segunda-feira, 8 de junho de 2020

O declínio da esperança

Ações destemperadas, conflitos desnecessários e prevalência de interesses familiares estão entre os motivos pelos quais muitos eleitores deixaram de confiar em Bolsonaro

De janeiro de 2019 para cá, houve mudanças significativas no modo como os brasileiros veem o presidente Jair Bolsonaro e o seu governo. Por exemplo, hoje muitos eleitores se sentem profundamente frustrados com Bolsonaro. Os motivos são variados: ações destemperadas, conflitos desnecessários, ineficiência na promoção da retomada da economia, prevalência de interesses familiares, o modo como tem lidado com a pandemia do novo coronavírus, demissões de alguns ministros de Estado – especialmente, Luiz Henrique Mandetta e Sérgio Moro – e tantas outras atitudes que destoam da imagem que muitos tinham de Jair Bolsonaro quando depositaram seu voto nas eleições de 2018. Ao mesmo tempo, é de reconhecer que, para alguns – um grupo nitidamente minoritário –, nada do que Jair Bolsonaro fez ao longo desses 18 meses foi razão para diminuir a confiança e o apreço que a ele dedicam.

Diante desse cenário, com avaliações tão contrastantes, há, no entanto, um fato inegável. Desde o início do ano passado até agora, houve um claro declínio da esperança em relação ao governo e ao País. Utiliza-se aqui o termo esperança em seu sentido mais básico, tal como registram os dicionários: o sentimento de quem vê como possível a realização daquilo que deseja, a confiança de que se realizará aquilo que se deseja. Tivesse ou não fundamento, fosse ou não razoável, o fato é que, após as eleições de 2018, boa parte da população tinha a esperança de que a situação social e econômica do País iria melhorar. Havia expectativa de que o novo governo promovesse os ajustes para recolocar o Brasil nos trilhos, afastando-o da nefasta trajetória imposta pelo PT.

Para muitos, a esperança de um novo patamar de competência e moralidade materializou-se no momento em que Sérgio Moro, símbolo máximo da Operação Lava Jato, deixou a magistratura para incorporar-se à equipe do presidente eleito Jair Bolsonaro. Ele não abandonava apenas uma carreira no Judiciário de 22 anos, com tudo o que isso envolve. O discurso era ainda mais poderoso. Sérgio Moro saía do cargo com o qual havia, de alguma forma, mudado a história do País para assumir, com total carta branca do presidente da República, uma missão ainda mais relevante no combate à corrupção e à criminalidade – ou seja, uma missão de reconstrução da vida pública no País. O céu era o limite. Essa disposição é hoje tristemente contrastada pelo clima que imperou na entrevista em que Sérgio Moro anunciou os motivos de sua demissão do Ministério da Justiça e Segurança Pública. As palavras do ex-juiz da Lava Jato descortinaram um panorama completamente diferente dos sonhos e aspirações nutridos na campanha eleitoral de 2018 e no início de 2019. O presidente Bolsonaro foi apresentado como alguém empenhado obsessivamente em levar adiante seu desejo de interferir na Polícia Federal e, muito especialmente, na superintendência do órgão no Rio de Janeiro, com efeitos diretos sobre a investigação de seus familiares e amigos. Foi enorme a decepção de quem ainda acreditava no presidente.

Mas o declínio da esperança não se deu apenas pela saída de Sérgio Moro do governo. Ao contrário do que prometeu na campanha, o presidente Bolsonaro aproximou-se do Centrão e entregou-lhe cargos importantes, com verbas igualmente importantes. A agenda de reformas foi completamente esquecida. Na realidade, os sinais dados pelo Palácio do Planalto foram em sentido oposto à austeridade com a coisa pública, com concessões a setores do funcionalismo, medidas populistas, intentos de ampliação de programas assistencialistas por interesse eleitoreiro e ralo compromisso com o equilíbrio fiscal.

O regime presidencialista confere ao chefe do Executivo federal uma inequívoca tarefa de liderança. O presidente da República não apenas desempenha atribuições burocráticas. Além do dever de definir prioridades e traçar propostas e políticas que realizem essas prioridades, ele tem a missão de apresentar um futuro possível ao País. Cabe-lhe fortalecer a confiança da população na realização de um saudável panorama de desenvolvimento econômico e social. No entanto, Jair Bolsonaro não apenas descumpre essa missão, como consegue diariamente minar qualquer resquício de esperança de que possa haver, até o final de seu mandato, dias melhores.

Editorial / Notas e Informações, O Estado de S.Paulo
08 de junho de 2020 | 03h00

O caminho do arbítrio

Estamos vivendo um processo semelhante ao da Venezuela chavista, só que de sinal trocado
 
Urge que o presidente Bolsonaro pare sua escalada rumo ao autoritarismo, mediante o uso indiscriminado do arbítrio. Decisões presidenciais num Estado democrático passam por uma série de mediações, sendo as mais importantes o Legislativo e o Judiciário, e no que concerne a este último, o STF. Arrogar a si a verdade e a decisão arbitrária só é fonte de confrontos incessantes.

Acontece que o presidente e sua família operam segundo a concepção schmittiana da distinção entre amigo e inimigo, fazendo que qualquer crítica ou divergência seja vista sob o prisma do inimigo a ser atacado. O mesmo vale para amigos em definições mutáveis, pois, ao passarem a ser considerados uma ameaça, tornam-se inimigos a ser abatidos – os casos mais eloquentes, Bebianno, Moro e Santos Cruz. 

A distinção amigo-inimigo não é, todavia, exclusiva da extrema direita, vale também para a esquerda. O próprio Carl Schmitt, após ter sido apoiador entusiasta de Hitler, escreveu, no pós-guerra, que Mao e Lenin se encaixavam na mesma concepção, tecendo-lhes elogios. Chávez e agora Maduro são seus discípulos. A distinção lulopetista entre “nós” e “eles” é dessa mesma estirpe.

No caso da experiência venezuelana, considerada por Lula um exemplo de democracia, processou-se a subversão da democracia por meios democráticos. As instituições democráticas foram inicialmente preservadas, enquanto o seu interior foi progressivamente minado. A imprensa e os meios de comunicação em geral foram, passo a passo, calados, o Legislativo perdeu suas funções, com o presidente passando a legislar por decretos, e o Supremo Tribunal, após ser atacado, foi cooptado. Milícias foram criadas e passaram a violentar e controlar os cidadãos. 

No Brasil, estamos vivendo um processo semelhante nos seus inícios, só que de sinal trocado. Da extrema esquerda passamos para a extrema direita. Os ataques sistemáticos à imprensa, aos meios de comunicação em geral e o financiamento e operação organizada de grupos encarregados de difundir fake news mostram essa tática de ataque ao “inimigo”. A ameaça de ruptura institucional, apesar de apresentada como defesa da democracia contra o espantalho do comunismo, é outro de seus braços. A constituição de milícias digitais, agora tornadas milícias de rua, até mesmo armadas, caso do grupo liderado por Sara Winter, é outro de seus instrumentos. A antiga bandeira preta da Ucrânia, símbolo da extrema direita naquele país, é o seu símbolo. 

Na mesma linha, a declaração presidencial de que população brasileira deve ser armada para não ser escravizada procura, na verdade, a servidão dessas forças ao domínio da extrema direita. Uma coisa é a posse de armas no legítimo exercício da autodefesa, um direito; outra, muito diferente, é armar a população para se opor às autoridades, como os governadores de Estado, por suas políticas de combate à pandemia. 

Contudo parar esse processo rumo ao precipício exige moderação do presidente, com a subsequente alteração da equipe governamental mediante o afastamento dos mais exaltados, os ideológicos. A perseguir tal política, as crises sanitária, política e econômica só tendem a se agravar, levando o País a um impasse perigoso, estando o próprio mandato presidencial em questão.

As recentes manifestações de reação a este autoritarismo por meio de vários manifestos pela democracia exibem uma sociedade atuante, ciente de que suas instituições devem ser defendidas independentemente dos governos. A democracia é tida por um valor maior, situado acima das contendas políticas e partidárias. No entanto, não deveria esse processo ser conduzido sob o modo de uma nova polarização, embora possa ser necessária num primeiro momento, sob pena de outra forma de autoritarismo surgir novamente no horizonte. O impasse institucional seria o seu resultado.

Salta à vista que dois terços da população brasileira não são pró-democracia, apesar de serem anti-Bolsonaro. Aí estão incluídos, por exemplo, os responsáveis pelo mensalão, que minaram o sistema representativo com a corrupção e o descalabro fiscal, para além das tentativas, felizmente infrutíferas, de controle da imprensa e dos meios de comunicação, apresentadas naquele então como sendo a verdadeira democracia. Para não falar das milícias do MST infernizando o campo brasileiro. Convém estar atentos a esses “novos democratas”.

Deve-se olhar igualmente com precaução a participação de torcidas organizadas nas manifestações, pois considerá-las como democráticas é outro equívoco. Na pressa de uma oposição atuante nas ruas, corre-se o risco de confundir alhos com bugalhos, na medida em que se caracterizam por serem uma espécie de quadrilhas, cujo prazer é extraído do uso da violência. 

A sociedade brasileira deve sair da polarização, tendo como norte a democracia, sob pena de perpetuarmos o impasse pelos próximos dois anos e meio, além de corrermos o perigo de nele permanecer por mais quatro anos, seja sob a égide da extrema direita, seja da extrema esquerda. 

Denis Lerrer Rosenfield, o autor deste artigo, é Professor de Filosofia na Universidade Federal  do Rio Grande do Sul. Publicado originalmente em O Estado de São Paulo, em 08.06.2020.

Brasil manchado também nos EUA

O parentesco ideológico do presidente brasileiro com seu líder americano pouco vale diante da maioria democrata na Câmara dos Representantes

Mais uma vitória sinistra foi alcançada pelo presidente Jair Bolsonaro, em seu esforço para transformar o Brasil em pária internacional. Ele poderá continuar aplaudindo, seguindo e imitando seu grande guru, o presidente Donald Trump, mas terá de abandonar a ambição de um acordo comercial com os Estados Unidos, pelo menos enquanto houver maioria democrata na Câmara dos Representantes. A busca de qualquer parceria econômica mais estreita com “o Brasil do presidente Jair Bolsonaro” será rejeitada, informaram 24 deputados democratas da Comissão de Orçamento e Tributos da Câmara. A declaração foi expressa em carta dirigida ao chefe do Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR), embaixador Robert Lighthizer. O embaixador havia anunciado em maio, depois de uma conversa com o chanceler brasileiro Ernesto Araújo, a intenção de intensificar a cooperação econômica entre os dois países.

Na mesma data da carta, 3 de junho, o Parlamento holandês aprovou moção contrária ao acordo comercial entre União Europeia e Mercosul, assinado em 2019 e ainda pendente de ratificação pelos países participantes. A devastação da Amazônia foi o principal argumento a favor da moção. Mas também houve referência a riscos para os povos indígenas. Políticos citados pela imprensa europeia, nas discussões sobre o acordo entre os dois blocos, têm apontado o governo Bolsonaro como inimigo do meio ambiente e dos direitos humanos.

Ameaças ao meio ambiente, aos direitos humanos e à democracia são listadas extensamente na carta enviada ao principal negociador comercial dos Estados Unidos, o embaixador Lighthizer. O presidente Jair Bolsonaro, segundo os deputados, tem uma longa e persistente história de “declarações depreciativas sobre mulheres, populações indígenas e pessoas identificadas por gênero ou orientação sexual, além de outros grupos”. O governo Bolsonaro, continua o texto, “demonstrou seu completo menosprezo por direitos humanos básicos, pela necessidade de proteger a floresta amazônica e pelos direitos e dignidade dos trabalhadores”.

O Brasil sob Bolsonaro, acrescentam os deputados, não estará preparado, de forma crível, para assumir os novos padrões de direitos trabalhistas e de proteção ambiental estabelecidos no Acordo Estados Unidos-México-Canadá. Negociar qualquer acordo comercial com o Brasil será perda de tempo, sustentam os autores da carta.

Mencionando detalhes da gestão Bolsonaro, o texto cita números do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe) sobre aumento das queimadas na Amazônia. Esses dados, poderiam ter lembrado os autores da carta, foram postos em dúvida pelo presidente Bolsonaro, no início de uma polêmica encerrada com a demissão do diretor do instituto, o físico Ricardo Galvão, respeitado internacionalmente.

Há um claro componente protecionista na atitude dos democratas. Eles acabam atribuindo aos produtores brasileiros “uma história de emprego de práticas desleais de comércio”. A acusação é vaga e a intenção de impedir uma concorrência maior aos produtores americanos é evidente. Além disso, os autores da carta confundem a atividade ilegal e ambientalmente danosa realizada na Amazônia com a produção agrícola eficiente e competitiva – a mais importante – nas áreas tradicionais.

O protecionismo é novamente favorecido, portanto, pelas atitudes e políticas do presidente Bolsonaro e de seus piores ministros. Nos Estados Unidos, assim como na Europa, os defensores de barreiras contra produtos brasileiros dispõem de amplo cardápio de argumentos – ambientalistas, políticos e relativos a direitos humanos – fornecido pelo presidente do Brasil. Detalhe importante, na Europa, como nos Estados Unidos, os críticos frequentemente se referem ao “Brasil do presidente Jair Bolsonaro”. Essa expressão é usada pelos deputados democratas. O parentesco ideológico do presidente brasileiro com seu líder americano pouco valerá diante da oposição desse grupo. Os Estados Unidos são muito mais que Donald Trump. Bolsonaro parece ignorar também isso.

Editorial / Notas e Informações, O Estado de S.Paulo
08 de junho de 2020 | 03h00

'Bolsonaro gera crises e tenta envolver as Forças Armadas em ruptura', diz brigadeiro

Ex-presidente do STM afirma ser inaceitável a tentativa de usar as Forças Armadas como instrumento de governo; oficial critica ainda Heleno, Weintraub e Araújo

Marcelo Godoy, O Estado de S.Paulo
08 de junho de 2020 | 09h34

Caro leitor,

"É inaceitável tentar envolver as Forças Armadas em uma ruptura." A frase foi dita pelo tenente-brigadeiro Sérgio Xavier Ferolla, mas lembra o exemplo de outras, ouvidas nos Estados Unidos. A primeira foi: "Quando me tornei militar, há 50 anos, fiz um juramento de apoiar e defender a Constituição". Ela prossegue. "Nunca sonhei que tropas que fizeram o mesmo juramento que eu pudessem receber a ordem, sob quaisquer circunstâncias, de violar os direitos constitucionais de seus compatriotas." Quem a disse foi James Mattis, um general de quatro estrelas, com três guerras nas costas e ex-secretário da Defesa do presidente Donald Trump.

Pela primeira vez na história recente dos EUA, um presidente quis usar o Exército para controlar manifestações populares, garantidas pela Primeira Emenda. Em poucos dias, Trump se tornou um pária entre militares comprometidos com a Constituição. Mattis escreveu sobre o presidente:  "É o primeiro líder em minha vida que não tenta unir o povo americano e nem mesmo pretende tentar fazer isso. Em vez disso, ele busca dividir-nos. Nós estamos testemunhando as consequências de três anos de seu esforço deliberado, três anos sem uma liderança madura."

O exemplo de Mattis frutificou. Foi seguido por Colin Powell, outro ex-secretário da Defesa e republicano, que anunciou que votará no democrata Joe Biden. Quase uma centena de líderes militares assinou um manifesto contra Trump. "Militarizar a nossa resposta, como nós testemunhamos em Washington, DC, cria um conflito – um falso conflito – entre o mundo militar e o civil. Isso corrói a moral que assegura um vínculo confiável entre homens e mulheres de uniforme e a sociedade que eles juraram proteger e da qual eles mesmos são uma parte", escreveu Mattis.

Desde que começaram os atritos de Bolsonaro com o Supremo Tribunal Federal ou desde que seus filhos e amigos são alvo de investigações por desvio de verbas e de malversação do dinheiro público, subsidiando mentiras e propaganda política disfarçada de jornalismo, quase duas dezenas de manifestos foram feitos por militares que só tiveram olhos para decisões monocráticas de ministros do Supremo, mas não se lembraram de lutar contra o odioso privilégio de estar acima da lei, de não ser investigado, de povoar as instituições com amigos que engavetem bandalheiras.

Alguns generais brasileiros enviam artigos e mensagens aos amigos com textos que fariam corar seus pares americanos. Na semana passada, Maynard Santa Rosa – ex-secretário de Assuntos Estratégicos de Bolsonaro – escreveu O Arquétipo Cincinato. Nele, insinua a tese de que, no inconsciente da população brasileira, está a aceitação do homem providencial, da liderança forte, do salvador da República, personificado no ditador romano Lúcio Quíncio Cincinato.

Santa Rosa parece não perceber, na história de Roma (Ab Urbi Condita Libri), escrita por Tito Lívio, a devoção de Cincinato pelo bem comum, repreendendo tanto os tribunos da plebe por suas sedições quanto os patrícios que lhe ofereceram a reeleição como cônsul, rompendo com as regras da República. Para Lívio, as camadas superiores deveriam situar-se diante da sociedade como um exemplo a ser seguido, cujo comportamento moralmente elevado legitimaria a posição que desfrutavam.

Em sua obra Os Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio, Maquiavel disse que a ditadura fazia bem à Roma, desde que o poder não fosse usurpado, em vez de livremente delegado. Eis um detalhe que passou longe do texto de Santa Rosa: são os responsáveis pela República que vão buscar Cincinato em sua propriedade e não as legiões. Muito menos um general que escreve:  "Na hipótese de se chegar ao comprometimento da lei e da ordem, resta o remédio do Art. 142 da Constituição Federal, e o acatamento das Forças Armadas pela opinião pública será essencial na pacificação. Afinal, é no inconsciente coletivo do povo que reside a fé no braço forte e a confiança na mão amiga."

É constrangedor testemunhar militares que ainda acreditam que o povo apoiaria a intentona bolsonarista. O leitor viu aqui que Ulysses Guimarães, ao promulgar a Constituição, chamou de traidores da Pátria aqueles que atentam contra a Carta Magna.  É nesse contexto que surge o exemplo do tenente-brigadeiro Sérgio Xavier Ferolla. Ex-comandante da Escola Superior de Guerra (ESG) e ex-presidente do Superior Tribunal Militar, ele disse: "As Forças Armadas não podem se meter em política.  Elas são instituições de Estado e não de governo. Não deve se meter em política pessoal".  O brigadeiro mandou mensagens aos amigos, alertando-os sobre as iniciativas dos militares ligados ao Planalto."Quem gera as crises é o presidente."

Ferolla representa o distanciamento de parte dos brigadeiros do governo Bolsonaro, ainda mais depois do decreto, que acabou revogado pelo presidente nesta segunda-feira, 8, após as críticas, que dava ao Exército o direito de ter aviação de asa fixas, enquanto os aviões da FAB ficam em solo por falta de combustível. "Heleno está sendo uma decepção. Ele está em uma posição em que devia pensar duas vezes antes de abrir a boca, pois deve dar o exemplo." Ontem, apesar de o Comando da PM de São Paulo dizer o contrário, o general Augusto Heleno tentou vincular os atos de vandalismo de uns poucos, após a manifestação pela democracia, à maioria das pessoas que foi pacificamente protestar contra Bolsonaro.

"Eu, como ministro do STM, julgava pessoas e não ideologias", afirmou Ferolla. Para ele, um governante não pode escolher um delegado da PF porque é amigo do presidente ou do ministro, nem juiz pode se meter em política. Todos devem dar o exemplo. O brigadeiro conhece de longa data o guru do bolsonarismo, Olavo de Carvalho. "Diga-me: Como é possível vir com essa conversa de Terra plana nessa altura do campeonato? Estamos no século 21. E tem dois amigos dele no governo: o ministro da Educação, esse Weintraub, e o das Relações Exteriores, o Ernesto Araújo."

Ferolla testemunhou a  fala de Abraham Weintraub na posse do reitor do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), Anderson Ribeiro Correia. "Um discurso que qualquer caminhoneiro faria melhor." Por fim, o brigadeiro conta sua impressão sobre o vídeo da reunião presidencial do dia 22 de abril: "Esse vídeo é um exemplo: dentro de um prostíbulo seria imoral." E Ferolla explica por quê. "Cria-se um ambiente em que ninguém respeita nada. Isso é falta de liderança. O chefe tem de dar o exemplo." É aqui onde Trump e Bolsonaro falharam miseravelmente: o exemplo. O caso de Bolsonaro seria agravado por lideranças militares que o cercam e assistem a tudo em silêncio. E, quando falam, apenas repetem o radicalismo, as bravatas e os desmandos do bolsonarismo.

"Onde um general da intendência acha que pode ser ministro da Saúde sem ouvir os médicos?", indaga um coronel intendente sobre o general Eduardo Pazuello, ministro interino da Saúde, que loteou a pasta entre militares. Pazuello pode saber como entregar um garrafão de água em um pelotão de fronteira em Roraima, mas está perdendo a guerra contra o coronavírus. Seu ministério parece acreditar que a Nação não precisa saber da gravidade do momento. Alguém lhe deu o "bizu" de que basta não contar os mortos ou contar de forma diferente. Esse é o exemplo que o general de Bolsonaro dá à Nação.

Marcelo Godoy
Repórter especial
Jornalista formado em 1991, está no Estadão desde 1998. As relações entre o poder Civil e o poder Militar estão na ordem do dia desse repórter, desde que escreveu o livro A Casa da Vovó, prêmios Jabuti (2015) e Sérgio Buarque de Holanda, da Biblioteca Nacional (2015).

domingo, 7 de junho de 2020

As secretarias estaduais de Saúde confirmam no país 691.962 casos do novo coronavírus (Sars-CoV-2), com 36.499 mortes.

Casos de coronavírus e número de mortes no Brasil em 7 de junho

Veja os dados sobre o coronavírus no Brasil neste domingo (7), segundo levantamento exclusivo do G1 junto às secretarias estaduais de saúde. Os principais dados são:

36.499 mortes
691.962 casos confirmados

Já segundo o balanço nacional do Ministério da Saúde, divulgado na noite de domingo (7), o Brasil chegou a 37.312 mortes e 685.427 casos confirmados.

Bolsonaro falou em uma rede social no sábado (6) a respeito da mudança: "As rotinas e fluxos estão sendo adequados para garantir a melhor extração dos dados diários, o que implica em aguardar os relatórios estaduais e checagem de dados. Para evitar subnotificação e inconsistências, o Ministério da Saúde optou pela divulgação às 22h, o que permite passar por esse processo completo. A divulgação entre 17h e 19h, ainda havia risco subnotificação. Os fluxos estão sendo padronizados e adequados para a melhor precisão”, informou o presidente.

No mundo, número de mortos por coronavírus passou de 400 mil, segundo balanço da universidade americana Johns Hopkins. A marca foi atingida nesta madrugada. Ainda de acordo com o levantamento, são 6.913.608 de infectados em 188 países e territórios.

O número de mortos nos Estados Unidos, país mais afetado pela doença, se aproxima de 110 mil. O Brasil é o terceiro no planeta com mais óbitos e o segundo com mais casos confirmados.

Mortalidade

Veja, abaixo, as cidades com maior mortalidade, maior incidência, taxa de ocupação de leitos de UTI, testes feitos pelos estados e pacientes recuperados.

Das 20 cidades com maior mortalidade no Brasil, 12 estão no Amazonas e só quatro fora da Região Norte. No ranking, aparecem cinco capitais, nesta ordem: Belém (1°), Fortaleza (5°), Recife (11°), Manaus (13°) e Rio de Janeiro (15°).

Taxa de ocupação de leitos de UTI

Acre – 82,6% em todo o estado em 4/6
Alagoas – 79% em todo o estado 4/6
Amapá – 98,84% em todo o estado em 4/6
Amazonas – 70% em todo o estado em 3/6
Bahia – 71% em todo o estado em 5/6
Ceará – 82,72% em todo o estado em 4/6
Distrito Federal – 69,5% na rede privada e 42,24% na rede pública em 29/5
Espírito Santo - 85,14% em todo o estado em 4/6
Goiás - 46,6% dos leitos de gestão estadual, em todo o estado em 3/6
Maranhão –96,25% na Grande São Luís, 80,85% no interior e 85,2% em Imperatriz em 2/6
Mato Grosso – 37,6% em todo o estado em 4/6
Mato Grosso do Sul – 7% em todo o estado em 4/6
Minas Gerais – 71% em todo o estado em 3/6
Pará – 79% em todo o estado em 3/6
Paraíba – 67% em todo o estado em 5/6
Paraná – 40% em todo o estado em 4/6
Pernambuco – 98% em todo o estado em 3/6
Piauí - 61% em todo o estado em 24/5
Rio de Janeiro – 90% no SUS em todo o estado em 5/6
Rio Grande do Norte – 84% na rede pública e 71% na rede privada em 5/6
Rio Grande do Sul – 71,9% em todo o estado em 5/6
Rondônia – 77,9% em todo o estado em 3/6
Santa Catarina – 61,7% do sistema público em todo o estado em 3/6
São Paulo – 71% em todo o estado em 5/6
Sergipe – 68,3% na rede pública e 85% na rede privada em todo o estado em 4/6
Tocantins – 60% dos leitos ocupados em 3/6

Roraima não divulgou a lotação dos leitos de UTI do estado.

Número de testes de coronavírus feitos pelos estados

Estado Nº de testes Data de divulgação
Acre 15.988 4/6
Alagoas 18.048 1º/6
Amapá 21241 3/6
Amazonas 6.183 27/4
Bahia 39.949 21/5
Ceará 137.434 4/6
Distrito Federal 141.344 29/5
Espírito Santo 56.831 5/6
Goiás 12.925 30/5
Maranhão 66.717 3/6
Mato Grosso 8.253 3/6
Mato Grosso do Sul 11.713 4/6
Minas Gerais 23.461 4/6
Pará 54.311 3/6
Paraíba 60.022 5/6
Paraná 26.063 25/5
Pernambuco 50.392 28/5
Piauí 43.109 3/6
Rio Grande do Norte 25.465 5/6
Rio Grande do Sul 12.508 26/5
Rondônia 18.891 3/6
Roraima 718 23/4
Santa Catarina 33.000 4/6
São Paulo 87.463 27/5
Sergipe 20.702 2/6
Tocantins 7.095 25/5
Total 999.836

Fonte: secretarias estaduais de Saúde

Rio de Janeiro não divulgou o número de testes.


Pacientes recuperados de Covid-19 nos estados

Estados Nº de pacientes recuperados Data de divulgação

Acre 3.209 4/6
Alagoas 8.461 5/6
Amapá 5.766 5/6
Amazonas 34.583 2/6
Bahia 11.464 5/6
Ceará 39.263 4/6
Distrito Federal 7.336 5/6
Espírito Santo 9.919 5/6
Goiás 738 26/5
Maranhão 15.629 4/6
Mato Grosso 1.145 5/6
Mato Grosso do Sul 872 4/6
Minas Gerais 5.606 4/6
Pará 39.177 5/6
Paraíba 3.945 5/6
Paraná 2.267 4/6
Pernambuco 20.375 4/6
Piauí 456 29/5
Rio de Janeiro 41.838 2/6
Rio Grande do Norte 1.824 3/6
Rio Grande do Sul 8.391 5/6
Rondônia 2.600 3/6
Roraima 1.230 4/6
Santa Catarina 6.442 4/6
São Paulo 24.616 5/6
Sergipe 2.999 2/6
Tocantins 1.933 5/6

Total 302.084

Fonte: secretarias estaduais de Saúde

Por G1 / O GLOBO
07/06/2020 07h27  Atualizado há 20 segundos


Rio e São Paulo têm maiores atos antirracismo e contra governo Bolsonaro

Protestos a favor do presidente também foram registrados nas duas cidades e em Brasília, mas reuniram menor número de manifestantes

Ato antirracismo na Avenida Presidente Vargas, no Centro do Rio Foto: Bruno Marinho

Ato antirracismo na Avenida Presidente Vargas, no Centro do Rio Foto: Bruno Marinho

As cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo concentram as maiores manifestações antirracismo e contra o governo do presidente Jair Bolsonaro registradas na tarde deste domingo. Também foram feitos protestos neste domingo com "panelaços" e "buzinaços" em diversas capitais contra o presidente. Na Avenida Presidente Vargas, no Centro do Rio, um protesto contra o racismo toma uma pista lateral da via. Organizado por coletivos e movimentos de comunidades do Rio, a manifestação gritou palavras de ordem contra a morte de pessoas negras no país em ações policiais. Em São Paulo, os manifestantes se concentraram no Largo da Batata, na região Oeste da capital paulista. O ato foi convocado por organizações de esquerda, como a Frente Povo Sem Medo, lideranças de torcidas organizadas e coletivos do movimento negro.

CONTRA RACISMO, CONTRA O GOVERNO E PELA DEMOCRACIA, MANIFESTANTES VÃO ÀS RUAS DO PAÍS NESTE DOMINGO; VEJA FOTOS

 Manifestante segura bandeira do Brasil manchada em protesto contra Bolsonaro, em Porto Alegre Foto: DIEGO VARA / REUTERS

Manifestante segura bandeira do Brasil manchada em protesto contra Bolsonaro, em Porto Alegre Foto: DIEGO VARA / REUTERS

Manifestante veste máscara e escudo facial em protesto no Rio Foto: RICARDO MORAES/REUTERS / RICARDO MORAES/REUTERS

Manifestante veste máscara e escudo facial em protesto no Rio Foto: RICARDO MORAES/REUTERS / RICARDO MORAES/REUTERS

Protesto no Rio tem lembrança a George Floyd, americano que foi morto pela polícia nos EUA Foto: RICARDO MORAES / REUTERS

Protesto no Rio tem lembrança a George Floyd, americano que foi morto pela polícia nos EUA Foto: RICARDO MORAES / REUTERS

Protesto em Brasília, na manhã deste domingo. Grupo de manifestantes ocupou parte da Esplanada dos Ministérios em defesa da democracia, contra o racismo e o governo Bolsonaro Foto: Jorge William / Agência O Globo

Protesto em Brasília, na manhã deste domingo. Grupo de manifestantes ocupou parte da Esplanada dos Ministérios em defesa da democracia, contra o racismo e o governo Bolsonaro Foto: Jorge William / Agência O Globo

Manifestantes carregam uma faixa com a inscrição "Todos pela democracia" durante protesto contra o presidente Jair Bolsonaro, Brasília Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERS

Manifestantes carregam uma faixa com a inscrição "Todos pela democracia" durante protesto contra o presidente Jair Bolsonaro, Brasília Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERS

Entre as pautas do ato estão também a defesa do Sistema Único de Saúde (SUS) e a indignação com a morte de pessoas negras Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERS

Entre as pautas do ato estão também a defesa do Sistema Único de Saúde (SUS) e a indignação com a morte de pessoas negras Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERS

Manifestantes ocuparam a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, em ato a favor da democracia e contra o governo Bolsonaro Foto: Jorge William / Agência O Globo

Manifestantes ocuparam a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, em ato a favor da democracia e contra o governo Bolsonaro Foto: Jorge William / Agência O Globo

Em menor número, os defensores do presidente também fazem ato na Esplanada, na manhã deste domingo Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERS

Em menor número, os defensores do presidente também fazem ato na Esplanada, na manhã deste domingo Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERS

Manifestantes contra o racismo ocpuam a Esplanada durante protesto contra o governo Bolsonaro Foto: SERGIO LIMA / AFP

Manifestantes contra o racismo ocpuam a Esplanada durante protesto contra o governo Bolsonaro Foto: SERGIO LIMA / AFP
Grupo de enfermeiros carrega cruzes em homenagem aos colegas que morreram no combate à Covid-19, durante o ato em Brasília Foto: SERGIO LIMA / AFP

Grupo de enfermeiros carrega cruzes em homenagem aos colegas que morreram no combate à Covid-19, durante o ato em Brasília Foto: SERGIO LIMA / AFP

Jovem participa de ato em Brasília contra o governo, o racismo e de apoio à democracia Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERS

Jovem participa de ato em Brasília contra o governo, o racismo e de a
apoio à democracia Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERS

Manifestantes ocupam a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, durante ato a favor da democracia e contra o governo Bolsonaro Foto: Jorge William / Agência O Globo

Manifestantes ocupam a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, durante ato a favor da democracia e contra o governo Bolsonaro Foto: Jorge William / Agência O Globo

Manifestantes ocupam a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, durante ato a favor da democracia e contra o governo Bolsonaro Foto: Jorge William / Agência O Globo


Manifestantes exibem camiseta antifascista durante manifestação contra o presidente Jair Bolsonaro, racismo e apoio à democracia em Brasília Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERS

Manifestantes exibem camiseta antifascista durante manifestação contra o presidente Jair Bolsonaro, racismo e apoio à democracia em Brasília Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERS

No Rio, manifestação atirracismo critica violência policial Foto: Bruno Marinho

As pessoas se deitam no chão durante uma manifestação contra o presidente Bolsonaro Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERS


Grupo exibe um faixa com a inscrição "Vidas negras importam" durante manifestação em Brasília contra o racismo. Concentração teve início às 9h em frente à Biblioteca Nacional, a poucos quilômetros do Palácio do Planalto Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERS

Grupo exibe um faixa com a inscrição "Vidas negras importam" durante manifestação em Brasília contra o racismo. Concentração teve início às 9h em frente à Biblioteca Nacional, a poucos quilômetros do Palácio do Planalto Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERS

Policiais, de guarda, acompanham as manifestações em Brasília Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERS

Policiais, de guarda, acompanham as manifestações em Brasília Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERS

O ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, esteve na Esplanada e cumprimentou os policiais que acompanhavam as manifestações Foto: Jorge William / Agência O Globo

O ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, esteve na Esplanada e cumprimentou os policiais que acompanhavam as manifestações Foto: Jorge William / Agência O Globo
No Rio, manifestantes se reúnem na praia de Coapcabana em ato contra o racismo e o governo Bolsonaro Foto: PILAR OLIVARES / REUTERS

No Rio, manifestantes se reúnem na praia de Coapcabana em ato contra o racismo e o governo Bolsonaro Foto: PILAR OLIVARES / REUTERS

As pessoas se deitam no chão durante uma manifestação contra o presidente Bolsonaro Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERS

Mulheres negras deitaram-se no chão durante ato contra o o governo e o racismo, em Copacabana, Zona Sul do Rio Foto: PILAR OLIVARES / REUTERS

Uma mulher usando uma máscara protetora passa pela polícia de choque durante uma manifestação contra o presidente Jair Bolsonaro e em apoio à democracia na praia de Copacabana, no Rio Foto: PILAR OLIVARES / REUTERS

Uma mulher usando uma máscara protetora passa pela polícia de choque durante uma manifestação contra o presidente Jair Bolsonaro e em apoio à democracia na praia de Copacabana, no Rio Foto: PILAR OLIVARES / REUTERS

Apoiadores de Bolsonaro também realizaram manifestação em Copacabana Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

Apoiadores de Bolsonaro também realizaram manifestação em Copacabana Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

Manifestação de apoiadores de Bolsonaro em Copacabana, no Rio Foto: PILAR OLIVARES / REUTERS

Manifestação de apoiadores de Bolsonaro em Copacabana, no Rio Foto: PILAR OLIVARES / REUTERS

Manifestação apoiadores do governo Bolsonaro na Avenida Paulista Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

Manifestação apoiadores do governo Bolsonaro na Avenida Paulista Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

Manifestantes antirracismo e contra governo Bolsonaro ocupam o Largo da Batata, em São Paulo Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

Manifestantes antirracismo e contra governo Bolsonaro ocupam o Largo da Batata, em São Paulo Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

No ato do Rio, a polícia militar e o presidente Jair Bolsonaro foram os principais alvos dos manifestantes, que lembraram também a morte da vereadora Marielle Franco, em março de 2018. O assassinato do adolescente João Pedro, em São Gonçalo, durante operação policial na comunidade do Salgueiro, também foi muito reclamada pelos protestantes.

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No Rio, manifestantes se reúnem na praia de Coapcabana em ato contra o racismo e o governo Bolsonaro Foto: PILAR OLIVARES / REUTERS

No Rio, manifestação antiracismo critica violência policial Foto: Bruno Marinho

A concentração do protesto começou na altura do monumento à Zumbi dos Palmares, um dos maiores ícones do movimento negro no país, por volta das 14h. Cercada por um forte contingente de segurança, ela caminhou até a Igreja da Candelária sem incidentes. A polícia militar, formada por homens do Batalhão de Choque e do Batalhão Especial de Policiamento em Estádios, restringiu o grupo à faixa lateral da avenida e revistou manifestantes. Há relatos de pessoas que foram detidas ao chegarem ao protesto.

Em São Paulo, cartazes, bandeiras e cantos entoados na grande praça no bairro de Pinheiros tratavam de pautas diversas. Sobressaíram-se as críticas ao descaso do governo federal no combate à pandemia do novo coronavírus, a medidas consideradas autoritárias pelo presidente Jair Bolsonaro e a mortes de pessoas negras causadas pela polícia.

Manifestantes antirracismo e contra governo Bolsonaro ocupam o Largo da Batata, em São Paulo Foto: Agência O Globo

Manifestantes antirracismo e contra governo Bolsonaro ocupam o Largo da Batata, em São Paulo Foto: Edilson Dantas

O protesto encheu o largo e frustrou a tentativa dos organizadores de manter o distanciamento de pelo menos um metro entre os manifestantes, para evitar a infecção pelo novo coronavírus. Ainda assim, os organizadores promoveram uma brigada de saúde, com dezenas de voluntários, que percorreram o local distribuindo álcool em gel e cartilhas ensinando a "lutar contra o fascismo em tempos de Covid", com orientações de higiene.

Lideranças do movimento negro e de grupos de esquerda marcaram presença. O ex-presidenciável Guilherme Boulos discursou de cima do carro de som do grupo Democracia Corinthiana.

– Vocês acompanharam a polêmica da última semana, se era para vir ou não ao ato por causa da pandemia. Mas a divisão não é entre quem veio e quem não veio. A divisão é quem está do lado da democracia e quem está com o fascismo – discursou Boulos.

Outro a discursar foi Emerson Osasco, que ganhou notoriedade após participar do protesto na semana passada na Avenida Paulista. Ele é diretor e conselheiro da torcida corintiana Gaviões da Fiel e uma das lideranças à frente das últimas manifestações contra Bolsonaro.

No mesmo carro de som, ele citou George Floyd, morto pela polícia americana, no episódio que incendiou protestos antirracistas pelo mundo.

- A gente não pode nacionalizar a morte dos negros. Se mexeu com um, em qualquer lugar do mundo, mexeu com todos. Eles podem nos perseguir, mas não vão nos calar - afirmou Osasco.

Movimentos sociais e estudantes, além de partidos políticos como a recém-criada UP (Unidade Popular), PSOL e PSTU, estiveram presentes.

Por volta das 15h30, uma via inteira da avenida Brigadeiro Faria Lima, sentido norte-sul, estava tomada. Faixas pedindo "Fora, Bolsonaro" foram estendidas na rua. O ato foi encerrado por volta das 16h30.

Um princípio de confusão ocorreu durante a dispersão. Um manifestante se desgarrou do grupo que caminhava numa das principais vias do bairro de Pinheiros e quebrou uma porta de vidro de uma agência bancária. As lideranças do movimento correram em direção ao manifestante para impedir que ele continuasse a depredar a agência.

Atos simultâneos em Brasília

Manifestantes ocuparam a Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Grupo se posiciona a favor da democracia e contra o governo Jair Bolsonaro. Foto: Jorge William / Agência O Globo

Mais cedo, manifestantes ocuparam a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, em dois atos simultâneos. Um grupo se posicionava a favor da democracia e contra o governo Bolsonaro, além de defenderem o Sistema Único de Saúde (SUS) e criticarem a morte de pessoas negras. O outro movimento tinha como objetivo defender o presidente. O mesmo aconteceu no Rio de Janeiro e em São Paulo.

A concentração começou às 9h em frente à Biblioteca Nacional, a poucos quilômetros do Palácio do Planalto. Em meio à pandemia do coronavírus, os grupos usaram máscaras, porém, a despeito das recomedações das autoridades sanitárias, foram registradas aglomerações. Além de cartazes criticando Bolsonaro, os manifestantes gritavam pela sua saída da Presidência da República. Uma faixa defendia: "Todos pela democracia". Os manifestantes também cantavam músicas como "ai, ai, ai, empurra o Bozo que ele cai".

Um grupo de enfermeiros carregou cruzes em homenagem aos colegas que morreram no combate à Covid-19. Eles também pediam mais investimento no SUS. A exemplo dos protestos ocorridos na semana passada no Rio de Janeiro e em São Paulo, torcidas organizadas de times de futebol participaram do ato.

Neste domingo, em menor número, os defensores do presidente também fizeram ato na Esplanada. Eles rezaram pelo país e sustentavam uma bandeira de Israel. Em um carro de som, os apoiadores do presidente gritavam "Bolsonaro 2022".

Em Brasília, os dois grupos foram separados pela Polícia Militar. Um largo canteiro central também os dividiu. O acesso à Praça dos Três Poderes ficou fechado. Os organizadores dos dois movimentos pediam que os manifestantes não entrassem em brigas.

O ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, esteve na Esplanada. Pelo Twitter, ele disse que não participou dos movimentos. "Fui à Esplanada dos Ministérios agradecer aos integrantes das Forças de Segurança, pelo trabalho abnegado e competente que realizam, em prol de manifestações pacíficas. É atitude de camaradagem, comum entre nós, militares", escreveu.

Depois da dispersão dos protestos, apoiadores de Bolsonaro foram à Praça dos Três Poderes. O acesso ao local foi liberado pela Polícia Militar do DF. Lá, manifestantes carregavam faixas contra o STF e o Congresso. Mensagens como "intervenção militar com Bolsonaro no poder presidente"; "fim dos comunistas no poder e no STF"; e "a favor dos 3 poderes: Exército, Marinha e Aeronáutica" foram exibidas. Em um palanque, bolsonaristas discursaram contra a investigação sobre Fake News. Segundo um deles, "a ditadura já foi instaurada". Outra manifestante saudou a presença de "lutadores de MMA" que participaram do ato para "proteger" aliados de Bolsonaro.

Manifestação em defesa do presidente Jair Bolsonaro na Avenida Atlântica, no Posto 5 da praia de Copacabana Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

Copacabana

Pela manhã, a Praia de Copacabana, Zona Sul do Rio de Janeiro, também reuniu grupos contra e a favor ao governo. Os manifestantes com críticas ao presidente se concentram no posto 4 da orla com faixas pedindo justiça pela morte da deputada Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Já os apoiadores, vestindo camisetas e portando bandeiras do Brasil, se concentram no posto 5. Lutadores de academia acompanharam o ato a favor do governo e insultaram manifestantes da oposição. Eles tentaram se aproximar do grupo no posto 4, mas foram impedidos pela Polícia Militar.

A maioria dos jovens que se manifestaoucontra o presidente afirmou participar do movimento antifascista e eram integrantes da Casa Nem, que acolhe a comunidade LGBTQ+ em vulnerabilidade.

— Estamos aqui para mostrar que aqui em Copacabana as vidas negras e LGBTQ+ importam. Essa é uma causa urgente — disse uma das líderes, Indianara Siqueira.

Muitos agentes do grupamento de Rodas especiais e Controle de Multidões (Recom) faziam o policiamento na orla. No Posto 4, um deles solicitou os documentos de todos os participantes do ato antifascista.

Mais inflamado e em número maior, o ato de apoio ao presidente Jair Bolsonaro integrou a Marcha da Família pró Bolsonaro com Deus. Eles gritavam palavras de ordem contra o comunismo e o governador do Rio, Wilson Witzel. Diversos lutadores de academias participaram do movimento e foram orientados a  tomarem a dianteira durante a caminhada. Uma das faixas que carregavam dizia "queremos outro STF".

— Democracia é respeitar o voto e estamos aqui para mostrar que queremos que nosso voto seja respeitado — disse uma das integrantes do movimento, que não quis se identificar para a equipe do GLOBO.

Os polícias que estavam no local se posicionaram em barreira, impedindo que o grupo seguisse em direção ao outro protesto. Eles se dispersaram e uma parte seguiu em direção ao Arpoador. Mesmo assim, cinco lutadores foram até o Posto 4 para insultar os participantes do protesto de oposição, mas não chegaram perto devido a grande quantidade de policiais. Um homem com uma câmera que acompanhava esse grupo e não quis se identificar fez fotos dos fotógrafos e repórteres da imprensa. Ainda durante os protestos, agentes da Recom pediram a documentação de pelo menos três profissionais da imprensa.

Avenida Paulista

A Avenida Paulista, em São Paulo, amanheceu repleta de policiais, mas sem manifestantes. Na semana passada, o endereço – um dos símbolos da capital paulista – foi palco de confronto entre grupos antagônicos. Por conta de uma decisão da Justiça, os grupos contrários ao governo Jair Bolsonaro decidiram fazer sua manifestação no início da tarde deste domingo, em outro endereço da capital, deixando a Avenida Paulista para os apoiadores do presidente.

O ato pró-Bolsonaro estava previsto para ter início às 11h. Uma grande quantidade de policiais e viaturas foram mobilizados por precaução. Por volta das 12h30, um grupo de aproximadamente 40 pessoas, identificados como "Damas de Aço", se reuniu perto da sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Raquel Rezende, uma das lideranças, afirmou ser defensora do "ato patriótico".

No entorno do Museu de Arte de São Paulo (Masp), na mesma avenida, policiais revistavam pedestres. As estações de metrô permaneceram abertas, e a ciclovia tinha movimento intenso. De uma ponta à outra da avenida, policiais montados a cavalo patrulhavam as ruas.

Bruno Marinho, Guilherme Caetano, Bruno Góes, Leonardo Sodré e Victor Farias /O GLOBO
07/06/2020 - 10:16 / Atualizado em 07/06/2020 - 17:16

Ministério divulgou menos mortes que levantamento do G1; veja as diferenças

Governo adotou novo formato de divulgação no qual omite dados, o que gerou críticas de autoridades, secretários de Saúde e especialistas.

O Ministério da Saúde divulgou neste sábado (6, ontem) seu mais recente balanço de casos confirmados e mortes por Covid-19.

São estes os dados em destaque:

904 registros de mortes em 24 horas (com o acréscimo, vai a 35.930 o total de óbitos, que era de 35.026 na sexta)

27.075 casos em 24 horas (com o acréscimo, vai a 672.846 o total de casos confirmados, que era de 645.771 na sexta)

10.209 pacientes recuperados em 24 horas

Pelo levantamento do G1, feito diariamente com base nas secretarias de Saúde e divulgado antes dos números do Ministério, o total de vítimas no Brasil é de 36.044 e há 676.494 casos confirmados.

Em relação ao balanço do Ministério da Saúde, o levantamento das secretarias tem:

3.648 casos a mais (há diferenças entre secretarias e ministério em oito estados: Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraná, Piauí, Rondônia e Roraima);

114 mortes a mais (há diferenças nos números entre secretarias e ministérios em cinco estados: Maranhão, Mato Grosso, Pará, Piauí e Roraima).

Mudança e dados ausentes

No novo formato de balanço adotado nesta sexta, o ministério mudou a forma de divulgação dos indicadores, deixando de apresentar alguns dados consolidados.

Também neste sábado, o presidente Jair Bolsonaro confirmou que o governo passou a adotar uma nova sistemática para prestar informações sobre o coronavírus. "As rotinas e fluxos estão sendo adequados para garantir a melhor extração dos dados diários, o que implica em aguardar os relatórios estaduais e checagem de dados.

Para evitar subnotificação e inconsistências, o Ministério da Saúde optou pela divulgação às 22h, o que permite passar por esse processo completo. A divulgação entre 17h e 19h, ainda havia risco subnotificação. Os fluxos estão sendo padronizados e adequados para a melhor precisão”, informou o presidente.

Uma das mudanças é que o boletim diário do ministério, divulgado nesta sexta, trazia apenas o número de recuperados, novos casos e mortes registrados nas últimas 24h. Antes, o quadro apresentava também os números totais, registrados desde o início da pandemia.

Outra alteração é que o boletim passou a ser divulgado pelo ministério por volta das 22h. Inicialmente, essa divulgação ocorria às 17h – depois, passou para 19h.

A divulgação às 22h começou nos últimos dias sem que o Ministério da Saúde desse uma justificativa para o atraso.

Além disso, o portal do governo federal que traz os números da pandemia no Brasil saiu do ar na noite desta sexta. Ao ser acessada, a página apresentava apenas a mensagem "Portal em Manutenção." Ela voltou por volta das 17h deste sábado.

No entanto, o portal retornou reformulado e com dados ínfimos, se comparado à versão anterior. Não há, por exemplo, informações detalhadas sobre cada estado – nem o total acumulado de contágios e de mortes. Ou seja, ficou igual ao boletim que o ministério passou a divulgar.

A nova configuração também não permite baixar um arquivo com as bases de dados, opção que existia anteriormente.

'Acabou matéria do Jornal Nacional', diz Bolsonaro sobre atrasos na divulgação de mortos por coronavírus

Governo incomoda outros poderes ao divulgar dados de casos e óbitos da Covid-19 cada vez mais tarde

Espanha muda estratégia, deixa de divulgar mortes por Covid-19 nos balanços diários e é alvo de críticas

O novo boletim enviado:

Não informa os números totais de mortes e casos, seja nacional ou por estados

Não informa o número de mortes em investigação

Não informa o número de mortes ocorridas nos últimos 3 dias

Não informa o total de pacientes recuperados ou em acompanhamento

Não apresenta sinal de tendência para o número de mortes ou de casos

Deixou de ser divulgado por volta das 19h como era costume, e foi apresentado pouco antes das 22h pelo terceiro dia consecutivo

Por G1 / O GLOBO
07/06/2020 11h10  Atualizado há 8 horas


PGR abre investigação sobre exclusão de dados da covid-19 pelo governo

Câmara do MPF dá 72 horas para que o ministro interino Eduardo Pazuello esclareça mudanças na divulgação das informações sobre a epidemia. Exclusão dos números totais de casos e mortes foi criticada por autoridades.

O presidente Jair Bolsonaro participa da inauguração de um hospital de campanha em Águas Lindas de Goiás (GO)
    
O presidente Jair Bolsonaro participa da inauguração de um hospital de campanha em Águas Lindas de Goiás (GO).

Nota divulgada por Bolsonaro diz que números totais "não retratam o momento do país"

Um órgão ligado à Procuradoria-Geral da República (PGR) instaurou um procedimento extrajudicial neste sábado (06/06) para investigar os motivos que levaram o governo federal a deixar de divulgar os números consolidados de mortes e casos confirmados de covid-19 no país.

Desde a última sexta-feira, o boletim diário do Ministério da Saúde passou a informar apenas as infecções e óbitos registrados nas últimas 24 horas, e não mais os totais acumulados desde o início da epidemia.

O processo foi aberto pela Câmara de Direitos Sociais e Fiscalização de Atos Administrativos em Geral do Ministério Público Federal (1CCR/MPF). O órgão determinou que o ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, esclareça a mudança no informativo diário em até 72 horas.

A entidade também pedirá ao ministério a cópia do ato administrativo que determinou a retirada do número acumulado de mortes do painel de informações da covid-19, bem como do inteiro teor do procedimento administrativo que resultou na adoção da medida.

O processo ainda determina que Pazuello explique se houve outras alterações na plataforma do Ministério da Saúde e, se houve, quais foram essas mudanças e quais fundamentos técnicos foram usados como base para tais. O ministro interino também deverá esclarecer a urgência para a retirada dos números totais do painel.

"Na hipótese de ser verdadeira a informação de que há pretensão do governo federal de rever quaisquer dados já divulgados, atinentes à pandemia, informar qual é a razão pela qual essa eventual correção não poderia ser efetuada independentemente da supressão prévia de informações", afirma o texto da portaria que deu abertura à investigação.

O trecho se refere à declaração de Carlos Wizard, cotado para assumir o cargo de secretário de ciência e tecnologia do Ministério da Saúde, de que a pasta vai revisar os dados de infectados e mortos pela covid-19 no Brasil, pois os estados e municípios estariam "inflando" os números em suas regiões a fim de receber mais recursos do governo federal.

Ao justificar a instauração do procedimento, a Câmara de Direitos Sociais do MPF lembrou que a legislação brasileira prevê a transparência como regra a ser adotada pelo poder público. O Artigo 5º da Constituição, que garante "a todos o acesso à informação", e a própria Lei de Acesso à Informação, de 2011, são exemplos citados pelo órgão.

A decisão de abrir o procedimento extrajudicial foi tomada pela subprocuradora-geral da República Célia Regina Delgado, coordenadora da 1CCR, e pelo coordenador do Grupo de Trabalho Saúde do órgão, o procurador da República Edilson Vitorelli.

País vem reduzindo a transparência de dados

O painel do Ministério da Saúde (covid.saude.gov.br) informa agora somente os casos e óbitos confirmados nas últimas 24 horas no país, e dá destaque para os novos casos de pacientes recuperados. Os números nos estados também são mostrados apenas os recentes.

O presidente Jair Bolsonaro confirmou a mudança neste sábado, ao publicar em rede social uma nota do Ministério da Saúde. O comunicado afirma que a divulgação apenas dos dados das 24 horas "permite acompanhar a realidade do país neste momento".

"Ao acumular dados, além de não indicar que a maior parcela já não está com a doença, não retratam o momento do país", diz o texto. A nota também alegou que os atrasos recentes na divulgação dos dados seriam para evitar uma subnotificação.

Antes de parar de divulgar os números totais, o Brasil teve dois dias consecutivos de recordes de mortes por covid-19. Na quarta-feira, foram registrados 1.349 óbitos. Na quinta, 1.473. O Ministério da Saúde também atrasou até as 22h a divulgação dos dados nesses dias.

Os atrasos começaram com a saída do governo do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta. Em sua gestão, essas informações eram apresentadas por volta das 17h no horário de Brasília, durante coletivas de imprensa.

Depois, com a nomeação de Nelson Teich para a chefia da pasta, os dados passaram a ser divulgados por volta das 19h. No final de maio, já sem Teich na Saúde, os números passaram a ser publicados com atrasos cada vez mais constantes, muitas vezes depois das 20h.

Na quarta-feira, registrou-se uma nova marca: 22h. Na ocasião, a pasta alegou "problemas técnicos" para explicar a demora. Estranhamente, quando a tabela foi finalmente distribuída, ela indicava que os números haviam sido fechados às 19h.

Na quinta-feira, os dados foram novamente divulgados às 22h. Dessa vez, a pasta não deu nenhuma explicação, apenas negou que os atrasos tenham sido propositais.

Ao ser questionado na sexta-feira sobre os atrasos, Bolsonaro respondeu apenas que "acabou a matéria no Jornal Nacional" e disse que não interessa de quem partiu a ordem para a mudança, alegando ser "mais justo" divulgar os dados às 22h. "Ninguém tem que correr para atender a Globo", acrescentou.

Na ocasião, o presidente também defendeu excluir do balanço diário os números de mortes ocorridas nos dias anteriores, mas cujas confirmações dos testes só saíram em dias posteriores. Atualmente, o boletim diário inclui os dados das últimas 24 horas e os resultados de exames anteriores confirmados na data da divulgação.

Essa mudança é defendida também por Carlos Wizard. "Vamos rever os critérios com que estão sendo contabilizados os dados. Não é rever o passado, não vamos desenterrar mortos", disse Wizard em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo. "O passado já passou, estamos preocupados daqui para a frente", afirmou.

Críticas à medida

As mudanças no portal da Saúde, bem como as declarações de Wizard, foram criticadas por políticos, autoridades e entidades, que temem uma possível manipulação nos dados.

Em nota, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) chamou de "autoritária, insensível, desumana e antiética" a tentativa do governo federal de "dar invisibilidade aos mortos pela covid-19". "Nós e a sociedade brasileira não os esqueceremos e tampouco a tragédia que se abate sobre a nação", diz o órgão que representa autoridades de saúde estaduais.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes afirmou que a "manipulação de estatísticas é manobra de regimes totalitários". "Tenta-se ocultar os números da covid-19 para reduzir o controle social das políticas de saúde. O truque não vai isentar a responsabilidade pelo eventual genocídio", escreveu ele em rede social.

Já em debate online moderado por Gilmar Mendes, o ex-ministro da Saúde de Bolsonaro Luiz Henrique Mandetta declarou: "Do ponto de vista de saúde, é muito ruim, é uma tragédia o que a gente está vendo, de desmanche da informação. Me parece que estão querendo fazer uma grande cirurgia nos números dos protocolos público."

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, por sua vez, pediu a Jorge Oliveira, que comanda a Secretaria-Geral da Presidência, que o governo volte atrás e continue divulgando os dados como no início da epidemia. "É muito ruim que a gente precise estar pedindo, estar preocupado com um assunto como esse. É óbvio que a transparência é fundamental", disse.

O Brasil registrou no sábado 904 mortes em decorrência da covid-19, alcançando um total de 35.930. Foram contabilizadas 27.705 novas infecções. Com isso o Brasil tem 672.846 casos do novo coronavírus. O total de pacientes recuperados é de 277.149. Os totais acumulados têm base em dados da Universidade Johns Hopkins.

Fonte: Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas. 

Em debate, FH, Ciro e Marina defendem frente ampla contra Bolsonaro

Ex-presidente e os dois ex-ministros criticaram condução da crise do novo coronavírus pelo presidente 


Debate mediado pela colunista do GLOBO Miriam Leitão reúne Ciro Gomes, Marina Silva e Fernando Henrique Foto: Reprodução

Debate mediado pela colunista do GLOBO Miriam Leitão reúne Ciro Gomes, Marina Silva e Fernando Henrique Foto: Reprodução

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e os ex-ministros Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede) reforçaram a necessidade de união de lideranças políticas contra retrocessos democráticos em meio à crise política pela qual passa o país. Os três participaram de um debate mediado pela colunista do GLOBO, Miriam Leitão, na "GloboNews".

De acordo com o ex-presidente, o atual governo seria um símbolo do atraso. O presidente criticou a forma pela qual o presidente vem lidando com a crise do novo coronavírus, criando uma crise econômica e também institucional.

— O problema maior que temos no Brasil, e simbolizado pelos que estão no poder, é o atraso. Não é questão de ser de direita: eles são atrasados. Eles têm teia de aranha na cabeça, não conseguem ver a realidade, se agarram a fantasmas. Inventaram agora um tal de marxismo globalista. Não sei o que é isso, e olha que eu entendo dessas coisas — afirmou o ex-presidente.

O ex-ministro Ciro Gomes também afirmou que as forças políticas, mesmo que sejam adversárias, devem se unir para combater o que enxerga ser um risco para a continuidade da democracia no país. O pedetista aproveitou para criticar aqueles que "por mimimi" não participariam da luta pela proteção da democracia no Brasil. A declaração ocorre dias após o ex-presidente Lula ter declarado em reunião do PT de que não assinaria manifestos assinados por alguns dos adversários do partido, sobretudo aqueles que defenderam o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

Ciro Gomes:

— Nós vamos fazer o que for necessário. Dar as mãos a adversários políticos? Isso é nada. Ninguém do povo vai entender a superficialidade de qualquer um de nós que, por mimimi, por manha, por marra, não cumpra sua tarefa de proteger a democracia que custou vidas a vários brasileiros — afirmou o ex-ministro, que lembrou dos torturados e exilados pela ditadura. — Vamos esquecer o exílio? Nem a pau, Juvenal. Vamos pro cacete, vamos defender a democracia brasileria e quem não vier é traidor.

A ex-ministra Marina Silva também reforçou a necessidade de união de diferentes lideranças políticas. Segundo ela, os políticos terão que saber compartilhar a luta pela democracia.

Marina:

— É com esse espírito que homens públicos e a sociedade civil estão se mobilizando. Vamos ter que compartilhar três coisas. Compartilhar a humildade de compartilhar a autoria dessa luta para sair da crise, compartilhar o processo de realização dessa obra que os políticos e os partidos são apenas a menor parte e, sobretudo, compartilhar o reconhecimento que ficará nos anais da história — disse a ex-ministra.

Os três também discutiram outros temas atuais, como o racismo, que levou a manifestações ao redor do mundo após o assassinato de George Floyd, em Minneapolis, nos Estados Unidos, e o desmatamento.

A ex-ministra Marina Silva lembrou também da morte de uma criança de 5 anos, que caiu de um prédio em Recife. A criança foi colocada no elevador pela patroa de sua mãe, uma empregada doméstica, enquanto esta passeava com o cachorro.

— A patroa não teve a responsabilidade ética de tratar uma criança de 5 anos como uma criança de 5 anos. Será que isso aconteceu só por causa do desleixo ou porque a criança foi tratada como uma criança não merecia ser cuidada? — questionou a ex-ministra.

A ministra voltou a defender a união para combater o racismo e o negacionismo ambiental. Segundo ela, é preciso reconquistar o laço social entre a população, que estaria desiludida com a política, e as principais lideranças do país.

— Que a gente possa estar unidos em torno de um projeto de país, não de um projeto de poder — disse.

Durante o debate, ex-ministro Ciro Gomes destacou a presença do ex-presidente Fernando Henrique no encontro. Os dois eram aliados quando da formulação do Plano Real, mas se distanciaram nos anos seguintes. Nos últimos anos, Ciro criticou duramente o ex-presidente em diversas ocasiões.

— Ele com todos os títulos aceita debater conosco, especialmente comigo, que nem sempre fui tão cordial nas críticas que lhe fiz, embora sejam todas no plano das ideias. Quero agradecer, foi especial para mim essa convivência — afirma Ciro Gomes.

O ex-ministro afirmou que, embora as condições para o impeachment do presidente Bolsonaro ainda devem ser construídas, tem clareza de que a saída de Bolsonaro.

— Temos três tarefas agora que devem unir todo mundo agora que for possível e que têm boa vontade. Salvar vidas. São estimadas 100 mil mortos até agosto no Brasil. É possível evitar muitas dessas mortes. Salvar empregos. A destruição dos empregos exige uma agenda em que nós exijamos que o governo tome as providêncais. E acima de tudo a defesa da democracia. E, por fim, precisamos na hora própria discutir o que nos fez chegar nesse fundo de poço e como vamos sair disso — disse Ciro Gomes.

Já o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou que, apesar da situação atual, é necessário ter esperança no potencial do Brasil.

— Temos que inventar o futuro, é uma responsabilidade é nossa, como país, como povo, mas precisamos ter energia para descortinar um futuro melhor. Precisamos estar, pelo menos agora, unidos na ideia que sem liberdade não se faz nada. É muito importante que haja união. Não estou dizemo que não temos diferenças entre nós, porque temos ou podemos ter — afirmou o ex-presidente.

O tucano afirmou, ainda, que agora não seroa o momento de relembrar discordâncias políticas dos anos anteriores.

Fernando Henrique Cardoso:

— Diante do risco maior e existe o risco real de escorregarmos para um caminho que não nos convêm. Temos que estar juntos, temos que gritar juntos. Não é momento de ficar recordando quem foi contra isso, ou fez aquilo ou aquilo outro. Não, é um momento em que todos estamos no mesmo barco e esse barco pode ir a pique. Se não mantivermos as condições de liberdade... Eu já vi isso acontecer no Brasil, fui para o exílio. Não é brincadeira, não. Temos que, sobretudo, manter nossa convicção e esperança e agir na direção de um futuro melhor — afirmou FH.

Dimitrius Dantas / O GLOBO
07/06/2020 - 17:14 / Atualizado em 07/06/2020 - 18:10

Tempos incertos

O que nos tem faltado é quem inspire, em vez de ódio e rancor, confiança em nós mesmos. Esta requer serenidade de quem busca despertá-la nos compatriotas; exige compostura, capacidade de convencer pelas ideias, e não pela ameaça.


Em artigo publicado hoje pelo jornal O Estado de São Paulo, Fernando Henrique Cardoso, ex-Presidente da República, analisa a atual conjuntura
     
Os tempos modernos caracterizam-se pela racionalização crescente, dizem os cientistas sociais. Se é verdade que nas culturas mais simples as crenças ditavam o que se devia fazer, com a complexidade do mundo contemporâneo, sobretudo pós-industrialização, a ciência substituiu as crenças. Se isso não vale para o transcendental, devia valer como baliza para as decisões, em especial as que implicam responsabilidade pública.

A ciência serve de guia para recomendar o provado, não elimina a necessidade de juízo político e moral sobre decisões a tomar. Dilemas difíceis chegam em situações de grande incerteza, como agora, pois não só o futuro parece indefinido, mas o presente se mostra volátil. Nestas horas é que mais se requerem lideranças para responder a desafios que exigem soluções complexas. É tarefa de todos ajudar nos resultados a partir do que se alcançou com o conhecimento. Mas os rumos são de responsabilidade moral dos que lideram. Cabe a eles decidir com base no conhecimento, pensando no que é bom ou mau para as pessoas.

Comentaristas repetem que enfrentamos uma “tempestade perfeita”. Chove e venta copiosamente: o coronavírus é pandêmico, a economia mundial está capenga, para não dizer paralisada ou regredindo, e em muitos países os donos do poder creem em mitos – que não são como os dos primitivos, aos quais não havia saber que se contrapusesse.

Assustados com a tempestade, os que, além de crer neles, pensam encarnar mitos, assumem ares de valentia. Na verdade, receiam que sua força se esvaia no confronto com a realidade, que não compreendem. Buscam culpados e inimigos, em vez de diálogo e convergência para atravessar o temporal com o menor dano possível para a economia e as pessoas, sobretudo as do andar de baixo.

Os que mandam nem sempre entendem os sinais de outros setores da sociedade. Desde que inventaram o “nós” contra “eles”, o adversário virou inimigo. E com inimigo não se conversa, se destrói. A menos que se renda e, ajoelhado, repudie suas ideias “subversivas”, que corroem a “ordem”. Não foi o atual governo que nos enredou e se amarrou nessa disjuntiva sinistra, mas a responsabilidade por sua solução é também de quem nos governa.

Em nosso país, com uma tempestade perfeita, o “nós” contra “eles” é criminoso. A vítima é a estabilidade da democracia, conquista civilizatória que nos tem permitido resolver os conflitos políticos de modo pacífico. Quem a põe em xeque ou silencia ante vozes autoritárias não é conservador, é atrasado, tem teias de aranha na alma. É promotor da instabilidade e conivente com o retrocesso civilizatório. Alguns são cultores da violência, do fanatismo e da ignorância. Subversivos são os que assim procedem, não quem ergue a voz para preservar o patrimônio comum de todos os brasileiros: a democracia que construímos.

Esta consideração alcança todos, mulheres e homens, civis e militares, conservadores, liberais ou progressistas. Só os reacionários, que têm no atraso sua bússola, não veem a distinção entre inimigos e adversários. Estes podem ter visões e objetivos diferentes dos que prevalecem nos que mandam, mas, se respeitadas as decisões da maioria, as leis e a Constituição, a diversidade, a diferença, fazem parte do jogo da democracia. Quando se substitui esta noção pela distinção entre “bons” e “maus” como se houvesse uma guerra permanente, começa-se por querer eliminar os “inimigos” e se termina por matar a democracia.

São tempos incertos os que vivemos. Neles a liderança deve apelar à racionalidade, ao bom senso, ao sentimento de solidariedade e de unidade nacional, admitir que não há caminhos fáceis nem soluções mágicas, e o País deve buscá-los de braços dados. O Brasil tem vulnerabilidades, como os grandes aglomerados urbanos onde milhões vivem do trabalho informal em moradias precárias. Sem falar dos desempregados e dos que perderam condições de se empregar. Tem limitações fiscais, que podem e devem ser flexibilizadas num momento de emergência social e econômica, mas não podem ser desconsideradas. E tem ativos como o SUS, instituições de pesquisa científica como a Fiocruz, universidades como a USP e outras, epidemiologistas de categoria internacional, militares e funcionários devotados ao serviço público, uma sociedade civil ativa, governadores e prefeitos que arregaçaram as mangas para enfrentar o desafio, uma imprensa atenta e instituições públicas de controle a zelar pelo bem comum, etc.

O que nos tem faltado é quem inspire, em vez de ódio e rancor, confiança em nós mesmos. Esta requer serenidade de quem busca despertá-la nos compatriotas; exige compostura, capacidade de convencer pelas ideias, e não pela ameaça.

O Brasil já contou com políticas e políticos que despertavam confiança. Convivi com Tancredo Neves, homem de fala mansa, mas de valores firmes. Foi um político de diálogo, atento à necessidade de buscar denominadores comuns em momentos críticos. E com Ulysses Guimarães, que sabia aliar ao diálogo a firmeza, quando necessário. E assim outros.

Que sua lembrança nos inspire a fazer frente aos arreganhos autoritários com firmeza e serenidade. E novos líderes encarnem o espírito enérgico e conciliador que marcou boa parte de nossa liderança, para em 2022 não se repetir a escolha trágica de quatro anos atrás.

Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, foi Ministro das Relações Exteriores e Ministro da Fazenda (Governo Itamar Franco) e em seguida foi eleito Presidente da República por dois mandatos consecutivos.

O Palácio das 'fake news'

Há indícios claros de mau uso do dinheiro público, para financiar notícias falsas

Em entrevista no dia 3 de junho, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), defendeu a necessidade de que a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investiga a produção, disseminação e patrocínio das fake news dê continuidade aos seus trabalhos. “A CPMI precisa voltar a funcionar. Esse tema das fake news é muito sério”, disse Maia. O presidente da Câmara lembrou a importância de apurar quem está financiando no País esse tipo de desinformação.

Sendo um tema que interfere diretamente no funcionamento das instituições democráticas e no exercício das liberdades fundamentais, não há dúvida de que é preciso dar andamento à CPMI das Fake News. Até o momento, o que veio à tona é muito grave e reforça a necessidade de concluir as investigações, identificando os responsáveis. A comissão descobriu, por exemplo, detalhes do funcionamento do chamado “gabinete do ódio”, formado por assessores especiais da Presidência da República. Também foram revelados elementos ligando o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) ao site “Bolsofeios”, usado para desferir ataques virtuais contra o STF, Rodrigo Maia, jornalistas e adversários do presidente Bolsonaro.

Mais recentemente, levantamento feito pela CPMI das Fake News mostrou que o governo federal investiu dinheiro público para veicular 2 milhões de anúncios publicitários em canais que apresentam “conteúdo inadequado”. Elaborada a partir de dados da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom) relativos ao período de junho a julho de 2019, a lista inclui páginas que difundem fake news, promovem jogos de azar e veiculam conteúdo pornográfico. Constatou-se ainda que publicidade oficial foi utilizada para financiar canais que apoiam o presidente Bolsonaro.

Após a divulgação do levantamento, a Secom – órgão responsável pela destinação da verba publicitária estatal – remeteu a responsabilidade pelas irregularidades ao Google, alegando que os recursos foram distribuídos por meio do programa Google Adsense. Segundo nota da Secom, “cabe à plataforma as explicações pertinentes sobre a ocorrência. Os veículos que constam na lista citada pela matéria foram selecionados pelo desempenho aferido pelo algoritmo do Google, e não pela Secom”.

Em entrevista no Palácio do Planalto, o secretário de Comunicação, Fabio Wajngarten, afirmou que cabe à empresa de internet definir as páginas que receberão os anúncios. “Na Secom do presidente Bolsonaro não há desvios, não há favorecimento de A, B ou Z. A Secom preza a tecnicidade e a economicidade”, disse.

A explicação do governo é absurda, uma vez que a responsabilidade pelo destino da verba publicitária é da Secom. Fosse verdade o que diz a nota da Secom, caberia perguntar o que então faz o órgão, uma vez que, segundo a nota, é uma empresa privada que define onde as propagandas do governo irão aparecer. Vale lembrar que esse mesmo governo, que não assume o destino final de sua verba publicitária, é o que interferiu, em abril do ano passado, na publicidade do Banco do Brasil (BB). “Nós não queremos que dinheiro público seja usado dessa maneira”, disse o presidente Bolsonaro na ocasião. Segundo ele, a peça publicitária do BB não refletia a sua “linha” de pensamento.

Na mesma semana em que a CPMI das Fake News apresentou o levantamento de sites com “conteúdo inadequado” que recebem dinheiro público, o governo federal editou portaria transferindo à Secom R$ 83,9 milhões que seriam usados no programa Bolsa Família na Região Nordeste do País. Os recursos serão destinados à comunicação institucional do Executivo federal. Além de não reconhecer o erro na gestão da Secom, o governo Bolsonaro ainda engorda o caixa do órgão com verba de assistência social.

Diante desse modus operandi do Palácio do Planalto, com indícios claros de mau uso do dinheiro público, com financiamento de fake news e até de site pornográfico, além de uma evidente confusão de esferas e responsabilidades, é indispensável que o Poder Legislativo exerça seu papel constitucional de fiscalizar o Executivo. Com muito trabalho pela frente, a CPMI das Fake News não pode parar.

Editorial / Notas e Informações, O Estado de S.Paulo
07 de junho de 2020 | 03h00

Democracia defensiva

Estado brasileiro precisa ser profundamente reformado para que o cidadão dele se sinta participante integral, com direitos e deveres, sob auspícios da Constituição

Ante a perspectiva sombria de que o País mergulhe na violência, como resultado da escalada retórica autoritária do presidente Jair Bolsonaro e da disposição belicosa de seus camisas pardas, emerge um debate crucial sobre os mecanismos por meio dos quais a democracia se defende dos extremistas que, maliciosamente, exploram as liberdades constitucionais para tentar arruiná-la.

A Alemanha, por exemplo, construiu, logo depois da 2.ª Guerra, um arcabouço legal e cívico para proteger sua democracia da ação insidiosa dos herdeiros do nazismo. O objetivo explícito era impedir que a democracia liberal que se pretendia construir fosse arruinada pelo extremismo, como aconteceu com a República de Weimar, que o nazismo pôs abaixo em 1933.

Na reconstrução do Estado alemão, o papel dos partidos – isto é, da representação da vontade política dos alemães – foi reforçado, enquanto a formação de partidos extremistas, tanto de direita como de esquerda, foi proibida. No mesmo sentido, não se confundiu a liberdade de expressão com o discurso de ódio, que foi proibido.

Além disso, o Tribunal Constitucional – que fica em Karlsruhe, a 670 km da capital, Berlim, e portanto geograficamente distante das pressões das autoridades federais – conquistou o apreço de todo o país por defender os cidadãos das injunções do poder e por transformar o respeito à Constituição em demonstração de patriotismo. A reverência à lei substituiu a antiga devoção alemã às autoridades fortes, de modo que a Constituição se tornou o elemento de coesão entre os cidadãos. Uma democracia com essas características é muito mais sólida, mesmo diante da ameaça constante do extremismo.

O Brasil não teve nada parecido com o nazismo, e sua democracia já passou com louvor por testes de estresse bastante significativos desde o fim do regime militar. Mas talvez a ameaça de ruptura desta vez tenha alcançado um patamar tal que torne inevitável articular mecanismos para proteger a democracia de seus inimigos, cada vez mais desabridos. E, assim como aconteceu na Alemanha, será preciso fazer uma reforma do Estado que vá muito além da simples reorganização administrativa.

Essa reforma precisa reduzir o tempo da burocracia, excruciante para os cidadãos que esperam valer seus direitos, tornando o Estado mais eficiente e responsivo. A lentidão estatal, que serve a propósitos obscuros, colabora decisivamente para que os cidadãos percam a confiança na administração pública – e a descrença cresce à medida que, por outro lado, esse mesmo Estado se mostre rápido para despachar demandas de quem tem poder ou se relaciona bem com as autoridades.

É a impotência do cidadão ante esse Leviatã, a despeito dos amplos direitos que a Constituição lhe assegura, que alimenta a desilusão cívica que pode resultar na aceitação, quando não no desejo, de uma solução antidemocrática.

Esse cidadão desencantado é o mesmo que não se reconhece no Estado, e portanto não se sente participante de sua construção e de seu funcionamento. Foi isso o que historicamente facilitou a ascensão dos regimes totalitários na Europa no passado recente. Uma reforma do Estado deve almejar, portanto, uma reconexão com os cidadãos, para que a democracia faça sentido de novo.

Para isso, esse Estado reformulado – necessariamente menor e menos dispendioso do que é hoje – deve se voltar para a execução eficiente de políticas públicas em áreas como segurança, saúde, educação e saneamento básico. Deve, também, ter mecanismos que ensejem uma fiscalização ampla e transparente dos funcionários públicos e das autoridades eleitas, responsabilizando-os pelas suas falhas. Por fim, mas não menos importante, deve ser capaz de estabelecer parcerias com a iniciativa privada, para transformar ações estatais em ações cidadãs. Um exemplo bem-sucedido desse modelo, no Brasil, é o Comitê Gestor da Internet, que alcançou ótimos resultados ao unir Estado e sociedade.

Em resumo, o Estado brasileiro precisa ser profundamente reformado para que o cidadão dele se sinta participante integral, com direitos e deveres, sob os auspícios da Constituição – esta sim, fonte de toda a autoridade e da coesão nacional. Somente assim a democracia ganhará músculos para se defender de seus inimigos.

Editorial / Notas e Informações, O Estado de S.Paulo
07 de junho de 2020 | 03h00