quinta-feira, 2 de julho de 2020

Em 45 dias, número de infectados por Covid-19 dobra e a adesão à quarentena cai

Pesquisa Epicovid-19 BR indica que, do meio de maio ao fim de junho, porcentagem de brasileiros expostos ao vírus subiu de 1,9% para 3,8%, sugerindo que cerca de 8 milhões já contraíram o patógeno

Passageiros descem do trem usando máscaras na estação da Central do Brasil. Foto: RICARDO MORAES / REUTERS

Passageiros descem do trem usando máscaras na estação da Central do Brasil. Foto: RICARDO MORAES / REUTERS


Do meio de maio até o final de junho, a quantidade de brasileiros que já foram infectados pela Covid-19 dobrou, de 1,9% da população para 3,8%, enquanto no mesmo período a adesão a medidas de isolamento social diminuiu. A quantidade de pessoas que dizem ficar sempre em casa diminuiu de 23,1% para 18,9%, enquanto aqueles que dizem sair diariamente aumentaram de 20,2% para 26,2%.

Os números foram divulgados nesta quinta-feira (2) pela pesquisa EpiCovid-19 BR, que aplicou testes diagnósticos e entrevistou 89.397 pessoas em 133 cidades do país. Conduzida pelo Ibope, a pesquisa é a mais ampla do país e aplicou nos voluntários testes rápidos de anticorpos, que detectam se a pessoa já foi exposta ao vírus uma semana antes ou mais.

           
Prevalência do Covid-19 na população

Estudo EPICOVID19-BR, coordenado pela Universidade Federal de Pelotas,
testou 89.397 pessoas em 133 cidades do país para avaliar a proporção 
da população com anticorpos para o novo coronavírus. 
O mapa abaixo mostra os resultados da terceira fase do estudo, 
com testagens conduzidas entre os dias 21 e 24 de junho.

População: 300.000 / 2.000.000

Prevalência do Covid-19:

Menor que 0,1%

0,1% a 2%

2,1% a 7%

7,1% a 15%

Maior que 15%



Coordenado pela UFPel (Universidade Federal de Pelotas), o trabalho foi feito por amostragem, com ao menos 200 pessoas sendo avaliadas em cada uma das cidades escolhidas, que estão entre as mais populosas em todos os estados do Brasil.

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Segundo o epidemiologista Pedro Hallal, coordenador da pesquisa, há uma percepção muito forte que a a relação entre a adesão à quarentenena e o aumento da prevalência da Covid-19 não são um acaso.

— Como houve afrouxamento das medidas de distanciamento em várias cidades brasileiras enquanto a curva ainda está na ascendente, isso é um dos motivos que explicam o aumento na proporção de pessoas com anticorpos — afirmou.

O aumento de 1,9% para 3,8% é a taxa de prevalência "corrigida", que leva em conta o peso de cada cidade na população do país e o peso da amostragem de pessoas testadas dentro de cada cidade. A prevalência "bruta" da pesquisa, que contabiliza apenas os números absolutos de pessoas abordadas, subiu de 1,4% para 2,9% no mesmo período, conforme o GLOBO já tinha antecipado há uma semana.

Aplicando diretamente as proporções corrigidas à população de 211,7 milhões de pessoas do Brasil, os resultados da EpiCovid-19 BR significam que, em um mês e meio, o número de brasileiros que contraíram o vírus aumentou de cerca de 4 milhões para 8 milhões. Os pesquisadores, porém, não endossam esse cálculo simples, ainda, porque uma estimativa mais precisa requer um cruzamento dos dados da pesquisa com o mapeamento dos casos confirmados pela doença feitos pelos governos estaduais.

A pesquisa foi patrocinada pelo Ministério da Saúde, que bancou a contratação dos pesquisadores do Ibope e forneceu os testes sorológicos rápidos chineses usados ao longo do trabalho. No documento em que o resultado da pesquisa foi divulgado, porém, traz o seguinte aviso: "A interpretação dos resultados aqui apresentados é de responsabilidade da equipe científica do projeto, e não necessariamente reflete a posição do Ministério da Saúde."

Disparidade socioeconômica

Além de mostrar que a adesão a medidas de distanciamento social diminuiu em um período em que deveria ter aumentado, a pesquisa mostra que, desde o início da epidemia no Brasil, os grupos sociais mais marginalizados são aqueles que estão mais expostos ao Sars-Cov-2, o vírus causador da Covid-19.

Enquanto os 20% mais ricos da população apresentaram uma prevalência de 1,8% para o novo coronavírus no fim de junho, os 20% mais pobres tinham prevalência de 4,1%. O recorte por raça mostra que os indígenas foram os mais expostos (5,4% do grupo), seguidos de pardos (3,1%) e pretos (2,5%). Brancos e asiáticos apresentaram 1,1% e 2,1% de prevalência, respectivamente.

Segundo Halla, a relação entre pobreza e prevalência da Covid-19 não foi uma surpresa.

— Nesse grupo, as pessoas tem mais aglomeração em casa e precisam trabalhar, porque o auxílio emergencial que está sendo dado a elas não é suficiente, por isso se expõem mais — afirmou.

Covid 19 é mais letal em regiões de periferia do Brasil

O município com maior prevalência no país, dentre os 133 investigados, foi Sobral-CE, com 26,4% da população amostrada já tendo tido contato com o coronavírus. Entre os cinco mais afetados estão também Boa Vista-RR (22,6%), Fortaleza-CE (20,2%), Santerém-PA (17,9%) e Maceió-AL (16%).

Em todas as regiões do país, a prevalência da Covid-19 aumentou durante o período avaliado, com exceção da região Norte. Apesar de ter sido muito atingida pela epidemia, esta teve uma ligeira queda de prevalência do início para o fim de junho, de 9% para 8%, que segundo os pesquisadores está dentro da margem de erro. Como os anticorpos não desaparecem em poucas semanas, tecnicamente uma diminuição da prevalência é pouco provável, e deve estar dentro da margem de erro da pesquisa, explica Hallal.

O município do Rio apresentou uma prevalência alta na pesquisa, de 10,3%, em par com o que levantamentos feitos localmente já estavam apontando. Em São Paulo, onde foi detectado o primeiro caso de Covid-19 do país, a prevalência no fim de junho estava em 1,4%, o que representa uma queda em relação ao início da pesquisa, também uma redução inesperada.

Hallal afirma que para entender o motivo da redução será possível estudar a cidade no futuro para saber se houve uma flutuação da amostra usada na pesquisa, ou se de fato os anticorpos estão desaparecendo. Estudos recentes indicam que a segunda hipótese pode ser plausível, afirma.

A terceira etapa da pequisa Epicovid-19 BR, em princípio, é a última. Os pesquisadores negociam fundos para dar continuidade ao projeto, mas nada foi anunciado oficialmente até agora. O Ministério seria, em princípio, o financiador de novo, mas não confirma se continuará bancando o projeto.

Segundo Hallal, há negociações com instituições privadas, incluindo o Instituto Serrapilheira, que ajudou a bancar um outro estudo de prevalência no Rio Grande do Sul, para tentar dar continuidade ao projeto, caso o Ministério da Saúde saia de cena.

— O ponto principal é que o país precisa de mais uma fase dessa pesquisa — afirma Hallal.

Rafael Garcia / O Globo
02/07/2020 - 17:00 / Atualizado em 02/07/2020 - 19:45

Educação, fundamento do País

Deve ser intolerável submeter a educação a interesses eleitoreiros, políticos ou ideológicos. O MEC precisa de homens e mulheres responsáveis à sua frente

Ao concluir 18 meses, o governo de Jair Bolsonaro perdeu seu terceiro ministro da Educação. No dia 30 de junho, Carlos Alberto Decotelli entregou seu pedido de demissão após a revelação de sérias incongruências de seu currículo Lattes. Ao contrário do que afirmava, Decotelli não tinha o título de doutor pela Universidade Nacional de Rosário (Argentina), não era professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e não fez um pós-doutorado na Universidade de Wuppertal (Alemanha). Além disso, foram descobertos indícios de plágio em sua dissertação de mestrado. Diante de tal sequência de falsificações, era obviamente insustentável sua permanência na chefia do Ministério da Educação (MEC).

Assim, a pasta da Educação acumulou, no governo de Jair Bolsonaro, mais uma triste história. Além de ter batido recordes de ineficiência e agressividade, o ministro anterior, sr. Abraham Weintraub, saiu às pressas do País. O imbróglio de sua exoneração mostrou que o responsável, no plano federal, por orientar e coordenar a formação das novas gerações estava mais preocupado em escapar das consequências da lei brasileira. Dias antes, o STF mantivera-o como investigado no inquérito referente a ameaças contra a Corte.

Mas, a rigor, tanto a saída de Weintraub como a demissão de Decotelli não suscitam especiais esperanças. Noticiou-se que o presidente Bolsonaro determinou que se investigue seriamente o currículo dos possíveis nomes a serem indicados para a chefia do MEC. Jair Bolsonaro teria ficado irritado com as incoerências no currículo de Decotelli, e não quer passar por um novo vexame. Também se disse que a saída do terceiro ministro da Educação teria reaberto a disputa entre as chamadas alas ideológica e militar do governo.

Tal cenário evidencia completa falta de percepção sobre o papel e a importância do Ministério da Educação para os jovens, para as famílias, para o desenvolvimento social e econômico do País. Educação é assunto sério, com efeitos de curto, médio e longo prazos. Os 18 meses perdidos na área educacional serão sentidos por muitos anos – e o pior é que o governo Bolsonaro parece nem ter se dado conta de tal déficit. Ou seja, é séria a possibilidade de se continuar perdendo tempo, sem uma política educacional minimamente responsável.

É preciso mudar o patamar de exigência para a escolha do novo ministro da Educação. Não basta que o currículo Lattes do indicado seja veraz. Não basta que o indicado agrade a um setor do governo. Não basta que não cometa erros crassos de português ou não insulte outros países e etnias. Há um imenso e complexo trabalho a ser feito na área educacional, envolvendo definição de prioridades, distribuição de recursos econômicos, formação de professores, melhoria da gestão escolar, acompanhamento do aprendizado, melhoria da infraestrutura e muitos outros temas fundamentais para uma educação de qualidade. Nada disso se tornará realidade com amadorismo e improvisação e, muito menos, com bravatas e insultos. 

Vale lembrar que, além das muitas carências e necessidades do ensino brasileiro, a pandemia impôs novos desafios. É preciso, por exemplo, planejar bem o retorno das atividades escolares e acadêmicas após a quarentena. Uma transição bem feita envolve diversas frentes e tem muitas consequências não só para os jovens e as famílias, mas para todo o País.

É mais que hora de conferir plena funcionalidade ao Ministério da Educação. Sem uma educação de qualidade, que ofereça condições mínimas de formação humana, acadêmica e profissional a todos os jovens, o País continuará muito aquém de um patamar mínimo de desenvolvimento social e econômico. É uma ilusão pensar que o Brasil caminha para o desenvolvimento, de que estaria no rol dos países “em desenvolvimento”, se sua educação não melhorar. Enquanto houver descaso com a educação, o retrocesso é o único caminho possível.

Nos últimos anos, houve um forte clamor contra a corrupção e a impunidade. Passou a ser intolerável – e isso foi dito nas ruas e nas urnas – permitir malfeitos com a coisa pública. Também deve ser intolerável submeter a educação a interesses eleitoreiros, subalternas pressões políticas ou conchavos ideológicos. O Ministério da Educação precisa de homens e mulheres dinâmicos e responsáveis à sua frente.
   
Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
02 de julho de 2020 | 03h00

Apesar de trazer avanços, projeto de lei sobre fake news preocupa entidades

Especialistas elogiam proposta aprovada pelo Senado por estabelecer regras claras para robôs e posts pagos, mas temem que rastreamento de mensagens prejudique jornalistas, movimentos sociais e ativistas.

Mão segura celular
 
Mão segura celular
PL passou por uma série de modificações antes de ser aprovado pelo Senado e seguir para a Câmara

O chamado projeto de lei das fake news, que tem como objetivo combater a desinformação e foi aprovado nesta terça-feira (30/06) pelo Senado, traz avanços ao estabelecer regras claras para contas administradas por computadores, conhecidas como robôs, e ao elevar a transparência sobre posts pagos e a atuação das plataformas de internet. Mas tem trechos preocupantes quanto ao rastreamento de mensagens e à moderação do conteúdo pelas empresas, segundo entidades civis que lidam com o tema.

A versão final aprovada no Senado passou por uma série de modificações nos últimos dias, após pressão de organizações da sociedade civil, e deixou de fora pontos polêmicos, como exigir documentos de todos os usuários de redes sociais e a criminalização do uso de contas consideradas falsas. O PL 2.630, que cria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, agora será discutido pela Câmara dos Deputados.

O governo federal é contra a regulamentação, e o presidente Jair Bolsonaro, alvo de ações eleitorais que apuram suposto disparo de mensagens falsas pelo Whatsapp na campanha de 2018, afirmou nesta quarta-feira que, se o projeto for aprovado na Câmara, caberá a ele "a possibilidade de veto".

Bruna Santos, analista de políticas públicas na Coding Rights, afirma à DW Brasil que o projeto "evoluiu muito" desde a sua primeira versão, mas ainda promove uma "inversão do princípio da inocência" e considera todos os usuários como potenciais suspeitos.

Seu receio se baseia em dois trechos do texto: as hipóteses em que as plataformas poderão exigir documentos dos usuários e o registro dos metadados de mensagens encaminhadas em massa. Os metadados são informações como o número de telefone, o IP, o horário e data de encaminhamento e a quem a mensagem foi encaminhada, mas não incluem o conteúdo da mensagem.

O projeto aprovado no Senado autoriza as redes sociais a pedirem a identificação dos usuários em três casos: denúncia, indícios de conta inautêntica (como robôs) e por ordem judicial. O problema, diz Santos, é que a lei não delimita que tipo de denúncia é exigida, e abre a possibilidade de que usuários que usem um pseudônimo para criticar uma figura poderosa, como o presidente, sejam alvos de denúncias coordenadas de seus apoiadores e fiquem sujeitos ao risco de ter sua identidade exposta.

A rastreabilidade das mensagens que viralizam e acabam sendo encaminhada para muitas pessoas também a preocupa. O objetivo dos senadores era estabelecer um método para identificar quem seria o usuário inicial que disparou notícias falsas ou calúnias e difamações que alcançaram milhares de pessoas.

Para fazer isso, determinaram que aplicativos de mensagem devem guardar por três meses um registro dos metadados de mensagens encaminhadas em massa. Estarão sob essa regra mensagens enviadas por mais de cinco usuários num período de 15 dias que forem lidas por mais de mil pessoas. Os metadados ficariam disponíveis para consulta mediante ordem judicial.

"Encaminhamento em massa não é só desinformação"

Mariana Valente, diretora do InternetLab, afirma que esse mecanismo poderá "culpabilizar" qualquer pessoa que estiver na cadeia de encaminhamento da mensagem, inclusive jornalistas e pesquisadores, e ser usado como forma de perseguição a movimentos sociais.

"A gente sabe que encaminhamento em massa de mensagens não é só de desinformação. Poderá ser muito prejudicial a movimentos sociais e ativistas", afirma. Santos expressa preocupação semelhante e cita como exemplo a paralisação realizada nesta quarta-feira por motoboys que usam aplicativos de entrega.

"Muitos movimentos sociais planejam mobilizações pelo Whatsapp. Se a parada [dos motoboys] de hoje foi organizada pelo Whatsapp, e se alguém achasse que alguma mensagem lhe causou dano, poderia solicitar [por ordem judicial] ao Whatsapp a cadeia de acesso e saber quem foi o criador da mensagem. No meio desse caminho, seria possível identificar quem mandou ou recebeu esses conteúdos. O mesmo vale para quem organiza atos ou movimentos contra o governo", diz.

"E, na concessão dessas ordens judiciais, pode ser que a ponderação sobre a privacidade dos usuários não seja tão levada em conta. Ficaríamos muito nas mãos dos juízes", afirma Santos, que espera que os deputados façam alterações no texto.

Uma alternativa que poderá ser discutida na Câmara seria permitir o monitoramento do encaminhamentos de uma mensagem do presente para o futuro, e não o resgate de sua dinâmica passada. O acompanhamento seria feito mediante ordem judicial, similar a como funciona hoje uma interceptação telefônica.

O texto também estabelece regras para a moderação de conteúdo pelas plataformas, que deverão oferecer aos usuários fundamentação sobre postagens apagadas e prazos e procedimentos para contestar a decisão, inclusive "direito de resposta" aos que sejam alvo e conteúdo considerado inadequado, "na mesma medida e alcance".

Esse ponto é considerado problemático pela Coalizão Direitos na Rede, que reúne diversas entidades. Para o coletivo de advocacy, a figura do "ofendido" não é explicada adequadamente na lei, e o direito de resposta, uma garantia constitucional, deveria ser baseado em ordem judicial, e não na decisão das plataformas.

O projeto ainda cria um conselho técnico e autônomo para supervisionar as redes sociais e os aplicativos de mensagem, que será responsável por definir diretrizes para a autorregulação, e um código de conduta para o setor. Para a Coalizão Direitos na Rede, porém, a exigência de que o código de conduta seja submetido à aprovação do Congresso acabará submetendo o conselho técnico ao Legislativo.

A exigência de recadastrar todos os usuários de telefones pré-pagos, com a inclusão de RG e CPF, também é um problema, diz Santos, por burocratizar o acesso às redes de telefone, tornar mais difícil a compra de um chip por parte da população e fomentar a coleta "desnecessária" de dados.

Identificação de robôs e posts pagos

Um item do texto considerado bom por Valente é a regra que exige a identificação dos robôs. Segundo o projeto aprovado, as plataformas deverão indicar quando uma conta não é operada por uma pessoa, mas por uma máquina. Robôs podem ser usados de forma ilegítima para difundir notícias falsas ou atacar determinadas pessoas, mas também de forma legítima, como informar sobre a tramitação de projetos de lei legislativas ou responder a perguntas de usuários sobre determinado tema.

"O problema que tivemos com legislações envolvendo robôs era o maniqueísmo, que diziam que não poderia haver robôs. Isso vinha de um desconhecimento sobre como eles operam. Agora as próprias redes sociais, que têm acesso a uma quantidade de informações sobre os perfis que nós não temos, têm de vedar robôs que não estejam identificados como tal. Ou seja, eles podem existir, mas isso precisa ficar claro para os demais usuários", diz.

Ela também elogia um dispositivo que considera "de interesse público" em relação a contas em redes sociais pertencentes a órgãos públicos e detentores de cargos relevantes no Executivo, incluindo o presidente e seus ministros, governadores e prefeitos. Segundo o projeto de lei, essas contas deverão se submeter aos princípios da administração pública e não poderão bloquear usuários.

As plataformas também deverão indicar claramente quando um conteúdo é publicitário e foi impulsionado, e enviar relatórios trimestrais sobre o número de usuários, as medidas de moderação aplicadas e fraudes identificadas. "São medidas de transparência importantes", afirma Santos.

Fonte: Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas. 

EUA registram mais de 50 mil casos de covid-19 em 24 horas pela primeira vez

Aumento de infecções tem levado Estados a adiarem reabertura ou reverterem medidas de flexibilização. Pesquisa mostra que americanos, mesmo os eleitores de Trump, estão cada vez mais preocupados com o vírus.

Placa sobre distanciamento social em Phoenix, no Arizona
 
Placa sobre distanciamento social em Phoenix, no Arizona
As hospitalizações estão aumentando em várias cidades, incluindo Phoenix, no Arizona

Os Estados Unidos registraram 52.898 infecções por coronavírus em 24 horas, de acordo com dos disponibilizados na noite de quarta-feira (02/07) pela Universidade Johns Hopkins. É o maior aumento diário no país desde o início da pandemia, e foi a primeira vez que mais de 50 mil infecções foram registradas nos EUA em um dia.

Com isso, o país contabiliza desde o início da pandemia mais de 2,7 milhões de diagnósticos positivos da covid-19. Nas últimas 24 horas, ocorreram mais 706 mortes, elevando o número de óbitos pela covid-19 para mais de 128 mil.

A média de novos casos diários nos EUA está desde a semana passada acima de 40 mil, devido ao aumento identificado em estados como Califórnia, Flórida, Texas e Arizona.

A alta das infecções ocorre após Anthony Fauci,  diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas dos EUA e principal conselheiro do presidente Donald Trump para o combate à pandemia de covid-19, afirmar ao Senado que é possível que o país venha a registrar até 100 mil casos diários da doença.

Para efeito de comparação, o Brasil, que tem uma população menor do que a dos EUA, registrou 46.712 novos casos nesta quarta. O país sul-americano também já registrou um recorde diário maior que o americano, com 54.771 casos registrados em 19 de junho.

A alta de casos nos EUA tem aumentado a preocupação da população, segundo pesquisa Reuters/Ipsos divulgada na quarta-feira. O levantamento realizado entre 29 e 30 de junho apontou que 81% dos adultos americanos estão "muito" ou "algo" preocupados com a pandemia, a taxa mais elevada desde uma pesquisa semelhante realizada em 11 e 12 de maio.

Os temores sobre a pandemia parecem estar crescendo mais entre membros do Partido Republicano, de Trump, de acordo com a pesquisa.

Cerca de 7 de cada 10 republicanos disseram estar pessoalmente preocupados com a disseminação do vírus, em comparação com 6 de cada 10 republicanos em pesquisas realizadas ao longo das últimas semanas. Cerca de 9 de cada 10 democratas expressaram um receio semelhante, um número igual ao de levantamentos anteriores.

Autoridades de saúde pública acreditam que a decisão de reabrir bares em muitos estados foi um dos principais catalisadores dos aumentos acentuados nesses locais.

As hospitalizações também estão aumentando em várias cidades, incluindo Houston, no Texas, e Phoenix, no Arizona.

Nesta quarta, o Texas quebrou seu recorde diário e registrou 8.076 novos casos d covid-19, quase 1.000 a mais que no dia anterior.

A nova onda de infecções levou vários estados a interromper a flexibilização das medidas de combate à doença.

A Califórnia, por exemplo, proibiu nesta quarta-feira na maior parte do estado refeições em restaurantes que só têm ambientes fechados, além de adiar por três semanas a abertura de bares, cinemas e museus.

O prefeito de Nova York, Bill de Blasio, também anunciou nesta quarta-feira o adiamento da abertura do interior de bares e restaurantes, já que, em sua opinião, esses locais estão intimamente relacionados à disseminação da covid-19.

"Temos que tomar decisões difíceis com base nos dados. Sabemos que decisões prematuras foram tomadas em outras partes do país e que isso mais tarde se tornou um problema, especialmente com o retorno a locais fechados, como bares e restaurantes. A ciência está nos mostrando isso", disse De Blasio.

O governador de Michigan também fechou o comércio no norte do estado, enquanto Oregon e Pensilvânia adotaram a obrigatoriedade do uso de máscaras em locais público.

Trump, que ainda não foi visto em público durante a pandemia usando uma máscara, disse nesta quarta-feira que não teria "nenhum problema" em usar uma, enquanto reiterava sua crença de que o contágio simplesmente "desaparecerá".

Fonte: Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas. 

Justiça britânica impede acesso de Maduro a ouro venezuelano

Opositor Juan Guaidó comemora decisão que "protege reserva nacional das garras da ditadura", em mais um sinal do isolamento do regime venezuelano. Bilhões de dólares em ouro permanecerão nos cofres ingleses.

    Barras de ouro
Barras de ouro
Venezuela tem 30 toneladas de ouro depositadas nos cofres do Banco da Inglaterra

A Justiça do Reino Unido acatou nesta quinta-feira (02/07) um pedido do líder opositor e autoproclamado presidente da Venezuela, Juan Guaidó, para impedir que o governo de Nicolás Maduro acesse bilhões de dólares em ouro venezuelano depositados no Banco da Inglaterra.

"O governo britânico reconhece o senhor Guaidó na capacidade de presidente constitucional interino da Venezuela", escreveu o juiz Nigel Teare, do tribunal comercial da Suprema Corte britânica. "Em virtude da doutrina de 'uma única voz', a Corte deve aceitar essa declaração como inequívoca", completou.

Os advogados da junta diretiva do Banco Central da Venezuela (BCV) anunciaram rapidamente que vão recorrer da decisão "por considerar que ignora por completo a realidade da situação" no país.

Há um ano e meio, o governo de Maduro vem tentando recuperar as 30 toneladas de ouro, de valor estimado em cerca de 2 bilhões de dólares, que a Venezuela mantém guardadas nos cofres do Banco da Inglaterra (BoE).

Em fevereiro de 2019, Guaidó foi reconhecido pelo Reino Unido e cerca de 50 outros países como o legítimo presidente venezuelano, até que sejam realizadas eleições confiáveis no país. Ele entrou com pedidos às autoridades britânicas em 2019 e 2020 para que o ouro não fosse entregue a Maduro.

Não foi esclarecido se Guaidó poderá acessar diretamente o ouro venezuelano. Entretanto, sua representante em Londres, Vanessa Neumann, assegurou que "a intenção agora é resguardar o ouro da reserva nacional do povo venezuelano". "Queremos que fique claro que nós nunca buscamos o ouro, foi Maduro que tentou movê-lo, o que deu origem a esse litígio."

Guaidó comemorou a decisão, dizendo se tratar de uma "grande vitória" para o reconhecimento internacional de seu governo e para proteger os bens do país no exterior. "O principal é que [o ouro] está protegido das garras da ditadura", afirmou, acrescentando que, por ora, as barras de ouro permanecerão nos cofres do BoE.

Em abril deste ano, Caracas tentou mais uma vez reaver o ouro junto ao banco britânico, alegando desta vez que usaria os valores para financiar a luta contra a covid-19 no país.

"O governo de Maduro tem controle total da Venezuela e suas instituições administrativas, e somente ele pode garantir a distribuição de ajuda humanitária e recursos médicos necessários para combater a pandemia de coronavírus", disse o advogado de Maduro, Sarosh Zaiwalla. "Essa decisão atrasará ainda mais as coisas em detrimento do povo venezuelano, cujas vidas estão em perigo."

Guaidó, por sua vez, levantou questionamentos sobre o destino do dinheiro. Ele disse temer que, em vez de ser usado para aliviar a crise de saúde, o recurso fosse destinado a reprimir ainda mais a população.

O governo de Maduro tem prazo de 21 dias para entrar com recurso contra a decisão.

A decisão da Justiça britânica é mais um sinal de isolamento do governo de Maduro, também no que diz respeito ao acesso ao sistema financeiro internacional. É possível que isso seja visto como um procedente para outros bancos centrais europeus e jurisdições que mantenham ativos pertencentes ao governo da Venezuela.

A advogada de Guaidó disse que ações semelhantes em outros países serão avaliadas. Ocorre, no momento, outra batalha jurídica em torno das refinarias de petróleo da Citco nos Estados Unidos, empresa que se desvencilhou recentemente do controle da estatal venezuelana PDVSA.

Fonte: Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas. 

quarta-feira, 1 de julho de 2020

Enquanto isso, o Brasil supera marca de 60 mil mortes por covid-19

Segundo dados das secretarias estaduais e do Minstério da Saúde, total acumulado de óbitos no país é de 60.632, com 1.448.753 infecções. País tem ainda 826.866 pessoas recuperadas.

Brasil tem mais de 60 mil mortes por coronavírus

                              Brasil tem mais de 60 mil mortes por coronavírus

O painel do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) registrou 1.038 mortes por covid-19 no Brasil nas últimas 24 horas, elevando o total de óbitos oficialmente identificados até esta quarta-feira (01/07) para 60.632. Os números coincidem com os divulgados pelo Ministério da Saúde.

O Brasil registrou 46.712 novos casos da doença, somando agora 1.448.753 infecções. A taxa de letalidade da doença no país é de 4,2%. Na avaliação por grupo de 100 mil habitantes, o país tem um índice de mortalidade de 28,9 e a taxa de incidência é de 689,4.

Os dados oficiais acumulados contabilizam 826.866 pessoas recuperadas e 561.255 em acompanhamento.

Os estados mais afetados continuam sendo São Paulo (com 289.935 casos e 15.030 mortes) e o Rio de Janeiro (115.278 casos e 10.189 mortes), de acordo com a contagem das secretarias de estado da Saúde.

O Painel Coronavírus do Ministério da Saúde, por sua vez, divulgou que o país chegou a 60.610 mortes, com 1.016 novos óbitos registrados nas últimas 24 horas.

Diversas autoridades e instituições de saúde em todo o país alertaram que os números reais da doença devem ser maiores em razão da falta de testes em larga escala e da subnotificação.

Fonte: Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas. 

Queimada na Amazônia em junho é a maior dos últimos 13 anos

De acordo com o Inpe, foram registrados mais de 2,2 mil focos de calor, volume que não era atingido desde 2007 e representa um aumento de 19,57% em relação a junho de 2019

Amazõnia

Brasil fecha o mês de junho com o maior número de focos de queimadas na Amazônia dos últimos 13 anos, de acordo com Inpe. Foto: Gabriela Biló/Estadao

O Brasil fecha o mês de junho com o maior número de focos de queimadas na Amazônia dos últimos 13 anos. São dados oficiais, do próprio governo federal. Foram registrados 2.248 focos de calor neste último mês, um volume que não era atingido desde 2007 e que representa um aumento de 19,57% em relação ao registrado em junho de 2019, quando 1.880 focos foram detectados.

Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Os números alarmantes colocam em xeque as medidas que o governo tem adotado para evitar que se repita o cenário catastrófico ocorrido no ano passado. O que tem ocorrido, porém, é uma devastação ainda pior.

Amazõnia

Brasil fecha o mês de junho com o maior número de focos de queimadas na Amazônia dos últimos 13 anos, de acordo com Inpe. Foto: Gabriela Biló/Estadao
O controle do desmatamento saiu do Ministério do Meio Ambiente e migrou para o chamado Conselho Nacional da Amazônia, liderado pelo vice-presidente Hamilton Mourão. Numa tentativa de dar uma resposta à situação, o governo iniciou, em 11 de maio, a operação militar "Verde Brasil 2". Os resultados da operação, porém, como revelou o Estadão, estão inflados, embutindo em seu balanço operações de combate ao desmatamento que não tiveram nenhuma ligação com o apoio militar.

O decreto 10.341/2020, que autorizou o emprego das Forças Armadas na Garantia da Lei e da Ordem (GLO), criando a operação Verde Brasil, tem custo mensal de R$ 60 milhões, o equivalente a quase 80% do orçamento anual de fiscalização do Ibama, mas a resposta aos altos índices de desmatamento não chegou.

“As queimadas contribuem simultaneamente para as crises globais do clima, da biodiversidade e com a catástrofe sanitária na região. O Brasil precisará fazer mais, muito mais, se quiser detê-las, fortalecendo os órgãos de controle, com planos permanentes e metas claras, e não de operações pontuais e custosas”, diz Rômulo Batista, da campanha e Amazônia do Greenpeace.

Na avaliação do especialista, os próximos três meses poderão ser catastróficos ao País. “É difícil nutrir esperança de que a catástrofe ambiental que vimos no ano passado, marcada por uma série de queimadas criminosas, seja menor em 2020. Afinal, a contenção do colapso está nas mãos de um governo que joga contra o meio ambiente e vem se mostrando incapaz de combater a destruição do maior patrimônio de todos os brasileiros, a Amazônia”, afirma Rômulo.

Na semana passada, um grupo formado por quase 30 instituições financeiras em todo o mundo divulgou uma carta na qual exige que o governo brasileiro freie o crescente desmatamento no País. A informação foi noticiada pelo jornal britânico Financial Times.

Para o grupo, a continuidade da prática criou "uma incerteza generalizada sobre as condições para investir ou fornecer serviços financeiros ao Brasil". "É provável que os títulos soberanos brasileiros sejam considerados de alto risco se o desmatamento continuar”, escreveu o grupo, conforme reproduziu o jornal.

O assunto foi comentado pelos presidentes dos bancos Bradesco e Itaú. A questão ambiental é, na opinião do presidente do Itaú Unibanco, Candido Bracher, o principal "perigo" que ameaça o Brasil. “No momento em que a sociedade se percebe frágil, a gente deve olhar para outros perigos. As consequências ambientais podem até vir de uma maneira mais lenta do que as da saúde como a covid-19, mas são mais duradouras e difíceis de reverter”, declarou.

O presidente do Bradesco, Octavio de Lazari, destacou que “todo mundo falava de sustentabilidade, de problema com o Planeta, de aquecimento global, reflorestamento, derrubada, de qualidade do ar, da água, todo mundo falava sobre isso, mas de fato nós temos de reconhecer que fizemos muito pouco em relação a isso”.

André Borges, O Estado de S.Paulo
01 de julho de 2020 | 11h50

Um rombo como herança

A tarefa mais urgente de quem assumir a Presidência em 2023 será cuidar do enorme buraco nas contas públicas e administrar uma dívida próxima de 100% do PIB

Uma péssima herança estará à espera de quem assumir a Presidência em 2023. Sua tarefa mais urgente será cuidar de um enorme buraco nas contas públicas e administrar uma dívida próxima de 100% do Produto Interno Bruto (PIB). Além de matar dezenas de milhares de pessoas e jogar a economia num buraco, a covid-19 pôs em xeque uma das principais ambições da equipe econômica: fechar o atual mandato com as finanças oficiais bem mais arrumadas. Daí o empenho em retomar o trabalho, em janeiro de 2021, limpando os escombros deste ano. Será um trabalhão, como se vê pelo último balanço do setor público: o déficit primário saltou de R$ 13 bilhões em maio de 2019 para R$ 131,4 bilhões um ano depois, segundo informe do Banco Central (BC).

Com um rombo de R$ 127,1 bilhões, o governo central foi responsável pela maior parte do déficit primário do setor público em maio deste ano. O resultado primário é calculado sem o serviço da dívida. Houve aumento de gastos para o combate à pandemia e para ajuda a empresas e trabalhadores. Além disso, a arrecadação de tributos foi prejudicada pela redução da atividade, muito sensível a partir de abril, e pelo diferimento de algumas cobranças. Segundo o Tesouro, a receita líquida, de R$ 54 bilhões, foi 41,6% menor que a de um ano antes, descontada a inflação. Pelo mesmo critério, a despesa total, de R$ 180,6 bilhões, foi 68% maior que a de maio de 2019.

Como é recente o impacto econômico da pandemia, o efeito nos valores acumulados num período mais longo é bem menos perceptível. Em 12 meses o déficit primário do governo central chegou a R$ 300,5 bilhões, pelos critérios do Tesouro. Segundo esse padrão, o saldo primário é simplesmente a diferença entre receitas e despesas não financeiras. Nas contas publicadas pelo BC, o saldo corresponde à necessidade de financiamento. Nessa perspectiva, o déficit primário do governo central em 12 meses bateu num valor pouco diferente: R$ 298,5 bilhões.

Por qualquer dos critérios, o buraco nas contas do governo central, no fim do ano, será muito diferente dos R$ 124,1 bilhões estimados até o começo de 2020. Provavelmente ultrapassará R$ 600 bilhões, segundo as novas projeções do Tesouro, e o resultado ainda será bem pior se novos gastos forem acrescentados às despesas emergenciais programadas até agora.

O quadro desenhado pelo BC é mais amplo. Inclui também as contas de governos de Estados e municípios e de estatais (sem Petrobrás e Eletrobrás). Assim calculado, o déficit primário do setor público atingiu R$ 131,4 bilhões em maio, R$ 214 bilhões no ano e R$ 282,8 bilhões em 12 meses. Somados os juros, chega-se ao chamado déficit nominal, um rombo de R$ 140,4 bilhões no mês, R$ 366,1 bilhões no ano e R$ 638,6 bilhões em 12 meses (8,8% do PIB).

Com o rombo cresce também o endividamento. Em maio a dívida bruta do governo geral (três níveis, mais INSS) chegou a R$ 5,9 trilhões, soma equivalente a 81,9% do PIB. Em abril a relação era de 79,8%, ligeiramente inferior ao limite (80%) fixado pelo governo em seu plano para o ano. As novas estimativas indicam resultados entre 95% e 100% no fim de 2020, se nada mais grave ocorrer. A porcentagem ficará uns 30 pontos acima daquela estimada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) para a média dos países emergentes e em desenvolvimento.

Se o desajuste for muito além dos planos atuais, o governo poderá encerrar o próximo mandato sem ter conseguido um ano de superávit primário, segundo o Tesouro. Não sobrará dinheiro nos próximos seis anos, portanto, para o pagamento de juros. Pior: sem um claro compromisso de ajuste, o mercado cobrará mais para financiar o Tesouro. Além disso, com juros mais altos será mais difícil a recuperação econômica. Pelas atuais projeções do mercado, 2023, primeiro ano do novo mandato, ainda terminará com déficit primário de 1% do PIB. Por volta de 10 de abril ainda se admitia um equilíbrio. Será fácil agravar esse quadro, se o populismo e alianças políticas dispendiosas derrotarem a aritmética e a responsabilidade.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
01 de julho de 2020 | 03h00

Parlamentarismo

O Brasil precisa formar maiorias claras para governar. É algo para se pensar. E é o que pensa Fábio Giambiagi, e nos ajudando a pensar, em artigo n'O Estado de São Paulo hoje.

No Brasil do pós-guerra, antes da gestão atual de governo o Brasil elegeu oito presidentes da República pelo voto direto: Eurico Dutra, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros, Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso, Lula da Silva e Dilma Rousseff. Desse pequeno conjunto de indivíduos, quatro acabaram mal: Getúlio deu um tiro no coração, Jânio renunciou e Collor e Dilma foram objeto de impeachment. O “placar” de insucessos, por enquanto, está, digamos, em 4 a 4. A gestão de Jair Bolsonaro vai, por assim dizer, “desempatar” essa partida, lembrando que a palavrinha fatídica já começou a frequentar o noticiário político, ainda que sem desdobramentos decisórios no âmbito do Congresso Nacional.

O fato é que não há como essa estatística acerca da “taxa de mortalidade” dos governos não provocar alguma reflexão, especialmente quando se leva em conta que, em todos os casos, as crises que levaram ao fim dos governos tiveram como pano de fundo sérias desavenças entre o Executivo e o Legislativo quanto aos rumos a seguir. Mais ainda: talvez com exceção de Dutra, os outros governos foram também objeto de sérias ameaças. JK teve de driblar uma tentativa de golpe militar; FHC, uma proposta de impeachment vocalizada por Tarso Genro na crise de 1999; e Lula “bateu na trave” no mensalão, em 2005.

Não é preciso ser um luminar da política para chegar à conclusão de que parece haver algo errado na organização do País. E nem me vou alongar muito sobre o drama que é ter de lidar com 25 ou 30 partidos para fazer o País funcionar, algo que se agravou até o paroxismo nas últimas duas ou três décadas.

Creio que o Brasil deveria revisitar seriamente a discussão sobre o regime de governo. Parte dos conflitos que temos no País decorre da contradição entre elegermos, no mesmo dia, um presidente da República, votado com um número de sufrágios consagrador, e um Congresso que carece de um denominador comum e é extremamente fragmentado. Disso decorre depois uma dificuldade de agenda, que pode avançar (ou não) se as circunstâncias externas e/ou as características pessoais do governante de plantão ajudarem (ou não), mas que tem enorme possibilidade de fracassar em tempos difíceis e/ou quando o presidente da República não é muito treinado nas artes da negociação.

Não ignoro os problemas do parlamentarismo. A Bélgica ficou meses a fio sem conseguir formar um governo e, em países mais citados no noticiário internacional, tivemos recentemente os casos muito comentados da Espanha e de Israel, que tiveram de realizar até quatro eleições antes de conseguirem - quase por exaustão - formar um novo governo. Ao mesmo tempo, estou convencido de que, apesar da nossa diversidade de partidos, por certas características locais é menos complicado construir uma coalizão governante funcional no Brasil, com nosso vasto “meião” parlamentar - que tende a compor com muitos governos -, do que em países onde há apenas quatro ou cinco partidos fortes, mas onde resistências muito profundas de uns em relação a outros grupos dificultam enormemente a formação de maiorias.

Além disso, no regime parlamentarista a consciência do voto deveria aumentar, no sentido de que o cidadão perceberia melhor como a sua decisão de votar em A ou B influenciaria como a sua vida seria nos quatro anos seguintes, algo que definitivamente não parece ser muito levado em conta pela grande maioria dos eleitores, hoje, quando escolhe o nome do deputado para votar.

Por outro lado, pessoalmente, sou da opinião de que, se formos seguir essa experiência, deveríamos adotar o modelo “puro”, como o israelense ou o alemão, em que o poder é plenamente exercido pelos parlamentares, que elegem o primeiro-ministro; e não o francês, onde a escolha de um presidente da República pelo eleitorado cria sempre o risco de uma “coabitação” conturbada, ou, alternativamente - como com Emmanuel Macron -, acaba não diferindo muito do presidencialismo tradicional.

Sei que o que defendo é hoje, provavelmente, minoritário e se trata de uma proposta polêmica. Porém tentei argumentar acima que há razões para pensar no tema. É claro que, se o Brasil adotar o regime parlamentarista, isso não poderia ser com o jogo já em curso. E sou consciente de que os times já se estão preparando para entrar em campo em 2022 com as regras atuais. Ao mesmo tempo, quem se eleger em 2022, depois da atual experiência e com os conflitos a que estamos assistindo, terá provavelmente de recriar alguma forma de coalizão de partidos - espera-se que com menos vícios -, como as que vigoraram no Brasil até 2018.

Assim, concretamente, a proposta para reflexão é debater a possibilidade de que os principais candidatos à Presidência da República em 2022 se comprometam a apoiar a realização de um plebiscito, em 2024, para modificar o sistema de governo a partir de janeiro de 2027. Se o presidencialismo for mantido, nada mudará. Porém, se o parlamentarismo for aprovado, as eleições de outubro de 2026 já se dariam no novo sistema. O Brasil precisa formar maiorias claras para governar.

É algo para se pensar.

Ações contra chapa Bolsonaro/Mourão devem voltar à fase de instrução

Por 4 votos a 3, o Plenário do Tribunal Superior Eleitoral determinou que duas ações ajuizadas contra a chapa do presidente Jair Bolsonaro e do vice-presidente Hamilton Mourão retornem à fase de instrução para a produção de prova pericial. O colegiado acompanhou a divergência aberta pelo ministro Luiz Edson Fachin.

As duas ações de investigação judicial eleitoral (Aijes) foram ajuizadas pelas chapas encabeçadas por Marina Silva (Rede/PV) e Guilherme Boulos (PSOL/PCB). Ambas apontam suposto abuso eleitoral e pedem a cassação dos registros da candidatura, dos diplomas ou dos mandatos dos representados, além da declaração de inelegibilidade de Bolsonaro e Mourão por oito anos.

Os autores sustentam que, durante a campanha eleitoral, em setembro de 2018, o grupo virtual Mulheres Unidas Contra Bolsonaro, que reunia mais de 2,7 milhões de pessoas, sofreu ataques de hackers que alteraram o conteúdo da página. As interferências atingiram o visual e até mesmo o nome da página (modificado para Mulheres COM Bolsonaro #17), que passou a compartilhar mensagens de apoio aos então candidatos e conteúdos ofensivos, bem como excluir participantes que o criticavam.

O julgamento do caso foi retomado e concluído na sessão plenária desta terça-feira (30/6), com a apresentação do voto-vista do ministro Alexandre de Moraes, que acompanhou o relator, e do voto de desempate proferido pelo presidente da corte, ministro Luís Roberto Barroso, que acompanhou a divergência, formando a maioria pelo retorno dos autos à fase de instrução.

Julgamento

Ao apresentar seu voto na sessão realizada no dia 9 de junho, o ministro Luiz Edson Fachin divergiu do relator e corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Og Fernandes, que votou pela improcedência, e consequente arquivamento das ações. O relator negou o pedido para a realização de perícia em razão da ausência de elementos probatórios capazes de atestar a autoria dos ilícitos e por entender que a invasão em perfil de rede social, perpetrada por menos de 24 horas, não teve gravidade capaz de gerar ofensa à normalidade e à legitimidade do pleito.

Na ocasião, Fachin manifestou o entendimento de que a prova pericial cibernética solicitada pelos recorrentes deve ser produzida, uma vez que o direito das partes à produção probatória é inerente às garantias constitucionais e processuais, e não antecipam qualquer juízo sobre o mérito da eventual prova que possa ser produzida. Ele também ressaltou que, no caso em questão, o invasor utilizou perfil anônimo e camuflou o número IP para dificultar seu rastreamento, fato que exige uma investigação pautada por conhecimentos específicos de TI para buscar a identificação dos responsáveis pela referida invasão.

Em seu voto de desempate, o ministro Luís Roberto Barroso acompanhou o entendimento do ministro Fachin para acolher a questão preliminar pedida pela defesa e autorizar a produção da prova pericial. De acordo com o presidente da corte, a gravidade da conduta não está relacionada apenas à normalidade e à legitimidade do processo eleitoral.

Segundo Barroso, mesmo que o delito tenha ocorrido por apenas 24 horas, invadir um site alheio para mudar conteúdo, violar espaço de expressão, deturpar manifestações legítimas e excluir integrantes é um fato gravíssimo e abominável, independentemente de qualquer interferência no resultado da eleição. Para ele, a justiça será cumprida de forma mais efetiva com a continuidade das ações e com a garantia às partes do direito de buscar elementos comprobatórios para sustentar as denúncias.

Assim, por maioria de votos, o TSE reconheceu a preliminar de cerceamento de defesa para determinar o retorno dos processos à fase de instrução e assegurar às partes o direito de produção de provas que demonstrem sua pretensão. Com informações da assessoria de imprensa do TSE.

Fonte: Revista Consultor Jurídico

Greve dos entregadores: o que querem os profissionais que fazem paralisação inédita

Nas últimas semanas, trabalhadores que atuam no setor de entregas por meio de aplicativos têm se organizado para reivindicar melhores condições de trabalho e pagamento. Além disso, muitos deles também viraram figuras constantes nos recentes protestos contra o presidente Jair Bolsonaro — participam dos atos com sua indumentária característica: bicicleta e a mochila colorida.
Direito de imagem BRUNO KELLY/REUTERS

Entregador de aplicativo de bicicleta em Manaus

Motoboy Paulo Lima é um dos membros do grupo 'Entregadores Antifascistas', que participado de protestos contra o governo Jair Bolsonaro

Esse movimento mais combativo e organizado no Brasil tem sido visto como uma novidade no setor informal de serviços mediados por tecnologia. Ele começou em São Paulo há cerca de três meses, mas tem ganhado força e atingindo outros Estados, como Pernambuco e Minas Gerais.

Nesta quarta (1º), os trabalhadores prometem uma paralisação da categoria. Segundo eles, o objetivo é "parar" o serviço de entregas em boa parte do país, setor comandado principalmente por três empresas: Ifood, Rappi e Uber Eats. Movimentos nas redes sociais pedem que, para contribuir com a paralisação, consumidores não façam pedidos via aplicativos de entrega de comida.

Entre as demandas, o grupo pede maior transparência sobre as formas de pagamento adotadas pelas plataformas, aumento dos valores mínimos para cada entrega, mais segurança e fim dos sistemas de pontuação, bloqueios e "exclusões indevidas".

"Queremos mostrar que as empresas dependem de nós, trabalhadores. Vamos provar para eles que sem nós eles não ganham dinheiro, que não somos apenas números", explica o motoboy Paulo Lima, de 31 anos.

Após seus vídeos viralizarem nas redes sociais, Lima emergiu como uma espécie de liderança de um grupo chamado "Entregadores Antifascistas", que tem participado de manifestações contra o governo Bolsonaro e apoia a paralisação marcada para o início de julho.

No entanto, o movimento grevista é mais amplo e contempla entregadores de várias cidades, principalmente São Paulo. Ele tem sido organizado em dezenas de grupos de Whatsapp, onde vídeos e textos com convocações são compartilhados.

Queda de renda

Um dos motoboys da "linha de frente" do movimento é Mineiro, de 30 anos, que pediu para que seu nome verdadeiro não fosse revelado nesta reportagem, pois teme bloqueios por parte dos aplicativos.

Há três anos, ele deixou um emprego formal como entregador de gás para trabalhar com as plataformas. "No início era uma maravilha. Eu ganhava R$ 6 mil por mês facilmente", conta, por telefone.

Porém, nos últimos meses, sua renda vem diminuindo. "Hoje, para conseguir ganhar R$ 2 mil livres preciso trabalhar mais de 12 horas, todos os dias, sem folga", explica.

Embora a demanda pelo serviço tenha aumentado por causa da pandemia de covid-19 e do isolamento social, os trabalhadores relatam uma queda de remuneração nos últimos meses — o movimento pede um aumento dos valores mínimos para corridas. Segundo os entregadores, as empresas não são transparentes sobre as tarifas nem informam sobre eventuais mudanças no serviço.

"A gente assina um contrato que fala em R$ 1,50 por quilômetro rodado, por exemplo. Mas, quando você vai fazer a conta, há corridas em que ganhamos menos de R$ 1 por quilômetro. A gente não é consultado quando essa taxa cai ou quando eles mudam o cálculo. Nossa paralisação quer mexer onde mais dói: no bolso das empresas", diz o motoboy.

Por meio de um questionário online, pesquisadores da Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista (Remir Trabalho) ouviram 252 trabalhadores do setor em 26 cidades entre os dias 13 e 20 de abril.

Entre os entrevistados, 60,3% apontaram uma queda na remuneração, comparando o período de pandemia ao momento anterior. Outros 27,6% disseram que os ganhos se mantiveram e apenas 10,3% afirmaram que estão ganhando mais dinheiro durante a quarentena.

De maneira geral, as empresas negam falta de transparência e queda de remuneração. Afirmam que, por causa da pandemia, mais pessoas começaram a trabalhar no setor, o que aumentou a concorrência para conseguir corridas.
Direito de imagem LINCON ZARBIETTI

Entregadores aguardam pedidos em rua paralela à avenida Paulista

Com a pandemia, procura por serviço de delivery cresceu

A Uber Eats, por exemplo, afirmou: "Todos os ganhos estão disponibilizados de forma transparente para entregadores parceiros, no próprio aplicativo. Não houve nenhuma diminuição nos valores pagos por entrega, que seguem sendo determinados por uma série de fatores, como a hora do pedido e distância a ser percorrida."

Já a Ifood disse que "não houve qualquer alteração nos valores das entregas" e que estabeleceu R$ 5 como valor mínimo para qualquer corrida. Diz, ainda: "Em maio, 51% dos entregadores receberam R$ 19 ou mais por hora trabalhada. Esse valor é quatro vezes maior do que o pago por hora tendo como base o salário mínimo vigente no país."

Após a publicação da reportagem, a Rappi afirmou que "o frete varia de acordo com o clima, dia da semana, horário, zona da entrega, distância percorrida e complexidade do pedido. Dados da empresa mostram que cerca de 75% deles ganha mais de R$ 18 por hora e que quase metade dos entregadores parceiros passam menos de 1 hora por dia conectados no app".

Potuação e exclusão

O setor de motofrete tem sindicatos próprios no país, mas, segundo entregadores ouvidos pela BBC News Brasil, a recente articulação começou espontaneamente há pouco mais de de três meses, em frente ao shopping Plaza Sul, em São Paulo, local que reúne dezenas de trabalhadores à espera de encomendas para delivery.

"Havia vários motoboys e os moleques de bicicleta. Então caiu um pedido para um biker. O menino precisava percorrer 9 km de bicicleta para ganhar R$ 16. A gente falou: 'assim não dá, está cada vez pior'", diz Mineiro.

Os entregadores da região então criaram um grupo de Whatsapp para discutir suas condições de trabalho. "O número de pessoas foi crescendo até atingir o limite máximo de participantes. Então criamos outros grupos, que também já estão cheios. Cada dia surge um novo", diz Mineiro.

A primeira manifestação, na avenida Paulista, ocorreu em abril: reivindicava equipamentos de segurança pessoal contra o coronavírus, como máscaras e álcool em gel. Logo depois, as empresas começaram a dar o material.

Desta vez, as demandas incluem o fim do sistema de pontuação usado pela Rappi, que funciona assim: para conseguir acesso a mais a corridas e determinadas áreas com restaurantes, cada trabalhador precisa atingir uma pontuação mínima por semana — quanto mais corridas ele fizer, mais pontos acumula para o período seguinte.

Segundo a categoria, esse modelo "obriga" o entregador a fazer jornadas mais longas, principalmente aos finais de semana, porque, caso ele não alcance a pontuação, tem sua área de trabalho e número de pedidos restringidos pelo aplicativo nos dias seguintes. Já a empresa alega que "metade dos entregadores" cadastrados passam menos de um hora conectado.

Outra reivindicação se refere a punições e exclusões dos aplicativos. Segundo a categoria, entregadores têm sido desligados das plataformas — muitas vezes sem aviso prévio nem direito de defesa, dizem.

Um deles é Robson Silva, 38, que hoje só consegue atuar em um aplicativo "Fui excluído do Rappi e do Ifood no mesmo dia. E não adianta ligar ou ir na sede da empresa. Eles não querem ouvir a gente", diz ele. O motoboy participa da organização do movimento e vem publicando vídeos nas redes sociais convocando colegas para a paralisação.

Meses antes, diz, sofreu um acidente enquanto fazia uma corrida: teve uma fratura exposta em um dedo da mão. Ficou um mês sem trabalhar — e sem receber. "Mandei mensagem para o suporte das empresas. Só disseram que lamentavam. Voltei a trabalhar antes do que o médico receitou, com dedo quebrado, porque precisava do dinheiro. Tenho quatro filhas para criar", afirma.

Direito de imagem ARQUIVO PESSOAL

O motoboy Robson Silva, de capacete

O motoboy Robson Silva conta que continuou trabalhando mesmo ferido. Na imagem, ele usou capacete, pois diz temer ser excluído por aplicativo

O motoboy Mineiro também conta que hoje só consegue trabalhar em uma das plataformas. "Se você bota a cara pra bater, ou vai em uma manifestação, os aplicativos te bloqueiam. Se você reclamar muito no site, também te bloqueiam. Não querem que a gente tenha voz", diz.

As empresas dizem que não excluem trabalhadores de suas plataformas por eles terem participado de manifestações políticas ou organizações de classes.

"Parceiros com sucessivas avaliações negativas podem ter as contas desativadas da plataforma. Parceiros que descumprem os Termos de Uso da plataforma (por exemplo, com seguidos cancelamentos injustificados, denúncias de extravio de pedidos ou tentativas de fraude) também estão sujeitos à desativação", afirmou a Uber.

"Em nenhuma hipótese, desativamos entregadores por participar de movimentos. Apoiamos todas as formas de liberdade de expressão. Essa medida é tomada somente quando há um descumprimento dos Termos e Condições para utilização da plataforma e é válida tanto para entregadores, como para consumidores e restaurantes", disse a Ifood.

Já a Rappi afirmou que "reconhece o direito à livre manifestação pacífica e busca continuamente o diálogo com os entregadores parceiros de forma a melhorar a experiência oferecida a eles". Também alegou que os bloqueios são "restritos ao não cumprimento dos Termos e Condições" da plataforma.

Protestos contra Bolsonaro

Além da briga por melhorias, algumas dezenas de trabalhadores do setor têm participado de manifestações contra o governo Bolsonaro. Eles fazem parte do grupo "Entregadores Antifascistas", que se juntou a torcidas organizadas de futebol para promover os atos.

Um dos membros, o motoboy Paulo Lima conta que o grupo nasceu quando ele publicou um vídeo criticando as empresas depois de ser excluído de uma delas. "O vídeo viralizou. Alguns companheiros viram e concordaram com as coisas que eu falei", diz.

Direito de imagem LINCON ZARBIETTI

Entregador da Rappi na avenida Paulista, em SP

A avenida Paulista é um dos pontos de concentração de entregadores de aplicativos de serviços

Nascido na periferia paulistana, Paulo é bastante crítico ao governo Bolsonaro, a quem ele chama de fascista. "Como somos antifascistas, precisamos protestar também. Muitos companheiros me disseram para eu ir para Cuba, ou que eu era um ator disfarçado para implantar ideias esquerdistas. Mas, para outros, foi a primeira vez em uma manifestação", diz.

O alcance do grupo chegou a outros Estados, como Minas Gerais e Pernambuco.

Pammella Silva, 21, aderiu ao movimento. Ela começou a fazer entregas diariamente no Recife há pouco mais de três meses, depois de perder o emprego de auxiliar administrativa no início da quarentena.

Soube dos antifascistas pelas redes sociais. Dias depois, criou a página "Entregadores Antifascistas PE", onde reúne reclamações dos trabalhadores e organiza manifestações no Recife. "A galera sempre reclamou muito das condições do trabalho. Sempre vejo entregadores almoçando na calçada, no sol forte, para depois recomeçar tudo de novo", diz.

Pammella trabalha todos os dias da semana, das 11h à meia-noite, em dois aplicativos. "Ganho um pouco mais do que eu recebia quando estava registrada, mas, em compensação, trabalho muito mais, sem folga", diz.

Para Paulo Lima, o movimento dos trabalhadores veio para ficar. "Quando esses aplicativos chegaram aqui, venderam uma mentira para nós. A mentira era de que somos empreendedores, e nós acreditamos. As empresas não querem lidar com direitos: rescisão, férias, 13º salário… Hoje, os entregadores estão começando a se ver como trabalhadores, e que precisam se manifestar para conseguir seus direitos", diz.

Consciência de classe

Em um momento de crise econômica e alta de desemprego (e, agora, a pandemia), os aplicativos de entrega viraram uma alternativa para milhares de pessoas conseguirem uma fonte de renda para sobreviver, mesmo que todo o custo do trabalho seja delas, como gasolina, manutenção, internet e alimentação.

Essas novas relações de trabalho, informais e mediadas por aplicativos, têm sido chamadas por pesquisadores de "uberização", em referência à empresa americana. Inicialmente, a Uber foi criticada por se recusar a seguir qualquer regulação estatal e por não estabelecer vínculos empregatícios com seus colaboradores.
Direito de imagem PEDRO CALDAS

Pammella Silva

Pammella Silva criou a página 'Entregadores Antifascistas PE', que reúne reclamações de profissionais no Recife

Ela e outras companhias do ramo costumam dizer que suas tecnologias apenas facilitam a interação entre quem precisa do serviço e quem o oferece.

Ações na Justiça brasileira já tentaram estabelecer vínculo empregatício entre colaboradores e as empresas, mas não têm obtido sucesso. Os aplicativos dizem que os trabalhadores não são seus funcionários, e que têm liberdade para escolher quando trabalham e o tempo de cada jornada.

Ao mesmo tempo, vêm aumentando as reclamações e os relatos de precarização e jornadas cada vez mais exaustivas.

Para Ludmila Costhek Abílio, pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp, o movimento dos entregadores é consequência de uma maior consciência de classe da categoria.

"No momento da pandemia em que os aplicativos se tornaram um serviço essencial, os entregadores estão se dando conta de que eles estão correndo riscos e não são remunerados da maneira adequada. Mesmo com um discurso de que eles têm liberdade de escolha, são as empresas que ditam e mudam as regras do jogo: decidem a remuneração, as punições, os bônus. E, na maioria das vezes, os próprios trabalhadores não entendem como essas regras funcionam", diz.

Ao mesmo tempo, diz Abílio, paralisar o serviço será tarefa complicada. "Não é fácil para os entregadores pararem. Eles precisam do dinheiro. Se não trabalharem, não ganham. Além disso, as empresas podem dar bônus para quem continuar trabalhando", afirma.

Para Rodrigo Carelli, procurador do Ministério Público do Trabalho e professor de Direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), os aplicativos são "opacos por natureza", ou seja, entender os detalhes de seu funcionamento é para poucos.

"O algoritmo é produzido em uma linguagem que nós não entendemos. Os trabalhadores não entenderem como funciona não é algo acidental, é intencional. Está na natureza da plataforma. Funciona como os aplicativos que usamos no celular: eles mudam os termos de uso ou contratos de maneira unilateral, e nós só ficamos sabendo depois", diz o procurador, que tem se tornado uma das principais vozes críticas à chamada "uberização" no Brasil.

Carelli avalia que a recente articulação dos entregadores tende a crescer nos próximos meses. "É movimento um germinal do que virá pro futuro. A organização vai reunir mais pessoas, se fortalecer, até o momento em que haja uma mudança", diz.

Leandro Machado
Da BBC News Brasil em São Paulo