha relação equilibrada com a principal potência internacional. Essa deve ser uma relação estruturada de acordo com o interesse nacional – e não orientada a partir de simpatias pessoais.

Diante da incerteza sobre que país irá emergir da disputa presidencial entre Donald Trump e seu adversário Joe Biden, é imperioso que o governo brasileiro mantenha uma prudente distância do embate político entre democratas e republicanos – como manda, aliás, a tradição diplomática brasileira.

O pêndulo do favoritismo, conforme os dados disponíveis no momento, inclina-se na direção do candidato democrata. O presidente incumbente possui pouco tempo para reverter o declínio de sua popularidade em estados vitais como, por exemplo, Pensilvânia, Florida, Arizona e Carolina do Norte – mas, nada é impossível em política. Há sondagens que indicariam diminuição recente da vantagem de Biden, que ainda mantém a dianteira com certa folga.

Biden Trump

O presidente Donald Trump e o democrata Joe Biden  Foto: Saul Loeb and Ronda Churchill/AFP

O discurso que garantiu a Trump a vitória, na eleição de 2016, contra a democrata Hillary Clinton, parece não encontrar o mesmo eco no cenário atual. Falha de liderança, incapacidade decisória e fragilidade moral pesam contra o atual presidente. O sentimento “anti-trumpista” ganhou tração e transformou a disputa em uma eleição de caráter plebiscitário. Isso, obviamente, sem mensurar os efeitos reais que o desemprego, a tensão racial e a pandemia podem ainda ter sobre o resultado final do pleito.

Não é preciso dizer que Joe Biden, se vencer, recolocará o EUA de volta na UNESCO, na OMS, mudará o padrão de voto do país nos foros ambientais e nos mecanismos internacionais de direitos humanos. O Acordo de Paris, a agenda securitária dos EUA para o Oriente Médio e a entendimento delineado com Cuba – no governo Obama – retornarão naturalmente para o centro gravitacional da agenda de política exterior americana.

Sob um governo democrata, o Brasil não estará no centro da agenda de prioridades. Tampouco o país será tratado como ator irrelevante, apesar dos escorregões de idolatria em prol do “deus” Trump, o suposto “salvador do ocidente”. Pragmáticos como são, os americanos relevarão tudo e focarão nas concessões que podem ainda extrair do governo Bolsonaro. Esperam, porém, que o governo brasileiro não adote uma política negligente em temas sensíveis, especialmente no que diz respeito à Amazônia – para que o Biden não seja compelido a ter de criticar o Brasil abertamente. E, obviamente, espera-se que Brasília siga a estratégia de Washington na obstrução da agenda da China no mundo.

Ainda que o Brasil cogite a hipótese de evoluir de patamar, saindo do campo da subserviência a Trump para o campo do mero alinhamento automático aos EUA, será forçoso fazer ajustes importantes nas atuais linhas da “política externa”. Afinal, o Brasil terá que lidar com outro Estados Unidos, onde os principais temas globais receberão uma abordagem diplomática muito distinta da que prevalece na atual administração da Casa Branca.

Daqui em diante, será fundamental esboçar um traço de sobriedade quanto à manifesta predileção do governo brasileiro pela reeleição do atual presidente americano. A proteção do interesse nacional requer não cair no amadorismo infantil de se imiscuir, novamente, na eleição presidencial alheia. Agora, se Trump repetir o feito de quatro anos atrás, aí Brasília terá a oportunidade de renovar a seu servilismo sem peias diante do interesse nacional... norte-americano!

Hussein Kalout, o autor deste artigo, é Cientista Político, Professor de Relações Internacionais e Pesquisador da Universidade Harvard. Foi Secretário Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2016-2018). Escreve semanalmente, às segundas-feiras em O Estado de S.Paulo. Publicado originalmente em 19 de agosto de 2020 | 08h47

Como a taxação de livros pode afetar os mais pobres

Projeto de reforma tributária do governo Bolsonaro prevê o fim da isenção para livros e taxação de 12%. Além de agravar crise do mercado editorial, mudança pode aprofundar desigualdades no país.


Mulher coloca livro em prateleira
    
Proposta de taxar livros tem gerado forte repercussão no mercado editorial, que encolheu mais de 20% em uma década

Quando recebeu seu primeiro salário, aos 15 anos, Amaury de Sousa se dirigiu a uma loja da livraria Saraiva e comprou O Abusado, obra do jornalista Caco Barcellos. "Foi um dos dias mais felizes da minha vida", lembra. Ele finalmente poderia ler à vontade, sem o prazo que sua mãe estipulava para devolver os livros que tomava emprestado em uma das casas onde trabalhava como cuidadora de idosos. Tão recheadas eram as estantes, que um vão entre os títulos passava despercebido.

"Eu achava interessante aquelas prateleiras gigantescas e sempre gostei de livros, mas naquele tempo a gente não tinha condição de comprar. Ela me dava uma semana para ler, antes de devolver sem que ninguém notasse", conta o jovem de 24 anos que foi criado e reside até hoje com a mãe na favela Santa Marta, em Botafogo, Zona Sul do Rio de Janeiro.

Cumprir o prazo era difícil, já que a mãe trazia para o menino de 12 anos clássicos como Microfísica do Poder, de Michel Foucault. "Eram livros muito técnicos. Às vezes eu não entendia nada, ficava voltando na mesma página várias vezes. Mas tinha uma curiosidade incontrolável para entender o mundo, os outros e eu mesmo", recorda. Rapidamente, a leitura tornou-se a janela para o mundo que não existe no quarto onde dorme, sem luz natural.

Os livros representam para Amaury uma plataforma de transformação social. A bagagem cultural o colocou em vantagem no processo seletivo para atendente na Livraria da Travessa, onde trabalhou por dois anos e intensificou o mergulho literário. Hoje, ele cursa Cinema na Universidade Federal Fluminense (UFF) e trabalha em projetos audiovisuais.

Os saberes absorvidos e interpretados pelas lentes de sua realidade fizeram com que, desde cedo, despertasse a atenção de produtores internacionais. Ele acaba de roteirizar e filmar um documentário sobre a pandemia nas favelas do Rio para a emissora de televisão japonesa NHK.

Hoje, devido à situação financeira mais confortável, falta espaço na casa apertada para empilhar novos títulos. Toda vez que se depara com um curso que gostaria de fazer e não pode pagar, ele busca um livro que integre as referências bibliográficas. É assim que está aprendendo francês sozinho no momento.

Homem de máscara sentado em escada de favela no Rio de Janeiro

Homem de máscara sentado em escada de favela no Rio de Janeiro
"Valor dos livros cria distanciamento entre o jovem periférico e a literatura", diz Amaury de Sousa, morador de Santa Marta

Escapar das estatísticas graças à leitura já seria um feito e tanto. Mas, uma vez sobrevivente, restava o desafio de não deixar a alma morrer, em uma realidade na qual o homem não pode chorar. Eis que surge a poesia, sua grande paixão. "Sou um homem nu, vestido por dentro, que paga todo dia o preço por sentir demais", define-se.

Nos eventos poéticos que ajuda a organizar em favelas cariocas, Amaury sempre achou curioso que jovens de grande talento não tivessem as referências que o despertaram para o valor dessa arte, como Carlos Drummond de Andrade. A fonte comum de inspiração é o rap, em especial o grupo Racionais MC's.

Morador do Morro do Vidigal, o escritor Geovani Martins é uma das principais revelações da literatura brasileira nos últimos anos. Até outubro do ano passado, seu livro de estreia, O Sol na Cabeça, publicado pela Companhia das Letras, tinha vendido 40 mil exemplares e havia sido lançado em dez países. Os direitos da obra para o cinema foram adquiridos pelo diretor cearense Karim Aïnouz.

Fã do escritor contemporâneo, Amaury tinha sede de conversar sobre os contos de Geovani com os colegas das rodas de poesia. Mas rapidamente observou que a maioria não tinha lido o livro, enquanto amigos "playboys" não paravam de o procurar para comentar a obra.

"Livros custam de 30 a 40 reais, em média. Com esse dinheiro, dá para comprar cinco quilos de feijão, dois quilos de arroz e um pouco de frango no supermercado. Esse valor cria um distanciamento muito grande entre o jovem periférico e a literatura", constata.

Projeto de taxação

Tal dificuldade de acesso aos livros pode se intensificar ainda mais devido a um projeto enviado pelo governo de Jair Bolsonaro ao Congresso. O mercado livreiro é isento de tributação desde 2004, mas a equipe econômica federal pretende modificar esse quadro por meio da reforma tributária. A proposta prevê a taxação de livros em 12%, por meio da criação de uma Contribuição Social sobre Operações de Bens e Serviços (CBS).

A proposta tem gerado forte repercussão nas redes sociais e, sobretudo, no mercado editorial, que encolheu mais de 20% em uma década, com perdas que somam 1,4 bilhão de reais. O cenário é resultante das transformações digitais e agravado pela recessão econômica iniciada em 2015, além da falência de grandes redes do setor livreiro, como Livraria Cultura e Saraiva, em recuperação judicial.

O fechamento de lojas físicas durante a pandemia, devido às medidas de restrições sanitárias, afetou ainda mais o setor. Em abril, o mercado livreiro registrou uma perda de 47% no faturamento em comparação ao mesmo mês em 2019, segundo o levantamento Painel Varejo de Livros no Brasil, feito pela Nielsen Bookscan.

"É preciso considerar que esse imposto tem um efeito cascata sobre a cadeia econômica do livro. Estimamos que a mudança possa aumentar o preço final em até 20%", afirma Bernardo Gurbanov, presidente da Associação Nacional de Livrarias e proprietário da editora Letraviva.

Gurbanov destaca que o encarecimento dos livros não terá impactos meramente econômicos. "Não é somente o ato de compra, mas o que o livro significa como veículo de transmissão de informações, conhecimento e produção cultural. Não só do Brasil, mas de todos os países. Os efeitos colaterais serão muito graves, e o Brasil vai pagar muito caro se esse projeto for aprovado", avalia.

O argumento de Guedes

Para defender a mudança, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tem defendido a ideia de que livros são consumidos por camadas de maior renda da população. Nesse sentido, a isenção não se justificaria. Para compensar o impacto sobre os mais pobres, Guedes defende a realização de doações pelo governo — sem explicar como isso seria feito — e a ampliação do Bolsa Família para essa finalidade.

"Vamos dar o livro de graça para o mais frágil, para o mais pobre. Eu também, quando compro meu livro, preciso pagar meu imposto. Então, uma coisa é você focalizar a ajuda. A outra coisa é você, a título de ajudar os mais pobres, na verdade, isentar gente que pode pagar", disse o ministro durante audiência na Comissão Mista da Reforma Tributária.

Ao defender a ampliação dos programas de transferência de renda, Guedes argumentou que as camadas de menor renda estão mais preocupadas em comprar comida do que livros. "Num primeiro momento, quando fizeram o auxílio emergencial, estavam mais preocupados em sobreviver do que em frequentar as livrarias que nós frequentamos", declarou Guedes.

Em artigo publicado recentemente na Folha de São Paulo, Luiz Schwarz, editor da Companhia das Letras, contestou a tese do ministro. Ele destacou que na última edição da Bienal do Livro no Rio de Janeiro, realizada no ano passado, parte expressiva dos 600 mil participantes era de jovens da classe C.

"Na Flup [Festa Literária das Periferias], os dados são ainda mais eloquentes: do público total do evento, 97% se declaram leitores frequentes de livros, 51% têm entre 10 e 29 anos, 72% são não brancos, e 68% pertencem às classes C,D e E", ressaltou.

Visão de curto prazo

A economista Juliana Damasceno, pesquisadora da área de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), afirma que a reforma tributária deve priorizar uma redistribuição de tributos que vise a correção de distorções que penalizam a economia brasileira atualmente.

"A carga é o ponto final da reforma. A justiça social e estratégia econômica do sistema deveria ser o ponto de partida. Dentro dessa questão estratégica, fomentar educação deveria ser prioridade", avalia.

Damasceno lembra que os retornos da educação para a economia no longo prazo são amplamente documentados. E defende que é preciso reconhecer a importância do setor de livros, ainda que represente uma parcela mais restrita da educação após os avanços da digitalização.

"Incentivar esse setor vai na direção contrária de aumentar sua carga, o que pode resultar em aumento do preço pro consumidor final. Governos tendem a ter visões mais 'curto-prazistas' quando a situação fiscal se aperta. Antes de um plano de recuperação desse forte desequilíbrio fiscal, é difícil pensar no longo prazo, e isso acaba penalizando áreas estratégicas como a educação", analisa a especialista.

Fonte: Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas. 

terça-feira, 18 de agosto de 2020

O duelo justo no processo

Litigantes devem atuar com paridade de armas, para manter o equilíbrio da disputa judicial

Conforme ensinança do festejado professor Miguel Reale, a quem sucedi na Academia Mackenzista de Letras, Direito é “um conjunto de regras obrigatórias que garante a convivência social graças ao estabelecimento de limites à ação de cada um de seus membros”. Em outras palavras, representa um conjunto de regras e normas que regulam a vida em sociedade, sem o que seria impossível a convivência social humana. Em que pese a heterogeneidade de nossa civilização, ela guarda certa similitude entre os mais diversos ordenamentos, representada no tratamento isonômico reservado aos litigantes.

Na Babilônia, a lei de talião pregava o “olho por olho, dente por dente”, uma fórmula cruel e bárbara, que se distanciava da punição com justiça. Com o passar dos tempos, o Direito foi se desenvolvendo e, com ele, a noção de igualdade. Na Roma Antiga, havia a Lei das Doze Tábuas (Lex Duodecim Tabularum), que consagrava a igualdade entre patrícios e plebeus. Por sua vez, na França, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) dispôs em seu artigo 1.º que “os homens nascem e são livres e iguais em direito”. A isonomia, nesse caso, assume uma feição formal, eis que estabelecida perante a lei, o que a faz ignorar as possíveis desigualdades existentes no plano fático.

Todavia não se deve buscar somente essa igualdade consagrada pelo liberalismo clássico. É necessário considerar as desigualdades existentes na sociedade, desapegando-se, portanto, de sua concepção formalista. Desse modo, aqueles que se encontram em situações desiguais devem ser tratados de forma desigual.

Nesse sentido, Rui Barbosa, em seu célebre discurso conhecido como Oração aos Moços (1920), já dizia que “tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real”. Trata-se, pois, do conceito de igualdade material, que respeita as especificidades de cada indivíduo, descartando a ideia de que a sociedade seja algo homogêneo.

O princípio da isonomia está consagrado no artigo 5.º, caput, da Constituição da República, sendo positivado também pela legislação infraconstitucional, consoante se observa nos artigos 7.º e 139, inciso I, do Código de Processo Civil, que visa a assegurar aos adversários o duelo justo.

Desse modo, na seara processual, o aludido consectário se desdobra na premissa de que os litigantes devem atuar com paridade de armas (par conditio), a fim de manter o equilíbrio da disputa judicial, e de que casos iguais devem ser tratados de modo indistinto.

Entretanto, o fiel da balança da justiça em algumas hipóteses pode pender para um dos lados. Isso ocorre, por exemplo, quando o magistrado, mesmo com conhecimento, fecha os olhos para situações em que houve prévio trânsito em julgado, isto é, quando não é mais cabível qualquer discussão a respeito da matéria, e as julga como se nada ocorrera anteriormente. Encontra, pois, subterfúgios para justificar a sua análise.

Essa situação acontece, sobretudo, nas causas em que há uma área nebulosa em relação às atribuições do Ministério Público (MP) estadual e do federal. Tome-se como exemplo uma ação civil pública promovida pelo parquet estadual já finalizada sem restrições probatórias, com exaurimento das vias recursais, e tempos depois outra ação civil pública, agora promovida pelo MPF, contra o mesmo réu, com idêntico conteúdo da primeira, sem fato novo ou provas novas, ainda que sob o fundamento de interesse coletivo.

Vale ressaltar que é consolidado o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que, nas ações coletivas, a identidade de ações se verifica por meio do exame dos beneficiários dos efeitos da sentença, além da defesa dos mesmos interesses, sendo irrelevante, portanto, a existência dos mesmos autores.

Dessa forma, no exemplo acima, jamais poderia ter sido ajuizada uma ação civil pública exatamente nos mesmos moldes da anterior, eis que idênticas. O seu processamento macularia o primado que resguarda a imutabilidade do efeito das decisões, o que é inadmissível no ordenamento jurídico, além de propiciar um eventual conflito prático entre os julgados, se eles forem contraditórios, o que poderia atingir os interesses da sociedade.

Por sua vez, a segurança jurídica e o princípio da proteção à confiança, cujos fundamentos repousam no Estado de Direito, também são atingidos, na medida em que são frustradas as expectativas legitimamente criadas no sujeito por atos estatais, a estabilidade das relações jurídica, bem como a certeza que se estabelece sobre situações anteriormente controvertidas. Ademais, observa-se ainda que não se poderia falar em paridade de armas, uma vez que uma das partes se encontra em posição de desvantagem em relação à outra.

O magistrado parcial, que fica inerte quando deveria agir sem necessidade de provocação, subverte o sistema processual, visto que confere tratamento privilegiado a uma parte em detrimento da outra, abrindo espaço para que se produzam decisões que se afastam do conceito de justiça.
     
José Carlos G. Xavier de Aquino, o autor deste artigo, é Desembargador - Decano do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Publicado originalmente em O Estado de S.Paulo, edição de 
18 de agosto de 2020 | 03h00

Brasil tem 108.900 mortes por Covid e mais de 3,3 milhões de infectados

Veja os números consolidados:

108.900 mortes confirmadas
3.370.262 casos confirmados
Às 8h, o consórcio publicou a primeira atualização do dia com 108.696 mortes e 3.363.807 casos.

Na segunda-feira (17), às 20h, o balanço indicou: 108.654 mortes, 775 em 24 horas. Com isso, a média móvel de novas mortes no Brasil nos últimos 7 dias foi de 971 óbitos, uma variação de -9% em relação aos dados registrados em 14 dias.

Sobre os infectados, eram 3.363.235 brasileiros com o novo coronavírus, 23.236 confirmados no último período. A média móvel de casos foi de 43.846 por dia, uma variação de -5% em relação aos casos registrados em 14 dias.

Progressão até 17 de agosto

No total, 3 estados e o Distrito Federal apresentaram alta de mortes: MG, DF, AM e RO.

Em relação a domingo (16), PR e GO estavam com a média subindo e, agora, estão em estabilidade.

Total de mortes: 108.654

Registro de mortes em 24 horas: 775

Média de novas mortes nos últimos 7 dias: 971 por dia (variação em 14 dias: -9%)

Total de casos confirmados: 3.363.235

Registro de casos confirmados em 24 horas: 23.236

Média de novos casos nos últimos 7 dias: 43.846 por dia (variação em 14 dias: -5%)
(Antes do balanço das 20h, o consórcio divulgou dois boletins parciais, às 8h, com 107.885 mortes e 3.340.095 casos; e às 13h, com 108.054 mortes e 3.343.925 casos confirmados.)

Estados

Subindo: MG, DF, AM e RO.

Em estabilidade, ou seja, o número de mortes não caiu nem subiu significativamente: PR, SC, ES, SP, GO, MS, PA, TO, BA, CE, PB e PI.

Em queda: RS, RJ, MT, AC, AP, RR, AL, MA, PE, RN e SE.
Essa comparação leva em conta a média de mortes nos últimos 7 dias até a publicação deste balanço em relação à média registrada duas semanas atrás (entenda os critérios usados pelo G1 para analisar as tendências da pandemia).

Fonte: G1 / Globo News

"Auxílio emergencial não é suficiente para ganhar eleição"

Cientista político diz que benefício concedido a milhões de brasileiros ajuda a explicar aprovação recorde de Bolsonaro. Mas alerta que será impossível mantê-lo sem comprometer economia. "Ele está refém disso", afirma.

Um levantamento divulgado pelo Datafolha na última quinta-feira (13/08) apontou que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) atingiu a melhor avaliação desde o início do seu mandato. Para 37% dos brasileiros, o governo é ótimo ou bom – na pesquisa anterior, divulgado no fim de junho, o índice de aprovação era de 32%. Foi registrada também queda na rejeição: foi de 44% para 34% a porcentagem de cidadãos que consideravam a gestão ruim ou péssima.

Para Cesar Zucco, PhD em Ciência Política pela Universidade da Califórnia em Los Angeles e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), os números se devem, em muito, ao auxílio emergencial estipulado para o período da pandemia do coronavírus, pois nunca se distribuiu dinheiro a tantas pessoas quanto agora. Para o pesquisador, entretanto, "pensar que Bolsonaro é um gênio que descobriu a fórmula para ganhar a eleição está errado”.

Em entrevista para a DW Brasil, Zucco também comenta sobre um eventual segundo turno em 2022 disputado entre Bolsonaro e o ex-ministro Sergio Moro, opina sobre a manutenção do discurso antipetista por parte do presidente e julga perigosa a opção de Bolsonaro de romper com antigos apoiadores, como os governadores João Doria (SP) e Wilson Witzel (RJ), pois alianças são necessárias quando se busca uma reeleição. Por fim, Zucco afirma: "Bolsonaro está se preparando, muito provavelmente, para ejetar Paulo Guedes".

O que explica essa aprovação do presidente no auge da pandemia da Covid-19 no Brasil?

A explicação mais simples, que não é necessariamente completa e única, é que a aprovação do presidente está fortemente associada à variação no bem-estar econômico das pessoas. Isso não é surpresa, tampouco inédito, vem acontecendo em vários países do mundo e afetando eleitores de todos os tipos, que tendem a responder às variações em suas condições econômicas. Estamos tendo a maior transferência direta de renda da história. O valor mensal do auxílio emergencial é maior do que o valor anual do Bolsa Família e atinge um número muito maior de pessoas, que foram protegidas dos impactos econômicos da pandemia. Tivemos redução das desigualdades sociais, saída da linha da pobreza, além de um aumento de renda.

Porém, a resposta das pessoas não é, necessariamente, um movimento consciente. Sentindo-se melhor, elas tendem a avaliar melhor o presidente. E não são só as pessoas que se beneficiam diretamente, mas as que também foram afetadas de forma indireta, como lojistas. Não é surpreendente essa melhora. Tivemos um aumento grande no número de mortes, mas pesquisas mostram que pessoas tendem a ficar anestesiadas em situações de catástrofes. Bolsonaro até perdeu um pouco de apoio entre os mais ricos, porque foi esse pessoal que mais sentiu a crise econômica. Mas em relação a quem está protegido, de fato, pelo benefício, faz sentido que essas pessoas avaliem positivamente o presidente.

Há algumas similaridades aparentes entre a situação de Lula, que por muito tempo se considerou o "pai” do Bolsa Família, e a de Bolsonaro? Isso sugere que esse seja o modelo que o atual presidente espera emular?

O Lula, quando implantou os programas sociais anteriores, fez com que, ao longo dos anos, as pessoas o recebessem até muito perto das eleições. Assim identificamos um efeito eleitoral, mas que, no caso do Bolsa Família, não foi gigantesco a ponto de definir uma eleição. O governo que distribui dinheiro tem a cotação mais forte entre as pessoas que recebem a quantia, isso é uma coisa regular.

Lula alcançou 85% de aprovação no final do segundo mandato e um pouco menos no final do primeiro, mas não foi só por causa do Bolsa Família. Desde 2004 foi registrado um crescimento muito forte econômico geral. E, em particular, foi um crescimento que chamamos de "pró-pobre": aumento de salário mínimo, mais emprego, mais crédito... Uma série de fatores que iam além do Bolsa Família. Se fosse apenas o auxílio, Lula provavelmente não teria sido reeleito. Os eleitores que votam guiados pela questão econômica não são eleitores particularmente fiéis. Se a situação econômica piorar, elas tendem a votar contra, sem saber necessariamente o porquê.

No caso do Bolsonaro, temos agora um benefício [auxílio emergencial] que é enorme, que aumenta a popularidade do presidente, mas que não tem como ser mantido. Se o objetivo do Bolsonaro é imitar o Lula, ele está enrascado. Em 2004, Lula pegou o começo do superciclo de commodities, que não dependia dele. Todos os presidentes estrangeiros que governaram no período em que o Lula governou foram os presidentes mais populares dos seus países na história, especialmente na América Latina. Você poderia fazer quase qualquer coisa que seria popular. Em um cenário desses, criar um programa como o Bolsa Família e distribuir dinheiro para as pessoas era possível, sem arriscar a responsabilidade fiscal e sem precisar tirar de nenhum outro lugar. O Bolsa Família era muito menor que o auxílio emergencial.

Hoje, o Brasil não tem dinheiro, o mundo não está favorável para nenhum país, os preços das commodities estão baixos. Lula, hoje, não poderia ter feito o Bolsa Família como fez na sua época. Pensar que o Bolsonaro é um gênio que descobriu a fórmula para ganhar a eleição está errado. Só se ele imprimir dinheiro – e se ele fizer isso, já sabe no que vai dar. Não tem como o auxílio ser mantido. De repente, ele criará um outro Bolsa Família e chamará de Renda Brasil. Pode ser, só que isso, em um nível próximo ao que era o Bolsa Família na época do Lula, não ganha uma eleição por si. Se o Brasil estiver com altíssima informalidade, alto desemprego, pode chamar o benefício do que quiser, mas não será suficiente para ganhar uma eleição. As condições de hoje não são favoráveis e arrisco dizer que Bolsonaro não é o presidente mais competente do mundo.

O senhor acabou de mencionar que, em 2010, a popularidade de Lula estava muito acima do patamar da popularidade de Bolsonaro. A votação da sucessora de Lula, Dilma Rousseff, porém, foi mais acanhada. Isso sugere que pode haver um limite na capacidade de conversão de avaliação em votos?

A partir de 2003, o mundo, no geral, estava mais favorável ao Brasil. As coisas melhoraram muito até 2011. A Dilma foi muito popular. Quando as condições internacionais pioraram, a popularidade de todos os presidentes da América Latina despencou.

Então, olhando para frente, é provável que, devido ao auxílio, Bolsonaro fique mais popular entre os mais pobres do que entre os mais ricos. Ele pode ser um candidato preferencial para as pessoas que estão recebendo o benefício, mas a média geral vai ser baixa se a crise econômica continuar e ele não puder dar dinheiro para todo mundo. E, claro, não há como fazer isso. O que lhe garantiria uma reeleição, eventualmente, seria uma melhora geral da economia. O benefício é necessário neste momento, mas é uma dívida que precisará ser paga lá na frente. Trata-se de uma sinuca; ele está refém disso e não será possível dar continuidade ao benefício, o que é um problema.

Em 2018, Bolsonaro se elegeu com um discurso antipetista. É viável repetir isso em 2022? Até quando esse discurso se sustenta?

Uma coisa é você se eleger antipetista quando está vindo de fora, sendo um verdadeiro outsider. Outra é se candidatar à reeleição fazendo um discurso "anti” contra um partido que já saiu do poder há mais de seis anos. Não está claro que isso vá funcionar e, na verdade, diria que é muito provável que não funcione. Bolsonaro está apostando que é possível repetir a estratégia de "todo mundo contra o PT”, só que até lá vai ter muita gente contra o próprio Bolsonaro.

Em eleições em países presidencialistas como o Brasil, o ponto focal da discussão é o governo. Não foi assim na eleição passada porque o governo não tinha candidato – Michel Temer chegou a ensaiar concorrer, mas desistiu. Tivemos uma eleição aberta, então, sem candidato do governo para servir de vidraça. Se o Bolsonaro ficar com essa de "o PT isso, o PT aquilo”, ele pode até trazer o debate para isso. Imagino que faça, porque foi o que ele fez a vida inteira: ele nunca teve que defender nenhuma realização. Mas após quatro anos, ele vai ser muito mais vidraça. E não é nem por essa questão de corrupção, rachadinha. Se focarmos só em termos de governo, terá muita coisa para tentar defender e muita coisa para dizer. Se ele está apostando todas as fichas no auxílio emergencial, não vai funcionar, porque não há dinheiro para isso.

Claro, muito provavelmente ele terá uma votação suficiente para ir ao segundo turno, mas dificilmente é um candidato viável para ganhar a eleição. A não ser que tenhamos, vindo de algum lugar que não sabemos de onde, um crescimento muito forte em 2021, último ano da atual gestão. Isso é possível.

Uma pesquisa divulgada recentemente pelo portal Poder360 mostrou que num eventual segundo turno com o ex-ministro Sergio Moro, Bolsonaro e o jurista empatariam tecnicamente. O senhor acredita que Moro deve sair candidato? E qual seria o capital político do ex-juiz?

Temos um fenômeno muito forte, que é a tendência de as pessoas preferirem o que é conhecido. E isso não só na política. Reconhecimento de nome é muito importante nessas pesquisas feitas com muita antecedência. Acredito que essa presença do Moro é um "recall”: as pessoas o têm na cabeça por muito ouvirem falar.

O melhor guia do que vai acontecer na próxima eleição é a popularidade no momento. Só para lembrar: o Brizola e o Lula se revezavam como líder nas pesquisas dois ou três anos antes das eleições, quando o Fernando Henrique Cardoso era presidente. Eram nomes conhecidos, posicionavam-se contra o governo, etc. Mas perto da eleição, perdiam. Falar em nomes agora é mera especulação.

Bolsonaro também tem se mostrado um pouco mais "moderado”, evitando conflitos que antes alimentava sem hesitar. Esse aceno à moderação ajudaria a apaziguar a relação do presidente com a classe média brasileira?

É uma movimentação política, que não sabemos nem se é genuína. Se olharmos o histórico dele até agora, ele já oscilou tanto, teve momentos em que estava mais quieto e outros nos quais falava mais. É difícil dizer que agora tudo andará só porque ele apareceu com o Rodrigo Maia (DEM-RJ) e com o Davi Alcolumbre (DEM-AP) duas vezes. Ele está se preparando, muito provavelmente, para dispensar o Paulo Guedes. Ele é tático, não estratégico. É uma reação de curto prazo. Ele está querendo ter uma, não digo base, mas uma defesa contra o impeachment para aguentar até o final do mandato e tentar uma reeleição. Não é uma agenda que ele queira implementar. Ele quer é ficar ali.

Então o senhor acha que o "divórcio” de Bolsonaro e Guedes está próximo? Quais seriam as consequências?

Essa discussão da "bomba fiscal” por causa do auxílio emergencial é uma sobre a qual o Bolsonaro talvez não tenha uma visão clara. Até agora, o mercado foi bastante generoso com o Bolsonaro, e o Paulo Guedes é o fiador disso. Sem ele, haveria uma situação clara de abandono da austeridade por parte do governo, o que poderia gerar um problema de crise no mercado, de capital e investimentos.

Quando o Bolsonaro se desfez do Moro, não houve prejuízos imediatos porque o auxílio emergencial entrou logo em seguida. Mas uma saída do Guedes hoje não seria sustentável. Chamaria de "fogo de palha”; está queimando, mas não há combustível suficiente para manter o fogo acesso. Especula-se que a perda do Guedes pode ser relevante para um lado, que é o mercado, um ator mais duro e mais rígido com o Bolsonaro.

Recentemente, Bolsonaro rompeu sem hesitar com antigos apoiadores, com destaque para os governadores João Doria (SP), Eduardo Leite (RS), Ronaldo Caiado (GO) e Wilson Witzel (RJ). Do ponto de vista estratégico, o que representa essa ruptura?

Significa que Bolsonaro não sabe o que está falando e fazendo. Ele foi uma aposta, e ganhou a eleição como um outsider. Minha leitura aqui é que poderia ter sido qualquer outro outsider no lugar dele, mas ele foi a pessoa certa no lugar certo. Agora ele deve ler isso como uma indicação da estratégia, de não se aliar com ninguém e fazer tudo sozinho, o que não é trivial quando você passa a ser janela, como ele passará a ser na próxima eleição. Pode ser que Bolsonaro busque uma reaproximação agora, o que terá custos para ele. Ele precisará avaliar opções: perderá apoiadores de um lado, mas poderá ganhar de outro.

Então a eleição de 2022 tendem a não ser tão atípicas como em 2018?

Tudo indica que será uma eleição "mais normal”. Há dois anos, não tínhamos um candidato do governo. O candidato que era líder das pesquisas foi proibido de concorrer, porque estava preso, uma situação bem atípica: ele era candidato até o início da campanha. Se somarmos esses elementos, temos um nível de estranheza nas eleições de 2018 enorme.

Em 2022 teremos um cenário fragmentado, mas teremos um candidato do governo, que é o próprio presidente e teremos vários candidatos de oposição. Esse é o cenário mais normal. No primeiro turno, serão vários candidatos disputando. Bolsonaro deve ir ao segundo turno, e aí sim teremos uma catalização de forças contrárias ao presidente. Enfim, uma eleição mais normal. Em uma eleição normal, essa estratégia atípica de queimar pontes com todos os outros atores relevantes, fazer tudo sozinho, joga contra, pois só funciona em uma eleição atípica. Claro, hoje, tudo é hipótese, mas temos razão em esperar uma eleição mais tradicional. Sendo assim, ele precisa de alianças. Caso contrário, não irá vencer.

Publicado originalmente por Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas. 

Operação Além Mar sequestra sete aviões, cinco helicópteros, 42 caminhões, fazendas e bloqueia R$ 100 milhões do tráfico

Ofensiva cumpre 50 mandados de prisão e faz 139 buscas em 12 Estados e no DF contra organizações criminosas que estão ligadas à apreensões que, somente entre março e junho de 2020, totalizam uma tonelada e meia de cocaína

       

Operação Além-Mar. Foto: Polícia Federal

O juízo da 4ª Vara Federal de Pernambuco determinou o sequestro de sete aviões, cinco helicópteros, 42 caminhões e 35 imóveis (entre casas em áreas urbanas e fazendas) de quatro quadrilhas que foram responsáveis pelo envio de toneladas de cocaína para a Europa via portos brasileiros, especialmente o de Natal. Além disso, a Justiça bloqueou R$ 100 milhões dos investigados por lavagem de dinheiro e tráfico internacional de drogas.

As medidas fazem parte da Operação Além-Mar, deflagrada na manhã desta terça, 11, para cumprir 139 mandados de busca e apreensão e 50 mandados de prisão – 20 preventivas e 30 temporárias. As atividades são realizadas em Alagoas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Pernambuco, Paraná, Rio Grande do Norte, Santa Catarina e São Paulo.

Somente entre março e junho deste ano, os agentes apreenderam uma tonelada e meia de cocaína relacionada às organizações criminosas investigadas.

Segundo a Polícia Federal, as investigações que culminaram na ofensiva aberta nesta manhã tiveram início em 2018, a partir de informações repassadas à corporação pela National Crime Agency (NCA), de Londres, como resultado de parceria estabelecida para reprimir o tráfico de cocaína destinada à Europa.

Os investigadores identificaram quatro organizações criminosas que trabalhavam de maneira coordenada com ‘modus operandi dividido em três fases: internação da cocaína pela fronteira com o Paraguai e armazenamento no interior de São Paulo; transporte interno da droga para as regiões de embarque marítimo e armazenamento em galpões; transporte internacional mediante embarque da droga em navios de carga (contaminação de containers) ou veleiros.

De acordo com a PF, os grupos criminosos se organizaram da seguinte maneira:

1ª – Estabelecida em São Paulo e responsável pela ‘importação’ da cocaína pela fronteira com o Paraguai, transportando a droga por via aérea até o Estado e distribuindo-a no atacado para organizações criminosas estabelecidas no Brasil e na Europa.

2ª – Sediada em Campinas, é parceira do grupo paulistano e recebia a cocaína para distribuição interna e exportação para Cabo Verde e Europa.

3ª – Estabelecida em Recife, é integrada por empresários do setor de transporte de cargas, funcionários e motoristas de caminhão cooptados e provê a logística de transporte rodoviário da droga e o armazenamento de carga até o momento de sua ocultação nos contêineres.

4ª – Também é sediada em São Paulo, na região do Brás, e atua como banco paralelo, disponibilizando sua rede de contas bancárias – titularizadas por empresas fantasma, de fachada ou em nome de ‘laranjas’ –  para movimentação de recursos de terceiros, de origem ilícita, mediante controle de crédito/débito, cujas restituições se dão em espécie e a partir de TEDs, inclusive com compensação de movimentação havida no exterior (dólar-cabo).

Fonte: Redação de O Estado de São Paulo.

‘É assim que funciona no Brasil’

O presidencialismo de coalizão degenerou em corrupção e fisiologismo, com partidos exigindo verbas e cargos estratégicos em troca de seus votos

O novo líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (Progressistas-PR), disse que é “absolutamente justo” que os partidos que apoiam o governo tenham em troca disso acesso a cargos na administração. “A nossa Constituição tem o presidencialismo de coalizão”, disse o parlamentar à Rádio Eldorado, referindo-se ao fato de que, pelo atual modelo político-eleitoral, o presidente não consegue maioria no Congresso quando se elege, sendo obrigado a negociar a inclusão de outros partidos em sua base para ter governabilidade. Esses partidos “que vão permitir ao governo aprovar matérias que ele prometeu na campanha” devem ter “elementos” no governo, declarou Ricardo Barros, que completou: “É assim que funciona no Brasil”.

De fato, é assim que tem funcionado no Brasil, mas não da maneira aparentemente republicana como descreveu o líder do governo. O presidencialismo de coalizão degenerou em corrupção e fisiologismo, com partidos exigindo verbas e cargos estratégicos em troca de seus votos, relação que nada tem a ver com uma agenda política para o País. Sob os governos petistas, tornou-se presidencialismo de “cooptação”, cuja face mais notória foram os escândalos do mensalão e do petrolão. Foi em reação a isso, aliás, que o eleitorado escolheu em 2018 nomes que prometiam acabar com o toma lá dá cá. Jair Bolsonaro foi o principal deles, e assumiu a Presidência da República anunciando o fim do presidencialismo de coalizão.

Como se sabe, não funcionou. O presidente Bolsonaro optou pelo presidencialismo de “colisão”, comprando brigas com o Congresso, com o Supremo Tribunal Federal, com governadores de Estado e com a imprensa. Correndo sério risco de ver abreviado seu mandato, e acossado por suspeitas cabeludas envolvendo seus familiares, o presidente foi aconselhado por assessores não somente a se recolher, como a construir uma base parlamentar com alguma consistência, capaz ao menos de dissuadir os defensores do impeachment.

Bolsonaro aproximou-se então de partidos notórios por seu apetite fisiológico, com os quais não é preciso qualquer afinidade ideológica ou programática para obter apoio: basta entregar cargos e garantir verbas. 

Ora, distribuição de sinecuras a apadrinhados em órgãos do Estado não é dividir o poder, como quer fazer crer o novo líder do governo na Câmara. Uma coalizão governista deveria presumir a divisão de responsabilidades da administração, em torno de uma agenda comum. Mas em torno de que, afinal, se reúne a tal base do governo? Qual é o projeto bolsonarista? 

A esse propósito, são muitas as perguntas sem resposta. Por exemplo: o presidente é a favor ou contra a modernização do Estado? Em seu programa de governo, jurava que era a favor, mas depois de eleito não quis nem ouvir falar de reforma administrativa. Também não se sabe qual é a política de Bolsonaro para a geração de empregos, ou para a indústria, ou para a educação, ou para a saúde ou para o meio ambiente. A rigor, nem os parlamentares bolsonaristas mais fiéis sabem o que o governo realmente quer.

Até agora, o único programa claro de Jair Bolsonaro é sua reeleição. Para governar assim não é preciso nem mesmo que o presidente tenha partido. Como se sabe, depois de ter deixado o PSL por não conseguir controlar as gordas verbas públicas destinadas àquela agremiação, Bolsonaro tentou criar sua própria legenda, mas, por desprezar a política partidária, jamais se empenhou de fato nisso, razão pela qual a tal agremiação ainda não saiu do papel e tão cedo não sairá. Até voltar para o PSL Bolsonaro cogita, mas há outros três partidos na disputa por seu passe. A escolha é irrelevante, pois em todo caso se tratará apenas de uma sigla de aluguel, da qual Bolsonaro precisa apenas para disputar a eleição.

Um governo e um governante com esse perfil e esses objetivos dificilmente atrairão para sua base as forças políticas genuinamente interessadas no futuro do País. Restam os oportunistas de sempre, numa aliança destinada a assegurar a continuidade do atraso e, consequentemente, a manutenção de seus privilégios.
     
Editorial / Notas & Infromações, O Estado de S.Paulo
18 de agosto de 2020 | 03h00