terça-feira, 18 de agosto de 2020

Operação Além Mar sequestra sete aviões, cinco helicópteros, 42 caminhões, fazendas e bloqueia R$ 100 milhões do tráfico

Ofensiva cumpre 50 mandados de prisão e faz 139 buscas em 12 Estados e no DF contra organizações criminosas que estão ligadas à apreensões que, somente entre março e junho de 2020, totalizam uma tonelada e meia de cocaína

       

Operação Além-Mar. Foto: Polícia Federal

O juízo da 4ª Vara Federal de Pernambuco determinou o sequestro de sete aviões, cinco helicópteros, 42 caminhões e 35 imóveis (entre casas em áreas urbanas e fazendas) de quatro quadrilhas que foram responsáveis pelo envio de toneladas de cocaína para a Europa via portos brasileiros, especialmente o de Natal. Além disso, a Justiça bloqueou R$ 100 milhões dos investigados por lavagem de dinheiro e tráfico internacional de drogas.

As medidas fazem parte da Operação Além-Mar, deflagrada na manhã desta terça, 11, para cumprir 139 mandados de busca e apreensão e 50 mandados de prisão – 20 preventivas e 30 temporárias. As atividades são realizadas em Alagoas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Pernambuco, Paraná, Rio Grande do Norte, Santa Catarina e São Paulo.

Somente entre março e junho deste ano, os agentes apreenderam uma tonelada e meia de cocaína relacionada às organizações criminosas investigadas.

Segundo a Polícia Federal, as investigações que culminaram na ofensiva aberta nesta manhã tiveram início em 2018, a partir de informações repassadas à corporação pela National Crime Agency (NCA), de Londres, como resultado de parceria estabelecida para reprimir o tráfico de cocaína destinada à Europa.

Os investigadores identificaram quatro organizações criminosas que trabalhavam de maneira coordenada com ‘modus operandi dividido em três fases: internação da cocaína pela fronteira com o Paraguai e armazenamento no interior de São Paulo; transporte interno da droga para as regiões de embarque marítimo e armazenamento em galpões; transporte internacional mediante embarque da droga em navios de carga (contaminação de containers) ou veleiros.

De acordo com a PF, os grupos criminosos se organizaram da seguinte maneira:

1ª – Estabelecida em São Paulo e responsável pela ‘importação’ da cocaína pela fronteira com o Paraguai, transportando a droga por via aérea até o Estado e distribuindo-a no atacado para organizações criminosas estabelecidas no Brasil e na Europa.

2ª – Sediada em Campinas, é parceira do grupo paulistano e recebia a cocaína para distribuição interna e exportação para Cabo Verde e Europa.

3ª – Estabelecida em Recife, é integrada por empresários do setor de transporte de cargas, funcionários e motoristas de caminhão cooptados e provê a logística de transporte rodoviário da droga e o armazenamento de carga até o momento de sua ocultação nos contêineres.

4ª – Também é sediada em São Paulo, na região do Brás, e atua como banco paralelo, disponibilizando sua rede de contas bancárias – titularizadas por empresas fantasma, de fachada ou em nome de ‘laranjas’ –  para movimentação de recursos de terceiros, de origem ilícita, mediante controle de crédito/débito, cujas restituições se dão em espécie e a partir de TEDs, inclusive com compensação de movimentação havida no exterior (dólar-cabo).

Fonte: Redação de O Estado de São Paulo.

‘É assim que funciona no Brasil’

O presidencialismo de coalizão degenerou em corrupção e fisiologismo, com partidos exigindo verbas e cargos estratégicos em troca de seus votos

O novo líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (Progressistas-PR), disse que é “absolutamente justo” que os partidos que apoiam o governo tenham em troca disso acesso a cargos na administração. “A nossa Constituição tem o presidencialismo de coalizão”, disse o parlamentar à Rádio Eldorado, referindo-se ao fato de que, pelo atual modelo político-eleitoral, o presidente não consegue maioria no Congresso quando se elege, sendo obrigado a negociar a inclusão de outros partidos em sua base para ter governabilidade. Esses partidos “que vão permitir ao governo aprovar matérias que ele prometeu na campanha” devem ter “elementos” no governo, declarou Ricardo Barros, que completou: “É assim que funciona no Brasil”.

De fato, é assim que tem funcionado no Brasil, mas não da maneira aparentemente republicana como descreveu o líder do governo. O presidencialismo de coalizão degenerou em corrupção e fisiologismo, com partidos exigindo verbas e cargos estratégicos em troca de seus votos, relação que nada tem a ver com uma agenda política para o País. Sob os governos petistas, tornou-se presidencialismo de “cooptação”, cuja face mais notória foram os escândalos do mensalão e do petrolão. Foi em reação a isso, aliás, que o eleitorado escolheu em 2018 nomes que prometiam acabar com o toma lá dá cá. Jair Bolsonaro foi o principal deles, e assumiu a Presidência da República anunciando o fim do presidencialismo de coalizão.

Como se sabe, não funcionou. O presidente Bolsonaro optou pelo presidencialismo de “colisão”, comprando brigas com o Congresso, com o Supremo Tribunal Federal, com governadores de Estado e com a imprensa. Correndo sério risco de ver abreviado seu mandato, e acossado por suspeitas cabeludas envolvendo seus familiares, o presidente foi aconselhado por assessores não somente a se recolher, como a construir uma base parlamentar com alguma consistência, capaz ao menos de dissuadir os defensores do impeachment.

Bolsonaro aproximou-se então de partidos notórios por seu apetite fisiológico, com os quais não é preciso qualquer afinidade ideológica ou programática para obter apoio: basta entregar cargos e garantir verbas. 

Ora, distribuição de sinecuras a apadrinhados em órgãos do Estado não é dividir o poder, como quer fazer crer o novo líder do governo na Câmara. Uma coalizão governista deveria presumir a divisão de responsabilidades da administração, em torno de uma agenda comum. Mas em torno de que, afinal, se reúne a tal base do governo? Qual é o projeto bolsonarista? 

A esse propósito, são muitas as perguntas sem resposta. Por exemplo: o presidente é a favor ou contra a modernização do Estado? Em seu programa de governo, jurava que era a favor, mas depois de eleito não quis nem ouvir falar de reforma administrativa. Também não se sabe qual é a política de Bolsonaro para a geração de empregos, ou para a indústria, ou para a educação, ou para a saúde ou para o meio ambiente. A rigor, nem os parlamentares bolsonaristas mais fiéis sabem o que o governo realmente quer.

Até agora, o único programa claro de Jair Bolsonaro é sua reeleição. Para governar assim não é preciso nem mesmo que o presidente tenha partido. Como se sabe, depois de ter deixado o PSL por não conseguir controlar as gordas verbas públicas destinadas àquela agremiação, Bolsonaro tentou criar sua própria legenda, mas, por desprezar a política partidária, jamais se empenhou de fato nisso, razão pela qual a tal agremiação ainda não saiu do papel e tão cedo não sairá. Até voltar para o PSL Bolsonaro cogita, mas há outros três partidos na disputa por seu passe. A escolha é irrelevante, pois em todo caso se tratará apenas de uma sigla de aluguel, da qual Bolsonaro precisa apenas para disputar a eleição.

Um governo e um governante com esse perfil e esses objetivos dificilmente atrairão para sua base as forças políticas genuinamente interessadas no futuro do País. Restam os oportunistas de sempre, numa aliança destinada a assegurar a continuidade do atraso e, consequentemente, a manutenção de seus privilégios.
     
Editorial / Notas & Infromações, O Estado de S.Paulo
18 de agosto de 2020 | 03h00

Donald Trump é o presidente errado para nosso país, diz Michelle Obama em convenção democrata

Ex-primeira-dama americana encerra primeira noite da Convenção Nacional Democrata com um discurso comovente aos eleitores

Em um discurso contundente, a ex-primeira-dama dos Estados Unidos Michelle Obama condensou a mensagem da primeira noite de convenção democrata. "Deixe-me ser o mais honesta e clara que eu puder: Donald Trump é o presidente errado para nosso país", afirmou, no evento que confirmará Joe Biden como candidato democrata à Casa Branca.

A fala de Michelle foi o clímax de uma noite que, como ela, explorou o tom emocional. Trump foi apresentado nos discursos como um grande risco ao país, pela ameaça à democracia, à saúde da população e à economia americana, além de postura divisiva. A chapa composta por Biden e Kamala Harris, por sua vez, foi apresentada como a solução para tirar os Estados Unidos da crise. 

 

A ex-primeira dama Michelle Obama fez discurso duro durante convenção Foto: Democratic National Convention/Pool via Reuters

https://tv.estadao.com.br/internacional,michelle-obama-elogia-biden,1113952

"Ele teve tempo mais do que suficiente para provar que pode fazer o trabalho, mas ele está claramente perdido. Ele não está à altura do momento, simplesmente não pode ser quem ele precisa ser para nós. É o que é", disse Michelle. Há poucos dias, Trump usou a frase "é o que é" para responder a uma pergunta sobre a alta taxa de mortalidade por covid-19 nos EUA.

O evento de quatro dias é online neste ano, em razão das restrições de reunião de pessoas durante a pandemia de coronavírus. Em discurso gravado, Michelle pediu que os eleitores que não votaram em 2016 porque não se empolgaram por Hillary Clinton saiam de casa desta vez para eleger Biden.

"Sempre que olhamos para a Casa Branca em busca de alguma liderança ou consolo ou qualquer semblante de estabilidade, o que recebemos é caos, divisão e uma falta de empatia total e absoluta", disse Michelle. 

Desde o final de 2018, quando lançou o livro "Minha História", Michelle Obama tem tido um papel poderoso entre o eleitorado democrata. Enquanto Barack Obama se limita a aparições cirúrgicas, Michelle ocupou espaços em praticamente todas as plataformas: livro, turnê de lançamento da obra em proporção similar a show de estrela pop, documentário e, mais recentemente, podcast.  

Ela repete que não gosta de política -- na noite de ontem, disse que "odeia" -- e usa sua experiência pessoal para se conectar com o público. A receita fez da ex-primeira dama uma das figuras mais populares do partido. 

O tom anti-Trump e a favor de uma unificação deixou pouco espaço para a discussão de propostas da campanha democrata. Além da moderada e carismática Michelle Obama, os pontos-chave da estreia do partido democrata foram o comprometimento de Bernie Sanders com a eleição de Biden e a aparição de quatro republicanos entre os presentes. 

Sanders prometeu trabalhar "até com conservadores" para derrotar o "autoritarismo" de Trump. A posição do senador independente, que teve destaque na programação de ontem, marca um claro contraste com sua postura de 2016, quando questionou nos bastidores a legitimidade da indicação de Hillary Clinton. 

Tendo no mesmo evento Sanders, baluarte da ala progressista, e republicanos de longa data, como o ex-governador de Ohio, John Kasich, o partido buscava mostrar que o sentimento anti-Trump une esquerda e direita. "Em tempos normais, algo assim provavelmente não aconteceria. Mas estes não são tempos normais", disse Kasich, acompanhado de outras três republicanas: a ex-governadora de Nova Jersey, Christine Whitman; a executiva e ex-candidata ao governo da Califórnia Meg Whitman; e a ex-deputada por Nova York Susan Molinari.  

Vídeos de pessoas comuns contando suas histórias eram intercalados com os discursos políticos. Os depoimentos muitas vezes não eram de eleitores tipicamente democratas, em um aceno aos independentes e moderados.  Kristin Urquiza, uma jovem cujo pai de 65 anos morreu de covid-19, deu o mais forte testemunho contra Trump. Ao contar sobre a morte do pai, disse que ele era saudável. "Sua única condição (doença) preexistente era confiar em Donald Trump. E por isso ele pagou com sua vida", disse Kristin. 

O irmão de George Floyd, Philonis Floyd, também fez uma aparição, que foi seguida de um minuto de silêncio. "George deveria estar vivo hoje", disse sobre o irmão, negro, morto por policiais brancos em Mineápolis em maio. A questão racial foi parte importante do programa no primeiro dia da convenção, em um esforço do partido para mostrar diversidade, uma plataforma crucial para a campanha de Biden. 

Duas democratas negras estiveram entre os primeiros discursos da noite: Gwen Moore, deputada de Wisconsin, e a prefeita de Washington, Muriel Bowser, que fez a transmissão na praça Black Lives Matter, ponto de encontro dos protestos antirracismo de junho. As duas chamaram Kamala Harris de "irmã", reforçando a importância de ter a primeira candidata a vice-presidente negra em um grande partido. Michelle Obama não fez menção ao nome de Kamala. Segundo a CNN, o vídeo da ex-primeira dama foi gravado antes do anúncio de Biden sobre a escolha da vice. 

Voto

Diante das investidas de Trump contra a ampliação do voto pelo correio, os democratas pediram empenho dos eleitores para votar. "Nós temos que vestir nossos sapatos confortáveis, colocar nossas máscaras, pegar uma sacola com jantar e talvez café da manhã também, porque nós precisamos estar dispostos a ficar na fila uma noite inteira se for preciso", disse Michelle Obama. Na semana passada, Barack Obama já tinha pedido que os americanos votassem o mais cedo possível para evitar problemas. 

"Durante o mandato deste presidente, o impensável se tornou normal. Ele tentou impedir que as pessoas votassem, minou o serviço postal dos EUA, posicionou os militares e agentes federais contra manifestantes pacíficos, ameaçou atrasar as eleições e sugeriu que não deixaria o cargo se perder. Isso não é normal e não devemos tratar como se fosse", disse Bernie Sanders. As senadoras Catherine Cortez Mastro, de Nevada, e Amy Klobuchar, de Minnesota, também defenderam o sistema de voto por correio -- adotado em todos os estados e ampliado neste ano em razão da pandemia.

Beatriz Bulla / Correspondente, Washington, O Estado de S.Paulo
17 de agosto de 2020 | 22h26
Atualizado 18 de agosto de 2020 | 11h44

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Brasil chega a 108.054 mortes por Covid e 3,3 milhões de casos confirmados


Veja os números consolidados:

108.054 mortes confirmadas
3.343.925 casos confirmados

No domingo (16), às 20h, o balanço indicou: 107.879 mortes, 582 em 24 horas. Com isso, a média móvel de novas mortes no Brasil nos últimos 7 dias foi de 963 óbitos, uma variação de -3% em relação aos dados registrados em 14 dias.

Sobre os infectados, eram 3.339.999 brasileiros com o novo coronavírus, 22.167 confirmados no último período. A média móvel de casos foi de 43.488 por dia, uma variação de 0% em relação aos casos registrados em 14 dias.

Estatizando o posto Ipiranga

O Brasil precisa de segurança e reformas capazes de transmitir confiança e esperança, analisa Denis Lerrer Rosenfield em artigo publicado hoje n'O Estado de São Paulo.

Quem lê o noticiário fica com a impressão de que as eleições presidenciais serão realizadas em outubro deste ano, ou o mais tardar em nova data no primeiro semestre do próximo. É disso que se fala quando o atual governo tem apenas um ano e meio de duração e parece, na verdade, estar em seu final. O projeto que o elegeu, se é que se pode utilizar essa palavra, sinaliza para o seu esgotamento, com a pauta liberal saindo de cena.

O presidente só pensa em sua reeleição, atento à melhora de sua popularidade com iniciativas sociais como a bolsa pandemia, como se o Brasil não necessitasse de reformas, imerso que está numa crise fiscal, sanitária, social (desemprego) e econômica. É como se vivêssemos em dois mundos, o precocemente eleitoral e o do Brasil com mais de 105 mil mortos. É como se o descaso e a irresponsabilidade fossem coisas da vida!

Em vez de privatizações, estamos presenciando a estatização do posto Ipiranga. Pouco foi feito no atual governo, enquanto governos que não tinham projetos privatizantes, como o do ex-presidente Fernando Henrique, muito mais fizeram. Nesse sentido, não dá para entender ataques aos tucanos, pois estatizantes não foram. O discurso governamental é de privatizações, mas nada se traduziu em realidade. É, na verdade, um imenso desserviço prestado ao liberalismo, que perde uma chance histórica. Talvez demore para se recuperar se algo não for feito.

A tão propalada reforma administrativa, reiteradamente anunciada, então, nem apresentada foi. Não há pauta liberal sem reforma do Estado, com a eliminação de desperdícios, valorização do mérito, avaliação de desempenho, eliminação de funções pela inovação tecnológica, transparência, e assim por diante. É constrangedor.

No que diz respeito à reforma tributária, o governo restringiu-se a enviar um exíguo projeto de lei para embaralhar a discussão já bastante adiantada na Câmara dos Deputados e no Senado com as PECs 45 e 110, respectivamente. Ou seja, foram iniciativas dessas duas Casas, a primeira presidida pelo deputado Rodrigo Maia, de firmes convicções liberais, e a segunda pelo senador David Alcolumbre. E o fez de forma fatiada, anunciando novas medidas que eventualmente compensariam o aumento das alíquotas da união do PIS e da Cofins, criando ainda mais confusão. Apresenta um projeto com caráter de urgência sem ter urgência de enviar suas outras propostas! Ademais, o apresentado já está em discussão naquelas duas PECs.

Como se não bastasse, a iniciativa governamental tem como pano de fundo, se não razão de ser, a recriação da CPMF, um novo/velho imposto amplamente repudiado, regressivo e que incide cumulativamente, sempre prejudicando os mais pobres. E isso em nome destes, ao anunciar o Renda Brasil, ampliação do Bolsa Família do ex-presidente Lula. A criação de um novo imposto, em tudo oposto a uma proposta liberal, tem como finalidade criar condições para a reeleição do presidente Bolsonaro, retirando do PT a sua clientela nordestina. Não se trata de uma reforma tributária, muito menos liberal, mas de um projeto populista e eleitoral.

As duas PECs estão sob a relatoria do deputado Aguinaldo Ribeiro, que, sensatamente, já se manifestou contra a recriação da CPMF e se debruça, como deve ser, sobre as suas duas propostas, a que foi originariamente elaborada pelo economista Bernard Appy, hoje patrocinada pelo deputado Baleia Rossi, nela engajado, e pelo ex-deputado Hauly. São duas propostas sérias, em debate, às quais está sendo dada prioridade. Isso não significa que não devam ser aprimoradas, pois distorções estão também presentes, como a de um aumento da tributação da agricultura, da pecuária e do agronegócio, como tem sido pertinentemente criticado pelo presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado Alceu Moreira. A preocupação deveria ser não matar a galinha dos ovos de ouro.

O fundamental, porém, consiste em que a discussão está sendo travada, com os diferentes setores e interesses apresentando os seus argumentos, de modo que o Brasil possa sinalizar para os investidores e o mundo o seu compromisso com a simplificação tributária e, sobretudo, com a segurança jurídica. O emaranhado da legislação espanta qualquer um, onerando custos e estabelecendo a imprevisibilidade dos negócios. O País precisa de segurança e reformas capazes de transmitir confiança e também esperança no futuro.

Em certo sentido, temos uma oportunidade única. O Poder Legislativo está maduro para uma reforma tributária, até mesmo administrativa, enquanto o governo, que se apresenta como liberal, marca passo e permanece preso a uma pauta corporativa e eleitoral. Se o discurso da área econômica se harmonizasse com a defesa de posições liberais, como a do presidente da Câmara dos Deputados, o País teria chances de dar um salto para a frente, abandonando a sua inércia.

No momento, cabe à Câmara e, logo, ao Senado fazerem avançar a pauta liberal, mostrando ao País o caminho a ser seguido.

Denis Lerrer Rosenfield, o autor deste artigo, é Professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Porandubas Políticas

Por Gaudêncio Torquato

Abro a coluna com uma historinha do Rio Grande do Norte.

Condições?

Solenidade de promoção da Polícia Militar em andamento, os agraciados com ascenso na carreira da corporação são chamados pelo cerimonial. Um a um recebe diplomação. Absorto em seu lugar, olhar atento a tudo, a maior autoridade presente à solenidade - governador Dinarte Mariz - resolve cochichar à orelha de Luciano Veras, secretário da Segurança do Estado:

- Coronel, eu não estou vendo entre os promovidos aquele meu afilhado que lhe fiz recomendação...

A resposta do secretário justifica o porquê da ausência do indicado pelo governador:

- Eu estive avaliando a carreira dele e observei que não havia condições para ganhar a promoção pretendida pelo senhor.

Sem maiores reservas, Dinarte alardeia sua contrariedade com a exclusão técnica:

- Luciano, que condições você está falando? Se eu fosse atrás dessas condições nunca teria sido governador.

(Quem conta o "causo" é Carlos Santos em seu livro Só Rindo 2)

Panorama geral

Mesmo com a pandemia em plena ação e espalhando seus mortos por todo o território, a vida parece voltar ao normal em algumas cidades. A semana começou em São Paulo com as ruas cheias, como se viu segunda-feira na rua Santa Ifigênia e imediações. Muita gente. Com máscaras e, também, sem máscaras. A banalização do risco maior – a morte – produz uma camada de entorpecimento. As pessoas deixam de dar valor aos perigos. Há muitas dúvidas no ar. O noticiário sobre os primeiros resultados da aplicação da vacina contra a Covid-19 em voluntários ganha volume na mídia. Há cerca de 120 pesquisas sobre vacinas, com três ou quatro mais adiantadas, incluindo a de Oxford e a russa.

Por aqui, tudo igual

Por nossas plagas, as coisas até parecem normais. As mais de 100 mil mortes e os mais de 3 milhões de contaminados são lembrados a toda hora, mas a falta de uma coordenação nacional é patente. O general Pazuello, ministro da Saúde, continua como gerente principal, mas o presidente dá sinais de que a culpa pela tragédia das mortes e contaminação é dos governadores e prefeitos. Afasta qualquer insinuação de que é o principal culpado. E continua propagando a eficácia da hidroxicloroquina. Ministros continuam no banco dos testes positivos. O afrouxamento de medidas mostra-se pernicioso, com o empuxo de novas ondas do novo coronavírus.

Avaliação melhora

No meio da turbulência, o presidente tem o que comemorar. No campo da tragédia, gaba-se de o país não ser um dos primeiros na equação óbitos por milhão de habitantes. Os especialistas refutam e dizem que há de se considerar a identidade de cada país. Por exemplo, no caso da Itália há de ser considerado o alto número de idosos. Mas a comemoração maior do presidente é a melhoria de sua avaliação na paisagem nordestina, até então um espaço quase exclusivo do lulismo. O Bolsa Família do lulopetismo fincou raízes profundas no Nordeste. Agora, cede posições ao bolsonarismo. O presidente, com o auxílio emergencial de R$ 600,00, conquista a região. E se juntar todos os auxílios em um plano que designa como Renda Brasil, ganhará o coração e os votos de uma região que agrega 27% do eleitorado. O nordestino não optou por Lula por este erguer a bandeira vermelha, mas pelo adjutório ao bolso, ou seja, estômago.

O verbo e a verba

Pois é, o presidente está mudando de postura. Controla um pouco mais o verbo e abre os cofres da verba. Esta para os aliados. Do PP e adjacências. O Centrão está de boca aberta esperando grandes nacos. Não se sabe muito bem de onde virá dinheiro e se a grana arrumada escapará à lei do teto de gastos. O TCU diz: isso vocês acertam com o Congresso. Somos responsáveis apenas pela identificação da aplicação dos recursos. Se o Congresso fez essa lei e quer mudar, que mude. Quem pariu Mateus, que o embale. Ministros do TCU não querem assumir o papel de consultores. Enquanto isso, o senador Flávio, o 01, dá um recado: o ministro Guedes haverá de arranjar um dinheirinho a mais para pagar o programa de infraestrutura.

Campanha antecipada

O fato é que a campanha Federal de 2022 já começou embolando o meio de campo com a campanha municipal, com data de 15 de novembro para o primeiro turno. Em suma, o fator eleitoral começa a se intensificar e a amortecer o impacto da Covid-19. Bolsonaro quer, desde já, visitar dois Estados por semana. E passa ao largo das denúncias que deixam o filho-senador Flávio a cada dia mais complicado com o caso da "rachadinha". Será difícil explicar os muitos cheques e dinheiro vivo depositados em contas da primeira-dama, Michelle Bolsonaro. E o caso deverá ir para um desfecho. Esse é o calcanhar de Aquiles do senador e o do pai.

Nanicos fora?

Em 2017, uma emenda constitucional estabeleceu uma cláusula de barreira para o acesso a recursos do fundo partidário e tempo da propaganda eleitoral, a começar no final de setembro. Pela regra, terão acesso ao fundo e ao tempo de mídia eleitoral os partidos que obtiverem nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 1,5% dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades federativas (9 Estados), com um mínimo de 1% dos votos válidos em cada uma delas. Sob essa chancela, os partidos nanicos estarão de fora, como Rede e PRTB, sendo este o partido do vice-presidente Mourão. O maior tempo será para o PT, com 10,7%, o segundo lugar caberá ao PSL, com 10,1%, o terceiro lugar será ocupado pelo PP, com 7,2%, o quarto pelo PSD, com 6,6% e o quinto pelo MDB, com também 6,6%.

Setor ferroviário e o novo normal

A Abifer e Simefre (Associação Brasileira da Indústria Ferroviária e Sindicato Interestadual da Indústria de Materiais e Equipamentos Ferroviários e Rodoviário), em texto no Estadão (blog de Fausto Macedo), chamam a atenção para os "novos parâmetros" que guiarão o setor metroferroviário na era do "novo normal". E sugerem: "a implantação de Autoridades Metropolitanas de Transportes, entidades de Estado, que tratariam do planejamento plurianual, priorização de projetos, financiabilidade, integração dos modais e equilíbrio tarifário, entre outros. Em nível federal, a criação de uma Agência Nacional de Investimentos, órgão de Estado que encamparia as mesmas atribuições quando das relações subnacionais, podendo, inclusive, tornar-se a grande Agência Nacional onde poderiam ser discutidos, projetados, priorizados e promovidos os planejamentos de todo o cabedal de infraestruturas do país. Isso garantiria a realização, a longo prazo, dos projetos de infraestruturas". Como conselheiro das entidades, o presidente da CAF-Brasil, Renato Meirelles, colaborou com as ideias e a formulação do texto.

Machismo explícito

Nesses tempos de pandemia, multiplicam-se os casos de machismo e outras modalidades de discriminação. A advogada Mariana Maduro fazia ioga às margens da Lagoa, no Rio de Janeiro, quando o empresário Ricardo Roriz e um ambulante passaram a filmá-la sem o seu consentimento, expondo-a nas redes sociais. Mariana fez queixa na delegacia, onde Roriz compareceu para confessar sua "infelicidade", lamentando o ocorrido. A advogada diz que "nunca mais quer fazer ioga". É dever de todos denunciar casos como este.

STF terá surpresas?

O Supremo Tribunal Federal tem alguns artefatos em fase adiantada de produção. A questão das fake news e a imposição do ministro Alexandre de Moraes de mandar fechar contas de algumas pessoas; a suspeição do ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro em relação ao processo de Lula; a validade das delações nos casos de Lula e de Michel Temer; o poder da PGR de interferir diretamente nos processos em andamento na Lava Jato, entre outros.

The Economist: Biden

Revista The Economist registra: "Pela primeira vez na história podemos vislumbrar realmente um Hemisfério Ocidental seguro, democrático e com uma classe média, do norte do Canadá ao sul do Chile e nos lugares entre os dois", disse Joe Biden em um discurso na Universidade Harvard, em 2014. Muita coisa mudou desde então, em particular a destruição de vidas e do sustento das pessoas provocada pela pandemia. Mesmo assim, se Biden for eleito presidente dos EUA, em novembro, para muitos latino-americanos essa será uma perspectiva tranquilizadora e familiar em comparação com o barulho e a fúria imprevisíveis de Donald Trump. Kennedy Alencar registra: "Harris, senadora democrata pela Califórnia, está entre as quatro mulheres mais cotadas para ser a companheira de chapa de Biden. Ela é uma das três negras que a imprensa americana destaca como mais prováveis. A governadora do Michigan, Gretchen Whitmer, é a única branca nessa G-4 democrata".

Maquiando novo imposto

Tarefa difícil, para não dizer impossível, é limpar a má fama da CPMF do novo imposto sobre transições financeiras que o ministro Paulo Guedes tenta emplacar no Congresso. Estão chamando esse "achado" de "imposto sindical". E parcela do empresariado mais onerado, como o setor de serviços, tem defendido a proposta. Pode ser que o Centrão compre a ideia, que teria de passar ainda pelo crivo de grandes partidos, como o PT, MDB, PSD e até o PSL, que já foi a sigla do presidente. Uma incógnita: Rodrigo Maia irá colocar a proposta em votação? Maia tem atuado como uma espécie de algodão entre cristais.

Impeachment sem condições

O Brasil e suas circunstâncias. Mesmo havendo mais de 20 pedidos de impeachment do presidente Bolsonaro, alguns com fortes fundamentos, é pouco provável que algum deles seja colocado em votação. Rodrigo Maia, nesse momento, age também como bombeiro. Não quer atiçar mais ainda a fogueira que se acende no país no meio de uma crise sanitária, uma crise econômica e uma crônica crise política. Sob essa improbabilidade, o presidente cumpre com desenvoltura o seu papel. Eventuais surpresas poderão advir da Corte Maior, o STF.

Fecho a coluna com uma historinha da Paraíba.

Amigo do papa

Rui Carneiro, paraibano matreiro, era candidato a senador pelo PSD, em 1955. A UDN tinha apoio dos comunistas. Rui esteve na Europa, voltou, foi fazer o primeiro comício da campanha:

- Paraibanos, estive em Roma com o Papa. Ele me cochichou: "Rui, se destruírem meu trono aqui no Vaticano, sei que tenho um grande amigo lá na Paraíba. Vá, dê lembranças à comadre Alice e diga ao povo que estou com você. Ganhou a eleição".

Sebastião Nery, com sua graça, nos brinda com esse causo.

Gaudêncio Torquato, Professor Titular na USP, é cientista político e consultor de marketing político.
----------------------------------------------------------------------------------------

Livro Porandubas Políticas

A partir das colunas recheadas de humor para uma obra consagrada com a experiência do jornalista Gaudêncio Torquato.

Em forma editorial, o livro "Porandubas Políticas" apresenta saborosas narrativas folclóricas do mundo político acrescidas de valiosas dicas de marketing eleitoral.

Cada exemplar da obra custa apenas R$ 60,00. Adquira o seu, clique aqui. - https://www.livrariamigalhas.com.br/

A crise social e o desafio do Estado

A crise econômica e social causada pela pandemia tem levado mais famílias a recorrer aos serviços públicos - e o Estado tem de dar uma resposta à altura

A pandemia de covid-19 tem imposto uma série de desafios na área da medicina, de forma especial para o Sistema Único de Saúde (SUS). Mas não é apenas em relação à saúde que o novo coronavírus acrescenta demandas para o poder público que, na maioria das vezes, tem dificuldades para atender satisfatoriamente a população mesmo em circunstâncias normais. A crise econômica e social causada pela pandemia tem levado mais famílias a recorrer aos serviços públicos – e o Estado tem de dar uma resposta à altura.

No mês de julho, por exemplo, houve aumento de 73% de pedidos de matrícula de crianças de 4 a 6 anos nas escolas municipais de São Paulo em relação ao mesmo período do ano passado. Em 2019, 981 crianças pediram vaga em julho; agora, 1,7 mil. Dos pedidos feitos neste ano, 400 ainda não foram atendidos.

Atípica para esse período do ano, a demanda por vagas na rede pública de educação infantil é uma consequência da migração de alunos de pré-escolas particulares. A corroborar esse diagnóstico, bairros com população de mais baixa renda – com menos crianças matriculadas na rede particular em tempos normais – tiveram menor aumento de pedidos de matrícula.

No mês passado, verificou-se também aumento dos pedidos de vagas nas creches, para crianças de 0 a 3 anos. As matrículas para essa faixa etária têm uma dinâmica diferente, já que ocorrem ao longo de todo o ano. Mesmo assim, cresceram 44% em relação ao mesmo mês de 2019, agravando o problema da falta de vagas nas creches. Na cidade, há 22 mil crianças à espera de uma vaga na creche.

Se todo o ensino foi afetado pela pandemia do novo coronavírus, a educação infantil sofreu especialmente com a crise, também em razão da dificuldade em oferecer atividades remotas para crianças pequenas. O Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo (Sieeesp) estima que 30% das instituições privadas de educação infantil fecharam as portas durante a pandemia. O encerramento de tantas escolas agrava o drama do desemprego, com a demissão de professores e funcionários, e sobrecarrega diretamente a rede pública. Segundo a legislação vigente, a partir dos quatro anos todas as crianças devem estar matriculadas na escola. O descumprimento dessa obrigação dá ensejo à responsabilização judicial dos pais.

A rede estadual, que inclui os ensinos fundamental e médio, também sentiu o aumento da demanda de vagas em função da crise social e econômica causada pelo novo coronavírus. No mês de julho, houve aumento de 35% das matrículas em relação ao mesmo período do ano passado. Segundo informou o Estado, movimento similar ocorreu em outras redes de ensino no País.

Não há apenas aspectos negativos na migração das crianças para a rede pública de ensino. “É uma nova população para a escola pública, que traz outras experiências, e pode contribuir para o desenvolvimento do projeto pedagógico”, disse a educadora Anna Helena Altenfelder, presidente do conselho do Cenpec. “É importante que os pais não vejam essa mudança como um castigo para o filho”, explicou. Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), uma sala de aula heterogênea, com diferenças sociais, culturais e étnicas, traz benefícios para todos.

De toda forma, o aumento da demanda nas redes públicas de ensino traz uma série de desafios para o poder estatal, em suas variadas esferas. Por exemplo, torna ainda mais evidente a necessidade da reforma administrativa, para que se tenha um Estado mais eficiente, e do ajuste fiscal, para que as atividades essenciais, como educação, disponham dos recursos necessários. A pandemia do novo coronavírus traz urgência em relação aos assuntos de curto, médio e longo prazos.

Decisiva para atenuar os efeitos da crise social e econômica, essa responsabilidade envolve não apenas os agentes públicos, mas todos os brasileiros. A necessidade de um Estado eficiente e inclusivo deve ser estímulo para o voto em candidatos competentes e honestos, bem como para o acompanhamento diligente dos que já foram eleitos.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
17 de agosto de 2020

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

A debandada

Paulo Guedes deixou claro que Jair Bolsonaro tem escolha entre manter ou não o teto de gastos e a responsabilidade fiscal - e aparentemente já a fez.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, admitiu que sua equipe sofreu uma “debandada” com a saída dos secretários de Desestatização e Privatização, Salim Mattar, e de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, Paulo Uebel. Nos dicionários, “debandada” significa fuga em desabalada carreira. O ministro explicou do que afinal fugiram seus assessores: do “establishment”.

Paulo Guedes informou que Paulo Uebel deixou o governo porque a reforma administrativa foi adiada e que Salim Mattar saiu porque estava insatisfeito com o ritmo das privatizações: “O establishment não deixa”, disse o ministro.

O próprio Salim Mattar, em declarações sobre sua decisão, acusou o “establishment” de impedir que as estatais sejam vendidas e que o Estado seja reformado: “O establishment não quer a transformação do Estado. Não deseja a reforma administrativa. Não deseja a privatização. Se tiver privatização, acaba o toma lá dá cá. Acaba o rio de corrupção. O establishment deseja segurança de que as coisas vão continuar do jeito que estão”.

Nesses termos, é importante saber o que seria o tal “establishment”, responsável por tanto atraso. Salim Mattar explicou: “O establishment é o Judiciário, é o Executivo, é o Congresso, são os servidores públicos, os funcionários de estatais”. Ou seja, o “establishment”, tratado como barreira intransponível ao progresso, seria a estrutura estatal – burocrática, política e judicial – necessária para o funcionamento de um regime democrático.

Entende-se a frustração de quem chegou ao governo acreditando que os milhões de votos conferidos ao presidente Jair Bolsonaro fossem suficientes para que sua agenda de campanha fosse automaticamente implementada, sem necessidade de negociação de nenhuma espécie e até mesmo, em alguns casos, sem respeitar os ritos legais.

O problema é que a democracia não funciona assim. Na democracia, predomina a mobilização política na defesa de interesses os mais diversos no espaço público garantido pelas instituições republicanas. Cabe ao governo encontrar a melhor maneira de articular esses interesses para que o País avance, tendo como base a agenda vencedora da eleição majoritária.

O presidente Bolsonaro, no entanto, renunciou a esse papel. Passou boa parte do mandato a lavar as mãos sobre as discussões no Congresso, sem constituir uma base sólida e sem se envolver nos debates mais importantes. Ao contrário: em vários momentos, Bolsonaro prejudicou a tramitação de reformas, quase sempre no interesse de grupos de pressão de vocação estatista.

Em outras palavras, o “establishment” de que se queixam Paulo Guedes e seus agora ex-assessores tem em Bolsonaro seu mais legítimo representante. É muito difícil privatizar estatais e fazer reformas quando a resistência parte do próprio presidente da República – cuja conversão ao liberalismo, na campanha eleitoral de 2018, só enganou quem se deixou enganar.

A oposição à modernização do Estado pode ser vencida se houver genuína disposição de dialogar e de defender um projeto claro de País. O governo de Fernando Henrique Cardoso promoveu privatizações em larga escala, inclusive de “joias da coroa”, mesmo enfrentando um Congresso hostil. Hoje, ao contrário, o Congresso vem se mostrando favorável à agenda liberal – que só não avança mais porque o presidente não quer.

Em público, Bolsonaro diz, sem muita convicção, que continua comprometido com as privatizações e com a manutenção da responsabilidade fiscal, mas na prática nada faz para estimular as privatizações nem para desestimular ministros que sonham com o renascimento do desenvolvimentismo à custa do teto de gastos. A esse propósito, o ministro Paulo Guedes advertiu que “os conselheiros do presidente que o estão aconselhando a pular a cerca e furar o teto vão levá-lo para uma zona sombria, uma zona de impeachment, de irresponsabilidade fiscal” e que “o presidente sabe disso”. Assim, Paulo Guedes deixou claro que Bolsonaro tem escolha – e aparentemente já a fez, razão pela qual cinco integrantes da equipe econômica já jogaram a toalha.
     
Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
13 de agosto de 2020 | 03h00

quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Coronavírus no Brasil: 103.421 mortos até uma hora atrás e 3.123.109 infectados


Veja aqui os números consolidados:
103.421 mortes confirmadas
3.123.109 casos confirmados
Às 8h, o consórcio publicou a primeira atualização do dia com 103.118 mortes e 3.114.287 casos.
Na terça-feira (11), às 20h, o balanço indicou: 103.099 mortes, 1.242 em 24 horas. Com isso, a média móvel de novas mortes no Brasil nos últimos 7 dias foi de 1.000 óbitos, uma variação de -4% em relação aos dados registrados em 14 dias.
Sobre os infectados, eram 3.112.393 brasileiros com o novo coronavírus, 56.081 confirmados no último período. A média móvel de casos foi de 43.474 por dia, uma variação de -6% em relação aos casos registrados em 14 dias.
Progressão até 11 de agosto
No total, 7 estados apresentaram alta de mortes: SC, MG, MS, AM, AP, TO e BA.
Em relação a segunda (10), SP e RS estavam com a média de mortes subindo e, hoje estão em estabilidade. AP estava com a média em estabilidade e, agora, está subindo.
Estados
Subindo: SC, MG, MS, AM, AP, TO e BA.
Em estabilidade, ou seja, o número de mortes não caiu nem subiu significativamente: PR, RS, ES, SP, DF, GO, MT, PA, PE e PI.
Em queda: RJ, AC, RO, RR, AL, CE, MA, PB, RN e SE.
Essa comparação leva em conta a média de mortes nos últimos 7 dias até a publicação deste balanço em relação à média registrada duas semanas atrás (entenda os critérios usados pelo G1 para analisar as tendências da pandemia).
Fonte: G1 / Globo News

Os militares

Como sistema político, o militarismo sempre foi parte essencial do despotismo moderno

Como uma poltrona gasta e fora de moda, a Presidência da República é charmosa, mas nunca foi bonita, nem quando nova. Envolvida desde a origem em perfídias, corporativismo, endeusamentos indevidos e esperanças desfeitas, essa senhora de 129 anos mais uma vez dissolve o casamento civil. Sem perspectiva, diz que é consensual, pondo culpa na eleição.

Confusa, vendo o eleito indicar militares como únicos com capacidade de combater a corrupção e fortalecer o papel do poder estatal, concede carta-branca à tropa para agir como força de ocupação.

Para dissimular essa peacekeeping inédita, libera a Polícia Federal para aleijar o ciclo PT-PSDB como estratégia para tirar parentes do noticiário. Criticado predominantemente como devedor em atraso, toca o seu governo caranguejo, bizarro e simétrico, com os conchavos políticos antigos. Usufrui a surrada agenda manipulatória imposta pelos governos midiáticos dos últimos 30 anos. Todo dia a mesma discrepância entre reputação e notoriedade, ser famoso ou ser falado, condenar na TV antes de acusar no tribunal. Foi à esquerda que se cozinhou a sociedade confessional da vergonha perdida, dando sabor aos clérigos da Lava Jato, comidos crus agora à direita. 

Qualquer ladainha de dizer que a Presidência é incompetente é mentira. A Presidência é incorrigível. A crise avança outra vez na mesma direção de preferir cavalgar na sela dos pobres do que reconhecer seu direito de fabricar arreios. Pobres dos pobres. Por alguns reais o governante os terá a seu serviço. Coquete, a senhora deixa escapar: enquanto se tem força para agradar, não se diz que é corromper. Política é romance de especuladores.

Enquanto isso, apreensiva por ver mais de 100 mil brasileiros morrerem em seu colo por negligência sua, mergulha dentro de si. É falsidade não reconhecer a natureza sindical do governo. Feminina, a velha dama pensa em pedir desculpas à antiga primeira-dama que, sem malícia, plantou um canteiro com a bandeira do seu partido no jardim do Alvorada. Precavida, rascunha carta aos sindicatos dizendo que o Exército não será sua CUT. Diplomática, suspende as críticas à teocracia islâmica, à China, a Cuba e à Venezuela. São prismas de militarismos, mas não o nosso, desconversa.

A Presidência pressente aquele momento triste em que nem a alma reage. Vê pecado em usufruir o Deus cristão dispensando sua moralidade. Sente a realidade econômica desmoralizante de um Pernalonga que vai andando, sem notar que já está andando por cima do abismo. Sabe que conflito/rivalidade/inimizade/picuinha combinam pouco com justiça. Mas lista de desafetos, não, não podemos dormir descansados. 

Decide fingir que não vê o desastre cívico que é apostar em poder assimétrico, armar civis, incrementar a mentalidade militar com alcance sem fundamento, incentivos e estímulos incompatíveis com sua natureza profissional. O resultado logo esbarrará na pior das equações: a capacidade da força impulsionada sem avaliar todas as dimensões e a noção de comando supremo ajustado como a fechadura envolve a chave.

Qualquer agravo à transgressão da lógica está no horizonte. Comando militar acima da estatura nacional e internacional do estadista, refém de diplomacia sem campo de manobra, provocará pesados danos ao País. Pois poder militar partidarizado, ao invés de dissuasório e capaz de seduzir adversários, sinaliza para a emersão de soberania maligna. Como poder interno armado só lhe restará o caráter parapolicial. Logo envolvido em corrida armamentista ou avançando sobre as polícias estaduais, ampliando a vastidão da insegurança pública, matriz de secessão. 

É erro os militares se infiltrarem no interior do poder político para serem nova classe dirigente. Pessoalmente são democráticos, neutros ou autoritários, como os civis, mas como sistema político o militarismo sempre foi parte essencial do despotismo moderno. Militares como corporação estável e profissional das nações democráticas não precisam do exercício do poder político para obter identidade social. É no exterior que a força mostra bandeira.

A pátria dos especuladores não é nenhum país. Sua riqueza sem fundamento se alimenta da bolsa divorciada da realidade. De outro lado, a pandemia autorizou um governo Saps (Serviço de Alimentação da Previdência Social, que funcionou até os anos 1960), especialista em provisões. Saciar apetites legítimos ou não é a expectativa que ainda sustenta este governo. Ou seja, se o Brasil deslizar para um regime autoritário não será somente pela conhecida vocação do presidente para o arbítrio. 

As ideias do governo são desintegradas, voluntaristas e se parecem com literatura de autoajuda. Seu discurso se organiza em torno da individualização dos problemas, mesmo com doença importada. Pela primeira vez um grande sofrimento não seria visto como um fracasso individual e o País poderia unir-se na dor. 

Mas, não. Ele deu um jeito de distribuir a fragilidade a cada um.

Em apenas cinco meses e com o dobro de mortes dos 20 anos da Guerra do Vietnã, a política informa aos militares quão desconhecido é esse front.

Paulo Delgado é sociólogo. Este artigo foi publicado originalmente em O Estado de S.Paulo edição de 12 de agosto de 2020.

Não querem privatizações para manter o 'rio de corrupção', diz ex-secretário de Guedes

Um dia depois do anúncio de sua saída do governo, Salim Mattar afirma que os 'liberais puro-sangue' na Esplanada cabem num 'micro-ônibus'

De saída do governo depois de um ano e meio à frente do programa de vendas das estatais, o empresário Salim Mattar, diz que o establishment não quer as privatizações para não acabar com o "toma lá dá cá" e o "rio da corrupção".

Entrevista com Salim Mattar, empresário e ex-secretário do Ministério da Economia

Em entrevista ao Estadão, um dos fundadores da Localiza diz que continua apoiando o governo Jair Bolsonaro, mas deixa claro o descontentamento com as resistências para o avanço das privatizações, principalmente da Casa da Moeda e dos Correios. Ele admite que a venda dos Correios pode demorar 28 meses (mais de dois anos), caso saia mesmo do papel. Na iniciativa privada, diz, seria vendida em 60, 90 dias.

Para Salim, o ministro da Economia, Paulo Guedes, continua firme no cargo, mas reconhece que cabe a ele moderar e equilibrar o processo de redução do tamanho do Estado. “Ele vive no ambiente político e o governo só vai fazer as privatizações de uma forma consensual. Os militares têm que concordar, o Planalto tem que concordar, o Congresso, o TCU”.

Na visão do ex-secretário de Guedes,  os "liberais puro-sangue" do governo cabem num "micro-ônibus". “O que mais vi na Esplanada é que o Estado deseja se proteger contra o cidadão. Não há interesse do Estado servir ao cidadão. Temos um Leviatã bem maduro aqui no Brasil”, diz Salim, que afirma que seu tempo no setor público é página virada. Agora, vai trabalhar em projetos dos institutos liberais que financia.

Salim Mattar

Salim Mattar, ex-secretário de Desestatização, Desinvestimentos e Mercados do Ministério da Economia. Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil - 19/2/2020

Por que o sr. pediu demissão? O que aconteceu?

Tudo tem o seu ciclo. Estou no governo há um ano e meio e todos viram a energia e dedicação em relação às privatizações. Apesar do prazo tão curto, consegui deixar um legado. Recebemos o governo com 134 estatais e eu fui apurar direito e encontrei 698 empresas que têm participação da União. Em julho e agosto, estávamos implementando o estatuto modelo da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), com elevados padrões de governança para aquelas empresas que permaneceram ainda estatais. Fizemos um decreto que obriga cada ministério a fazer uma justificativa para a existência da empresa e vendemos R$ 150 bilhões de desestatização e desinvestimento e reduzimos 84 empresas. E deixamos um pipeline (carteira de projetos) formatado de 14 empresas que serão privatizadas de janeiro a dezembro de 2021. Mesmo eu saindo, continuo dando apoio ao ministro e à pauta da economia.

O ministro Paulo Guedes disse que o sr. falou que o establishment não deixa privatizar. O sr. cansou?

Por mim, eu venderia todas as empresas, sem exceções. O governo tem que cuidar da qualidade de vida do cidadão, da saúde, educação, segurança. Temos 470 mil funcionários nas estatais. Isso tira energia, enquanto deveria estar cuidando do social. Essas estatais acabam servido para toma lá, dá cá e corrupção. Existe uma resistência do establishment em vender as empresas. Você é  testemunha que a nossa MP 902 que quebrava o monopólio da Casa da Moeda, para que pudéssemos privatizá-la, caiu. O que aconteceu? O Congresso disse não. Estamos numa democracia, cabe a mim acatar. Eles foram eleitos. Acabou! Eles decidiram. Não é para vender, não vamos vender.

Há duas semanas o sr. disse que continuava motivado. Qual foi o estopim para essa mudança de lá para cá?

Estou fora, mas continuo motivado. E torcendo para a pauta da economia, vendo o teto de gastos (regra que proíbe que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação), acompanhando tudo.... Antes a minha motivação era vender estatal, agora sou um ex-servidor. A minha motivação é apoiar esse governo e o farei. Estarei na torcida, principalmente para o ministro Guedes. Eu fiquei no governo 18 meses. Eu plantei alguma coisa que alguém vai colher em 2021, quando serão privatizadas 14 estatais.

Quem garante? O governo Bolsonaro não vendeu até agora nenhuma estatal. A pauta não fica enfraquecida?

Essa pauta não é apenas minha. Essa pauta é do Guedes e vai continuar existindo. Vendemos 84 empresas, como subsidiárias e desinvestimento, mas nenhuma estatal. Não diminuiu o feito.

O que levou o sr. a ir até o presidente da República para pedir demissão?

Eu não pedi demissão ao presidente Bolsonaro. Se verificar a pauta do presidente, vai ver que ele me recebeu este ano 12 vezes. Ele sempre me apoiou. 

O sr. não pediu demissão diretamente ao presidente? 

Não pedi lá, não. Eu pedi ao Guedes. Umas quatro horas depois (do encontro com o presidente). Não é de sopetão: ‘eu vou sair do governo agora’. Há uma amadurecimento de uma ideia. Na verdade, eu e o Ubel (Paulo Uebel, secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, que pediu demissão no mesmo dia que Salim) entramos juntos no governo. Apesar do convite do Guedes, foi o Uebel que me deu a motivação de vir para o governo. Fizemos um pacto naquela época: entrarmos juntos e sairmos juntos. Não foi porque aconteceu uma coisa ontem. Eu não sou um cara precipitado. Eu sou mineiro, cauteloso, cuidadoso, moderado. Isso já estava sendo amadurecido há um período de tempo. Achei que ontem (terça-feira) pudesse ser o momento de apresentar a exoneração porque acredito que o dispêndio do meu esforço em relação ao resultado obtido estava negativo, apesar de todos os legados. 

Quais o motivos para nenhuma privatização ter acontecido nesses 18 meses?

Focamos  na reforma da Previdência e foi a estratégia adotada. Acredito que foi a certa porque aprovamos a maior reforma do mundo. Depois da reforma, começamos tomar  as providências para as desestatizações, levantamento, análise de cada empresa, quais os ministros mais favoráveis. Demorou tempo. Já no ano passado, colocamos diversas empresas no PND ( Programa Nacional de Desestatização, o primeiro passo para a privatização). Isso vai para o BNDES, que contrata consultoria, advocacia, auditoria... Cada contratação leva de 90 a 120 dias. É muito demorado. Quando a empresa entra no PND, para mim, é líquido e certo que essa empresa vai ser vendida. Quem assumir no meu lugar, vai levar 14 empresas.

Qual delas tem mais chance? 

As três primeiras serão fechadas. São tão ruins que nem comprador teve. São a Ceitec (empresa que fabrica chip de boi), Emgea (empresa gestora de ativos) e ABGF (gestora de fundos garantidores e garantias). Ele (Guedes) fala da Codesa (Companhia Docas do Espírito Santo), que está marcada para o segundo semestre de 2021, e Eletrobrás, que o Congresso acertou a modelagem, vai acontecer. E os Correios e o óleo da PPSA (a companhia administra os contratos da União na exploração dos campos de petróleo). Essa empresa é a calculadora de quanto tem o óleo. É vender o óleo que está debaixo da terra. Não é vender a empresa. O ano que vem será bom. Está cheio de empresas.

A Casa da Moeda foi uma frustração? Qual a empresa que o sr gostaria de ter vendido e não conseguiu?

A Casa da Moeda para mim foi um aprendizado. Estamos numa regime democrático. As pessoas que foram eleitas disseram não. Cabe a mim, aceitar. Foi uma lição. Temos que reconhecer que quem foi eleito pelo voto tem poder. Eu era um servidor com DAS (Direção e Assessoramento Superior, cargos que podem ser ocupados por qualquer servidor ou pessoa externa ao serviço público) cargo comissionado, que a qualquer momento poderia ser demitido. Deputado, não. O Congresso não quis a privatização da Casa da Moeda. Eu entendi, esse é pensamento médio do Congresso. Ok.  Não é o Rodrigo Maia (presidente da Câmara), porque ele é favorável às privatizações, à redução de Estado. 

Qual empresa o sr. queria ter vendido primeiro?

Os Correios. É uma empresa grande deficitária que tem prestação de serviço muito ruim. Os Correios seria a primeira empresa que eu privatizaria. Tivemos muita resistência desde o início do próprio ministro Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia). Ele teve muita resistência. E colocaram no PPI (Programa de Parceria de Investimentos). No PPI, é para estudar. No PND, é para poder vender. Então, atrasou. Vai demorar 28 meses para ser vendido. Caso seja vendido. Não tenho certeza. Uma empresa como essa na iniciativa privada estaria vendida em 60, 90 dias.

Por que o sr. e o Uebel fizeram um pacto de sair juntos?

Nós já estávamos conversando. Não pretenderíamos ficar tanto tempo no governo. Ok, podíamos ficar, mas dependendo da velocidade com que as coisas acontecessem. As coisas são difíceis. O establishment não quer a transformação do Estado. Não deseja a reforma administrativa. O establishment não deseja privatização. Se tiver privatização, acaba o toma lá, dá cá. Acaba o rio de corrupção. O establishment deseja segurança que as coisas vão continuar do jeito que estão. O establishment é o Judiciário, o Executivo, o Congresso, são os servidores públicos, os funcionários das estatais. Não querem mudanças. Elas vão acontecendo vagarosamente. Olha a Eletrobrás!.

A saída do sr. e do Uebel tem alguma relação com o documento do Instituto Millenium e a campanha "Destrava", para pressionar pela reforma administrativa? 

É uma coisa mais do Uebel. Ele deixou claro que ele estava chateado de a reforma administrativa ter sido engavetada e não ter saído este ano. E o próprio ministro disse isso. Não foi um motivo. 

A agenda liberal perdeu força no governo?

Não está perdendo força. Eu e o Uebel somos os mais liberais do governo junto com o Paulo Guedes, o Carlos da Costa (secretário especial de Produtividade, Emprego e Competitividade). É verdade. Temos sim um grupo de liberais, Eu estou à direita do ministro. Eu sou muito mais a favor da redução do Estado e das privatizações. Ele tem que ser habilidoso como ministro. Ele sabe o que pode e deve ser feito. Cabe a ele moderar e equilibrar esse processo de redução do tamanho do Estado e privatizações. Ele vive no ambiente político e o governo só vai fazer as privatizações de uma forma consensual. Os militares têm que concordar, o Planalto tem que concordar, o Congresso, o TCU.

O ministro Paulo Guedes não fica fragilizado com mais baixas no momento de pressão do teto de gastos? Essa pressão pode levar  à saída do ministro do cargo?

O ministro está muito bem. Está firme. Ele e o presidente gozam de uma excelente amizade e confiança mútua. O presidente deposita muita confiança e dá muita autonomia. O ministro é um conselheiro informal. Não há esse risco. Ele está forte e firme e com todo apoio do presidente.

E o teto de gastos vai cair?

Tem que existir uma responsabilidade fiscal no País. O Guedes foi muito franco na coletiva que deu junto com o líder Artur Lira (deputado pelo PP-PI, um dos líderes do chamado Centrão) e o presidente Rodrigo Maia. Tem que existir responsabilidade. Parece que esse assunto foi resolvido. Lira e Maia apoiaram que não pode ter furo no teto de gastos. Esse assunto está pacificado.

O sr vai voltar para a Localiza?

Não vou voltar. O meu período de iniciativa privada passou. É página virada, como também minha participação no setor público. Vou voltar para os meus projetos de vida pessoal. Eu vou me dedicar em transformar nossos institutos liberais mais virtuais. Institutos que apoio, fundei e ajudo. São 120 no Brasil. Eu financio os institutos com R$ 2 milhões por ano. Vou me dedicar  à propagação das ideias liberais na sociedade brasileira. Essa contribuição é maior do que estar no governo.

Os críticos dizem que a agenda liberal foi confundida no governo. Muitos no governo se dizem liberais e não são. Não prejudicou o espírito liberal?

Os liberais puro-sangue cabem em um micro-ônibus. Agora, tem muita gente que é liberal e não sabe. Descobri isso no governo. Mas tem também muitas pessoas que se passam por liberais para poderem se aproximar, ficar perto do governo. Não são  liberais. O discurso é diferente da prática. O que mais vi na Esplanada é que o Estado deseja se proteger contra o cidadão. Não há interesse do Estado em servir ao cidadão. Raramente vemos coisas que são a favor do cidadão. Isso me deixou muito preocupado. Temos um Leviatã (metáfora do Estado como soberano absoluto e com poder sobre seus súditos que assim o autorizam através do pacto social) bem maduro aqui no Brasil.

Adriana Fernandes, O Estado de S.Paulo / 12 de agosto de 2020 | 12h39

Após debandada, Guedes manda recado para Bolsonaro

     Ministro da Economia afirma que furar o teto de gastos vai levar presidente a      uma "zona de impeachment". Pasta viu saída de mais dois secretários e tem                         perdido influência para desenvolvimentistas no governo.    


    Paulo Guedes

Paulo Guedes

O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou na noite de terça-feira (11/08) que auxiliares de Jair Bolsonaro estão aconselhando o presidente a "furar" o teto de gastos. Guedes não citou nomes, mas disse que essas figuras estão levando Bolsonaro para uma "zona sombria" que pode provocar o impeachment do presidente.

"Os conselheiros do presidente que estão aconselhando a pular a cerca e furar teto vão levar o presidente para uma zona sombria, uma zona de impeachment, de irresponsabilidade fiscal. O presidente sabe disso, o presidente tem nos apoiado", afirmou o ministro.

Nas últimas semanas, a imprensa brasileira vem relatando que há uma pressão crescente por parte de algumas alas desenvolvimentistas para flexibilizar o teto de gastos, aprovado no governo Michel Temer em 2016. 

Essas alas defendem mais investimentos públicos e programas, entre eles o Renda Brasil, uma versão repaginada do Bolsa Família. No momento, com o decreto de estado de calamidade em todo o país, o governo não é obrigado a cumprir o teto de gastos.

Na Esplanada, Guedes tem protagonizado conflitos com o titular do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, que defende mais gastos públicos.

As declarações de Guedes foram feitas depois que dois altos secretários da sua pasta pediram demissão: Salim Mattar (Desestatização e Privatização) e Paulo Uebel (Desburocratização, Gestão e Governo Digital).

Guedes admitiu que o ministério sofreu uma "debandada". Nos bastidores, os dois estavam insatisfeitos com com o ritmo das privatizações e das reformas. Bolsonaro foi eleito com um discurso liberal e privatista. Guedes também fez grandes promessas e expôs planos que por vezes soaram irreais. Mas o governo não entregou praticamente nada até agora.

Agora, a saída dos secretários expôs um congelamento da agenda de Guedes e um enfraquecimento da pasta.

"Hoje houve uma debandada", afirmou. "O que ele [Mattar] me disse é que é muito difícil privatizar, que o establishment não deixa haver a privatização, que é muito difícil, muito emperrado, que tem que ter apoio mais definido, mas decisivo. O secretário Uebel, a mesma coisa. A reforma administrativa está parada, então ele reclama também que a reforma administrativa parou", disse Guedes.

O ministro também sugeriu que as reformas e as privatizações têm caminhando em ritmo lento por causa da ação do próprio presidente. "Um tá reclamando, dizendo que tá indo devagar. Outro tá dizendo 'vai no ritmo que eu quiser, eu que sou o presidente da República, eu que tive o voto, se você quiser, você sai'", disse.

 "Se o presidente quiser ser reeleito, nós temos que nos comportar dentro dos orçamentos, fazendo a coisa certa e enfrentando os desafios de reformas", completou.

Desde o início do mandato de Bolsonaro, Guedes já perdeu uma série de nomes da sua equipe original. Em junho, o secretário especial de Comércio Exterior, Marcos Troyjo, deixou a pasta para ser presidente do Banco dos Brics. No mesmo mês, Mansueto Almeida pediu para deixar o Tesouro Nacional. No mês seguinte, foi a vez de Caio Megale pedir para sair da Secretaria de Desenvolvimento da Indústria, Comércio, Serviços e Inovação, e de Rubem Novaes anunciar sua saída da presidência do Banco do Brasil.

No no passado, Guedes já perdido o ex-secretário da Receita Federal Marcos Cintra, demitido em setembro, e Joaquim Levy, que pediu demissão após uma passagem relâmpago pela chefia do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Fonte: Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas.

Kamala Harris: o que Joe Biden pode ganhar ou perder com a escolha da senadora pela Califórnia como candidata a vice

Kamala Harris era apontada como favorita para compor a chapa de Joe Biden desde o momento em que o então provável candidato democrata anunciou, em março, que escolheria uma mulher como candidata a vice

Kamala Harris

O candidato democrata à presidência dos EUA, Joe Biden, anunciou que Kamala Harris, senadora pela Califórnia, será sua companheira de chapa contra Trump. /  Direito de imagemAFP

Às vezes, a escolha óbvia é óbvia por um motivo.

Harris era uma escolha segura e prática. Ela também está agora, aparentemente, na posição de ser a herdeira do Partido Democrata — seja daqui quatro anos porque Biden perdeu em 2020 ou não concorreu à reeleição, ou em oito anos se Biden cumprir dois mandatos completos.

Quem é Kamala Harris, escolhida vice por Joe Biden na disputa com Trump

Como Donald Trump e Joe Biden estão se saindo nas pesquisas?

Pode ser por isso que houve tantas tentativas de derrubar Harris ou apresentar candidatos alternativos no mês passado.

Na realidade, essa foi a primeira luta da próxima batalha de indicação presidencial, e Harris — cujas ambições são claras — agora dá um passo na competição.

Mas determinar a futura indicação democrata é uma batalha para outro momento. Agora a preocupação urgente para o partido é como Harris pode ajudar Biden a conquistar a Casa Branca.

A seguir, veja pontos fortes que ela traz para a chapa e algumas preocupações que os democratas podem ter.

Ponto forte: Diversidade

O Partido Democrata de hoje não se parece com Joe Biden. É jovem e é etnicamente diverso. Assim, para ter uma chapa que refletisse as pessoas que votariam nele, estava cada vez mais óbvio que Biden precisava encontrar alguém mais jovem e menos branco que ele.

Harris, cujo pai era jamaicano e mãe veio da Índia, preenche essa necessidade específica. Ela se torna a primeira mulher negra e a primeira asiática a concorrer em uma chapa presidencial de um grande partido. E embora aos 55 anos ela não seja exatamente jovem, quando comparada a Joe Biden, de 77 anos, ela é totalmente ágil.

Foto da família Harris

Pai de Harris era jamaicano e mãe dela veio da Índia. / Direito de imagem HARRIS FAMILY

Na tarde de terça-feira (13/08), antes de ser anunciada como a escolha de Biden, Harris tuitou sobre a necessidade de diversidade na liderança do partido.

"Mulheres negras e mulheres de cor há muito tempo estão sub-representadas em cargos eletivos e em novembro temos a oportunidade de mudar isso", escreveu.

Harris pode ser a responsável direta por algumas dessas mudanças.

Um dos papéis tradicionais de um candidato a vice na chapa presidencial é enfrentar a oposição. Enquanto o candidato no topo da chapa segue o caminho retórico, o número dois parte para o ataque contra a oposição.

Em 2008, Sarah Palin, vice da chapa de John McCain, mais do que fez jus ao apelido, "Sarah the Barracuda" (um tipo de peixe conhecido por ser agressivo), por exemplo.

Cartaz da campanha de Kamala Harris

Cartaz da campanha de Kamala Harris

Se esta é uma tarefa que recai sobre Harris, a história sugere que ela estará à altura da função. Biden certamente se lembra que foi Harris quem foi atrás dele com gosto durante o primeiro debate das primárias democratas em julho de 2019, criticando a oposição dele a um programa de ônibus escolares.

Harris também demonstrou ser uma interrogadora muito determinada e combativa durante seu mandato no Senado dos Estados Unidos. Donald Trump se lembra claramente disso, ao comentar na noite de terça-feira que achava que Harris foi "extraordinariamente desagradável" com seu segundo candidato à Suprema Corte, Brett Kavanaugh.

Trump pode não gostar, mas "desagradável" pode ser exatamente o que Biden está procurando.

Ponto forte: Estabilidade

Uma coisa que os políticos que concorreram a cargos nacionais disseram repetidas vezes é que é impossível ter dimensão da intensa pressão que essas campanhas criam até que se tenha realmente participado de uma.


Joe Biden conversando com sua candidata a vice-presidente Kamala Harris por um link de vídeo, divulgado por seu fotógrafo oficial de campanha.

Biden diz a Harris que ela será sua companheira de chapa

Embora a candidatura presidencial de Harris para 2020 não tenha sido bem-sucedida e ela tenha desistido antes da maioria de seus concorrentes, ela sabe o que é estar sob tamanho escrutínio. Quando ela lançou sua campanha para dezenas de milhares de apoiadores em janeiro de 2019, ela foi tratada como uma candidata presidencial de primeira linha. Por algum tempo em julho, depois de sua forte participação no primeiro debate, ela subiu para o topo de algumas pesquisas primárias.

Harris passou pelo fogo, pelo menos por um tempo, e sabe como é. Se houvesse grandes problemas em seu passado, eles já teriam aparecido. Dado que ela já participou de disputa democrata para a presidência (primárias), não é impossível para muitos americanos imaginá-la como presidente algum dia.

A senadora da Califórnia pode não ter sido a candidata mais dinâmica na campanha em 2019 e certamente não foi a mais bem-sucedida, mas neste momento ela é conhecida. E para Biden, que atualmente está em alta nas pesquisas, quanto menos surpresas no resto da campanha, melhor.

Desvantagem: 'Harris é um policial'

Mais do que quase qualquer outro candidato ao posto de vice-presidente, Harris vem de um passado em cargos na área de aplicação da lei. Dadas as recentes manifestações contra a brutalidade policial e alegações de racismo institucional na aplicação da lei, o currículo de Harris pode fazer com que alguns progressistas dentro do Partido Democrata hesitem.

Certamente aconteceu durante a campanha presidencial de Harris, quando a frase "Harris é um policial" foi uma acusação irônica feita à senadora da Califórnia em mais de uma ocasião.

Tanto como promotora distrital de São Francisco quanto como procuradora-geral da Califórnia, Harris se posicionou mais ao lado da polícia do que dos suspeitos, mesmo nos casos em que esses suspeitos possam ter sido condenados injustamente. Embora ela tenha expressado oposição pessoal à pena de morte, ela apoiou seu uso enquanto esteve no cargo.

Mais do que quase qualquer outro candidato ao posto de vice-presidente, Harris vem de um passado em cargos na área de aplicação da lei.

Ser um combatente do crime obstinado pode ser um atributo atraente entre os eleitores independentes e de tendência conservadora nas eleições gerais, mas se esse apoio vier à custa do entusiasmo pela chapa Biden-Harris entre os eleitores da esquerda, então pode não ser positivo.

Desde a morte de George Floyd, Harris tem defendido abertamente a reforma da aplicação da lei, recebendo elogios de alguns progressistas. No entanto, é seguro dizer que eles ainda guardam algumas dúvidas.

Desvantagem: Mudanças

O fato de Harris ter realizado uma campanha presidencial foi notado como um marco a seu favor. No entanto, há um outro lado nisso. A campanha dela, embora tenha começado com estrondo e tenha seus momentos, também teve algumas falhas graves (e algumas dessas falhas relacionadas à própria candidata).

Embora Harris tenha um histórico bastante moderado como senadora e procuradora-geral do estado, ela tentou virar à esquerda durante sua campanha presidencial. Ela se pronunciou a favor da educação universitária gratuita, do programa ambiental Green New Deal e da saúde universal, por exemplo, mas nunca soou muito convincente sobre isso.

Ela tropeçou particularmente na questão sobre se o seguro privado deveria ser banido — o que, embora seja bom para os progressistas, causa desconforto para muitos moderados.

"Vamos eliminar tudo isso", disse ela com certa desenvoltura durante uma entrevista. "Vamos continuar."

Nos dias de hoje, a sentença de morte para políticos é parecer muito político — serem percebidos como dispostos a mudar valores e crenças com base no que os eleitores desejam.

Sinceridade, ou pelo menos a aparência dela, é um prêmio de virtude para os eleitores — e parte da razão pela qual Donald Trump se tornou presidente. Embora seus apoiadores nem sempre concordassem com ele, eles sentiam que ele dizia o que pensava.

A mudança de Harris, de moderada, depois para a esquerda e agora de volta, talvez, para o centro de Biden, pode deixar alguns eleitores se perguntando onde estão seus valores fundamentais — ou se ela tem algum valor fundamental.

BBC News / Anthony Zurcher, Correspondente na América do Norte

‘Debandada’: Por que auxiliares de Paulo Guedes estão abandonando o governo Bolsonaro?

Se antes pareciam saídas pontuais por motivos particulares, o desembarque de mais dois auxiliares importantes do ministro da Economia, Paulo Guedes, compôs o que o próprio chamou de “debandada”

Bolsonaro e Guedes vivem afastamento crescente desde a eleição de 2018

Bolsonaro e Guedes vivem afastamento crescente desde a eleição de 2018 / Direito de imagemADRIANO MACHADO/REUTERS

Desde o início do governo deixaram seus cargos Joaquim Levy (BNDES), Marcos Cintra (Receita Federal), Marcos Troyjo (Comércio Exterior), Rubem Novaes (Banco do Brasil), Caio Megale (Fazenda), e Mansueto Almeida (Tesouro Nacional).

A crise interna na pasta econômica do governo Bolsonaro (sem partido) se agravou nesta semana com a saída de Salim Mattar, secretário especial de desestatização, e Paulo Uebel, responsável pela secretaria especial de desburocratização.

“Hoje houve uma debandada? Hoje houve uma debandada”, disse Guedes a jornalistas nesta terça-feira (11). “Salim falou: ‘A privatização não está andando, prefiro sair’. Uebel disse: ‘A reforma administrativa não está sendo enviada, prefiro sair’. Esse é o fato, essa é a verdade.”

Nesta quarta-feira (12), Bolsonaro publicou no Facebook um texto em defesa das privatizações e do teto de gastos públicos.

Há uma série de fatores envolvendo a saída dos auxiliares de Guedes, como reformas emperradas no Congresso ou engavetadas pelo presidente Bolsonaro, falta de vontade de política para privatizar, embate entre rigor fiscal e de ampliação de gastos públicos, disputas com o campo político, projetos que não saem do papel, recessão econômica, cultura do compadrio em Brasília e a crise fiscal agravada pela pandemia de covid-19.

A atual debandada é, para alguns analistas políticos, um marco de virada na trajetória econômica que começou com a agenda liberal defendida por Guedes ainda na campanha eleitoral, a exemplo do plano de vender todas as estatais, algo rejeitado desde as eleições pelo próprio Bolsonaro, cujo perfil estatista despertava desconfianças sobre quão liberal seria seu governo.

Ao longo do mandato, promessas e previsões do ministro da Economia, que falava em crescimento anual de até 5% depois da aprovação da reforma da Previdência e déficit zero em um ano, confrontaram-se com a deterioração econômica do país, que passou de crescimento fraco em 2019 (de 1,1% do PIB) para recessão em 2020, com queda projetada de 11% do PIB no segundo trimestre em meio à crise do coronavírus.

A mudança do debate sobre a política econômica também foi influenciada pela busca por medidas para conter o estrago econômico da pandemia. Como de costume no Executivo, parte do governo Bolsonaro defende a manutenção do rigor fiscal com o teto de gastos e a dívida pública, por exemplo. Outra corrente prega aumento dos gastos públicos como estratégia de crescimento econômico.

Três dos principais debates no governo atualmente, aliás, passam por ampliação do Bolsa Família, auxílio emergencial da pandemia e criação de um tributo para transações digitais, uma espécie de nova CPMF.


Enfraquecido, Guedes nega que vá deixar o cargo e prepara o anúncio de mais um programa econômico. Em dezembro de 2019, ele reclamou de “fake news” sobre supostas mudanças em sua equipe. “Nosso time está unido, não sei de onde vem esse negócio que há uma briga e tem gente pensando em sair. Não entendo isso.” Três dos quatro citados nominalmente à época pelo ministro já deixaram o governo.

Salim Mattar e as privatizações que não saem do papel

Dono da empresa Localiza, de aluguel de veículos, Mattar chegou ao governo com a missão de tocar o gigantesco plano de privatizações prometido desde a campanha eleitoral de 2018.

Naquela época, então assessor econômico do candidato presidencial, Guedes defendia a privatização de todas as empresas estatais. Pouco depois de assumir, o já ministro afirmou em março de 2019 que a desestatização renderia mais de R$ 1 trilhão para os cofres públicos.

Desde o início havia resistência política, inclusive de Bolsonaro, contra a venda de estatais, a exemplo das três principais: Banco do Brasil, Petrobras e Caixa.

Mas houve pouco avanço nessa seara, em grande parte comandada pelo BNDES. Em julho deste ano, Mattar afirmou que o governo federal pretendia privatizar ou conceder à iniciativa privada 12 estatais no primeiro semestre de 2021.

Nova leva de desembarque na equipe econômica leva ministro da Economia a falar em debandada

Uma delas seria a Eletrobras, venda que está nos planos de desestatizações em Brasília desde o governo Temer, mas ainda não saiu do papel. As negociações sobre o modelo de privatização estão em curso com o Congresso.

Até agora, segundo Mattar, a venda de subsidiárias e empresas coligadas a estatais rendeu R$ 150 bilhões ao erário, incluindo a venda da BR Distribuidora por R$ 86 bilhões. Mas o grosso da privatização ainda está em fase de estudo.

A crise econômica agravada pela pandemia de covid-19 atrapalhou o cronograma de desestatização do governo federal, mas Mattar afirmou que esse não é o único motivo para sua saída.

“Existe uma coisa que se chama vontade política. Estou dizendo que, na política, não há uma vontade política de fazer desestatizações”, afirmou ele, em entrevista à CNN Brasil. Segundo Mattar, o establishment dificulta o processo porque discorda das privatizações e a burocracia estatal torna a desestatização muito mais demorada.

A venda dos Correios, por exemplo, levaria no mínimo dois anos até ser concretizada.

Paulo Uebel e a reforma administrativa emperrada

Outro pilar do programa liberal de Paulo Guedes é uma reforma administrativa também com redução do papel do Estado para reequilibrar a situação fiscal, entre outros objetivos.

Secretário de desburocratização, Uebel tentava atrair apoio dentro do governo para a reestruturação do serviço público, mas a forte resistência do funcionalismo levou à desidratação da proposta desde a sua gestação.

Propostas que geram desgastes com aliados e apoiadores, como a redução de salários de servidores públicos, devem ficar de fora da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que ainda nem foi enviada ao Congresso. As mudanças também não devem atingir aqueles que já estão contratados.

Há debate sobre mudanças de estatutos de categorias, concursos públicos, estabilidade e disparidade salarial dentro do funcionalismo.

Mas o projeto de reforma administrativa acabou perdendo força dentro do governo federal mesmo antes do agravamento da situação econômica durante a pandemia. Guedes havia recuado no alcance da proposta diante da forte resistência do Congresso e da ala política do Executivo.

Adiada diversas vezes, a PEC é aventada desde fevereiro, mas não se sabe se o texto chegará ao Congresso neste ano.

Mansueto Almeida e o teto de gastos ameaçado

Secretário do Tesouro Nacional desde o governo Temer, o especialista em contas públicas Mansueto Almeida era até sua saída um dos principais defensores da manutenção do teto de gastos públicos, criado em 2016 para evitar que o governo federal gaste mais do que arrecada ou amplie sua previsão orçamentária acima da inflação.

E desde então o mecanismo previsto para durar duas décadas é alvo de disputa no Executivo e no Legislativo.

Uma das propostas para aumentar gastos passa por um tributo sobre transações digitais, numa espécie de ressurgimento da CPMF

Para um lado, mudanças no teto de gastos abririam espaço na economia para investimentos e estímulos a pessoas físicas e jurídicas durante a pandemia, além de evitar um eventual “apagão de serviços públicos” no país

Mas críticos da proposta, entre eles Mansueto Almeida, afirmam que flexibilizar o teto levaria ao descontrole da dívida pública e ao aumento dos juros no país, o que agravaria a crise.

A aprovação de despesas que agravam o rombo nas contas públicas, como o aumento do BPC (benefício pago a idosos e pessoas de baixa renda com deficiência), ampliaram o desgaste de Almeida no cargo.

Só que, no contexto de pandemia, a restrição orçamentária capitaneada por Almeida se tornou um grande obstáculo para gastos contra os efeitos da crise econômica. O principal deles é o pagamento do auxílio de R$ 600, que o governo Bolsonaro não sabe se acaba com ele ou o mantém, dado o impacto econômico significativo na população e nos índices de popularidade do presidente.

Como a pandemia não dá sinais de arrefecimento e a vantagem imediata do auxílio sobre a popularidade do presidente tem se mostrado considerável, assegurar o benefício emergencial ganhou primazia sobre pautas do campo liberal, como as privatizações.

Mas não só, enquanto Paulo Guedes e seus auxiliares queriam cortar gastos e enxugar o Estado, a gestão Bolsonaro tem dado sinais de que fará exatamente o contrário, com apoio a ala militar.

Almeida pediu demissão do Tesouro Nacional em junho e passou em quarentena obrigatória para quem ocupa cargos públicos estratégicos. Em janeiro de 2021, passará a ser sócio e economista-chefe do banco BTG Pactual.

Fonte: BBC News Brasil

terça-feira, 11 de agosto de 2020

Brasil confirma hoje 102.034 mortes e contabiliza 3.068.138 infectados pela Covid-19.

Veja os números consolidados:

102.034 mortes confirmadas

3.068.138 casos confirmadas

Às 8h, de hoje o consórcio publicou a primeira atualização do dia com 101.936 mortes e 3.062.374 casos.

Na segunda-feira (10), às 20h, o balanço indicou: 101.857 mortes, 721 em 24 horas. Com isso, a média móvel de novas mortes no Brasil nos últimos 7 dias foi de 1.022 óbitos, uma variação de +2% em relação aos dados registrados em 14 dias.

Em casos confirmados, eram 3.056.312 brasileiros com o novo coronavírus desde o começo da pandemia, 20.730 desses confirmados no último dia. A média móvel de casos foi de 43.521 por dia, uma variação de -4% em relação aos casos registrados em 14 dias.

Progressão até 10 de agosto

No total, 8 estados apresentaram alta de mortes: RS, SC, MG, SP, MS, AM, TO e BA.

Em relação a domingo (9), SP, MS, TO e BA estavam com a média de mortes em estabilidade e, agora, estão subindo.

Subindo: RS, SC, MG, SP, MS, AM, TO e BA.

Em estabilidade, ou seja, o número de mortes não caiu nem subiu significativamente: ES, DF, GO, MT, AP, PE, PI e RN.

Em queda: RJ, AC, PA, RO, RR, AL, CE, MA, PB e SE.

O estado do Paraná não divulgou os dados até as 20h. Considerando os dados até 20h de domingo (9), estava em estabilidade (-2%).

Essa comparação leva em conta a média de mortes nos últimos 7 dias até a publicação deste balanço em relação à média registrada duas semanas atrás (entenda os critérios usados pelo G1 para analisar as tendências da pandemia).

Fonte: G1 / Globo News

Kamala Harris é escolhida candidata a vice-presidente na chapa de Joe Biden

Candidato do Partido Democrata fez anúncio pelas redes sociais. Se derrotarem Donald Trump, senadora será a primeira eleita vice-presidente dos EUA

A senadora Kamala Harris declara seu apoio ao pré-candidato democrata Joe Biden, durante comócio em Detroit, Michigan, em 9 de março — Foto: Jeff Kowalsky/AFP

A senadora Kamala Harris declara seu apoio ao pré-candidato democrata Joe Biden, durante comício em Detroit, Michigan, em 9 de março — Foto: Jeff Kowalsky/AFP

O candidato do Partido Democrata à Presidência dos EUA, Joe Biden, escolheu como companheira de chapa a senadora Kamala Harris, de 55 anos. Caso vençam Donald Trump nas eleições de novembro, ela será a primeira mulher eleita a ocupar o cargo de vice-presidente dos Estados Unidos.

Biden usou as redes sociais para anunciar o nome da vice nesta terça-feira (11). "Eu tenho a grande honra de anunciar que escolhi Kamala Harris — uma lutadora destemida pelos pequenos e uma das melhores servidores públicas do país — como minha parceira de chapa", escreveu.

O candidato a presidente mencionou o filho morto em 2015, Beau Biden, que também atuou como procurador. Segundo ele, os dois trabalharam juntos.

"Eu era orgulhoso deles, e agora sinto orgulho de tê-la como minha parceira nesta campanha", disse.

Quem é Kamala Harris

Senadora pelo estado da Califórnia desde 2017, Harris chegou a se apresentar como pré-candidata à Casa Branca e liderou algumas das pesquisas internas do Partido Democrata. No entanto, foi perdendo apoio até deixar de vez a corrida presidencial.

Harris nasceu de pais imigrantes: um pai jamaicano e uma mãe indiana, que, inclusive, se notabilizou pela pesquisa na área de câncer e como ativista de direitos civis.

Formada em direito e ex-procuradora do Distrito de San Francisco e do estado da Califórnia, a agora candidata a vice ganhou projeção nacional ao questionar duramente , em sabatinas no Senado, indicados por Trump para cargos de juiz da Suprema Corte e de Secretário de Justiça.

Fonte: G1 / Globo News

Os cheques para a primeira-dama

É preciso uma explicação muito diferente das que foram apresentadas até agora sobre o relacionamento da família Bolsonaro com o ex-policial militar Queiroz

O presidente Jair Bolsonaro deve ao País uma explicação convincente sobre os cheques depositados por Fabrício Queiroz, ex-policial militar e ex-assessor parlamentar do filho Flávio, em nome da primeira-dama Michelle Bolsonaro. As movimentações datam de outubro de 2011 a dezembro de 2016, em valores de R$ 3 mil e R$ 4 mil, alcançando a soma de R$ 72 mil. Revelado pela revista Crusoé, o detalhamento dos depósitos de Queiroz em nome de Michelle foi confirmado pelo Estado.

É preciso uma explicação muito diferente das que foram apresentadas até agora sobre o relacionamento da família Bolsonaro com o ex-policial militar Queiroz. Desde que foi revelada, no segundo semestre de 2018, a investigação envolvendo movimentações suspeitas de Fabrício Queiroz e os Bolsonaros, o que se ouviu foram relatos pouco convincentes que, com o passar do tempo, se mostraram insustentáveis. Bastou vir uma nova informação sobre o caso para que a explicação anterior se tornasse inverossímil. O País não merece versões parciais, especialmente de quem chegou ao Palácio do Planalto prometendo combater a corrupção.

A revelação dos depósitos de R$ 72 mil escancara, por exemplo, a insuficiência da explicação dada em dezembro de 2018, quando veio à tona relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), anexado aos autos da Operação Furna da Onça, que citava um cheque de R$ 24 mil depositado por Fabrício Queiroz em favor de Michelle Bolsonaro. A movimentação levantou suspeita, uma vez que não se encaixava nas atribuições funcionais do ex-policial militar que foi assessor parlamentar de Flávio Bolsonaro até outubro daquele ano. 

Na ocasião, a explicação para a movimentação dos R$ 24 mil na conta de Michelle Bolsonaro não foi dada pela titular da conta. Foi Jair Bolsonaro quem apresentou uma razão para o tal depósito do assessor parlamentar de seu filho na conta de sua mulher. Segundo Bolsonaro, o valor de R$ 24 mil referia-se ao pagamento de um débito antigo que Fabrício Queiroz tinha com ele, Jair Bolsonaro.

Segundo Bolsonaro, o montante devido por Fabrício seria ainda maior, na ordem de R$ 40 mil. “Emprestei dinheiro para ele (Queiroz) em outras oportunidades. Nessa última agora, ele estava com um problema financeiro e uma dívida que ele tinha comigo se acumulou. Não foram R$ 24 mil, foram R$ 40 mil. Se o Coaf quiser retroagir um pouquinho mais, vai chegar nos R$ 40 mil”, disse Bolsonaro em dezembro de 2018 ao site O Antagonista. 

Como agora se sabe, os valores depositados não foram R$ 24 mil, tampouco R$ 40 mil. Foram identificados R$ 72 mil de Fabrício Queiroz para Michelle Bolsonaro. Por que essa movimentação de dinheiro entre Fabrício Queiroz, ex-assessor parlamentar de Flávio, e a mulher de Jair Bolsonaro? E uma vez que foi Jair Bolsonaro quem deu a primeira explicação sobre essas movimentações – seria um antigo débito entre Jair e Fabrício –, cabe agora ao presidente dar um cabal esclarecimento sobre os repasses.

A explicação sobre os depósitos na conta de Michelle Bolsonaro também deve incluir outros depósitos um tanto esquisitos, para dizer o mínimo. Não apenas Fabrício depositou cheques na conta da primeira-dama, como também a mulher do ex-policial militar, Márcia de Oliveira Aguiar, repassou valores à mulher de Jair Bolsonaro. Foram identificados seis depósitos, num valor total de R$ 17 mil, em 2011 de Márcia na conta de Michelle Bolsonaro. A mulher de Fabrício Queiroz também trabalhou no gabinete de Flávio Bolsonaro.

As investigações indicam o ex-policial militar como o operador financeiro do suposto esquema de “rachadinha” instalado no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro. Quando foi preso em junho, Fabrício estava hospedado em residência de Frederick Wassef, advogado de Jair Bolsonaro. Atualmente, Fabrício e Márcia cumprem prisão domiciliar.

O presidente Jair Bolsonaro deve uma explicação ao País sobre todos esses cheques. Não cabe penumbra em assunto tão sensível – movimentação de dinheiro de assessores parlamentares para familiares dos parlamentares.

Editorial - Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, 11 de agosto de 2020 | 03h00