terça-feira, 4 de agosto de 2020

Explosões deixam dezenas de mortos em Beirute

   Capital libanesa contabiliza os danos após duas explosões em sequência na região portuária. Impacto foi sentido a quilômetros de distância.

Duas explosões deixaram uma grande nuvem de fumaça no céu de Beirute, no Líbano.

Duas explosões deixaram uma grande nuvem de fumaça no céu de Beirute, no Líbano.

Duas enormes explosões em sequência sacudiram Beirute nesta terça-feira (04/08), deixando dezenas de vítimas. Uma grande nuvem de fumaça no céu da capital do Líbano podia ser vista a quilômetros de distância. Segundo dados do Ministério libanês da Saúde, ao menos 60 pessoas morreram e mais de 3 mil ficaram feridas.

Imagens divulgadas pela imprensa libanesa mostravam pessoas presas em escombros após as explosões ocorridas na região portuária da cidade, cuja origem ainda não foi ainda esclarecida.

A primeira explosão parece ter tido origem num depósito de fogos de artifício. A segunda, muito mais potente, parece ter sido potencializada por um grande de silo de grãos que ficava ao lado depósito. Testemunhas relatam que o impacto das explosões pode ser sentido a quilômetros de distância.

Explosões atingem Beirute

O distrito comercial de Hamra também sofreu danos, com vitrines e fachadas de lojas destruídas e vários automóveis danificados. Alguns bairros sofreram cortes no fornecimento de energia.

O primeiro-ministro libanês, Hassan Diab, afirmou que o país entrará em luto oficial nesta quarta-feira. "Prometo a vocês que esta catástrofe não passará impune. Os responsáveis pagarão por isso", disse Diab, em discurso transmitido pelas emissoras do país. "Os fatos sobre esse perigoso armazém, que está no local desde 2014, serão divulgados. Não vou comprometer a investigações."

O chefe da segurança interna do Líbano, Abbas Ibrahim, disse que uma das explosões ocorreu em um local que abrigava material altamente explosivo confiscado anos atrás pelas autoridades. Ele evitou especular sobre os motivos do incidente. "Não podemos nos antecipar às investigações" afirmou. O presidente Michel Aoun convocou uma reunião de emergência do Conselho Nacional de Defesa.

Relatos na imprensa local afirmam que o ministro libanês do Interior, Mohammed Fahmi, teria confirmado que um depósito do porto de Beirute armazenava nitrato de amônio, material utilizado na fabricação de bombas, que teria sido a causa do incidente. A emissora libanesa Mayadeen citou o diretor nacional de alfândegas do país dizendo que toneladas dessa substância teriam explodido.

O diretor da Cruz Vermelha no Líbano, George Kettaneh, afirmou que centenas de feridos foram levados para os hospitais, mais muitos outros ainda estão presos em edifícios na área mais atingida pela explosão. A emissora libanesa LBCI relatou que o hospital Hotel Dieu tratava mais de 500 feridos, entre os quais, dezenas de pessoas necessitavam de cirurgias. O local já estava no limite de sua capacidade. Os médicos lançaram um apelo por doações de sangue.

As explosões ocorreram em um momento em que o Líbano atravessa a pior crise econômica em décadas, que deixou quase a metade da população na pobreza. A economia entrou em colapso nos úlltimos meses, coma moeda local, a libra libanesa, perdendo cada vez mais valor em relação ao dólar. Várias empresas fecharam no país e o desemprego atinge níveis alarmantes.

O país aguarda para esta sexta-feira o veredito do julgamento dos acusados pelo assassinato do premiê Rafic Hariri, morto em um atentado com um caminhão-bomba em 2005. Quatro supostos membros da grupo fundamentalista xiita Hizbolá são julgados in absentia em um tribunal na Holanda pelo ataque que matou e ex-líder e outras 21 pessoas.

O Líbano ainda vive um acirramento das tensões com o país vizinho Israel, após o governo israelense anunciar que deteve quatro milicianos do Hizbolá que tentavam se infiltrar no país, o que o grupo nega.

Fonte: Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas. 

Brasil passa de 95 mil mortes pela Covid-19; infectados pelo novo coronavírus já somam 2.759.436

O número de mortes pela Covid-19 no Brasil passou de 95 mil, aponta o boletim das 13h do consórcio de veículos de imprensa formado por O GLOBO, Extra, G1, Folha de S.Paulo, UOL e O Estado de S. Paulo nesta terça-feira. Ao todo, são 95.078 óbitos. O total de contágios chegou a 2.759.436 Os números são consolidados a partir das secretarias estaduais de Saúde.

(Pandemia: Casos de coronavírus em presídios crescem mais rápido do que a média nacional e aumentam 134% em um mês)

As estatísticas da pandemia no Brasil são divulgadas três vezes ao dia. O próximo levantamento será divulgado às 20h. A iniciativa dos veículos da mídia foi criada a partir de inconsistências nos dados apresentados pelo Ministério da Saúde na gestão do interino Eduardo Pazuello.

Covid-19:  Aliados nos erros: Na pandemia, Bolsonaro e Trump miram suas bases e pregam descrença na ciência.

Desde o levantamento fechado da última segunda-feira, às 20h, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Goiás, Minas Gerais, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Roraima atualizaram suas estatísticas. Até o momento, são 7.771 casos de Covid-19 notificados pelas secretarias estaduais de Saúde desde a noite de ontem, além de 376 novas vítimas fatais.

Aos finais de semana, é comum haver um represamento nos números pelas secretarias estaduais em função do expediente reduzido, o que acaba sendo corrigido nos primeiros dias da semana. Normalmente, após uma pequena oscilação, os números voltam a crescer às terças-feiras no balanço fechado, às 20h.

Volta às aulas

A reabertura de escolas à medida que a pandemia de Covid-19 desacelera é algo que pode ser feito com sucesso, mas requer a testagem dos casos suspeitos e o rastreamento da maioria dos contatos dos infectados. Essa é a conclusão de um estudo liderado pela University College de Londres, que busca orientar a operação de retomada das aulas no Reino Unido.

Tempestade perfeita:Coronavírus faz alunos deixarem a rede privada, além de derrubar arrecadação que sustenta a educação pública

Apesar de ter sido ancorado na realidade britânica, o trabalho traçou vários cenários hipotéticos que podem ajudar a orientar os processos de reabertura em outros lugares.

“O relaxamento do distanciamento social no Reino Unido, que inclui a reabertura de escolas, precisa ser acompanhado de testagem de indivíduos sintomáticos e de rastreamento de contatos efetivo em grande escala, seguido de isolamento dos casos infectados”, escreveram os pesquisadores, liderados pela epidemiologista Jasmina Panovska-Griffiths.

Desigualdade

Levantamento inédito feito pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) aponta que foram abertos até junho no Brasil 19.825 novos leitos de UTI exclusivos para tratamento de Covid-19 - 44% deles (8.764) no Sistema Único de Saúde (SUS), e os demais na rede privada. Junto ao acréscimo de leitos, um alerta: a expansão manteve a desigualdade na distribuição de leitos pelo país, tanto geográfica quanto na relação entre sistemas público e privado.

As regiões que já concentravam o maior número de leitos de UTI foram justamente as que mais receberam novas instalações para receber pacientes com Covid-19, mantendo-se o déficit histórico de unidades de tratamento intensivo em vários estados.

Segundo o levantamento, o Sudeste concentra hoje 24.621 (52%) das unidades de terapia intensiva convencionais de todo o país: detém 46% do total de leitos públicos e 59% dos privados. Já o Norte tem a menor proporção: apenas 2.489 (5%) de todos os leitos, sendo 6% dos leitos públicos e 4% dos privados. 

Brasil nos holofotes

Em entrevista ao GLOBO no último domingo, o editor-chefe da revista científica Science, Holden Thorp, afirmou que o fato de o Brasil ter a segunda maior taxa de infecção e mortalidade do mundo, atrelado a elemento sociais e políticos, tornou o país objeto de especial interesse do meio científico.

Thorp, que é químico e foi reitor da Universidade da Carolina do Norte (EUA), traça ainda um paralelo entre a retórica anticiência de lideranças como os presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump, dos Estados Unidos, e os números alarmantes da Covid-19 em seus países.

Vírus avança no Brasil

O mais recente boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde relatou que 5.475 municípios brasileiros, ou 98,2% de todas as cidades do país, têm pelo menos um caso de Covid-19 confirmado.

O documento revela que 134 municípios registraram seus primeiros casos entre a 29ª semana epidemiológica da doença (12 a 18 de julho) e a 30ª (19 a 25 de julho). Os dados são da última quarta-feira, e serão atualizados na semana que vem.

O coronavírus passa por um processo de interiorização no país. Na 13ª semana epidemiológica da pandemia (de 22 a 28 de março), 87% dos casos novos eram oriundos das capitais e regiões metropolitanas. Ao final da 30ª semana epidemiológica, porém, este índice caiu para 42%.

Fonte: O Globo, boletim das 13,00 hs

Onde está Juan Carlos

Segundo imprensa espanhola, rei emérito foi para a República Dominicana
Envolto em denúncias de corrupção, pai do atual monarca, Felipe VI, estaria passando temporada no país caribenho, que não será seu destino final

O rei emérito da Espanha, Juan Carlos I, teria ido para a República Dominicana após abandonar o país ibérico em meio a denúncias de corrupção, afirma a imprensa local. Ao notificar sua decisão na segunda-feira, o ex-chefe de Estado informou que a mudança busca permitir que seu filho, o rei Felipe VI, tenha “tranquilidade e sossego” para ocupar o trono, em uma tentativa de limitar os danos que o escândalo vem causando à monarquia espanhola.

A Coroa não negou ou confirmou o destino final do rei emérito, alvo de investigações iniciadas por promotores suíços e espanhóis sobre supostos fundos em paraísos fiscais. Segundo o jornal La Vanguardia, no entanto, ele teria saído do Palácio de Zarzuela no domingo e ido de carro até Porto, em Portugal, de onde embarcou em um voo para a República Dominicana. O governo dominicano, no entanto, disse não ter conhecimento de sua entrada.

Juan Carlos seria hóspede do magnata do açúcar Pepe Fanjul, um amigo antigo, com quem ficará temporariamente até que decida seu destino final. Fontes ouvidas pelo jornal ABC também afirmam que ele estaria no país caribenho, mas veículos da imprensa portuguesa noticiam que seu destino seria Estoril, balneário de luxo em Cascais, a 25 km de Lisboa. Segundo seu advogado, Juan Carlos continuará “a todo momento” à disposição  da Justiça. De acordo com o jornal El Mundo, Juan Carlos poderia retornar ao país em setembro.

A rainha emérita Sofía, por sua vez, continuará a morar em Zarzuela e a exercer suas obrigações oficiais, segundo fontes ouvidas pelo El País. Apesar de continuar casada com o rei emérito, os dois teriam há anos uma relação distante. No momento, ela passa férias no Palácio de Marivent, em Palma de Mallorca, para onde o rei Felipe, a rainha Letizia e suas filhas viajarão no próximo fim de semana.

O primeiro-ministro Pedro Sánchez, que na segunda já havia dito "respeitar" a decisão do ex-monarca, afirmou em uma entrevista coletiva que não tem informações sobre o seu paradeiro. A saída do rei emérito gerou desavenças no governo de coalizão que o seu Partido Socialista mantém com o Podemos: enquanto o premier defende Juan Carlos, seus aliados caracterizaram a decisão como uma tentativa de fugir da Justiça, comprometendo a monarquia.

— Aqui não estão sendo julgadas instituições, mas pessoas. O rei emérito já deixou claro que está à disposição da Justiça —  disse o primeiro-ministro. — Em tempos como esses, quanto temos uma pandemia que a humanidade não enfrenta há cem anos, a Espanha precisa de estabilidade e instituições robustas.

Paraísos fiscais

Juan Carlos subiu ao trono em 1975 após a morte do general Francisco Franco e era respeitado por seu papel na condução da Espanha da ditadura franquista à democracia. No entanto, sua popularidade caiu nos últimos anos, devido a uma série de escândalos que o levaram a renunciar em 2014.

Seus problemas mais recentes se intensificaram em 2018, quando agentes da Polícia Judiciária suíça chegaram à Espanha para investigar o gerente de fundos Arturo Fasana. Foram encontradas duas fundações com contas bancárias na Suíça. A primeira era a Zagatka, firma sediada em Liechtenstein que pertence a Álvaro de Orleans, primo distante do rei emérito, que pagou voos particulares de Juan Carlos I e Corinna Larsen, uma empresária alemã que seria sua amante. A segunda era a fundação panamenha Lucum, cujo primeiro beneficiário era Juan Carlos I e o segundo, Felipe VI.

Quando a notícia foi divulgada em março de 2020, Felipe anunciou que abriria mão da herança de seu pai. Na Casa Real, foi tomada a decisão de informar o governo e registrar em cartório a renúncia a qualquer dinheiro dessas contas no exterior. Pouco depois, os quase 200 mil euros (R$ 1,2 milhão) anuais que Juan Carlos recebia da Coroa também foram suspensos.

Entenda: Em meio à crise do coronavírus, rei da Espanha se vê envolvido em escândalo financeiro

A investigação suíça revelou que Fasana depositou na conta da Lucum no banco privado Mirabaud US$ 100 milhões (64,8 milhões de euros na época) vindos do Ministério das Finanças da Arábia Saudita. Quatro anos depois, o dinheiro foi transferido por ordem do então rei para uma conta em Nassau (Bahamas), no banco Gonet & Cie, em nome da empresa Solare, de Corinna. O promotor Bertossa embargou as contas dos suspeitos e abriu um processo secreto de lavagem de dinheiro contra os envolvidos.

O rei emérito não é alvo de processos formais na Suíça ou na Espanha e, no início de junho, foi decidido que a Promotoria do Supremo Tribunal espanhol assumirá o caso para determinar se há indícios de que Juan Carlos cometeu algum crime após sair do trono, quando perdeu sua imunidade. Os investigadores trabalham principalmente com suspeitas de lavagem de dinheiro e crime fiscal.

Fonte: O Globo e El País
04/08/2020 - 09:15 / Atualizado em 04/08/2020 - 15,31

Rei da Espanha recusa herança do pai

O Rei da Espanha, Felipe VI, renunciou a toda e qualquer herança a que tivesse direito da parte do seu pai, Don Juan Carlos I, o Rei Emérito, de 82 anos, que auto-exilou-se, de forma provisória,  na República Domicana, em meio a investigações do ministério público de que teria recebido comissões supostamente ilegais do Rei Abdallah, da Arábia Saudita, quando depois de ter abdicado ao Trono, esteve no país árabe intermediando interesses privados.

O ex-Chefe de Estado espanhol  havia anunciado ontem, dia 03, segunda feira, sua decisão de deixar o País como melhor forma de ajudar o seu filho, o Rei Felipe VI, no "exercicio de suas responsabilidades". Ele não quer que o alarido público recriminando a sua conduta contaminem  o grande prestigio e a autoridade real do atual Monarca. 

O Tribunal Supremo espanhol anunciou em junho uma investigação sobre os casos e os possíveis crimes do monarca, mas apenas os que lhe são atribuidos a partir de 2014, quando perdeu sua imunidade com a abdicação.

As suspeitas se concentram na comissão de 100 milhões de dólares (85 milhões de euros) que teria recebido secretamente do rei Abdallah, da Arábia Saudita, em uma conta do Swiss bank em 2008.

Importante papel na transição

Juan Carlos de Bourbon e Bourbon foi rei da Espanha sob o nome de Juan Carlos I durante 39 anos, um dos reinados mais longos da história, desde que foi proclamado em novembro de 1975.

O rei nasceu em Roma no dia 5 de janeiro de 1938. Após passar sua infância na Itália, Suíça e Portugal, em 9 de novembro de 1948 pisou pela primeira vez na Espanha, onde fixou sua residência, afastado de sua família. Em 1969, por proposta do general Francisco Franco, foi designado como seu sucessor na chefia de estado, com o título de rei.

Com a morte do ditador, teve um papel chave no processo de redemocratização e impediu um novo golpe de estado, fomentado pela guarda civil espanhola.

Imagem abalada

O rei emérito teve grande popularidade durante décadas por seu papel durante a transição espanhola, mas nos últimos anos sua imagem perdeu força por causa de vários escândalos antes de sua abdicação.

Em 2012, ele quebrou o quadril em uma caçada em Botswana durante um safári de luxo pago por um empresário saudita. Ele estava acompanhado da ex-amante Corinna Larsen, em meio à crise econômica na Espanha.

Após o episódio polêmico houve o escândalo de corrupção que levou seu genro Iñaki Urdangarin à prisão. Em um gesto sem precedentes, dom Juan Carlos pediu no dia 18 de abril de 2012 desculpas publicamente: "Sinto muito; me equivoquei e não voltará a acontecer".

Com sua reputação prejudicada, Juan Carlos cedeu a coroa ao filho em 2014. Veja o vídeo abaixo:
Juan Carlo se aposentou da vida pública em 2019.

Da redação do blog com informações do G1 / O Globo

"Democratice’ e democracia

Armas não podem ficar em mãos de pessoas perigosas e as redes de fake news são isso: armas. Em artigo n' O Estado de São Paulo hoje,  Eliane Cantanhede analisa o tema que segue na pauta, a despeito da opinião radicalmente contrária de alguns "democratas" baseados em Brasília.

Levante a mão quem nunca teve de desmentir as fake news mais absurdas, até grotescas, em grupos de família, amigos, às vezes até de trabalho? De repente, do nada, aquela pessoa que convive com você há anos, que parece (ou parecia) razoável, antenada e inteligente, passa a compartilhar mentiras tão primárias e sem nexo que qualquer um deveria jogar automaticamente no lixo. É como lavagem cerebral, crença religiosa, negação da verdade. A pessoa perde a racionalidade e entra no vale-tudo a favor do seu mito e contra os adversários desse mito.

As redes de fake news atingiram uma audácia inaceitável, apesar de não terem começado com os Bolsonaros – porque o PT também era craque nisso no poder – nem serem exclusivas do Brasil – porque a eleição de Donald Trump nos EUA e a vitória do Brexit no Reino Unido são exemplos de como a internet é usada para transformar mentira em verdade. Se impacta tão decisivamente a vida, o voto e as eleições, pode mudar o mundo. E para pior. Depende de quem tenha mais dinheiro, recursos tecnológicos e falta de escrúpulos.

Assim como é fundamental distinguir “democratice” de democracia, é preciso evitar a confusão entre liberdade de expressão e de opinião, de um lado, e agressão e mentira, de outro. Não uma mentirinha inocente, mas uma arma feroz contra a verdade e a realidade, para propaganda enganosa, destruição de biografias e até ameaça à segurança física de cidadãos e autoridades. Armas, de qualquer espécie, não podem ficar em mãos de pessoas perigosas, de instinto criminoso.

Uma coisa é censura, proibir a opinião, a livre manifestação. Outra é o ministro do Supremo Alexandre de Moraes bloquear contas usadas como armas para espalhar o ódio, criar realidades paralelas, confundir incautos, destruir reputações, disparar injúria, calúnia, difamação e até convocação para estuprarem filhas de ministros do Supremo. Moraes não concluiu nada disso da cabeça dele, mas, sim, com provas concretas, cópias de mensagens e dados sobre contas reais e inventadas, inclusive levantados pelo próprio Facebook.

Alvo de um furioso ataque em massa e acusado criminosamente até de pedófilo pelas redes que são alvo de Alexandre de Moraes, o youtuber Felipe Neto deu uma entrevista à GloboNews, no domingo, condenando o “momento de validação do negacionismo e do obscurantismo” e comparando os autores desse tipo de ataque a “ratos que saíram do esgoto, de forma violenta e grotesca”. E ele também fez questão de destacar: “Não estou falando de opiniões divergentes, sim de negacionistas científicos, péssimos revisionistas históricos, pessoas que intencionalmente deturpam, manipulam e negam o que a ciência diz”.

O bom da história é que, como no mundo todo, o Brasil também debate intensamente a liberdade de expressão e a internet, na mídia, na sociedade, no Congresso e no Supremo, que, aliás, tem um segundo semestre bem animado pela frente. Um semestre que começou ontem, com o ministro Edson Fachin suspendendo o compartilhamento de dados da Lava Jato com a Procuradoria-Geral da República (PGR). A decisão confirma o que previmos aqui: os absurdos do governo Bolsonaro uniram o Supremo, os ataques à Lava Jato vão desunir.

E é assim, desunida e com pauta quente, que a Corte vai se posicionar quanto ao falso dilema entre fake news e liberdade de expressão, além de passar por uma dança de cadeiras. Em setembro, a presidência vai de Dias Toffoli, tido como ministro mais próximo de Bolsonaro, para Luiz Fux, considerado o mais suscetível às pressões da opinião pública. E, em novembro, sai o supertécnico Celso de Mello e entra o primeiro ministro da lavra de Bolsonaro. Só “terrivelmente evangélico” ou também terrivelmente bolsonarista?

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Estranho liberalismo

Nova CPMF seria para financiar o Renda Brasil e aumentar a chance de reeleição de Bolsonaro, opina Denis Lerrer Rosenfield, professor de filosofia na UF-RGS, neste artigo publicado hoje pelo jornal O Estado de S.Paulo
 
O assim chamado projeto de reforma tributária do governo federal é assaz estranho. Tardou 18 meses para ser apresentado, pois, da forma que foi feito, poderia ter sido entregue na segunda semana do mandato, em fevereiro de 2019. Com um pouco de preguiça, na quarta! Foi enviada à Câmara dos Deputados, com pompa e entrega pessoal, uma simples unificação do PIS e da Cofins, quando nessa Casa e no Senado tramitam duas PECs que, além de contemplarem esses pontos, são muito mais completas e abrangentes. Já há toda uma discussão em curso, comissão mista, relator, conversas avançadas com os secretários estaduais da Fazenda para incluir no projeto o ICMS, e assim por diante. Não faz o menor sentido o governo entrar em cena somente agora, salvo se a razão for política, e não econômica. 

Tendo perdido protagonismo, ele tenta resgatá-lo. Seu risco consistia e consiste em ser deixado de lado, tornando-se mero ator coadjuvante, sem maior relevância. Foi ressentida uma necessidade de exposição política, veiculando a seguinte mensagem: também faço parte do jogo! Entrando como novo ator, criou toda uma encenação relativa a fatiamento, tentando embaralhar o debate. 

As falhas negociais são gritantes, porque a primeira etapa pressupõe as demais, com a alegação de que algo não contemplado neste momento o será depois, sem que se saiba se haverá depois ou, caso exista, qual será sua proposta. Não dá para confiar. Os diferentes agentes econômicos e sociais ficam literalmente pisando em falso, alguns com medo de ter seus interesses contrariados se disserem algo antes do tempo, sem que se vislumbre, porém, o próprio tempo! Em vez de entrar numa discussão séria, aproveitando os projetos existentes, o governo optou pela desorientação. 

Houve um antecedente esclarecedor, que já prenunciava o que estava por vir. Quando da negociação do Fundeb, na última hora o governo tentou emplacar a transferência de parte dos recursos, voltados para a educação básica, para o Renda Brasil. Dessa maneira traria para si uma bandeira, preparando o caminho para seu próprio projeto político, dando-lhe visibilidade e apresentando uma justificativa social. 

No fatiamento, ficaram por enquanto de fora o aumento do Imposto de Renda da Pessoa Física, incidindo sobre os rendimentos mais elevados, tributação de heranças e dividendos, renúncias com o intuito de maior justiça social, questões essas, aliás, já presentes nas PECs em tramitação. Em seu lugar reaparece uma ideia que mais parece obsessão: a recriação da CPMF. Parece que apenas isso importa. Tenta-se criar um clima favorável que possa eventualmente reverter a indisposição relativa a esse novo tributo. Por que tal afinco, quando parlamentares enviaram várias mensagens sobre a dificuldade de sua aprovação, para além de uma opinião pública avessa a essa proposta?

O objetivo é claro: recriar a CPMF para financiar o Renda Brasil que, por sua vez, serviria de instrumento para a reeleição do presidente Bolsonaro. Nessas condições suas chances seriam elevadas, repetindo a experiência lulista/petista. 

Não há nada de reformismo, liberalismo ou algo que o valha nessa proposta. Com o presidente Bolsonaro entrando no modo calmaria, negociação, suas chances de conclusão do mandato se potencializam, afastando o espantalho do impeachment. Tendo se dado conta de que sua aprovação popular não apenas se estabilizou, mas aumentou, optou por sair do modo sobrevivência para entrar no modo reeleição, sem se preocupar com o modo governabilidade, que implicaria projetos, ideias e negociações para tirar o País da imensa crise em que está imerso.

De liberalismo não há nada aí. De lulismo/petismo, sim! De populismo também. Estão cada vez mais parecidos, apesar de um vociferar contra o outro. Devem se amar secretamente. Lula teve a brilhante ideia de unificar os diferentes projetos sociais do governo FHC, dando-lhes novo nome, aumentando sua abrangência e seu financiamento. Nascia o Bolsa Família, criando uma clientela política cativa sob a roupagem do benefício social, assegurando sua reeleição e a eleição de sua sucessora. O presidente Bolsonaro pretende fazer o mesmo: renomear o Bolsa Família como Renda Brasil, aumentar o número das famílias beneficiadas e duplicar ou triplicar o seu financiamento. Sua reeleição estaria praticamente assegurada.

E como poderia fazê-lo? Recriando a CPMF. Não deixa de ser esquisito que um governo que se diz liberal na área econômica pretenda criar um novo imposto, chamado de digital ou seja o que for, onerando todos os contribuintes, isso depois de todo um discurso contra as políticas econômicas tucana e petista. A CPMF foi criada como IPMF no governo Itamar, perdurou até o governo petista e só foi derrubada por uma ampla concertação da oposição na época, com o ex-presidente Lula esbravejando a respeito. Também nisso o atual governo está sendo um discípulo de governos tão criticados.

Onde fica o liberalismo? E a coerência? 

Produção de cloroquina coloca Bolsonaro na mira da Justiça

    MP quer apurar responsabilidade de presidente na ordem para Exército aumentar fabricação de medicamento sem eficácia comprovada contra covid-19. Há suspeita de superfaturamento na compra de insumos.

Jair Bolsonaro

Bolsonaro defende uso da cloroquina contra covid-19 mesmo sem nenhuma comprovação científica de sua eficácia

O medicamento defendido pelo presidente Jair Bolsonaro para combater a pandemia de covid-19, mesmo sem nenhuma comprovação científica de sua eficácia, entrou na mira da Justiça. Uma investigação foi solicitada pelo Ministério Público (MP) para apurar se houve superfaturamento na compra de insumos para fabricação dos comprimidos de cloroquina pelo Exército.

Solicitado pelo subprocurador-geral do MP junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) Lucas Furtado, o pedido aguarda o parecer da secretaria do órgão para, então, ser analisado pelo plenário do tribunal.

O processo apura ainda a responsabilidade direta do presidente na decisão de aumentar expressivamente a produção de cloroquina "sem que haja comprovação médica ou científica de que o medicamento seja útil para o tratamento da covid-19", afirma o documento.

A compra do insumo, adquirido da Índia, sem licitação, custou seis vezes mais que o valor pago pelo Ministério da Saúde no ano passado. Finalizada no Laboratório Químico e Farmacêutico do Exército, a produção do comprimido aumentou 84 vezes nos últimos meses em relação ao mesmo período do ano passado, segundo o MP.

"Todo estudo científico produzido relatava a ineficácia da droga contra a covid", diz Furtado à DW Brasil sobre a motivação do processo. Caso as irregularidades sejam comprovadas, Bolsonaro pode sofrer diversas sanções, como multas e pagamento pelo dano causado.

O pedido de investigação argumenta que a fabricação em massa do remédio seria um desperdício de dinheiro público que deve ser devidamente apurado. "E os responsáveis (devem ser) penalizados na forma da lei, especialmente se há suspeitas de superfaturamento na aquisição de insumos", pontua o documento.

O pedido do sub-procurador gerou reação entre deputados bolsonaristas. José Medeiros, do Podemos (MT), pediu que o TCU investigue a atuação de Furtado.

Promovida por Bolsonaro como solução contra a doença que já matou mais de 94 mil brasileiros até início de agosto, a cloroquina foi banida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no tratamento da covid-19. Administrada desde a década de 1950 contra malária, o remédio pode provocar efeitos colaterais graves, como problemas cardíacos, e ainda aumentar o risco de morte em pacientes com o novo coronavírus.

No Brasil, porém, Bolsonaro orientou o Exército a aumentar a produção do comprimido na pandemia. "Temos informação de que mais de 1,5 milhão de reais foram gastos para produção de cloroquina. O laboratório do Exército aumentou sua produção em 100 vezes desde o início da pandemia", afirma Débora Melecchi, do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

Até 23 de junho, o Ministério da Saúde havia distribuído 4,4 milhões de comprimidos de cloroquina para os estados brasileiros.

"A rigor, esta aquisição [do insumo supostamente superfaturado] deveria ser fiscalizada pelo órgão de controle interno das Forças Armadas. Mas sabemos que eles não vão fazer nada, uma vez que o chefe do Executivo está fazendo propaganda da cloroquina", comenta Rudnei Marques, do Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), que acompanha a investigação do TCU.

Questionado sobre o volume da produção do medicamento e o pedido de investigação do TCU, o Exército não respondeu às perguntas da DW Brasil.

Onde a cloroquina falta

Além do Exército, o laboratório público da Fiocruz produz os comprimidos, mas para uso exclusivo contra a malária, informou a entidade por e-mail. Os medicamentos à base de cloroquina e hidroxicloroquina são fabricados também por empresas farmacêuticas como Cristáila, EMS, Sanofi e Apsen.

No início da pandemia, a propaganda de Bolsonaro a favor da droga provocou uma corrida às farmácias e o medicamento sumiu das prateleiras. Pacientes que precisam da cloroquina para tratar doenças crônicas como malária, lúpus e artrite reumatoide ainda encontram barreiras para comprar a substância.

Infografik Verkauf von Chloroquin in Brasilien PT
Uma pesquisa feita pela Biored, órgão da sociedade civil que reúne associações de pacientes, mostrou que 65% dos entrevistados tinham dificuldade para acessar o remédio antes da pandemia. Esse percentual subiu para 84% depois que o coronavírus se instalou no país. A pesquisa foi feita em junho com 699 pacientes que sofrem de artrite reumatoide e lúpus.

"Esses pacientes ficam sem medicamento acima de 40, 60 dias, o que pode levá-los a atendimento hospitalar num sistema que já está sobrecarregado com casos de covid-19", afirma Melecchi.

Em falta, o remédio também ficou mais caro. Um paciente que gastava mensalmente 100 reais, hoje precisa desembolsar cerca de 450 reais com farmácias de manipulação. Por recomendação do governo federal, apesar de a ciência dizer o contrário, os estoques de cloroquina são priorizados para pacientes com covid-19, conta Melecchi.

É difícil saber o quanto a indústria farmacêutica lucrou no meio desta confusão. "Eles não informam quanto o faturamento aumentou, mas dados do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) mostram que o consumo de cloroquina pelos brasileiros cresceu 358% durante a pandemia", pontua Flávio Emery, presidente da Associação Brasileira de Ciências Farmacêuticas.

Dados da Sindusfarma obtidos pela DW Brasil confirmam o salto de vendas em março. Nos meses seguintes, a saída do produto continuou em alta, em comparação com o mesmo período de 2019.

Mas não são somente os pacientes de doenças crônicas que dependem da cloroquina que estão sofrendo os efeitos desta política que priorizou o fármaco sem eficácia comprovada no tratamento da covid-19.

Pacientes graves que chegam aos hospitais enfrentam diversas dificuldades. Há relatos sobre a falta do chamado kit intubação, composto por 22 medicamentos.

"Houve compra de novos respiradores, mas a compra dos remédios não acompanhou. Há uma morosidade muito grande do governo na compra dos kits", pontua Melecchi. "O que o governo federal distribuiu para 10 estados há poucas semanas é uma quantidade mínima, já está acabando, ou acabou".

Algumas dessas compras, segundo o CNS, foram feitas via Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). Assim como o presidentes dos Estados Unidos,Donald Trump, Bolsonaro tem ameaçado retirar o apoio à agência, o que significaria, junto com EUA, um corte de 65% no orçamento da Opas.

Além de suprimentos contra a covid-19, a compra de outros insumos importantes para brasileiros corre risco se houver um afastamento da Opas. "O Brasil adquire medicamentos para o tratamento da Aids através da Opas. Se esses remédios não chegarem mais ao país, será um caos", lamenta Melecchi.

O Ministério da Saúde também foi questionado pela DW Brasil, mas não respondeu às perguntas até a publicação desta reportagem.

Fonte: Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas.

quinta-feira, 30 de julho de 2020

Ex-candidato presidencial nos EUA que se recusava a usar máscara morre após contrair covid-19

Herman Cain, de 74 anos, soube de seu diagnóstico em 29 de junho, nove dias depois de participar de um comício de Trump na cidade de Tulsa, Oklahoma, onde ele e muitos outros se reuniram sem usar máscaras

O ex-candidato republicano à presidência dos Estados Unidos Herman Cain, um apoiador do presidente Donald Trump que se recusava a usar máscara durante a pandemia de coronavírus, morreu nesta quinta-feira, 30, após contrair covid-19, como informou seu site e seu perfil no Facebook.

Cain, de 74 anos, soube de seu diagnóstico em 29 de junho, nove dias depois de participar de um comício de Trump na cidade de Tulsa, Oklahoma, onde ele e muitos outros se reuniram sem usar máscaras contra a disseminação do coronavírus.

Ele passou a maior parte do mês de julho em um hospital da região de Atlanta. "Estamos com o coração partido e o mundo ficou mais pobre: ​​Herman Cain foi para ficar com o Senhor", dizia a declaração em seu site. Cain sofreu complicações respiratórias por causa do vírus.

Muitos apoiadores de Trump rejeitaram o conselho de especialistas em saúde pública e se recusaram a usar máscaras faciais, o que pode impedir a propagação do vírus, tornando essa escolha um tipo de declaração política no país.

Pouco antes de anunciar seu diagnóstico, em 2 de julho, Cain voltou a defender sua posição e manifestar apoio à não exigência de máscaras em um evento de 4 de julho em Monte Rushmore, em Dakota do Sul, que teve a participação de Trump.

"Máscaras não serão obrigatórias para o evento, que contará com a presença do presidente Trump. AS PESSOAS ESTÃO FARTAS", tuitou o republicano.

Mensagens de condolências chegaram de importantes conservadores, enquanto alguns liberais usaram a ocasião para promover o uso de máscaras. "Herman Cain fará falta, ele foi uma das maiores vozes conservadoras de todos os tempos. Nunca esquecerei seu rosto sorridente", disse Jenny Beth Martin, co-fundadora do Tea Party Patriots, no Twitter.

Cain, que se considerava um homem do ABC - American Black Conservative - ​​havia acabado de começar a apresentar um novo programa na Newsmax TV e esperava desempenhar um papel na campanha eleitoral de 2020, informou o comunicado.


Ele fez sua fortuna como diretor-executivo da Godfather's Pizza e liderou algumas pesquisas no início da corrida para a nomeação presidencial republicana de 2012, impulsionada por sua proposta 9-9-9 para um imposto corporativo, de renda e de vendas de 9%.

Durante a campanha presidencial de 2016, ele se tornou um defensor de Trump, que no ano passado planejava nomear Caim para uma cadeira no poderoso Conselho de Governadores do Sistema de Reserva Federal dos EUA, que estabelece taxas de juros de referência.

A indicação em potencial enfrentou resistência imediata, mesmo dentro do Partido Republicano, quando os críticos expressaram preocupação com indicações partidárias de Trump servindo em um conselho tradicionalmente apartidário. 

Economistas e investidores de Wall Street também questionaram as qualificações de Cain para ocupar a vaga e lembraram as múltiplas acusações de abuso sexual e má-conduta que surgiram contra ele durante sua campanha, em 2012. Cain sempre negou as acusações, mas depois de saber que uma das mulheres que alegava ser sua vítima disse que testemunharia contra ele nas audiências de confirmação na Câmara, ele retirou seu nome da indicação./Reuters e EFE  

Redação, O Estado de S.Paulo
30 de julho de 2020 | 15h27

Em despedida a John Lewis, Obama liga Trump a líderes racistas do sul americano da década de 60

Ex-presidente associou o início da vida de Lewis como ativista aos protestos que se seguiram à morte de George Floyd e comparou a operação com gás lacrimogêneo contra ativistas pacíficos às mesmas lutas que o deputado travou
 
Barack Obama - John Lewis - EUA

  O ex-presidente Barack Obama fez um chamado ao combate ao racismo em sua homenagem a John Lewis, em seu funeral, nesta quinta-feira, 30, instando o Congresso a aprovar novas leis de direito ao voto e ligando o presidente Donald Trump a líderes racistas do sul que lutaram contra os esforços dos ativistas de direitos civis na década de 60. Lewis, morto no dia 17, é considerado um ícone entre os que militaram pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos. 


Falando por cerca de 40 minutos, Obama associou o início da vida de Lewis como ativista aos protestos que se seguiram à morte de George Floyd nas mãos da polícia de Minneapolis. Ele comparou a operação na Praça Lafayette, em Washington, com gás lacrimogêneo contra ativistas pacíficos, às mesmas lutas que Lewis travou.

"Bull Connor pode ter morrido, mas hoje testemunhamos com nossos próprios olhos policiais ajoelhados no pescoço dos negros americanos", disse o primeiro presidente negro dos EUA no funeral de Lewis. “George Wallace pode ter morrido, mas podemos testemunhar nosso governo federal enviando agentes para usar gás lacrimogêneo e cassetetes contra manifestantes pacíficos. Mesmo enquanto estamos sentados aqui, há pessoas no poder que estão se esforçando para desencorajar as pessoas a votar.”

Connor usou cães policiais e mangueiras contra manifestantes no Alabama. Wallace, que atuou como governador do Alabama, fez uma carreira no combate aos direitos civis.

Obama foi um dos três ex-presidentes - junto com George W. Bush e Bill Clinton - a homenagear Lewis na Igreja Batista Ebenezer, em Atlanta. Um quarto ex-presidente, Jimmy Carter, de 95 anos, muito frágil para viajar, enviou um texto de homenagem que foi lido no púlpito, uma vez liderado por Martin Luther King.

O presidente Trump, que entrou em conflito com Lewis no início de seu mandato na Casa Branca, não compareceu ao funeral ou a nenhum dos outros eventos no Capitólio para homenagear Lewis, um congressista que estava em seu 17º mandato.

Obama não mencionou Trump pelo nome, mas foi claro nas referências que fez ao presidente republicano, que usou tropas da Guarda Nacional contra manifestantes em Washington e enviou agentes recentemente para Portland, Oregon. 

O ex-presidente Bill Clinton também criticou as tentativas republicanas de suprimir a votação da minoria e os repetidos ataques de Trump à votação por correio. 

"Enquanto estamos sentados aqui, há pessoas no poder que estão fazendo todo o possível para desencorajar as pessoas a votar, fechando os centros de votação e atacando minorias e estudantes com leis restritivas de identidade e atacando nossos direitos de voto com precisão cirúrgica, até prejudicando o serviço postal no período que antecede uma eleição que dependerá da votação por correio para que as pessoas não fiquem doentes" pela pandemia de coronavírus, disse Obama. 

Trump lançou outro ataque à votação por correio nesta quinta-feira, que deverá desempenhar um papel maior nas eleições de novembro devido ao coronavírus. 

Em homenagem a Lewis, que morreu em 17 de julho aos 80 anos, Obama disse que o ex-congressista democrata fez "tudo o que pôde para preservar essa democracia e, enquanto respirarmos em nossos corpos, precisamos continuar com sua causa"./ W.Post e EFE 

Redação, O Estado de S.Paulo
30 de julho de 2020 | 19h16

Manifesto assinado por mais de mil padres brasileiros reforça crítica a Bolsonaro

Mil e cinquenta e oito padres brasileiros assinaram um manifesto, divulgado na tarde desta quinta-feira (30), em apoio a uma carta de 152 bispos da Igreja Católica com duras críticas ao governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), tornada pública no fim de semana.

A iniciativa desses sacerdotes esquenta ainda mais o embate entre as chamadas alas "progressista" e "conservadora" na Igreja Católica.

Grupos conservadores haviam reagido ao documento dos representantes do episcopado, a "Carta ao Povo de Deus", divulgada no domingo pelo jornal Folha de S.Paulo.

Os bispos disseram que o Brasil atravessa um dos momentos mais difíceis de sua História e vive uma "tempestade perfeita", combinando uma crise sem precedentes na saúde e um "avassalador colapso na economia", com questionadas e polêmicas ações do presidente da República que resultam "numa profunda crise política e de governança".

'Agir em favor de toda a população'

Os padres afirmam que a manifestação dos bispos brasileiros "em profunda comunhão com o papa Francisco e seu magistério e em comunhão plena com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)" oferece ao povo "luzes para o discernimento dos sinais nestes tempos tão difíceis da história do nosso País".

Segundo o documento dos padres, os governantes "têm o dever de agir em favor de toda a população, de maneira especial os mais pobres", mas "não tem sido esse o projeto do atual governo", que "não coloca no centro a pessoa humana e o bem de todos, mas a defesa intransigente dos interesses de uma economia que mata, centrada no mercado e no lucro a qualquer preço".

E acrescenta: 

"Por isso, também estamos profundamente indignados com ações do presidente da República em desfavor e com desdém para com a vida de seres humanos e também com a da 'nossa irmã, a Mãe Terra', e tantas ações que vão contra a vida do povo e a soberania do Brasil".

O documento dos bispos brasileiros deveria ser divulgado inicialmente na quarta-feira (22), mas foi suspenso para ser analisado pelo Conselho Permanente da CNBB.

Acabou vazando, deliberadamente, diante do temor de alguns signatários de que os conservadores católicos impedissem a sua divulgação.

Assinaram o documento, entre outros, o arcebispo emérito de São Paulo, dom Claudio Hummes, o bispo emérito de Blumenau dom Angélico Sândalo Bernardino; o bispo de São Gabriel da Cachoeira (AM), dom Edson Damian; o arcebispo de Belém, dom Alberto Taveira Corrêa, e o bispo emérito do Xingu (PA), dom Erwin Krautler.

O texto será avaliado pela CNBB em reunião no próximo dia 5. A CNBB, na avaliação de religiosos, tende a se manifestar em favor da autonomia dos bispos para darem declarações.

Padres da Caminhada

Já os padres também contrários às ações de Bolsonaro se organizaram em movimentos como o Padres da Caminhada - com cerca de 200 integrantes, entre eles bispos eméritos, com dom Mauro Morelli, de Duque de Caxias (RJ) -, e os Padres contra o Fascismo, com 170 membros.

Surgido no final do ano passado em um encontro de comunidades eclesiais de base em Canoas, no Rio do Grande do sul, os Padres da Caminhada saíram em defesa do pároco Edson Tagliaferro, da cidade de Artur Nogueira (SP), que chamou Bolsonaro de "bandido" numa homilia, no início de julho.

Também apoiaram os colegas padres Dennis Koltz e Sisto Magro, agredidos por um fazendeiro no interior do Amapá, há cinco meses, e se posicionaram contra o racismo na Igreja Católica, reivindicando ao papa Francisco a nomeação de mais bispos negros.

Padres afirmam ser necessária e urgente a reconstrução das relações sociais no Brasil

Na carta divulgada ontem, os padres afirmam ser necessária e urgente a reconstrução das relações sociais no Brasil, pois "este cenário de perigosos impasses, que colocam nosso País à prova, exige de suas instituições, líderes e organizações civis muito mais diálogo do que discursos ideológicos fechados".

Afirmam ainda um compromisso "em favor da vida, principalmente dos segmentos mais vulneráveis e excluídos, nesta sociedade estruturalmente desigual, injusta e violenta", e se solidarizam com todas as famílias que perderam vidas por causa da covid-19.

"Essa doença ceifa vidas e aterroriza a todos. Próximos de atingir 100 mil mortos nesta pandemia, é inadmissível que não haja neste governo um ministro da Saúde, que possa conduzir as políticas de combate ao novo coronavírus", reclama o documento.

Leia a íntegra:

"CAMINHAMOS NA ESTRADA DE JESUS"

CARTA DE PADRES EM APOIO E ADESÃO AOS BISPOS SIGNATÁRIOS DA CARTA AO POVO DE DEUS

"Enquanto os lucros de poucos crescem exponencialmente, os da maioria situamse cada vez mais longe do bem-estar daquela minoria feliz. Tal desequilíbrio provém de ideologias que defendem a autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira. Às vezes, sentimos a tentação de ser cristãos, mantendo uma prudente distância das chagas do Senhor. Mas Jesus quer que toquemos a miséria humana, que toquemos a carne sofredora dos outros" (EG 56 e 270).

Nós, "Padres da Caminhada", "Padres contra o Facismo", diáconos permanentes e tantos outros padres irmãos, empenhados em diversas partes do Brasil a serviço do Evangelho e do Reino de Deus, manifestamos nosso agradecimento e apoio aos bispos pela Carta ao Povo de Deus. Afirmamos que ela representa nossos pensamentos e sentimentos. Consideramos um documento profético de uma parcela significativa dos Bispos da Igreja Católica no Brasil, "em profunda comunhão com o Papa Francisco e seu magistério e em comunhão plena com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil", oferecendo ao Povo de Deus luzes para o discernimento dos sinais nestes tempos tão difíceis da história do nosso País.

O documento é uma leitura lúcida e corajosa da realidade atual à luz da fé. É a confirmação da missão e do desafio permanente para a Igreja: tornar o Reino de Deus presente no mundo, anunciando esperança e denunciando tudo o que está destruindo a esperança de uma vida melhor para o povo. É como uma grande tempestade que se abate sobre o nosso País.

Os bispos alertam para o perigo de que "a causa dessa tempestade é a combinação de uma crise de saúde sem precedentes, com um avassalador colapso da economia e com a tensão que se abate sobre os fundamentos da República", principalmente impulsionado pelo Presidente. Sentimo-nos também interpelados por essa realidade a darmos nossa palavra de presbíteros comprometidos no seguimento de Nosso Senhor Jesus Cristo.

O Evangelho ilumina nossa caminhada e vamos aprofundando nosso compromisso na Igreja, sinal e instrumento do Reino, a serviço da vida e da esperança. Cada vez mais vemos a vida do povo sendo ameaçada e seus sofrimentos, principalmente dos pobres, vulneráveis e minorias. Tal realidade faz com que nossos corações ardam, nossos braços lutem e nossa voz grite pelas mudanças necessárias. Como recordam os Bispos, nós não somos motivados por "interesses político-partidários, econômicos, ideológicos ou de qualquer outra natureza. Nosso único interesse é o Reino de Deus".

Os bispos muito bem expressaram em sua carta, recordando o Santo Padre, o Papa Francisco, que "a proposta do Evangelho não consiste só numa relação pessoal com Deus. A nossa reposta de amor não deveria ser entendida como uma mera soma de pequenos gestos pessoais a favor de alguns indivíduos necessitados […], uma série de ações destinadas apenas a tranquilizar a própria consciência. A proposta é o Reino de Deus […] (Lc 4,43 e Mt 6,33) (EG. 180)".

Sabemos que os que nos governam têm o dever de agir em favor de toda a população, de maneira especial, os mais pobres. Não tem sido esse o projeto do atual Governo, que "não coloca no centro a pessoa humana e o bem de todos, mas a defesa intransigente dos interesses de uma "economia que mata" (Alegria do Evangelho, 53), centrada no mercado e no lucro a qualquer preço". Por isso, também estamos profundamente indignados com ações do Presidente da República em desfavor e com desdém para com a vida de seres humanos e também com a da "nossa irmã, a Mãe Terra", e tantas ações que vão contra a vida do povo e a soberania do Brasil. É urgente a reconstrução das relações sociais, pois "este cenário de perigosos impasses, que colocam nosso País à prova, exige de suas instituições, líderes e organizações civis muito mais diálogo do que discursos ideológicos fechados. [...] Essa realidade não comporta indiferença.".

A CNBB tem se pronunciado de forma contundente em momentos recentes; em posicionamento do dia 30 de abril, manifestou perplexidade e indignação com descaso no combate ao novo coronavírus e por eventos atentatórios à ordem constitucional. Em outro momento, os 67 bispos da Amazônia publicaram outro documento, expressando imensa preocupação e exigindo maior atenção e cuidado do poder público em relação à Amazônia e aos povos originários.

Na carta aberta ao Congresso Nacional do dia 13 de julho de 2020 a CNBB denunciou os 16 vetos do Presidente da República ao Plano Emergencial para Enfrentamento à Covid-19 nos Territórios Indígenas, comunidades quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais (PL nº PL 1142/2020, agora Lei nº 14.021) dizendo: "Esses vetos são eticamente injustificáveis e desumanos pois negam direitos e garantias fundamentais à vida dos povos tradicionais". Outras Comissões da CNBB assumiram decididamente o lado dos povos tradicionais do Brasil "duplamente vulneráveis: ao contágio do coronavírus e à constante ameaça de expulsão de seus territórios".

Nesse tempo de "tempestade perfeita", a voz do Espírito ressoa em posicionamentos corajosos da Igreja, que renova a cada dia seu compromisso "na construção de uma sociedade estruturalmente justa, fraterna e solidária", como indicam os bispos em sua carta. Reafirmamos nosso compromisso na defesa e no cuidado com a vida.

Ao convite dos bispos queremos dar nosso sim! "Somos convocados a apresentar propostas e pactos objetivos, com vistas à superação dos grandes desafios, em favor da vida, principalmente dos segmentos mais vulneráveis e excluídos, nesta sociedade estruturalmente desigual, injusta e violenta."

Queremos nos empenhar para cuidar deste País enfermo! Nós nos solidarizamos com todas as famílias que perderam alguém por essa doença que ceifa vidas e aterroriza a todos. Próximos de atingir 100 mil mortos nesta pandemia, é inadmissível que não haja neste governo um Ministro da Saúde, que possa conduzir as políticas de combate ao novo coronavírus.

Conclamamos todos os cristãos e cristãs, as igrejas e comunidades, e todas as pessoas de boa vontade para que renovem, junto com os bispos, a opção pelo Evangelho e pela promoção da vida, espalhando as sementes do Reino de Deus.

Nós, "Padres da Caminhada", "Padres contra o Fascismo", diáconos permanentes e tantos outros padres irmãos, reafirmamos com alegria, ânimo e esperança a fidelidade à missão a nós confiada e apoiamos os bispos signatários da Carta ao Povo de Deus e em sintonia com a CNBB em sua missão de testemunhar e fortalecer a colegialidade.

29 de julho de 2020

Gilberto Nascimento
De São Paulo para a BBC News Brasil

Brasil passa de 91 mil mortes e 2,6 milhões de casos de infectados pelo coronavírus

Nas últimas 24 horas, foram registrados no país 1.129 óbitos e 56.837 casos novos da doença.

O Estado com o maior número de mortes é São Paulo (22.710), seguido pelo Rio de Janeiro (13.348), Ceará (7.661) e Pará (5.699).

O conselho criou uma plataforma para registrar os dados sobre o novo coronavírus no país após o Ministério da Saúde ter passado a divulgar, no início do mês passado, os números de forma menos detalhada.

Após a controvérsia causada pela mudança e uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o assunto, a pasta recuou e voltou a divulgar os números completos.

O Brasil continua como o segundo país do mundo com maior número de casos e mortes na pandemia do novo coronavírus, depois apenas dos Estados Unidos, que tem mais de 4,4 milhões de casos e 151 mil mortes pela covid-19, segundo levantamento da Universidade Johns Hopkins.

Mulher de Bolsonaro infectada por coronavírus

Na quarta, primeira-dama participou de evento no Palácio do Planalto junto com Damares Alves e Tereza Cristina
 
O Palácio do Planalto informou que a primeira-dama Michelle Bolsonaro foi diagnosticada com o novo coronavírus nesta quinta-feira, 30. Segundo a Secretaria Especial de Comunicação da Presidência, Michelle apresenta “bom estado de saúde e seguirá todos os protocolos estabelecidos”. “A primeira-dama está sendo acompanhada pela equipe médica da Presidência da República”, diz o texto.

O diagnóstico positivo de Michelle ocorre menos de uma semana depois de o presidente Jair Bolsonaro dizer que testou negativo para a covid-19, após mais de duas semanas isolado por ter contraído a doença. 

Michelle é mãe de Laura, 9 anos, sua filha com o presidente, e Letícia Firmo, 17 anos, fruto de outro relacionamento da primeira-dama. As duas moram no Palácio da Alvorada, residência oficial da presidência.

Na quarta, 29, a primeira-dama participou de evento no Palácio do Planalto para lançamento da campanha Mulheres Rurais, Mulheres com Direitos. Além do presidente Jair Bolsonaro, ela esteve próxima das ministras Tereza Cristina (Agricultura) e Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos). Ela também tirou fotos com pelo menos 20 convidadas que estiveram na cerimônia.

Na ocasião, chegou a abraçar Damares, que usava uma máscara (veja no minuto 31’45’’ do vídeo). Procurada, a ministra ainda não informou se fará exames. A primeira-dama também tirou fotos com pelo menos 20 convidadas que estiveram na cerimônia.

Já a ministra Tereza Cristina cancelou agenda e afirmou que fará teste para covid-19. Ela desejou “rápida recuperação” para  primeira-dama.”

Após meses minimizando a pandemia, Bolsonaro anunciou ter testado positivo para a covid-19 no último dia 7, e cumpriu um período de 18 dias de isolamento no Alvorada, despachando remotamente. Integrantes do governo que tiveram contato com o presidente nos sete dias anteriores ao diagnóstico também fizeram teste, mas todos deram negativo. Michelle também fez o exame, mas, na ocasião, anunciou que o resultado foi negativo.    

Segundo dados do consórcio de imprensa divulgados na terça-feira, o número total de mortos no País em virtude da pandemia chegou a 90.212. Mais de 2,5 milhões de brasileiros já foram infectados pelo novo coronavírus, conforme levantamento realizado pelo Estadão, G1, O Globo, Extra, Folha e UOL junto às secretarias estaduais de Saúde.

O Brasil é a segunda nação do mundo com maior número de casos e mortes por covid-19, atrás apenas dos Estados Unidos, que têm 4,3 milhões de infecções confirmadas e 150 mil óbitos, de acordo com a Universidade Johns Hopkins.

J
30 de julho de 2020 | 12h30
Atualizado 30 de julho de 2020 | 15h03

Ministério da Justiça monitorou 579 opositores de Bolsonaro, diz site

Reportagem do UOL afirma que relatório sigiloso da pasta cita mais de 500 servidores da área de segurança identificados como membros do movimento 'antifascismo'. Governo nega irregularidades e diz não se tratar de investigação.

O Ministério da Justiça fez um relatório sigiloso sobre mais de 500 servidores públicos da área de segurança identificados como integrantes do movimento "antifascismo". A informação foi revelada por reportagem do site UOL.

O Ministério Público Federal (MPF) pediu esclarecimentos à pasta. Entidades da sociedade civil estranharam a preocupação do governo com pessoas que defendem a democracia.

>> Leia mais abaixo o que disse o Ministério da Justiça

A investigação tem como foco servidores públicos ligados a movimentos antifascistas. A reportagem do UOL diz que:

"O Ministério da Justiça colocou em prática em junho uma ação sigilosa sobre um grupo de 579 servidores federais e estaduais de segurança identificados como integrantes do "movimento antifascismo" e três professores universitários."

Segundo a reportagem, a pasta "produziu um dossiê com nomes e, em alguns casos, fotografias e endereços de redes sociais das pessoas monitoradas."

O relatório foi feito pela Secretaria de Operações Integradas (Seopi), ligada ao ministério.

De acordo com o UOL, investida das atribuições de serviços de inteligência, por um decreto de janeiro de 2019 do presidente Jair Bolsonaro, a secretaria não submete todos os seus relatórios a um acompanhamento judicial.

Assim, "a secretaria vem agindo nos mesmos moldes dos outros órgãos que há anos realizam normalmente o trabalho de inteligência no governo, como o CIE (Centro de Inteligência do Exército) e o GSI (Gabinete de Segurança Institucional)."

Segundo a reportagem, o dossiê foi repassado a órgãos políticos e de segurança do país e pode ser usado, por exemplo, como subsídio para perseguições políticas dentro dos órgãos públicos.

Ainda segundo o UOL, na primeira quinzena de junho, a secretaria produziu um relatório sobre o assunto "ações de grupos antifa e policiais antifascismo".

"O relatório foi confeccionado poucos dias depois da divulgação, no dia 5 de junho, de um manifesto intitulado 'Policiais antifascismo em defesa da democracia popular'. Subscrito por 503 servidores da área de segurança, aposentados e na ativa no manifesto, o movimento se diz suprapartidário e denuncia um 'projeto de neutralização dos movimentos populares de resistência', propondo uma 'aliança popular antifascismo", diz trecho da reportagem.

Depois da publicação da reportagem do UOL, o MPF no Rio Grande do Sul abriu nesta semana um procedimento para cobrar informações do Ministério da Justiça.

O MPF quer saber se há elementos que indiquem uma atuação do governo para limitar a liberdade de expressão e deu um prazo de dez dias para o envio das explicações sobre as razões do relatório.

Também no início da semana, a Anistia Internacional se manifestou sobre o relatório do Ministério da Justiça. Em nota, disse que exige o fim de toda e qualquer investigação secreta e ilegal contra opositores do governo.

A organização defende que toda e qualquer atividade de “inteligência” do ministério precisa ter como base investigações policiais regulares, motivadas pela ocorrência de crimes, sendo autorizadas e supervisionadas pela autoridade judicial. caso contrário, consistirá em arbitrariedade, violando os direitos humanos.

O movimento policiais antifascismo se manifestou em nota e lembrou que esta "constrangedora medida do governo federal" não é apenas contra o grupo, mas contra todos que amam as liberdades e que laboram pela democracia. Eles afirmam que pedirão a apuração, responsabilização e reparação da verdade em todas as instâncias possíveis.

Nesta quarta-feira (29), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) publicou que é gravíssimo que o executivo federal pratique a vigilância de vozes dissonantes e de representantes críticos ao governo, numa caçada que remonta a práticas da ditadura militar.

Para a organização, o suposto dossiê "representa uma ameaça flagrante ao estado democrático de direito e ao valores constitucionais por estimular a perseguição à livre expressão de ideias e pensamentos, bem como a posicionamentos políticos".

O líder do PSB na Câmara dos Deputados, Alessandro Molon (PSB), criticou a elaboração do dossiê.

"Não bastasse tudo o que Bolsonaro já disse e fez contra a nossa democracia, agora tomamos conhecimento de uma montagem de um aparato paralelo no Ministério da Justiça pra vigiar e perseguir opositores do governo, inclusive, professores universitários. É mais um ataque inaceitável de Bolsonaro e do seu governo à democracia e à Constituição, que merece o mais duro repúdio das nossas instituições".
O partido Rede Sustentabilidade entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a suspensão imediata do relatório da Secretaria de Operações Integradas.

Para o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, o dossiê com nomes de servidores – a maioria policiais, é uma medida arbitraria.

"Soa como uma retaliação sim, mais do que retaliação, ele soa como a instrumentalização de uma área de inteligência de segurança pública, pra interesses políticos, eleitorais, partidários, do atual governo. A gente precisa ter fiscalização. Fiscalização por parte do Congresso, por parte dos órgãos de Estado, e essa fiscalização vai dizer se a gente tá tendo, na verdade, um patrulhamento que não pode ser admitido no estado de direito do país. Nós não podemos dar poder demais pra ponta tomar decisões. Isso é de qualquer democracia no mundo".
O que diz o Ministério da Justiça
Em nota divulgada no início da tarde desta quinta-feira (30), o Ministério da Justiça argumentou que a atividade de inteligência prestada pela Seopi não configura investigação e foca exclusivamente na "prevenção da prática de ilícitos e à preservação da segurança das pessoas e do patrimônio público".

Segundo a pasta, não há nenhum procedimento instaurado contra qualquer pessoa específica no âmbito da Seopi, "muito menos com caráter penal ou policial". O ministério afirma não caber à secretaria a "produção de 'dossiê' contra nenhum cidadão e nem mesmo instaurar procedimentos de cunho inquisitorial".

O ministério diz também que as atividades de inteligência desenvolvidas se baseiam nos princípios da legalidade, do sigilo e da segregação das informações.

"Assim, elas se destinam exclusivamente às autoridades públicas que efetivamente necessitem prevenir situação de risco para a segurança pública conforme cada caso. Trata-se, resumidamente, do fornecimento de informações devidamente organizadas, para que as autoridades possam planejar e atuar em operações de segurança com o devido conhecimento dos fatos", diz a nota.

O que diz o Ministério da Justiça

A Secretaria de Operações Integradas (SEOPI) esclarece que:

Como agência central do Subsistema de Inteligência de Segurança Pública (Decreto 3695/2000), cabe à Diretoria de Inteligência que hoje integra a Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça e Segurança Pública, como atividade de rotina, obter e analisar dados para a produção de conhecimento de inteligência em segurança pública e compartilhar informações com os demais órgãos componentes do Sistema Brasileiro de Inteligência.

A atividade de inteligência não é atividade de investigação. Toda atividade de inteligência da SEOPI se direciona exclusivamente à prevenção da prática de ilícitos e à preservação da segurança das pessoas e do patrimônio público. Não há nenhum procedimento instaurado contra qualquer pessoa específica no âmbito da SEOPI, muito menos com caráter penal ou policial. Não compete à SEOPI produzir “dossiê” contra nenhum cidadão e nem mesmo instaurar procedimentos de cunho inquisitorial.

As atividades de inteligência desenvolvidas se baseiam nos princípios da legalidade, do sigilo e da segregação das informações. Assim, elas se destinam exclusivamente às autoridades públicas que efetivamente necessitem prevenir situação de risco para a segurança pública conforme cada caso. Trata-se, resumidamente, do fornecimento de informações devidamente organizadas, para que as autoridades possam planejar e atuar em operações de segurança com o devido conhecimento dos fatos.

Importante registrar que o Ministério da Justiça e Segurança Pública possui órgãos específicos de inteligência e contra inteligência desde a edição do Decreto nº 5.834, de 6 de julho de 2006, da lavra do então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tinha, entre outras competências, o objetivo de compilar, controlar e analisar dados para assessorar as decisões do Secretário.

As atividades de inteligência são típicas de Estado e essenciais para a segurança do país e da ordem constitucional, razão pela qual, ao longo dos anos, sucessivos governos mantiveram intactas e ativas as estruturas e as atividades de inteligência no âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública, conforme quadro detalhado abaixo.

Fontes: Portal G1 e Jornal Hoje (TV Globo) — Brasília

Governo tenta enganar o contribuinte com a proposta do novo imposto

O governo está tentando enganar a todos os contribuintes. A ideia do chamado imposto digital é cobrá-lo em todas as movimentações, e não só no meio eletrônico. Essa é a realidade. O tributo é cumulativo, cobrado nas duas pontas, e regressivo. Em troca, haveria uma série de bondades. Assessor especial do Ministério da Economia, Guilherme Afif Domingos acenou com uma desoneração sobre os salários de 25%. Ele deu entrevista à “Folha de S. Paulo” sobre a proposta, que valeria para todos os salários. Ninguém no Ministério fala quanto se arrecadaria com o novo imposto ou quanto custaria a desoneração dos salários. Seria melhor debater abertamente.   

Não adianta criar um nome suave para o novo tributo. Ele não será apenas digital, o consumidor vai pagá-lo mesmo se for à loja comprar um produto com dinheiro vivo. Um imposto como a CPMF incide em cascata. Ele fica escondido na cadeia de produção, se acumula e onera muito mais os preços do que se parece.  

Desde o início do governo, o Ministério da Economia defende o imposto sobre pagamentos cobrado nas duas pontas. Era a ideia do ex-secretário da Receita Marcos Cintra. Uma alíquota de 0,2% paga por quem compra e por quem vende, vira uma tributação de 0,4%. A cada transação durante a cadeia de produção, o tributo é recolhido. Lá na ponta, o consumidor pagará o preço. Cintra perdeu o cargo por defender o imposto, mas a proposta continua viva no Ministério da Economia.    

Em contrapartida, o governo tem oferecido um pacote de bondades. Afif sugeriu desonerar a folha de pagamentos em 25%; a ideia anterior era cortar só em empregos de até um salário mínimo. Ao ouvir a proposta, o empresário pensa que terá menos custos para contratar, o trabalhador acredita que haverá mais empregos. Outra ideia é usar a nova arrecadação para ampliar os programas de transferência de renda. A equipe econômica já acenou com uma isenção mais ampla no Imposto de Renda, para quem ganha até R$ 5 mil. Mas os detalhes dessas contrapartidas ninguém conhece.  

A equipe econômica não sabe exatamente o que vai propor. Ela só sabe que quer cobrar mais um imposto, chamado de digital para que se acredite que é possível evitá-lo. Mas não se escapa de um tributo como esse. 

É isso que o governo vem defendendo. Todos os contribuintes pagarão. Se o governo tem boas intenções, deveria falar claramente sobre o novo imposto. 

A autora deste artigo, Miriam Leitão, é Jornalista especializada em economia e comentarista da Globo News. Este artigo foi publicado originalmente em O Globo, edição de 30.07.2020.

Ambiência democrática, sistema de justiça autoritário

Estamos a conviver, sem opor resistência cívica, com o crescimento da opressão do Estado
 
Nos últimos anos, e, para sermos justos, não apenas a partir do atual governo, temos visto progressivas fraturas na arquitetura dos direitos e garantias fundamentais edificados pela Constituição de 1988 como estatuto da redemocratização que pôs fim ao regime militar. A Carta que Ulysses Guimarães chamou de “cidadã”, no célebre discurso em que expressou sentir “ódio e nojo à ditadura”, tem sido deformada, às vezes literalmente, por emendas que traem o seu espírito, e frequentemente por legislação subalterna que conspira contra o modelo que desenhou. Parte dessas iniciativas predatórias degrada o devido processo legal, expressão máxima da axiologia democrática para defender, de um lado, a sociedade contra os que infringem as leis e, de outro, resguardar o acusado do abuso do poder de punir do Estado.

Mesmo quando o construto do Estado de Direito baliza o talho da lei, como no caso do diploma que pune o abuso de autoridade, proliferam notórias burlas, a exemplo do que sucede com a vedação da exposição do preso, e não só se exibe o detido, como tudo o que dele se apreende em buscas extemporâneas e aparatosas, forma midiática de mais espetacularizar as diligências, agora filmadas pelos agentes do Estado e imediatamente divulgadas nas redes sociais – totalmente desconsiderado o fato de que é de um presumido inocente que se trata. Mas para o justiceiro “clamor das ruas” já é uma etapa de julgamento que não aponta outro veredicto senão a condenação. A prisão da moda é a preventiva, execrável cumprimento de pena ante tempus, em geral justificada com a hipótese de que o acusado poderia embaraçar as investigações, mesmo que os fatos sob apuração tenham ocorrido muitos anos antes – e pela Lei 12.850/13, que enriqueceu a cornucópia delitiva das “organizações criminosas”, então se define o crime de obstrução, punido com pena (até oito anos) maior do que a cominada ao delito principal. Nesse surreal camburão jurídico foi até um ex-presidente da República, detido na rua como se em flagrante delito por crime hediondo. 

As contagiosas cadeias estão repletas, mas, do contingente que oscila em torno de 750 mil presos, cerca de 30% (225 mil) são provisórios – não estão condenados –, mas perderam a liberdade em nome da lei e da ordem. Muitos sofreram penas exageradas, até por crimes de bagatela (como um xampu surripiado no supermercado) e os “sem-bens” ainda levam de quebra uma multa que não podem pagar, e geralmente não pagam e têm o nome lançado na dívida ativa da Fazenda Pública. Esse despautério das penas pecuniárias se avoluma, indo ao paroxismo de poderem, além de fixadas no máximo, ser triplicadas para até R$ 5,643 milhões (Código Penal) ou mesmo para inalcançáveis R$ 20,9 milhões (Lei n.º 11.343/06). Isso num país onde o salário mínimo é R$ 1.045.

Teratologias legislativas que julgávamos em letargia ressurgem, famintas como ursos deixando a hibernação dos covis, a exemplo da Lei de Segurança Nacional, continente de preceitos que resguardam não a Nação de inimigos da democracia, mas os governantes de críticas internas. Nos últimos 18 meses foram instaurados 41 inquéritos com fulcro nesse resíduo autoritário legado pelo eclipse militar – e alguns deles apuram ofensas ao presidente da República por uma mera charge publicada em determinado blog.

Avanços processuais, entre eles a instituição do juiz de garantias, nem entram em vigor, posto que interditados por quem deveria prestigiá-los, mas retrocessos, como o acordo de não persecução penal, alastram-se como fogo na palha. A transparência, apanágio da Justiça e, em suma, da res publica, é outro valor relegado, tantos são os episódios de escutas ilegais secretas, vedação de acesso da defesa a investigações, situações em que o cidadão nem sequer é informado do que é suspeito, multiplicando-se os casos de controle, e até sigilo, como recentemente se descobriu no Ministério Público, em que documentos e dados eram de domínio exclusivo de uma elite de procuradores, negando-se acesso até ao procurador natural do caso – e aos bisbilhotados, nem pensar. 

Com essas práticas cumulativas, estamos a caminho do perigoso estágio que o historiador alemão Bernd Rüthers definiu como “perversão do Direito”. Embora seu campo de pesquisa fosse o extremismo do nacional-socialismo, suas observações sobre a politização da Justiça por viés ideológico são uma advertência. Tal politização é mais ampla do que a intromissão do Judiciário, do Ministério Público e da polícia nas atribuições de outros Poderes, pois se agiganta em alterações legislativas, construindo a ideologia do punitivismo, como se fora uma filosofia política tal qual o seu oposto, o civilizado garantismo, a sazonar como fruto de uma conjuntura regressiva em que prevalece o formalismo legal. 

Entretidos no paradoxo do ambiente democrático formal que comporta desvios autoritários distópicos, estamos a conviver, se não passivamente, ao menos sem opor cívica resistência, com o crescimento da opressão do Estado pela espada do sistema de Justiça.

José Roberto Batochio é Advogado criminalista. Foi Presidente do Conselho da Justiça Federal da OAB e Deputado Federal (PDT-SP). Este artigo foi publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, edição de 29.07.2020.

quarta-feira, 29 de julho de 2020

O papel da AGU

Há certos limites que não podem ser cruzados num Estado Democrático de Direito

Um dos traços distintivos dos estadistas é a capacidade que têm de separar os assuntos de Estado dos de governo, mais ainda dos particulares. Não há vivalma que espere que o presidente Jair Bolsonaro aja como um estadista. No entanto, algum grau de institucionalidade, mínimo que seja, deve haver, se não por parte do presidente da República, por aqueles que têm o dever funcional de assessorá-lo.

O artigo 131 da Constituição dispõe que “a Advocacia-Geral da União (AGU) é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo”. Só com um hercúleo esforço de interpretação é possível ler no artigo citado algo que remotamente legitime a ação que a AGU interpôs no Supremo Tribunal Federal (STF) para defender os interesses dos militantes bolsonaristas que na sexta-feira passada tiveram suas contas no Twitter e no Facebook suspensas por ordem do ministro Alexandre de Moraes.

Em caráter reservado, um dos ministros do STF avaliou que a ação da AGU é “um dos maiores vexames da história da instituição”. Outro disse à jornalista Andréia Sadi, do G1, que “a AGU não tinha motivos para agir”. De fato, custa crer que o advogado-geral da União, José Levi Mello, pôs a instituição que representa a serviço do que o ministro Alexandre de Moraes classificou em sua decisão como “uma associação criminosa dedicada à disseminação de notícias falsas, ataques ofensivos a diversas pessoas, às autoridades e às instituições” tão somente porque assim o presidente Jair Bolsonaro ordenou. Se o advogado-geral da União não tem como recusar ordens absurdas do presidente da República, não deveria estar no cargo. Há certos limites que simplesmente não podem ser cruzados num Estado Democrático de Direito.

A ordem de suspensão das contas dos bolsonaristas radicais, dada pelo ministro Alexandre de Moraes em maio e cumprida pelas empresas apenas na semana passada – sob pena de multa diária de R$ 20 mil caso fosse descumprida –, deu azo a um acalorado debate sobre os limites da liberdade de expressão. Foi com base neste direito fundamental, a propósito, que a AGU interpôs a ação no STF, alegando que “as medidas de suspensão ou bloqueio de contas nas redes sociais para fazer cessar o direito de manifestação dos investigados configuram-se como desproporcionais e contrárias ao direito à liberdade de expressão e ao devido processo legal, os quais constituem preceitos fundamentais da ordem constitucional”.

Em primeiro lugar, a liberdade de expressão dos mais proeminentes camisas pardas do bolsonarismo não foi cassada. Tanto não foi que todos os atingidos pela decisão do ministro Alexandre de Moraes continuam se manifestando livremente por meio de blogs, mensagens de WhatsApp ou vídeos no YouTube, plataformas não atingidas pela decisão. E inclusive fazem uso de tais ferramentas para ensinar uns aos outros – e a seus seguidores – como alterar as configurações do Twitter e do Facebook a fim de permitir que as publicações possam ser vistas. Uma maneira nada sutil de fazer pouco-caso de uma decisão da mais alta Corte de Justiça do País e que ilustra muito bem o animus dessa gente. Em segundo lugar, caberia ao Ministério Público Federal ingressar com a ação no STF caso tivesse havido, de fato, a violação de um direito fundamental.

A Lei Maior permite que qualquer cidadão manifeste livremente as suas opiniões, até mesmo opiniões contrárias ao STF ou, no limite, à própria ordem constitucional. Prática muito diferente é a atuação articulada e profissional das redes bolsonaristas de forma a atingir milhões de pessoas por meios fraudulentos com mensagens que falseiam o debate público e incitam a violência contra pessoas e instituições. Discurso contramajoritário é uma coisa. Discurso criminoso é outra, intolerável.

Editorial / Notas e Informações, O Estado de S.Paulo
29 de julho de 2020 | 03h00


terça-feira, 28 de julho de 2020

A democracia e a pandemia

Por Gaudêncio Torquato

O planeta está assustado com a pandemia do Covid-19. Países grandes e pequenos, pobres e ricos, estendem os olhos aos laboratórios científicos na ânsia de receber respostas de vacinas que entram na fase 3 do teste. Mas, na paisagem das Nações, uma questão se impõe: que ajustes poderão ser feitos após a crise sanitária nos sistemas democráticos? Haverá evolução ou as regras continuarão as mesmas? O tema merece reflexão.

Comecemos com uma introdução histórica. A democracia de Aristóteles tem mudado de feição. O filósofo concebia a política como a responsabilidade do cidadão em relação à polis. Os habitantes submetiam-se a uma missão, não entendiam a política como profissão. Na Ágora, praça central de Atenas, a democracia nascia sob o clamor das demandas populares. Plantava-se a árvore da democracia direta.

Ao correr dos tempos, o Estado substituiu o absolutismo dos monarcas pelo espaço da República. O poder imperial cedeu lugar ao poder popular. Um poder arraigado no Estado moderno pelo ideário da Revolução Francesa, cujo escopo abrigava o governo representativo, as liberdades, os direitos e os deveres dos cidadãos nos campos da expressão, produção e comércio.

O conceito firmou-se com o axioma de Abraham Lincoln: “a democracia é o governo do povo, pelo povo, para o povo”. Mas ciclos de crise se sucediam abalando os fundamentos democráticos, inclusive em Nações avançadas, corroendo as frentes da representação. Os três Poderes, arquitetados pelo barão de Montesquieu como forma de se obter harmonia e independência entre eles, passaram a vivenciar tensões. Certa interpretação de tarefas começou a azedar as relações entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Desvios se acentuavam, a ponto de o chamado presidencialismo de coalizão ser frequentemente acusado de presidencialismo de cunho imperial, como é o nosso caso, em razão de o Poder Executivo usar o “poder da caneta” para negociar a governabilidade.

Sob outro prisma, os conjuntos representativos desviaram-se de seus papéis, a ponto de Norberto Bobbio ter dado forte puxão de orelhas ao acentuar que a democracia não tem cumprido suas promessas, entre as quais a educação para a cidadania, a transparência, o acesso de todos à justiça e o combate ao poder invisível.

Dito isto, ingressemos na atualidade. Os problemas emergem em escala geométrica, corroendo as áreas da saúde (veja-se atual pandemia que devasta Nações), da educação, da mobilidade urbana, da segurança pública, da habitação, do saneamento básico, entre outras. No campo da sustentabilidade ambiental, a irresponsabilidade campeia, rasgando a terra, queimando florestas, destruindo riquezas naturais. Países perdem o bonde da história ao não acompanhar os avanços civilizatórios. Conflitos étnicos e religiosos explodem em todos os quadrantes. O comércio e o poder competitivo das potências intensificam querelas, como este entre a China e os EUA, uma espécie de segunda guerra fria. Até consulados são fechados.

Esse é o panorama que acolhe a pandemia do Covid-19. O que acontecerá na textura democrática após a crise? A resposta tem a ver com o estado d’alma sociedade mundial. Já vem de algum tempo um sentimento de contrariedade dos cidadãos em relação aos políticos. Tal contrariedade abriga rancores, ódio, indignação, a denotar desprezo pelos governantes. O sentimento tem se propagado nos últimos anos, como se observa nos conflitos que cercaram a primavera árabe, em 2010, abrangendo Tunísia, com a derrubada do ditador, e se estendendo pela Líbia, Egito, Argélia, Iêmen, Marrocos, Bahrein, Síria, Jordânia e Omã.

Em finais de 2011, um movimento chamado Occupy London, ao lado da catedral St Paul, chamava a atenção por reunir uma multidão numa das capitais mais democráticas do mundo. Pouco tempo depois, em 2012, foi a vez de Washington ver instalado o Occupy Wall Street, que pedia mudanças no sistema financeiro. Culpavam-se os governantes por problemas, como poluição, tratamento cruel contra animais, desigualdade social. No Brasil, tivemos as grandes manifestações de junho de 2013, empuxo do impeachment da presidente Dilma.

O fato é que, de uns anos para cá, a sociedade passou a ter participação mais ativa na política. Nos horizontes, vislumbra-se um poder centrípeto – das margens para o centro – revigorando as estacas da democracia participativa. Esta é, portanto, uma tendência a ganhar força nos tempos pós-pandemia.

Novos polos de poder se multiplicam aqui e alhures, usando estruturas de entidades intermediárias, como associações, sindicatos, federações, núcleos, setores, movimentos. Infere-se, assim, que o poder político tende a ser mais descentralizado, fortalecendo a ideia de um sistema compartilhado com o povo.

Já a nossa democracia atravessa gargalos: a pobreza educacional das massas; a perversa disparidade de renda entre classes; o sistema político resistente às mudanças; um governo ortodoxo e a manutenção de mazelas históricas.

Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação - Twitter@gaudtorquato

Mais análises no blog www.observatoriopolitico.org

O efeito do charlatanismo

‘As pessoas não querem saber de pesquisa científica. Só do que o Bolsonaro tomou’

Pesquisa da Associação Paulista de Medicina mostra que 48,9% dos quase 2 mil profissionais de saúde entrevistados em todo o País disseram ter sofrido pressão de pacientes ou de parentes de internados para receitar remédios sem comprovação científica contra a covid-19. Os médicos também reclamam de intimidação nas redes sociais quando descartam o uso desses remédios, em especial da cloroquina, cuja eficácia no combate à pandemia já foi amplamente desqualificada. Há quem relate ter sofrido até ameaças de morte, como o presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Clóvis Arns.

Assim, como se não bastasse toda a pressão inerente ao enfrentamento da pandemia, que inclui o risco pessoal de contaminação, os médicos que lidam com milhares de doentes têm sido obrigados a encarar a hostilidade de pacientes e familiares que insistem em tratamentos que, ao contrário de salvar vidas, podem colocá-las em risco.

É compreensível que pacientes e seus familiares tentem se agarrar a qualquer esperança ante a terrível perspectiva de sofrimento trazida pela pandemia – que só no Brasil já deixou quase 90 mil mortos. Ninguém haverá de condenar quem, após o temido diagnóstico, exige dos médicos a aplicação de todos os tratamentos disponíveis, se houver a mais remota possibilidade de um deles salvar o paciente. Quando tudo o mais falta, resta a fé.

O problema é que essa fé está sendo estimulada pelo governo federal, a começar pelo presidente Jair Bolsonaro, justamente a autoridade que deveria se empenhar mais em orientar a sociedade com dados realistas e cientificamente comprovados para combater a doença. Quando um presidente da República – ouvido com atenção por toda a Nação pelo cargo que ocupa – insiste em fazer propaganda a respeito dos supostos efeitos benéficos da cloroquina contra a covid-19, mesmo depois que esse medicamento foi considerado ineficaz por vários estudos, reina uma perigosa confusão.

Para quem está para entrar em uma UTI ou está angustiado porque um parente acabou de ser internado com covid-19, as palavras do presidente, já naturalmente relevantes, são entendidas como prescrição médica – aos profissionais de saúde, portanto, bastaria assinar a receita. Explica-se assim que um a cada dois médicos ouvidos na pesquisa da Associação Paulista de Medicina relate ameaça ou constrangimento por parte de parentes ou de doentes.

“Sei que é um momento complicado, entendo a agonia e a angústia das pessoas, mas começaram a me chamar de assassina porque eu não tinha usado cloroquina no tratamento”, disse ao Estado a médica intensivista Bruna Lordão, de São Paulo. “As pessoas não querem saber de pesquisa científica. Elas só querem saber o que o Bolsonaro tomou. Foram certamente os piores momentos da minha carreira.” Depois desse episódio, a médica pediu demissão do hospital.

Esse é o resultado da politização da pandemia por parte de Bolsonaro. Preocupado com os efeitos da crise sobre sua popularidade, o presidente agarrou-se à cloroquina como panaceia – e passou a tratar os médicos e as autoridades que questionaram a eficácia da droga como adversários políticos.

Como consequência disso, os médicos e as autoridades que decidem seguir a ciência e não o palpite presidencial são acusados de fazê-lo por oposição ao presidente e, no limite, porque esperam o agravamento da crise para prejudicar Bolsonaro. É o charlatanismo elevado à categoria de política de Estado para a área da saúde, o que complica sobremaneira o trabalho de quem deve lidar com a doença real, na linha de frente da longa batalha contra o coronavírus.

Como bem lembrou a Associação Médica Brasileira em nota, os médicos são autônomos para receitar medicamentos ainda que não haja comprovação de que funcionem no caso, mas, graças ao presidente Bolsonaro, muitos estão sendo constrangidos a fazê-lo, inclusive sob ameaça, no caso da cloroquina – mesmo ante o risco de efeitos colaterais perigosos. Nada disso é ciência, muito menos o pleno exercício da medicina; é, apenas, irresponsabilidade. A cloroquina, é bom que se lembre, provoca efeitos secundários que podem levar à morte.

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
28 de julho de 2020 | 03h00

Como o novo coronavírus age no corpo das pessoas

Caminho do vírus da covid-19 no organismo é alvo de diversos estudos; órgãos além dos pulmões podem sofrer danos indiretos      

O rápido avanço da pandemia da covid-19 tem sido um desafio para cientistas ao redor do mundo, que precisam desvendar como age o novo coronavírus a fim de combatê-lo. Entender o comportamento do vírus é o que garantirá maior eficiência no diagnóstico, na prevenção, no tratamento e na descoberta de vacinas.

Até o momento, os estudos apontam que o vírus entra no organismo pelas mucosas, especialmente pelos olhos, nariz e boca. “Uma vez dentro do corpo, ele vai replicar em algumas células dessas mucosas”, diz a professora Luciana Costa, diretora adjunta do Instituto de Microbiologia da UFRJ.

As principais células atacadas pelo vírus para se multiplicar são as do sistema respiratório, especialmente as nasais e pulmonares. Se a carga viral de contágio for alta, há a possibilidade de o vírus já chegar nos pulmões mesmo antes de começar a se replicar. “Vai ter mais chance de partículas conseguirem ultrapassar as barreiras naturais, físicas, que nós temos no trato respiratório, que seriam as células ciliares, o muco. Essas barreiras já existem no corpo humano para evitar que esses invasores entrem nos pulmões a partir do trato respiratório superior”, explica Luciana.

No pulmão, a multiplicação ocorre principalmente em um tipo de célula (pneumócitos do tipo 2), na qual acontece uma “replicação viral intensa”, como ressalta a professora. A partir dessa etapa, contudo, as hipóteses científicas são mais incertas. “Se o vírus sai dali, seja associado a células do sistema imune, seja sendo deglutido, e se ele vai chegar a outros locais do corpo, a gente não sabe.”

A especialista aponta que uma possível chegada do vírus em órgãos como fígado, rins, baço, coração e intestino depende muito da presença dele no sangue, o que ainda não foi comprovado. O dano em outros tecidos detectado até o momento pode decorrer, por exemplo, de respostas imunológicas à presença do coronavírus. Isto é, esses danos não são provocados diretamente pelo vírus, mas são consequência do que ele provoca no organismo.

Luciana Costa exemplifica que, se o vírus chegasse ao intestino por deglutição, ele teria a camada de proteção destruída pelo PH ácido do estômago e não conseguiria se replicar. “O vírus é excretado, isso a gente sabe, mas aparentemente não é infeccioso. Então pode ser que o vírus chegue lá por deglutição, mas não que ele se replique no intestino. A gente sabe que tem uma série de outras consequências que a replicação viral e a resposta a isso causam, como a coagulação, a grande acumulação de processos inflamatórios, e a combinação desses fatores pode causar danos nos outros.

Disseminação – O vírus se dissemina pelas gotículas expelidas por pessoas contaminadas,
especialmente pela tosse e espirro. São partículas microscópicas que ‘navegam’ pelo ar até encontrar novo hospedeiro.

Transmissão – Gotículas minúsculas entram em contato com as mucosas, como nariz, boca e olhos, pelas quais penetram no organismo da pessoa que será contaminada. Os sintomas geralmente começam a ficar evidentes depois de cinco dias.

Replicação – As proteínas pontiagudas do vírus (chamadas “spikes”) se prendem à membrana da célula humana, permitindo que a liberação do material genético (RNA). A partir desse momento, a célula vira uma “escrava” do vírus, replicando-o milhares de vezes até ela (a célula) morrer.

Resposta imunológica – As cópias do vírus começam a se espalhar pelo organismo, infectando outras células e avançando especialmente pelos dutos dos brônquios. O sistema imunológico começa a agir, com uma “tempestade de “citocinas” (células de defesa). Em alguns casos, o organismo perde o controle e começa a bombear níveis excessivos de citocinas, o que causa inflamação nos pulmões e no coração.

Pulmões – As mucosas inflamam, danificando alvéolos ou vesículas pulmonares, que precisam trabalhar mais para fornecer oxigênio ao sangue e remover o dióxido de carbono. Os pulmões ficam cheios de fluido, pus e células mortas, ficando rígidos e agravando a insuficiência respiratória.

Sistema gastrointestinal – A infecção pode se espalhar pelas mucosas, do nariz ao reto. Por isso, há a hipótese de que talvez o vírus possa ser capaz de infectar células do sistema gastrointestinal (o que explicaria os sintomas digestivos relatados por parte dos pacientes), mas ainda não há comprovação.

Coração e sangue –O bombeamento do sangue aumenta com a febre, o que exige mais do coração, que já está com menores reservas de oxigênio. O corpo responde ao vírus e infecções. Mas podem surgir coágulos nas artérias coronárias, o que bloquearia o fluxo do sangue, causando problemas cardíacos.

Medula e fígado – A medula e órgãos como o fígado também podem ficar inflamados, mas ainda não está claro se isso ocorre por ação direta do vírus ou como consequência de outros danos e reações do organismo.

Sistema nervoso – O vírus tem potencial para invadir o sistema nervoso central e provocar encefalites e mielites, embora isso ainda esteja em estudo.

Camila Tuchlinski, O Estado de S.Paulo
28 de julho de 2020 | 10h00