terça-feira, 24 de março de 2020

Gripe de 1918: dez equívocos sobre a ‘maior pandemia da história’

A começar pela denominação “gripe espanhola”, várias falácias sobre a pandemia ainda persistem; conhecer os dados corretos ajuda inclusive no enfrentamento do novo coronavírus.



Hospital Militar no Kansas (EUA), na gripe de 1918. 
(Foto - cortesia do Museu Nacional de Saúde e Meidicina 
do Instituto de Patologia das Forças Armadas, Washington, 
DC / Wikimedia.

Pandemia: é uma palavra assustadora.

Mas o mundo já viu pandemias antes e piores também. Considere a pandemia de gripe de 1918, muitas vezes referida erroneamente como a “gripe espanhola”. Os conceitos errados sobre isso podem estar alimentando medos infundados sobre a Covid-19, e agora é um momento especialmente bom para corrigi-los.

Na pandemia de 1918, acredita-se que entre 50 e 100 milhões de pessoas tenham morrido, representando até 5% da população mundial. Meio bilhão de pessoas foram infectadas.

Especialmente notável foi a predileção da gripe de 1918 por tirar a vida de jovens adultos saudáveis, em oposição a crianças e idosos, que geralmente sofrem mais. Alguns a consideram a maior pandemia da história.

A pandemia de gripe de 1918 tem sido objeto de especulações regulares no último século. Historiadores e cientistas lançaram inúmeras hipóteses sobre sua origem, disseminação e consequências. Como resultado, muitas abrigam equívocos sobre o assunto.

Ao corrigir esses 10 equívocos, todos podem entender melhor o que realmente aconteceu e ajudar a mitigar o custo da Covid-19.

1) A pandemia se originou na Espanha

Ninguém acredita que a chamada “gripe espanhola” tenha se originado na Espanha.

A pandemia provavelmente adquiriu esse apelido por causa da Primeira Guerra Mundial, que estava em pleno andamento na época. Os principais países envolvidos na guerra estavam dispostos a evitar encorajar seus inimigos; portanto, os relatórios sobre a extensão da gripe foram suprimidos na Alemanha, na Áustria, na França, no Reino Unido e nos EUA. Por outro lado, a Espanha neutra não precisou manter a gripe sob sigilo. Isso criou a falsa impressão de que a Espanha estava sofrendo o impacto da doença.

De fato, a origem geográfica da gripe é debatida até hoje, embora hipóteses tenham sugerido o leste da Ásia, a Europa e até o estado do Kansas.

2) A pandemia foi obra de um ‘supervírus’

A gripe de 1918 se espalhou rapidamente, matando 25 milhões de pessoas nos primeiros seis meses. Isso levou alguns a temer pelo fim da humanidade, e há muito alimenta a suposição de que a cepa da gripe era particularmente letal.

No entanto, um estudo mais recente sugere que o próprio vírus, embora mais letal que outras cepas, não era fundamentalmente diferente daqueles que causaram epidemias em outros anos.

Grande parte da alta taxa de mortalidade pode ser atribuída à aglomeração em campos militares e ambientes urbanos, bem como à má nutrição e ao saneamento, que sofreram durante a guerra. Agora, acredita-se que muitas das mortes foram causadas pelo desenvolvimento de pneumonias bacterianas nos pulmões enfraquecidas pela gripe comum (influenza).

3) A primeira onda da pandemia foi mais letal

Na verdade, a onda inicial de mortes pela pandemia na primeira metade de 1918 foi relativamente baixa.

Foi na segunda onda, de outubro a dezembro daquele ano, que as maiores taxas de mortalidade foram observadas. Uma terceira onda na primavera de 1919 foi mais letal que a primeira, mas menos que a segunda.

Os cientistas agora acreditam que o aumento acentuado de mortes na segunda onda foi causado por condições que favoreceram a propagação de uma cepa mortal. As pessoas com casos leves permaneceram em casa, mas as com casos graves estavam frequentemente reunidas em hospitais e acampamentos, aumentando a transmissão de uma forma mais letal do vírus.



Corpos de vítimas da gripe são enterrados no Labrador, 
Canadá, em 1918.  Crédito: Wikimedia

4) O vírus matou a maioria das pessoas que foram infectadas com ele

De fato, a grande maioria das pessoas que contraíram a gripe de 1918 sobreviveu. As taxas nacionais de mortalidade entre os infectados geralmente não excederam 20%.

No entanto, as taxas de mortalidade variaram entre os diferentes grupos. Nos EUA, as mortes foram particularmente altas entre os nativos americanos, talvez devido a menores taxas de exposição a cepas passadas de influenza. Em alguns casos, comunidades nativas inteiras foram exterminadas.

Obviamente, mesmo uma taxa de mortalidade de 20% excede largamente uma gripe típica, que mata menos de 1% das pessoas infectadas.

5) As terapias da época tiveram pouco impacto na doença

Nenhuma terapia antiviral específica estava disponível durante a gripe de 1918. Isso ainda é amplamente verdadeiro hoje, em que a maioria dos cuidados médicos contra a gripe visa apoiar os pacientes, em vez de curá-los.

Uma hipótese sugere que muitas mortes por gripe poderiam realmente ser atribuídas ao envenenamento por aspirina. As autoridades médicas da época recomendavam grandes doses de aspirina, de até 30 gramas por dia. Hoje, uma dose de cerca de 4 gramas seria considerada a dose diária máxima segura. Grandes doses de aspirina podem levar a muitos dos sintomas da pandemia, incluindo sangramento.

No entanto, as taxas de mortalidade parecem ter sido igualmente altas em alguns lugares do mundo onde a aspirina não estava tão prontamente disponível, então o debate continua.

6) A pandemia dominou as notícias do dia

Autoridades de saúde pública, policiais e políticos tiveram razões para subestimar a gravidade da gripe de 1918, o que resultou em menos cobertura na imprensa. Além do medo de que a divulgação completa poderia encorajar os inimigos durante a guerra, eles queriam preservar a ordem pública e evitar o pânico.

No entanto, as autoridades responderam. No auge da pandemia, quarentenas foram instituídas em muitas cidades. Algumas foram forçadas a restringir serviços essenciais, incluindo polícia e bombeiros.

7) A pandemia mudou o curso da Primeira Guerra Mundial

É improvável que a gripe tenha mudado o resultado da Primeira Guerra Mundial, porque os combatentes de ambos os lados do campo de batalha foram relativamente afetados.

No entanto, há poucas dúvidas de que a guerra influenciou profundamente o curso da pandemia. A concentração de milhões de soldados criou circunstâncias ideais para o desenvolvimento de cepas mais agressivas do vírus e sua disseminação pelo mundo.



Vírus da gripe de 1918 reconstituído: aparentemente, 
sua alta letalidade está associada a uma reação exagerada do
sistema imunológico. Crédito: CDC/ Dr. Terrence Tumpey/
Cynthia Goldsmith/Wikimedia.

8) A imunização generalizada encerrou a pandemia

A imunização contra a gripe não foi praticada em 1918 e, portanto, não teve nenhum papel no fim da pandemia.

A exposição a cepas anteriores da gripe pode ter oferecido alguma proteção. Por exemplo, soldados que serviram nas forças armadas durante anos sofreram taxas mais baixas de mortes do que os novos recrutas.

Além disso, o vírus de mutação rápida provavelmente evoluiu ao longo do tempo para cepas menos letais. Isso é previsto por modelos de seleção natural. Como cepas altamente letais matam seu hospedeiro rapidamente, elas não podem se espalhar tão facilmente quanto as cepas menos letais.

9) Os genes do vírus nunca foram sequenciados

Em 2005, os pesquisadores anunciaram que haviam determinado com sucesso a sequência genética do vírus influenza de 1918. O vírus foi recuperado do corpo de uma vítima de gripe enterrada no permafrost do Alasca, bem como de amostras de soldados americanos que adoeceram na época.

Dois anos depois, descobriu-se que macacos infectados com o vírus exibiam os sintomas observados durante a pandemia. Estudos sugerem que os macacos morreram quando seus sistemas imunológicos reagiram exageradamente ao vírus, a chamada “tempestade de citocinas”. Os cientistas agora acreditam que uma reação exagerada do sistema imunológico semelhante contribuiu para altas taxas de mortalidade entre jovens adultos saudáveis ​​em 1918.

10) O mundo não está mais preparado hoje do que em 1918
As epidemias graves tendem a ocorrer a cada poucas décadas, e a mais recente está diante de nós.

Hoje, os cientistas sabem mais sobre como isolar e lidar com um grande número de pacientes doentes e moribundos, e os médicos podem prescrever antibióticos, não disponíveis em 1918, para combater infecções bacterianas secundárias. A práticas de senso comum, como distanciamento social e lavagem das mãos, a medicina contemporânea pode adicionar a criação de vacinas e medicamentos antivirais.

No futuro próximo, as epidemias virais continuarão a ser uma característica regular da vida humana. Como sociedade, podemos apenas esperar que tenhamos aprendido as lições da grande pandemia suficientemente bem para reprimir o atual desafio da Covid-19.

O autor deste texto, Richard Gunderman, é Professor de Medicina, Artes Liberais e Filantropia da Universidade de Indiana (EUA). Esta é uma versão atualizada de um artigo publicado originariamente pela revista Planeta em 11 de janeiro de 2018 e agora transcrito do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. 

segunda-feira, 23 de março de 2020

O infectologista David Uip, coordenador do Centro de Contingência do Coronavírus do Estado de São Paulo, testou positivo para coronavírus nesta segunda-feira, 23.

A informação foi confirmada pelo governador João Doria em suas redes sociais. 

Doria também afirmou que passará pelos exames correspondentes à Covid-19, pois tem convivido diariamente com o médico que costuma participar de coletivas de imprensa sobre as ações a serem tomadas para conter o impacto da pandemia no Estado.

De acordo com Doria, Uip está isolado, passa bem e permanecerá em sua casa.

Em vídeo, o médico garantiu que seguirá colaborando com o Estado no combate à Covid-19 e agradeceu também às mensagens de solidariedade que tem recebido.

Fonte: VEJA.com.br

Brasil acerta nas medidas no combate ao coronavírus, mas desigualdade preocupa, dizem especialistas

Próximos dias serão cruciais para determinar a curva de crescimento do número de casos e o perfil assumido pela epidemia no País

'A desigualdade social é grave e vai se agravar muito com a epidemia', diz especialista
 
Especialistas brasileiros e estrangeiros concordam que o Brasil está tomando as medidas corretas, no momento certo, para reduzir o impacto da disseminação do novo coronavírus. A profunda desigualdade social, no entanto, pode se transformar no maior entrave à eficácia da estratégia. Os próximos dias serão cruciais para determinar a curva de crescimento do número de casos e o perfil assumido pela epidemia no País.

Os quase três meses entre o surgimento da covid-19 na China e o primeiro registro em São Paulo deram ao Brasil uma grande vantagem. O País ganhou tempo para analisar as estratégias adotadas por diferentes países e optar pelas mais bem sucedidas no enfrentamento da infecção.

A experiência estrangeira mostra que as medidas de isolamento e restrição de movimentos devem ser adotadas bem no início da epidemia para funcionarem. Quando cumpridas à risca pela população, são eficazes em reduzir a velocidade da disseminação da doença. Assim, preservam o sistema de saúde do colapso. Ele viria com a explosão de casos em uma quantidade muito acima da capacidade de ação dos hospitais e pessoal médico.

Mas o Brasil tem uma diferença crucial em relação aos outros países por onde passou até agora a epidemia: é uma das nações mais desiguais do mundo. Com 40% da população na informalidade, quem terá condições de ficar em casa por um longo período, sem ganhar dinheiro? Para especialistas, esse é o maior desafio imposto às autoridades brasileiras no enfrentamento da epidemia.

Se o problema não for levado em conta, explicam, as medidas não surtirão o efeito desejado. A epidemia então se abaterá com muita força, sobretudo na população mais carente. Esses brasileiros, muitas vezes, vivem em condições que propiciam ainda mais a disseminação do vírus: sem saneamento básico e aglomerada em espaços exíguos, como as favelas.

“Vejo as próximas semanas com a maior preocupação”, afirma o médico Dráuzio Varella. “Não há experiência prévia dessa epidemia num país com tanta desigualdade social, em que 40% da economia é informal. Precisamos saber como será possível paralisar essas pessoas.”

Doença está deixando vítimas na Ásia e já foi diagnosticada em outros continentes; Organização Mundial da Saúde está em alerta para evitar epidemia
Levantamento divulgado na última quinta-feira, 19, pelo Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde (Nois), formado por especialistas da PUC-RJ, da Fiocruz e do Instituto D'Or, analisou as estratégias adotadas por diferentes países contra o vírus. Constatou a eficácia das medidas de isolamento e restrição da mobilidade. O grupo está monitorando a curva de crescimento dos casos no País.

 “Tentamos identificar em diferentes países como as ações de mitigação impactavam o curso da epidemia dependendo do momento em que são adotadas”, explica o infectologista Fernando Bozza, da Fiocruz e do Instituto D'Or, que participou do levantamento. “A nossa análise mostra que os países que demoraram a adotar as medidas ou não as adotaram nacionalmente têm um resultado pior, e sugere que quando as ações são tomadas precocemente elas são mais eficazes.”

Medidas como isolamento e restrições de deslocamento adotadas pela China e Coreia do Sul foram eficazes na redução das taxas de crescimento dos casos de covid-19. Países como Itália e Espanha, que demoraram mais tempo a tomar tais medidas, tiveram uma curva de crescimento de casos mais acentuada. Agora, são forçados a adotar medidas mais radicais, enquanto enfrentam grande quantidade de mortes, sobretudo de idosos.

No caso da Itália, o crescimento exponencial do número de casos em um período de tempo muito curto provocou o colapso do sistema de saúde. A Itália já ultrapassou a China em número de vítimas fatais, com quase 5.500 mortes, contra 3.270 no país asiático. 

“Muitos países estão olhando agora para a Itália como um caso de estudo e os próprios médicos italianos estão dizendo ‘não façam como nós fizemos’. Quer dizer, não pensem que não é nada, levem isso muito a sério”, afirmou o virologista Kurt Williamson, da Universidade Will & Mary, nos Estados Unidos. “Já está claro que esse vírus pode ser transmitido pelo que chamamos de ‘dispersão comunitária’. Ou seja, não é só quando uma pessoa tosse na sua cara. O contato casual com uma pessoa infectada pode ser o suficiente. Por essas razões, fechar lojas, restaurantes e escolas, trabalhar de casa, manter as pessoas afastadas de grandes aglomerações e eventos sociais é exatamente o que precisamos fazer.”

Itália.

O Reino Unido, inicialmente, adotou uma estratégia diferente da maioria da Europa, isolando somente os doentes, e apostando na chamada imunização de rebanho. De acordo com essa tática, depois que 80% da população tivesse a doença (a maioria de forma branda), seria criada, a médio prazo, uma imunidade coletiva. Mas Boris Johnson mudou rapidamente de ideia depois que um estudo do Imperial College de Londres mostrou que a estratégia resultaria em pelo menos 260 mil mortes no país. Já decretou o fechamento das escolas a partir de segunda-feira, 23.

“A gente sabe que não dá para evitar completamente a epidemia, mas temos de retardar a velocidade de transmissão implementando mais cedo essas medidas; ainda estamos dentro da janela de oportunidade, mas estamos bem em cima dela”, explica Marcelo Gomes, especialista em saúde pública da Fiocruz. Ele é um dos responsáveis pela elaboração de um relatório que estima o risco da disseminação da epidemia no Brasil. “A questão toda agora é saber se a população vai, de fato, aderir às recomendações; esse é um ponto muito importante. Se a população não aderir, a gente vai encontrar um cenário extremamente preocupante.”

Mas Gomes também chama atenção para a questão da desigualdade social. Enquanto parte da população brasileira tem condições de restringir os deslocamentos e trabalhar de casa, uma boa parcela dos brasileiros não tem essa opção.

“Não é só uma questão de passar informação e convencer as pessoas. Muita gente tem dificuldade de aderir a essas medidas, são trabalhadores informais, gente que não tem carteira assinada, que não pode fazer trabalho remoto”, disse Gomes. “Como é que essa população vai conseguir aderir? Sem medidas de apoio por parte do governo, a escolha é entre o risco de adoecer e a falta de renda no final do mês. É preciso dar suporte a essa população, como foi feito na Alemanha e na França.”

O ministro da Economia, Paulo Guedes, já anunciou que pretende destinar R$ 200 mensais aos trabalhadores autônomos que não recebam o Bolsa Família. Para os especialistas, no entanto, isso não é suficiente.

“A imensa maioria da população vive no limite da sobrevivência. Seria preciso garantir a ela uma renda mínima, nem que fosse provisória, durante alguns meses”, defendeu o presidente do Conselho Deliberativo da Oxfam Brasil, Oded Grajew. “E também a criação de um imposto de solidariedade que incidisse sobre a parcela mais rica da população.”

Balanço do Ministério da Saúde divulgado no domingo, 22, mostra que País já tem 25 mortes pela doença e 1.546 casos confirmados.

Medidas que os governos federal, estaduais e municipais vem tomando contra o avanço da doença

Fechamento de fronteiras e restrição de voos
Isolamento dos idosos, que são a população de maior risco
Trabalhar de casa sempre que possível
Evitar deslocamentos necessários; sair apenas para trabalhar e comprar comida
Restrição nos deslocamento intermunicipal e dentro dos estados
Restrição no uso dos transportes públicos
Evitar aglomerações em shows, eventos esportivos, festas, praia
Suspensão das aulas em escolas e universidades
Restrição do funcionamento de restaurantes e bares
Fechamento de shoppings centers e academias de ginástica.

Roberta Jansen, O Estado de S.Paulo

Brasil teria onze vezes mais casos de coronavírus do que o notificado oficialmente, diz pesquisa

"Estamos vendo a ponta de um grande iceberg".

O  Brasil teria hoje mais de 15 mil casos do novo coronavírus – onze vezes mais do que os 1.546 registrados oficialmente. A estimativa é do Centro para Modelagem Matemática de Doenças Infecciosas da London School of Tropical Medicine, do Reino Unido, que fez uma estimativa da subnotificação da covid-19 em vários países. O levantamento mostra que no Brasil apenas 11% do total de casos foram diagnosticados.

"Estamos vendo a ponta de um grande iceberg", afirmou o epidemiologista Roberto Medronho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que não participou do estudo, mas analisou os dados a pedido do Estado. "As minhas estimativas eram bem similares, cerca de 10%, mas isso não é, necessariamente, uma falha do sistema."

Coronavírus Rio de Janeiro

Dentre os casos que apresentam sintomas, apenas uma parte procura o sistema de saúde
Roberto Medronho, epidemiologista da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Isso acontece, segundo especialistas, porque a grande maioria (cerca de 80%) dos casos da infecção pelo novo coronavírus é assintomática ou apresenta sintomas muito leves e acaba não sendo diagnosticada. Atualmente, no Brasil, apenas os casos mais graves, que chegam aos hospitais e são testados, estão recebendo o diagnóstico oficial.

"Dentre os casos que apresentam sintomas, apenas uma parte procura o sistema de saúde", explicou Medronho. "Desses que vão ao hospital, apenas parte é diagnosticada como covid-19 e outra parte pode receber um diagnóstico errado. E ainda tem casos que não são notificados oficialmente."

O mesmo estudo mostra que na Itália, que enfrenta uma das piores epidemias, o percentual de casos diagnosticados corresponderia a apenas 4,6% do total real. Número parecido com o da Espanha, 5,3%. França e Bélgica têm percentuais similares ao do Brasil, respectivamente 9,2% e 12%.

Por outro lado, nos países que tiveram resultados melhores na contenção da epidemia, como a Coreia do Sul e a Alemanha, os percentuais de casos diagnosticados seriam bem mais próximos do número real, respectivamente 88% e 75%. Isso ocorre porque esses países tiveram condições de testar a grande maioria de sua população – mesmo a que não apresentava sintomas – isolando imediatamente todos aqueles cujo teste deu positivo.

Por isso a Organização Mundial de Saúde (OMS) insiste que a testagem em massa é fundamental. O problema é que não há testes disponíveis na escala que seria necessário para o Brasil, com 210 milhões de habitantes. "Esse levantamento mostra que a estratégia de testagem em massa e isolamento daqueles que testam positivo tem um grande impacto na redução da curva de crescimento da doença", explicou Medronho. "A redução da subnotificação é importante e é crucial que o ministério esteja se adequando a essa diretriz, e aumentando a testagem."

Embora o estudo tenha sido feito por uma das mais respeitadas instituições científicas do mundo, ele não foi ainda publicado em uma revista científica, o que significa que também não foi revisado por outros especialistas. Esse procedimento é aceitável em um momento de pandemia, em que a rapidez na divulgação de informações como essa pode ser importante para elaborar e aprimorar políticas públicas.

Roberta Jansen, O Estado de S.Paulo

Em ano de coronavírus, dengue não para de fazer vítimas no Brasil

Especialistas temem que covid-19 leve população a se descuidar no combate a outras doenças que assolam o país, especialmente a dengue. Casos prováveis da enfermidade neste ano ultrapassam 300 mil, com 32 mortes.

Nas ruas da cidade de São Paulo, o trabalho das equipes de zoonoses não para. Enquanto a pandemia do novo coronavírus avança e leva moradores a ficarem em casa, os agentes se protegem como podem durante as visitas a residências em busca de um outro causador de doença: o mosquito Aedes aegypti.

"É claro que estamos com medo, usamos luvas e máscaras quando entramos nas casas. Mas os números da dengue também estão alarmantes", disse a coordenadora de uma das equipes de combate à dengue que prefere não ter o nome citado na reportagem.

O Aedes aegypti, conhecido dos brasileiros, é vetor não apenas da dengue. O mosquito também é capaz de transmitir a humanos doenças como chikungunya e zika.

Considerando-se os boletins divulgados pelos estados, a soma dos casos prováveis de dengue ultrapassa 300 mil, até o começo de março. São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul concentram a maioria deles.

Levando-se em conta os dados mais recentes divulgados pelo Ministério da Saúde para 2020, que disponibiliza notificações recebidas até a segunda semana de fevereiro, os casos de dengue subiram 71% em relação ao mesmo período do ano passado. Foram 32 mortes confirmadas neste ano, o dobro das 16 registradas nas primeiras semanas de 2019. O número total registrado na última temporada de verão, no entanto, deve ser muito maior, pois a chegada do coronavírus ao Brasil pode ter atrasado a divulgação dos boletins epidemiológicos no ministério.

"Estamos em plena estação de dengue", comenta Expedito José de Albuquerque Luna, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP). "A notificação deve estar sendo negligenciada nos estados devido à pandemia."

A explosão da dengue no início de 2020 segue a tendência de 2019, quando houve uma alta de 488% em relação ao ano anterior.

"Dengue é uma doença urbana, e o inseto é adaptado a nós, que somos o alimento dele. Em cidades de países subdesenvolvidos, como o Brasil, há muitas pessoas vivendo em situação precária e sem saneamento básico. Por isso é tão difícil acabar com a doença”, analisa Luna.

Vigilância e negligência

Apesar da gravidade da pandemia do novo coronavírus e das 25 mortes contabilizadas até a manhã desta segunda-feira (22/03), é urgente não descuidar do combate a doenças transmitidas principalmente pelo Aedes aegypti.

"A dengue está aí há anos. A cada verão se tem uma epidemia. Mas a ação para evitar isso é mais difícil", compara Dilene Raimundo do Nascimento, da Casa de Oswaldo Cruz.

Para um combate eficiente, avalia Nascimento, influenciam o estágio da pesquisa científica, tecnologia e dos interesses científico e político em relação à doença. "Quando a dengue surgiu, ela acometia uma população mais pobre, porque o mosquito precisa de água limpa para se reproduzir. E quem tem que acumular água limpa é quem não tem água encanada em casa", pontua a pesquisadora.

Segundo a médica, foi apenas quando a dengue se expandiu para a zona sul do Rio de Janeiro e começou a se manifestar como dengue hemorrágica que houve um interesse maior. "Mas, mesmo assim, não foi um interesse resolutivo", critica.

A corrida pelo desenvolvimento de uma vacina eficiente contra a dengue continua. A única liberada até o momento é do laboratório Sanofi-Aventis. Mas é controversa: não pode ser usada em menores de nove anos e é recomendada apenas para quem já teve dengue uma vez. Um acompanhamento de longo prazo com voluntários que participaram das pesquisas mostrou que a pessoa vacinada que contrai dengue pela primeira vez pode desenvolver uma forma mais grave da doença.

Expedito José de Albuquerque Luna, pesquisador da USP, acompanha um estudo que avalia um grande uso dessa vacina no Paraná em pessoas que já tiveram dengue. Os primeiros resultados devem ser divulgados a partir de maio.

Outros surtos em andamento

Antes de a covid-19, a doença respiratória causada pelo novo coronavírus, fazer suas primeiras vítimas no Brasil, a dengue já não era a única doença a assombrar a população. Outra ameaça atual é o sarampo, doença viral grave, especialmente para crianças menores de cinco anos que sofrem com desnutrição e baixa imunidade. A transmissão é parecida com a do coronavírus: ocorre a partir de gotículas de doentes ao espirrar, tossir, falar ou respirar.

Depois de décadas sem circular no Brasil, o sarampo contaminou 19,3 mil e matou 15 no país em 2019, segundo informações reportadas à Organização Mundial da Saúde (OMS). Até o começo de fevereiro deste ano, 338 novos casos foram confirmados no Brasil, com três mortes. Para conter o vírus, a estimativa é que mais de 3 milhões de brasileiros entre 5 e 19 anos, ainda não imunizados, sejam vacinados, informou o Ministério da Saúde.

"A vacina evita que as crianças tenham sarampo. O que é necessário para que a população seja vacinada? Política pública. Os órgãos de saúde precisam ter uma política clara para essa questão", critica Dilene Raimundo do Nascimento, médica e pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz, da Fiocruz.

A volta dos óbitos provocados pelo sarampo, analisa Nascimento, pode ser explicada. "Houve um relaxamento das campanhas de imunização. Então, tivemos a volta do sarampo, que é algo absurdo", lamenta.

A preocupação com contaminação viral se estende à febre amarela, que pode ser combatida com vacina há mais de 80 anos. Desde junho de 2019, 503 pessoas foram infectadas.

Há cinco décadas acompanhando epidemias pelo mundo, o infectologista Hélio Bacha, da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, pontua ainda outros males que assolam a saúde pública.

"A zika, claro, foi uma grande epidemia, mas não havia óbitos. Havia, fundamentalmente, malformação e sequelas graves", pontua Bacha. Desde janeiro, foram notificados 579 casos prováveis de zika no país, segundo dados oficiais. "Por outro lado, os danos para os pacientes que nasceram com microcefalia provocada pelo vírus zika são duradouros, o que é muito triste."

Fonte: Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha produzindo jornalismo independente em 30 idiomas. 

Como a crise do coronavírus pode afetar o futuro global

Pensadores debatem sobre o modo com que a crise atual impactará as relações entre os países e as formas de governo mundo afora.

A pandemia do novo coronavírus parece ainda estar no início em boa parte do mundo, mas já causou milhares de mortes, impactou a economia global e restringiu a circulação de milhões de pessoas.A pandemia do novo coronavírus parece ainda estar no início em boa parte do mundo, mas já causou milhares de mortes, impactou a economia global e restringiu a circulação de milhões de pessoas.

A pandemia do novo coronavírus parece ainda estar no início em boa parte do mundo, mas já causou milhares de mortes, impactou a economia global e restringiu a circulação de milhões de pessoas.

Enquanto médicos correm para tentar produzir uma vacina que combata o vírus Sars-Cov-2, pensadores debatem como a crise atual impactará as relações entre os países e as formas de governo mundo afora.

O novo coronavírus forçará governos nacionalistas - como o chefiado por Donald Trump nos EUA - a rever atitudes e buscar uma resposta coordenada com outras nações, uma vez que a pandemia tem ignorado fronteiras?

O aparente sucesso das rígidas medidas impostas pela China no combate à covid-19, em contraste com a hesitação de democracias ocidentais como EUA, Itália e Espanha, expõe que regimes autoritários estão mais preparados para lidar com desafios do mundo moderno?

Essas foram algumas das questões levantadas a partir de um artigo escrito no fim de fevereiro pelo filófoso italiano Giorgio Agamben.

Nas últimas décadas, Agamben se notabilizou por obras em que analisou medidas de "estado de exceção" adotadas por governos ocidentais sob a justificativa de combater o terrorismo.

Segundo o filósofo, essas medidas - como a difusão de dispositivos de controle de mídias digitais e o escaneamento em aeroportos - acabaram se aplicando a todos os cidadãos, fazendo com que o estado de exceção se tornasse a norma e abarcasse toda a sociedade.

Estado de exceção como normal

Em texto publicado em 25 de fevereiro no jornal italiano Il Manifesto, Agamben avaliou que a pandemia do novo coronavírus estava reforçando a tendência "de se utilizar o estado de exceção como paradigma normal de governo".

Ele criticou um decreto-lei publicado pelo governo italiano com uma série de medidas para tentar conter a doença, como o fechamento de escolas, a proibição de eventos e o bloqueio a áreas afetadas.

Pandemia do novo coronavírus afetou todo o mundo e fez com que sociedade repensasse relações
Segundo Agamben, as medidas haviam promovido uma "verdadeira militarização" do país, embora, segundo ele, a covid-19 fosse equivalente a uma "gripe normal".

Para o filósofo, autoridades e meios de comunicação italianos estavam espalhando "um clima de pânico" sobre a pandemia para justificar a adoção de medidas restritivas.

"Parece que, por ter se esgotado o terrorismo como causa de medidas emergenciais, a invenção de uma epidemia poderia oferecer o pretexto ideal para estendê-las para além de todos os limites", escreveu o filósofo.

Solidariedade global

O texto foi rebatido por vários acadêmicos, que discordaram da análise de Agamben sobre a baixa periculosidade da pandemia.

Em artigo no site The Philosophical Salon, mantido pela revista literária Los Angeles Review of Books, o filósofo esloveno Slavoj Žižek disse que a criação de um pânico artificial em torno da pandemia não seria do interesse de governos, pois perturbaria a economia e ampliaria o desgaste das autoridades perante a população.

"São claros os sinais de que, não apenas as pessoas comuns, mas também os poderes estatais estão em pânico, plenamente conscientes de não serem capazes de controlar a situação", afirmou o esloveno.

Žižek reconhece que as quarentenas impostas pelos governos limitaram a liberdade, mas aponta para um possível desdobramento positivo da crise atual.

Para filósofos, pandemia põe em xeque governos que tratam a soberania nacional e dão pouca atenção ao que ocorre fora de suas fronteiras
Segundo ele, "a ameaça de infecção viral também deu um tremendo impulso a novas formas de solidariedade local e global, além de deixar clara a necessidade de controle sobre o próprio poder".

O filósofo cita, como prova da necessidade de controle do poder, a atitude de autoridades de Wuhan - cidade chinesa onde a doença surgiu - que omitiram informações iniciais sobre o surto, atrasando a adoção de medidas de contenção.

Resposta global

Žižek diz que a pandemia também pôs em xeque governos que tratam a soberania nacional como valor supremo e dão pouca atenção ao que ocorre fora de suas fronteiras.

Afinal, diz ele, a Organização Mundial de Saúde (OMS) tem dito que somente uma resposta articulada globalmente permitirá um combate eficiente contra a pandemia.

"Esta epidemia pode ser evitada, mas apenas com uma abordagem coletiva, coordenada e abrangente que envolva todo o mecanismo do governo ", disse, em 5 de março, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus.

Segundo Žižek, um dos governos mais pressionados pela pandemia é o de Donald Trump, que se elegeu com o slogan "América primeiro" e vinha dando pouca atenção a organismos internacionais, mas agora é cobrado a participar dos esforços globais para conter a pandemia.

Žižek diz que "a presente crise demonstra claramente como a solidariedade e a cooperação globais são do interesse da sobrevivência de cada um de nós, que é a única coisa racionalmente egoísta a se fazer."

Fim da globalização?

Em 8 de março o economista Will Huton, diretor do Hertford College, da Universidade de Oxford, publicou no jornal britânico The Guardian um artigo intitulado "O coronavírus não acabará com a globalização, mas a mudará para muito melhor".

Nele, ele diz que, com a pandemia, "uma forma de globalização não regulamentada e de livre mercado, com sua propensão a crises e pandemias, certamente está morrendo".

"Mas outra forma que reconhece a interdependência e a primazia da ação coletiva baseada em evidências está nascendo", afirmou.

Para Huton, haverá mais pandemias no futuro, e elas forçarão os governos a investir na saúde pública e a respeitar a ciência - assim como adotar providências semelhantes quanto às mudanças climáticas, ao cuidado dos oceanos, às finanças e à cybersegurança.

Compartilhamento de informações

Autor dos bestsellers Sapiens e Homo Deus, o historiador e filósofo israelense Yurval Harari publicou um artigo com conclusões semelhantes na revista Time , em 15 de março.

Nele, Harari afirma que muitas pessoas têm culpado a globalização pela pandemia do coronavírus e defendido "desglobalizar" o mundo - construindo muros, restringindo viagens e limitando o comércio - para prevenir novas ocorrências desse tipo.

"Isolacionismo no longo prazo só levará ao colapso econômico, sem oferecer nenhuma proteção real contra doenças infecciosas", diz historiador e filósofo israelense Yurval Harari
Porém, diz ele, embora restrições de curto prazo sejam essenciais para limitar a propagação do vírus, "o isolacionismo no longo prazo só levará ao colapso econômico, sem oferecer nenhuma proteção real contra doenças infecciosas".

"O real antídoto contra a epidemia não é segregação, mas a cooperação", defende.

Segundo Harari, a história mostra que o compartilhamento de informações científicas e a solidariedade global são as principais armas para combater crises como esta.

Para o israelense, "a coisa mais importante que as pessoas precisam entender sobre essas epidemias é que a propagação da epidemia em qualquer país ameaça a espécie humana inteira".

Ele afirma que, se pandemia ampliar as divisões e desconfianças entre os humanos, "será a maior vitória do vírus".

Já se ela provocar uma maior cooperação global, "será uma vitória não só contra o coronavírus, mas contra todos patógenos futuros".

As formas como a China e os EUA têm reagido à pandemia também têm sido analisadas por pensadores, que tentam prever como a crise atual impactará a disputa entre as duas nações mais poderosas do mundo.

Gideon Rachman, principal colunista de política externa do jornal britânico Financial Times, publicou em 16 de março um artigo no qual diz que a China tem conseguido mudar as percepções sobre sua reação à pandemia.

Inicialmente criticada por ter censurado e punido médicos que alertaram sobre a gravidade da covid-19, a China tem conseguido conter novas infecções após medidas drásticas adotadas pelo governo.

Por outro lado, a doença vem avançando rapidamente na Europa e nos EUA, gerando dúvidas sobre a capacidade de reação dos governos ocidentais.

O número de mortos pela covid-19 na Itália, país europeu mais afetado pela pandemia, já ultrapassou o total de mortos na China, embora o país asiático tenha 23 vezes mais habitantes que o europeu e esteja exposto ao vírus há mais tempo.

Rachman afirma que, em parte, a relutância de europeus em adotar medidas duras contra a epidemia, permitindo que os casos se multiplicassem rapidamente, reflete "as dificuldades que democracias terão em manter restrições de estilo chinês por longos períodos".

Formas como a China e os EUA têm reagido à pandemia têm sido analisadas por pensadores, que tentam prever como a crise atual impactará a disputa entre as duas nações mais poderosas do mundo
"com a Espanha, a Itália e a França impondo duros controles sobre o movimento das pessoas, as capacidades administrativas e sociais da democracia europeia estão enfrentando um teste de estresse extraordinário", diz.

Para Rachman, os resultados distintos de chineses e países ocidentais no enfrentamento da epidemia farão com que "a crença de que a China está em ascenção e de que o Ocidente está em inexorável declínio ganhe novos adeptos".

O cenário também encorojará argumentos pró- autoritarismo e anti-democracia tanto na China quanto no Ocidente, diz ele.

"A última crise global - o colapso financeiro de 2008 - desencadeou uma perda da autoconfiança ocidental e uma mudança do poder político e econômico para a China. A crise do coronavírus em 2020 poderá forçar uma mudança muito maior na mesma direção", diz o analista. 

Racham, ressalva, no entanto, que países democráticos na Ásia - como a Coreia do Sul, Singapura e 
Taiwan - também têm tido sucesso na cotenção do vírus sem recorrer à paralisação total.
Esses países, diz o analista, aplicaram exames de detecção em larga escala e foram rápidos em adotar o distanciamento social - medidas que, segundo ele, os EUA e a União Europeia provavelmente levaram muito tempo para encampar.

Outra ressalva feita por Rachman é que, apesar do aparente sucesso chinês em conter o vírus, o país ainda terá de responder "como deixaram o vírus fugir do controle em primeiro lugar, e o que vai acontecer quando as restrições de movimento forem aliviadas".

Resposta dos EUA

Outro elemento a se considerar nos desdobramentos da crise é como os EUA reagirão, escrevem Kurt Campbell e Rush Doshi em artigo para a revista Foreign Affairs, em 18 de março.

Eles argumentam que o status dos EUA como um líder global nas últimas sete décadas foi construído não só em cima de riqueza e poder, mas também na sua capacidade e disposição de coordenar respostas a crises globais, na legitimidade de sua governança doméstica e na sua oferta de bens para outras nações.

"A pandemia do coronavírus está testando todos os três elementos da liderança dos EUA. Até agora, Washington está sendo reprovado no teste", afirmam.

Eles dizem que os EUA têm evitado assumir um papel de liderança global no enfrentamento da pandemia - postura distinta da adotada no governo Barack Obama durante a crise do ebola, na África, em 2014.

Afirmam ainda que os EUA hoje dependem de importações para suprir suas necessidades de equipamentos e medicamentos contra a covid-19 e têm falhado em examinar casos suspeitos.

"A China, em contraste, tem promovido uma campanha diplomática intensa para reunir dúzias de países e centenas de autoridades, geralmente por videoconferência, para compartilhar informações sobre a pandemia e lições da experiência da própria China no combate à doença", argumentam.

O país asiático é ainda o maior produtor de máscaras e outros equipamentos usados contra a pandemia.

"Quando nenhum país europeu respondeu ao pedido urgente da Itália por equipamentos médicos e de proteção, a China publicamente se comprometeu a enviar mil ventiladores, dois milhões de máscaras, 100 mil respiradores, 20 mil aventais de proteção, e 50 mil kits de exame", dizem.

A China também enviou equipes médicas e 250 mil máscaras ao Irã, além de enviar equipamentos para a Sérvia. O fundador da Alibaba, gigante chinesa de comércio eletrônico, se comprometeu a enviar kits de exame e máscaras para os EUA, além de 20 mil kits de exame e 100 mil máscaras para cada um dos 54 países africanos.

Os autores defendem que, em vez de se contrapor aos chineses na resposta à pandemia, os EUA deveriam coordenar seus esforços com Pequim para desenvolver uma vacina contra a covid-19, socorrer a economia global, compartilhar informações, mobilizar indústrias para produzir equipamentos médicos e oferecer ajuda a outros países.

"No fim das contas, o coronavírus pode até servir como um alerta, promovendo o progressso em outros desafios globais que requerem a cooperação EUA-China, como as mudanças climáticas", diz o artigo.

"Esse passo não deve ser visto - e não seria visto pelo resto do mundo - como uma concessão ao poder chinês. Em vez disso, ele ajudaria a restaurar a fé no futuro da liderança americana."

João Fellet, da BBC News Brasil em São Paulo

sábado, 21 de março de 2020

Brasil tem 18 mortes confirmadas por coronavírus

Número de casos chega a 1.128, de acordo com Ministério da Saúde - informa O Estado de São Paulo.

São Paulo concentra o maior número de óbitos, 15; taxa de letalidade da doença é de 1,6% no País

 Defesa abre centro de operações militares e CGU lança canal sobre covid-19
 Rio tem a terceira morte confirmada; Estado tem 119 infectados.

O porque do isolamento social nestes tempos de coronavírus


Planeta Terra, hora zero

Os impactos sociais, políticos e econômicos da pandemia de covid-19 apontam para uma espiral de desconstrução sem precedentes. Não sairemos dessa como entramos.

"Se há um país onde a covid-19 pode transformar-se num genocídio, este é o Brasil", escreve J.P. Cuenca, escritor e cineasta, que vive entre São Paulo e Berlim.

Um espectro ronda a Europa – o espectro do coronavírus.

Invisíveis, acelulares, vírus são micro-organismos parasitários que dependem inteiramente da interação com uma célula viva. Sem elas, deixam de se reproduzir e dormem como vírions – até encontrar outra célula hospedeira. Microscópicos, eles medem entre 20 e 300 nanômetros. Se um vírus tivesse o tamanho de uma bola de tênis, um ser humano teria 800 quilômetros de altura. 

Ainda assim, sua biomassa é maior que a nossa. Somados, os vírus do planeta pesam mais de 3 vezes toda a população humana.

Nós representamos apenas 0,01% da vida terrestre – a biomassa dos seres humanos é menor também que a de fungos, bactérias e insetos. Apenas os artrópodes (insetos, crustáceos e aracnídeos) têm biomassa 17 vezes maior. O total de peixes nos oceanos pesa 11 vezes mais que os 7,7 bilhões de seres humanos do planeta, e por aí vai. Não nos enxergamos.

Talvez por isso, nosso impacto sobre a Terra seja brutalmente desproporcional. Especialmente a partir da Revolução Industrial, nossas intervenções por aqui alteraram os ecossistemas terrestres a ponto de ameaçarem nossa existência – e a de tantas outras espécies, bastante mais nobres. O aquecimento global é apenas um dos desafios colocados pelo Antropoceno, nova era geológica marcada pela nossa atuação.

"Nossa", e aí, claro, incluo o nosso sistema capitalista como o protagonista desse apocalipse.

Há uma boutade, atribuída em memes ao Žižek, que diz ser mais fácil imaginar o fim do mundo que o fim do capitalismo. E talvez o planeta tenha precisado de uma pandemia global para finalmente negar o anticientificismo, o negacionismo climático e as políticas neoliberais de extermínio do Estado, embaladas pelo neofascismo populista da segunda década do século 21.

Está claro que não apenas o acesso à saúde precisa ser igualitário entre os cidadãos de um país, mas também entre os países. E não só a pandemia deve ser combatida num esforço conjunto dos governos, mas também a recessão econômica mitigada por políticas anticíclicas globais. Talvez micro-organismos tenham ensinado a economistas e formuladores de política o que o senso comum keynesiano não conseguiu.

Se estou sendo otimista? Depois de amanhã, sim. Hoje, ainda falta um longo, muito longo e escuro, túnel a atravessar.

***

Penso em Decameron. Logo no início do livro, Bocaccio apresenta um panorama da Europa flagelada por outra peste vinda do Oriente, a de 1348. Vamos a ele.

Uma vez que "não só falar e conviver com os doentes causava a doença (…), como também as roupas ou quaisquer outras coisas que tivessem sido tocadas ou usadas pelos doentes pareciam transmitir a referida enfermidade”, a população local dividiu-se: "Alguns, considerando que viver com temperança e abster-se de qualquer superfluidade ajudaria muito a resistir à doença, reuniam-se e passavam a viver separados dos outros, encerrando-se em casas onde não houvesse nenhum enfermo e fosse possível viver melhor, usando com frugalidade alimentos delicadíssimos e ótimos vinhos, fugindo a toda e qualquer luxúria, sem dar ouvidos a ninguém e sem querer ouvir notícia alguma de fora, sobre mortes ou doentes, entretendo-se com música e com os prazeres que pudessem ter.”

Os nobres florentinos do século 14  jamais poderiam imaginar tamanha semelhança com os brasileiros privilegiados quase sete séculos depois.

Aqui, por enquanto lidamos com a falta de álcool gel, as agruras do isolamento social em home office e a indecisa navegação no catálogo da Netflix – num país onde 48% da população não têm coleta de esgoto, e quase 35 milhões de pessoas não têm água tratada em casa. Onde a população que tem a sorte de ter um trabalho precário ainda está exposta ao vírus sem garantias ou direitos. Sem falar nos milhões de brasileiros em situação de rua – apenas em São Paulo, foram 419 mil os abordados em 2019. Se há um país onde essa gripe pode transformar-se num genocídio, este é o Brasil.

A população menos sortuda, segue Bocaccio, repartia-se entre "rir e zombar do que estava acontecendo”, "abandonar sua cidade, suas casas, suas propriedades, seus parentes e suas coisas, buscando os campos da sua região ou das alheias” e, claro, adoecer e morrer, "sem nenhum socorro de médicos nem ajuda de serviçais, (…) não como homens, mas quase como animais”. A Europa perdeu cerca de um terço da sua população, só duzentos anos depois recuperou seu índice populacional pré-peste – e vou poupá-los das descrições sobre valas comuns e cadáveres abandonados pelas calçadas.

***

Sobre os governantes florentinos, Bocaccio escreve: "Em meio a tanta aflição e miséria da nossa cidade, a veneranda autoridade das leis divinas e humanas estava quase totalmente decaída e extinta porque seus ministros e executores, assim como os outros homens, estavam mortos ou doentes, ou então se encontravam tão carentes de servidores que não conseguiam cumprir função alguma; por esse motivo, era lícito a cada um fazer aquilo que bem entendesse.”

Até agora, 22 (vinte e dois) integrantes da comitiva do presidente Jair Bolsonaro que viajou aos Estados Unidos recentemente foram infectados com o coronavírus. O presidente diz ter testado negativo, mas, a uma altura dessas, poucos acreditam nele. Frente a crise, a atuação errática desse governo néscio, comandado por um fascista psicopata, é ameaça maior à população brasileira que qualquer pandemia.

Aqui, na terra sem revolução, onde o progresso é fumaça e os direitos são alheios, o desespero costuma vir sem raiva. Mas, nessa última semana, algumas placas tectônicas deslocaram-se no Brasil: o som é familiar, acordaram as panelas.

Desde janeiro de 2019, Bolsonaro falou e governou exclusivamente para o seu terço. O terço que o levaria pro segundo turno de 2022, e aí ele daria o seu jeito – com a máquina, acordos, tribunais, o que fosse. Essa estratégia parece ter funcionado apenas  até domingo passado, quando o presidente do Brasil prestigiou uma manifestação golpista e abraçou eleitores quando deveria estar em quarentena.

Uma pandemia exige discurso e postura majoritária. Agora Bolsonaro precisa – por sobrevivência política, pela primeira vez – falar e governar para todos os brasileiros. Como isso ultrapassa seu ethos, e ele segue dobrando a aposta no derretimento das instituições, é fácil apostar em qualquer tipo de aventura golpista (ou contragolpista) nos próximos meses. Ainda mais sob uma crise econômica aparentemente sem precedentes – sob um Ministro da Economia que já mostrou ser um inapto em qualquer um dos sentidos que possamos dar a palavra.

O trem suicida da civilização veio descarrilar na floresta tropical. Em nenhum outro país do mundo com essa escala há um projeto tão claramente genocida de destruição da natureza e do Estado democrático de Direito. Talvez o mundo como o conhecemos, sob a religião do capitalismo tardio, comece a acabar aqui – ou já tenha acabado e estejamos diante de seus rescaldos.

Mas depois do túnel há uma curva fechada. Não sairemos dessa como entramos, nunca tivemos tanto pelo que lutar – e, em meio ao caos, isso é uma boa notícia.

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Escritor e cineasta, J.P. Cuenca é autor de cinco livros traduzidos para oito idiomas. Seu último romance, Descobri que estava morto, foi vencedor do Prêmio Machado de Assis da Fundação Biblioteca Nacional e deu origem ao longa-metragem A morte de J.P. Cuenca, exibido em mais de 15 festivais internacionais. Ele hoje vive entre São Paulo e Berlim. Siga-o no Twitter, Facebook e Instagram como @jpcuenca.

Este artigo foi publicado originalmente pela Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha, que produz jornalismo independente em 30 idiomas. Siga-nos no Facebook | Twitter |

Quase 1 bilhão de pessoas já estão confinadas pelo mundo

Mais e mais países vêm adotando medidas drásticas para restringir a circulação de pessoas. De Paris a Nova York, de Buenos Aires a Roma, centenas de milhões vêm tentando se adaptar à nova rotina de restrições.

A Espanha é o segundo país europeu com maior registro de mortes pelo novo coronavírus.

Quase um bilhão de pessoas pelo mundo estão confinadas em suas casas neste sábado (21/03) por causa da pandemia do novo coronavírus, conforme mais e mais países, tanto em nível estadual quanto nacional, vêm adotando medidas drásticas para conter a circulação de pessoas e aglomerações.

De Roma a Nova York, de Buenos Aires a Paris, centenas de milhões de pessoas vêm tentando se adaptar às novas restrições. Neste sábado, a Bolívia foi o mais recente país a se juntar ao grupo de nações que decretou restrições em nível nacional para tentar frear o avanço da pandemia. Bélgica, França, Espanha e Itália também já determinaram que seus cidadãos só saiam de casa para desempenha atividades essenciais.

A agência AFP apontou que pelo menos 900 milhões de pessoas estão confinadas em suas casas em 35 países ao redor do mundo – incluindo 600 milhões de pessoas em 22 países que vem sendo submetidas a ordens obrigatórias para não sair de casa.

O confinamento também será geral a partir de domingo na Tunísia. Na terça-feira, será a vez da Colômbia. A Argentina já havia anunciado a medida na quinta-feira.

Já a Itália chegou ao décimo dia da imposição de uma quarentena nacional, que deve se estendida além da data original, 3 de abril. O país já registrou quase 5 mil mortes pela covid-19, ultrapassando recentemente a China, país de origem da doença, em total de óbitos. Só entre quinta-feira e sexta, mais de 600 morreram no país europeu. Neste sábado, o país teve um novo recorde diário: quase 800 mortes.

Quase 300 mil pessoas testaram positivo para o novo coronavírus pelo mundo. Mais de 12 mil já morreram.

Outros países vêm impondo quarentenas em nível local. Nos EUA, os governos dos estados da Califórnia, Illinois e de Nova York, que combinados concentram mais de 70 milhões de habitantes, anunciaram nesta semana políticas para forçar o confinamento.

"Quando falo sobre a ação mais drástica que podemos tomar, essa é a ação mais drástica que podemos tomar", disse na sexta-feira o governador de Nova York, Andrew Cuomo, ao anunciar a medida. Nas 24 horas que precederam o anúncio, Nova York registrou 2.950 novos casos da covid-19, elevando o total para mais de 7.000.

Apesar das medidas tomadas pelos três estados, o presidente Donald Trump ainda afirma que não acredita por enquanto que uma quarentena nacional seja necessária neste momento.

No Brasil, o governo do estado de São Paulo anunciou neste sábado que determinou o fechamento de todo o comércio e serviços não essenciais.

Na Alemanha, apenas o estado da Baviera decretou quarentena geral, permitindo que as pessoas saiam de casa apenas para ir ao trabalho, ao médico ou para fazer compras.

 Por enquanto, o governo da chanceler federal Angela Merkel afirma que vai analisar o comportamento dos alemães neste fim de semana, para analisar se a política de recomendação deve dar lugar  a quarentenas mais drásticas.

"Temos que parar de nos encontrar com outras pessoas. Se isso não acontecer, decisões que estamos preferindo evitar terão que ser tomadas pelos estados federais”, declarou Helge Braun, a chefe da Casa Civil de Merkel, à revista Der Spiegel.

Já o Reino Unido vem adotando medidas similares. Na sexta-feira, o governo anunciou restrições mais duras, ordenando o fechamento de bares e restaurantes. O primeiro-ministro Boris Johnson ainda prometeu cobrir até 89% dos salários dos trabalhadores afetados.

Fonte: Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha, que produz jornalismo independente em 30 idiomas.

Itália bate novo recorde de mortos por coronavírus: quase 800 em 24 horas Autoridades italianas anunciaram 6.557 novos casos da covid-19, outro recorde preocupante

A Itália registrou nas últimas 24 horas 793 mortes pelo novo coronavírus, um novo recorde, que coloca o número total em 4.825 mortes, após um mês de pandemia, segundo dados da Proteção Civil, divulgados hoje pelo O Estado de São Paulo. (estadão.com.br) 

As autoridades italianas anunciaram 6.557 novos casos da covid-19, outro recorde preocupante. A região da Lombardia (norte do país), cujos serviços médicos estão sobrecarregados, registrou a grande maioria das mortes (546) e metade dos novos casos.

O governo italiano  proibiu a realização de cerimônias religiosas, o que inclui os enterros. Mesmo sacerdotes à beira da morte não recebem extrema-unção e são enterrados sem as liturgias da sua fé.

Neste sábado, 21, a Itália completou um mês desde a primeira morte por coronavírus. Desde o dia 10 de março, todo o país está em confinamento. Negócios não essenciais foram fechados, viagens são autorizadas apenas por razões profissionais ou imperativas, reuniões proibidas. 

As igrejas estão fechadas, filas se formam nas entradas dos supermercados, onde se entra de pouco em pouco, os velórios se resumem a uma bênção na maior privacidade. A polícia agora realiza 200 mil controles todos os dias. O exército em breve pode apoiá-la.

“O que a história nos ensina para a atual epidemia de coronavírus? Não se trata mais de nações, mas da espécie humana”

“A melhor defesa que os seres humanos têm contra patógenos não é o isolamento – é a informação”.

O historiador, filósofo e autor dos best-sellers “Sapiens” e “Homo Deus – Uma breve história do Amanhã”, Yuval Noah Harari, trouxe à tona sua percepção da pandemia que a humanidade está enfrentando.

Trouxemos os principais pontos do artigo publicado na revista Time, no último domingo (15).

Muitas pessoas culpam a epidemia de coronavírus pela globalização e dizem que a única maneira de evitar mais surtos desse tipo é “desglobalizar” o mundo. Construa muros, restrinja viagens, reduza o comércio. No entanto, embora a quarentena de curto prazo seja essencial para interromper as epidemias, o isolacionismo de longo prazo levará ao colapso econômico sem oferecer nenhuma proteção real contra doenças infecciosas. Exatamente o oposto. O verdadeiro antídoto para a epidemia não é a segregação, mas a cooperação.

As epidemias mataram milhões de pessoas muito antes da era atual da globalização. No entanto, a incidência e o impacto das epidemias diminuíram drasticamente. Apesar de surtos horrendos, como AIDS e Ebola, no século XXI as epidemias matam uma proporção muito menor de humanos do que em qualquer outro período anterior à Idade da Pedra. Isso ocorre porque a melhor defesa que os seres humanos têm contra patógenos não é o isolamento – é a informação. A humanidade tem vencido a guerra contra epidemias porque, na corrida armamentista entre patógenos e médicos, os patógenos

Ganhando a guerra contra patógenos

Durante o século passado, cientistas, médicos e enfermeiros em todo o mundo reuniram informações e, juntos, conseguiram entender o mecanismo por trás das epidemias e os meios para combatê-las. A teoria da evolução explicou por que e como surgem novas doenças e doenças antigas se tornam mais virulentas. A genética permitiu que os cientistas espiassem o próprio manual de instruções dos patógenos. Embora o povo medieval nunca tenha descoberto o que causou a Peste Negra, os cientistas levaram apenas duas semanas para identificar o novo coronavírus, sequenciar seu genoma e desenvolver um teste confiável para identificar pessoas infectadas.

Depois que os cientistas entenderam o que causa as epidemias, ficou muito mais fácil combatê-las. Vacinas, antibióticos, higiene aprimorada e uma infra-estrutura médica muito melhor permitiram que a humanidade ganhasse vantagem sobre seus predadores invisíveis. Em 1967, a varíola ainda infectou 15 milhões de pessoas e matou 2 milhões delas. Mas, na década seguinte, uma campanha global de vacinação contra a varíola foi tão bem-sucedida que, em 1979, a Organização Mundial da Saúde declarou que a humanidade havia vencido e que a varíola havia sido completamente erradicada. Em 2019, nenhuma pessoa foi infectada ou morta por varíola.

O que a história nos ensina para a atual epidemia de coronavírus?

Você não pode se proteger fechando permanentemente suas fronteiras. Lembre-se de que as epidemias se espalharam rapidamente, mesmo na Idade Média, muito antes da era da globalização. Portanto, mesmo que você reduza suas conexões globais ao nível da Inglaterra em 1348 – isso ainda não seria suficiente. Para realmente se proteger através do isolamento, ficar medieval não serve. Você teria que ficar na Idade da Pedra. Você pode fazer aquilo?

A história indica que a proteção real vem do compartilhamento de informações científicas confiáveis ​​e da solidariedade global. Quando um país é atingido por uma epidemia, deve estar disposto a compartilhar honestamente informações sobre o surto, sem medo de uma catástrofe econômica – enquanto outros países devem poder confiar nessas informações e devem estender a mão amiga, em vez de ostracizar a vítima. Hoje, a China pode ensinar aos países de todo o mundo muitas lições importantes sobre o coronavírus, mas isso exige um alto nível de confiança e cooperação internacional.

A cooperação internacional é necessária também para medidas efetivas de quarentena. Quarentena e bloqueio são essenciais para impedir a propagação de epidemias. Mas quando os países desconfiam um do outro e cada país sente que é o seu próprio país, os governos hesitam em tomar medidas tão drásticas. Se você descobrisse 100 casos de coronavírus no seu país, iria bloquear imediatamente cidades e regiões inteiras? Em grande medida, isso depende do que você espera de outros países. Bloquear suas próprias cidades pode levar ao colapso econômico. Se você acha que outros países irão ajudá-lo – será mais provável que você adote essa medida drástica. Mas se você pensa que outros países o abandonarão, provavelmente hesitaria até que seja tarde demais.

“Não se trata mais de nações, mas da espécie humana”

Talvez a coisa mais importante que as pessoas devam perceber sobre essas epidemias seja que a disseminação da epidemia em qualquer país ponha em perigo toda a espécie humana. Isso ocorre porque os vírus evoluem. Vírus como a corona se originam em animais, como os morcegos. Quando eles pulam para os seres humanos, inicialmente os vírus estão mal adaptados aos seus hospedeiros humanos. Enquanto se replicam em humanos, os vírus ocasionalmente sofrem mutações. A maioria das mutações é inofensiva. Mas, de vez em quando, uma mutação torna o vírus mais infeccioso ou mais resistente ao sistema imunológico humano – e essa cepa mutante do vírus se espalha rapidamente na população humana. Como uma única pessoa pode hospedar trilhões de partículas de vírus que sofrem replicação constante, toda pessoa infectada oferece ao vírus trilhões de novas oportunidades para se tornar mais adaptado aos seres humanos. Cada transportadora humana é como uma máquina de jogo que fornece ao vírus trilhões de bilhetes de loteria – e o vírus precisa comprar apenas um bilhete vencedor para prosperar.

Enquanto você lê essas linhas, talvez uma mutação semelhante esteja ocorrendo em um único gene no coronavírus que infectou uma pessoa em Teerã, Milão ou Wuhan. Se isso de fato está acontecendo, é uma ameaça direta não apenas aos iranianos, italianos ou chineses, mas também à sua vida. Pessoas de todo o mundo compartilham um interesse de vida ou morte em não dar ao coronavírus essa oportunidade. E isso significa que precisamos proteger todas as pessoas em todos os países.

Na luta contra vírus, a humanidade precisa proteger estreitamente as fronteiras. Mas não as fronteiras entre os países. Pelo contrário, precisa proteger a fronteira entre o mundo humano e a esfera do vírus. O planeta Terra está se unindo a inúmeros vírus, e novos vírus estão em constante evolução devido a mutações genéticas. A fronteira que separa essa esfera de vírus do mundo humano passa dentro do corpo de todo e qualquer ser humano. Se um vírus perigoso consegue penetrar nesta fronteira em qualquer lugar do mundo, coloca toda a espécie humana em perigo.

Ao longo do século passado, a humanidade fortaleceu essa fronteira como nunca antes. Os modernos sistemas de saúde foram construídos para servir de barreira nessa fronteira, e enfermeiros, médicos e cientistas são os guardas que a patrulham e repelem os invasores. No entanto, longas seções dessa fronteira foram deixadas lamentavelmente expostas. Existem centenas de milhões de pessoas em todo o mundo que carecem de serviços de saúde básicos. Isso coloca em perigo todos nós. Estamos acostumados a pensar em saúde em termos nacionais, mas fornecer melhores cuidados de saúde para iranianos e chineses ajuda a proteger israelenses e americanos também de epidemias. Essa verdade simples deve ser óbvia para todos, mas infelizmente ela escapa até mesmo às pessoas mais importantes do mundo.

Um mundo sem líder

Hoje a humanidade enfrenta uma crise aguda, não apenas devido ao coronavírus, mas também devido à falta de confiança entre os seres humanos. Para derrotar uma epidemia, as pessoas precisam confiar em especialistas científicos, os cidadãos precisam confiar nas autoridades públicas e os países precisam confiar uns nos outros. Nos últimos anos, políticos irresponsáveis ​​minaram deliberadamente a confiança na ciência, nas autoridades públicas e na cooperação internacional. Como resultado, agora estamos enfrentando esta crise desprovida de líderes globais que podem inspirar, organizar e financiar uma resposta global coordenada.

Xenofobia, isolacionismo e desconfiança agora caracterizam a maior parte do sistema internacional. Sem confiança e solidariedade global, não seremos capazes de parar a epidemia de coronavírus, e provavelmente veremos mais dessas epidemias no futuro. Mas toda crise também é uma oportunidade. Esperamos que a epidemia atual ajude a humanidade a perceber o grave perigo que representa a desunião global.

Neste momento de crise, a luta crucial ocorre dentro da própria humanidade. Se essa epidemia resultar em maior desunião e desconfiança entre os seres humanos, será a maior vitória do vírus. Quando os humanos brigam – os vírus dobram. Por outro lado, se a epidemia resultar em uma cooperação global mais estreita, será uma vitória não apenas contra o coronavírus, mas contra todos os patógenos futuros.

sexta-feira, 20 de março de 2020

Porandubas Políticas

Por Gaudêncio Torquato

Abro a coluna com Confúcio.

Governantes

Quando Confúcio visitou a montanha sagrada de Taishan, encontrou uma mulher cujos parentes haviam sido mortos por tigres. Perguntou:

- Por que não se muda daqui para um lugar onde haja mais governo?

- Porque os governantes são mais ferozes que os tigres.

Estado de pânico

O Brasil começa a adentrar o território do pânico. Pode até haver certa dose de exagero nas medidas tomadas por governantes. Pode até estar superdimensionada a extensão da crise deflagrada por esse Convid-19. Mas o fato é que o mundo todo se desdobra na análise e decisão sobre o que fazer para atenuar os efeitos da pandemia. A China está provando que medidas drásticas dão certo. Confinou toda a região de Wuhan, o epicentro do novo coronavírus. O pico passou. A situação por lá mostra declínio.

O dano psicológico?

Qual o efeito da epidemia sobre a psique dos humanos? O que o medo provoca? Que estados d'alma se desenvolvem a partir do pânico? Eis uma hercúlea tarefa para analistas – psicólogos, psiquiatras, cientistas sociais/sociólogos/antropólogos. Quebra-se algum elo na corrente da confiança, da autoestima, da imagem dos governantes? Recriam-se novas formas de poder?

Trilhões na economia

A Itália torna-se centro da pandemia no mundo. Cerca de 400 mortes por dia. Cidades fechadas. Ruas desertas. Índices alarmantes. Os EUA baixam juros. O FED despeja 700 bilhões de dólares, pequena parte dos trilhões de dólares que somam as perdas em bolsas e em negócios prejudicados. Exportações e importações paralisadas. Trabalhadores faltam ao trabalho. Mas passam a realizar tarefas administrativas em suas casas.

Epílogo

"Um homem se propõe a tarefa de desenhar o mundo. Ao longo dos anos, povoa um espaço com imagens de províncias, de reinos, de montanhas, de baías, de naus, de ilhas, de peixes, de moradas, de instrumentos, de astros, de cavalos e de pessoas. Pouco antes de morrer, descobre que esse paciente labirinto de linhas traça a imagem de seu rosto". (Jorge Luis Borges)

O mundo é outro

O mundo hoje é bem diferente do planeta que tínhamos até um mês atrás. Costumes tradicionais são mudados. Eventos sociais, praças, parques, cinemas, teatros, escolas públicas e privadas integram a cadeia de fechamento. Perdas no organograma escolar. Até crianças morrendo. Isso mesmo, crianças. Futuro de milhões passa a ser reprojetado. Viagens marcadas são suspensas. Cruzeiros marítimos procuram portos para atracar. Mais parecem prisões em alto mar. Governantes e seus quadros são contaminados. A escala de contaminação aritmética vira escala geométrica, mais densa. A gigantesca tribo global vai se tornando um arquipélago de centenas de ilhas.

Uma nova ordem mundial

O fato é que se desenha um novo mapa-múndi, cujos traços certamente serão registrados pela história. Mesmo que, com o tempo, se desenvolva forte esquecimento dos efeitos da pandemia, marcas profundas serão deixadas em cada território. Entre esses traços, podem ser apontadas mudanças no eixo geopolítico, com redefinição de relações entre países, particularmente no campo da migração, exportação/importação, bens culturais, sob a égide de maiores controles. Advirá um surto nacionalista, que já embasa a política em algumas Nações, como os EUA e o Reino Unido. Os sistemas de saúde, com ênfase na política de prevenção, deverão receber reforço. A competitividade animará a indústria farmacêutica. Idas e vindas de pessoas e grupos entre países receberão maior atenção. Os aparatos do terrorismo poderão se utilizar dos ciclos endêmicos para desenvolver ações terroristas. A globalização e o que representa passarão por intenso debate. Uma barreira – ideológico/cultural/ideias/pensamento- provocará danos sobre o concerto das Nações.

Trump nas cordas

Depois de ter subdimensionado o efeito da pandemia, o mais poderoso líder do mundo ocidental se corrige ante as evidências e convoca o mundo político dos EUA para se dar as mãos nas estratégias de combate ao Covid-19. De imediato, saca do Tesouro 50 bilhões de dólares para as primeiras providências. Ao fundo, sua reeleição no pleito de novembro. A depender de como enfrentará a questão, poderá voltar à Casa Branca ou aos seus resorts. Para piorar, membros de sua equipe e de políticos republicanos são contaminados por... quem? Ora. Pela comitiva do seu amigo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro. (Deve estar furioso... que amigo da onça...). P.S. Ou a comitiva foi infectada por americanos?

Bolsonaro e seus cavalos de Tróia

A equipe de Jair Bolsonaro, que já teria dito "I love you, Trump", teria levado a pandemia para a Casa Branca? A confraternização foi plena naquele belo resort do bilionário presidente dos EUA. Um "presente de grego" de Bolsonaro para Trump? Lembremos a Ilíada de Homero. O cavalo de Tróia, feito de madeira e oco por dentro, ideia do soldado grego Odisseu, levava centenas de soldados em seu interior. Os troianos aceitaram o presente e o levaram para dentro das muralhas de Tróia. Enquanto os troianos se refestelavam de bebida comemorando a rendição do inimigo, os gregos saíram do cavalo e atacaram a cidade. Tróia foi totalmente destruída. Bolsonaro e seus "gregos" teriam deixado membros da equipe do amigo Trump carimbados com a pandemia que assombra o mundo? Quem diria, hein?

Mas o pior aconteceu

Quem com ferro fere, com ferro será ferido. O ditado baixou como praga pelo Planalto de Brasília. Pois não é que o Covid-19 também entrou no corpo de parte das equipes que acompanharam Bolsonaro aos EUA? O secretário da comunicação, Fábio Wajngarten, foi o primeiro. Até um senador, Nelsinho Trad (PSD-MS) também foi contaminado. E o que diz o presidente? Exageros da mídia, fantasia, histeria. Pressionado, chegou a aconselhar a desmobilização de um movimento em seu favor, domingo, 15.

Conselhos às favas

E o que aconteceu? O presidente manda às favas os conselhos que recebeu para se precaver e vai às ruas de Brasília confraternizar e cumprimentar o povo. Afinal, ele passará por nova bateria de testes. "Eu sou do povo", justifica. E se for contaminado, ele será o responsável. Claro, cada qual seu bornal. E mandou bala nos presidentes da Câmara e do Senado. "Agora, prezado Davi Alcolumbre, prezado Rodrigo Maia, querem sair às ruas? Saiam às ruas e vejam como vocês são recebidos". Bolsonaro está na contramão do bom senso. Até quando poderá defender essa postura de enfrentamento?

A querela política

O que há, no fundo, é uma querela política. O presidente quer que as casas parlamentares, Câmara e Senado, aprovem in totum os projetos e medidas que o Executivo encaminha. E joga na cesta do lixo o chamado "presidencialismo de coalizão". O Parlamento, de troco, derruba seus vetos. O general Augusto Heleno chegou a chamar os parlamentares de "chantagistas". E assim as tensões sobem ao pico. Onde isso vai dar? Há quem comece a falar em impeachment. Por ora, hipótese completamente afastada. Mas o distanciamento entre o presidente e o conjunto parlamentar tende a se agravar. Paulo Guedes já não é tão aclamado. Parece cansado.

Coronavírus, a balança

Nesse ponto, volta ao tabuleiro do jogo a pandemia do coronavírus. Se for bem administrada, sob o comando do competente ministro da Saúde, ex-deputado Luiz Henrique Mandetta, o Executivo recuperará seus vetores de força. Dizem, porém, que Bolsonaro está incomodado com a boa imagem do ministro da Saúde. Se o governo for bem sucedido no combate à pandemia, tenderá a consolidar sua força, empurrando as massas para fazer pressão sobre Congresso. A recíproca é verdadeira. Se a pandemia der sinais de descontrole e subir de maneira avassaladora o número de mortos e suspeitos de contaminação, será um deus nos acuda. O buraco negro a se formar pode engolir gregos e troianos, com um formidável choque eleitoral nas eleições municipais de outubro. Nunca uma eleição agrega tantos componentes.

Teoria conspiratória

De Tales Faria, colunista do UOL: "Oficialmente não deve sair nenhuma manifestação nesse sentido. Mas nas suas conversas reservadas com assessores e até com políticos mais próximos, o presidente Jair Bolsonaro associa a pandemia do novo coronavírus a um plano de recuperação econômica do governo chinês. A teoria conspiratória corre solta entre os bolsonaristas e é compartilhada pelo presidente e seus filhos. Basicamente diz o seguinte: toda vez que a China tem problemas econômicos aparece uma grande doença que se espalha pelo mundo causando crise nos mercados globais e diminuição no valor dos produtos importados pelos chineses".

SP: 460 mil casos

Mesmo com as medidas que estão sendo tomadas em São Paulo, o infectologista David Uip, que coordena o Grupo de Trabalho criado para administrar a pandemia do Covid-19, faz uma projeção de 460 mil casos no Estado. Esse número equivale a 1% da população. O prefeito Bruno Covas decretou estado de emergência na capital com a finalidade de diminuir a circulação de pessoas.

O jumento e o sal

"Um jumento carregado de sal atravessava um rio. A certa altura escorregou e caiu na água. Então o sal derreteu-se e o jumento, levantando-se mais leve, ficou encantado com o acontecido. Tempos depois, chegando à beira de um rio com um carregamento de esponjas, o jumento pensou que, se ele se deixasse cair outra vez, logo se levantaria mais ligeiro; por isso resvalou de propósito e caiu dentro do rio. Todavia ocorreu que, tendo-se as esponjas embebidas de água, ele não pôde levantar-se, e morreu afogado ali mesmo. Assim também certos indivíduos não percebem que, por causa das suas próprias astúcias, eles mesmos se precipitam na infelicidade". (Esopo)

Fecho a coluna com Napoleão.

A derrota

A derrota de Napoleão costuma ser atribuída ao inverno russo. Aliás, esse sempre foi o argumento usado pelo próprio. Mas o exército napoleônico estava arrasado bem antes de o inverno chegar. Napoleão deixou Moscou com cerca de cem mil homens. Em 12 de novembro de 1812, primeiro dia em que a temperatura caiu abaixo de zero, haviam sobrado apenas quarenta e um mil. Não foi apenas o frio do inverno que matou os soldados. Foram as doenças. O clima enfraqueceu os homens de Napoleão, mas a temperatura não estava fria o suficiente para matá-los. O exército de George Washington, décadas antes, sobreviveu a clima muito pior. A descoberta mais interessante dos historiadores é que o exército napoleônico provavelmente sofreu tanto com o calor como com o frio. O verão russo de 1812 foi tão quente que dezenas de milhares de seus soldados morreram de insolação e desidratação.

Gaudêncio Torquato, Jornalista e Consultor de Marketing Político, é Professor Titular na USP.
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Jair Bolasterona é uma ameaça concreta ao Brasil, às nossas instituições, à recuperação econômica e, agora, à saúde pública.

Ele apoiou e participou de uma manifestação claramente golpista recheada de cartazes pedindo o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal e a instalação de uma ditadura militar.

Bolsonaro, o começo do fim?

Por Marco Antonio Villa

Jair Bolasterona é uma ameaça concreta ao Brasil, às nossas instituições, à recuperação econômica e, agora, à saúde pública. É necessário urgentemente algum tipo de ação legal para que esta escalada seja interrompida. Nos últimos três meses, Bolsonaro atacou sistematicamente os valores consubstanciados na Constituição de 1988. Ora era a liberdade de imprensa e a virulência verbal e covarde contra as jornalistas, ora ao transformar um torturador, responsável durante quatro anos pelo DOI-CODI de São Paulo, onde dezenas e dezenas de brasileiros foram torturados e assassinados, em herói nacional. E ainda apoia declarações reacionárias dos seus ministros, especialmente o da Educação. Mas nos últimos dias ultrapassou todos os limites legais, Ele apoiou e participou de uma manifestação claramente golpista recheada de cartazes pedindo o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal e a instalação de uma ditadura militar.E mais: colocou em risco as dezenas de pessoas com quem teve contato, descumprindo as determinações do seu próprio ministro da Saúde e sinalizando para a população que as medidas preventivas são exageradas, favorecendo a expansão de um surto com gravíssimas repercussões no campo da saúde pública e com efeitos terríveis na economia.

Jair Bolsonaro deixou suficientemente claro que, como sempre apontamos, vive e precisa do caos político. É um extremista, não consegue conviver com as instituições, tem ojeriza pela democracia. O que é mais precisa acontecer para que as instituições reajam? O país caminha para uma grave crise na saúde pública e poderemos ter milhares de mortos, especialmente de idosos. Os governadores têm feito o possível e o próprio ministro da Saúde está realizando um bom trabalho de prevenção. O que desestabiliza todo o esforço de contenção do coronavirus é o próprio Jair Bolsonaro. A irresponsabilidade de Bolsonaro chegou ao limite? Há resposta constitucional possível no curto prazo? O STF vai ter de agir? Caminhamos para uma crise econômica severa e o Congresso não suporta mais as diatribes do amigo de Fabrício Queiroz. As manifestações foram um fracasso no último dia 15 e deixaram claro que o apoio a uma eventual ditadura é desprezível, Bolsonaro não tem apoio do Alto Comando do Exército para qualquer tipo de aventura extralegal, e se somarmos com uma crise política e sanitária, aí a casa cai. Dificilmente o presidente comerá o peru de Natal no Palácio do Planalto.

Não é possível que as instituições permitam que a Nação seja destruída. É urgente a necessidade de uma ação legal que demova o presidente da República.

Marco Antonio Villa, doutor em História pela USP, escreveu este artigo para a revista Istoé Independente, edição de 20.03.20.

Incapaz de liderar uma resposta à pandemia, Bolsonaro optou por um discurso puramente político.

Teatro de máscaras

Por Bruno Boghossian

Jair Bolsonaro fabricou uma encenação constrangedora para tentar esconder o desprezo com que vem tratando o coronavírus. O presidente pôs uma máscara, chamou nove auxiliares e, depois de passar dias negando os perigos da pandemia, disse reconhecer a gravidade do problema. Produziu um novo fiasco.

Vinte dias após a detecção do vírus no país, Bolsonaro percebeu que sua conduta irresponsável diante da crise não resistiria a um simples encontro com a realidade. Participou pela primeira vez de uma entrevista coletiva sobre o assunto, mentiu sobre as próprias declarações e usou o espaço para fazer propaganda de um panelaço a favor do governo.

Bolsonaro quis reescrever a história para conter o derretimento de sua imagem. Disse estar em alerta desde o início de fevereiro, quando foram retirados os brasileiros do primeiro foco de contaminação, na China. Não quis lembrar, porém, que havia classificado a crise como uma fantasia há pouco mais de uma semana.

O presidente ainda reagiu com desfaçatez incomparável ao tentar emplacar a versão de que jamais incentivou a adesão aos protestos do último domingo (15), desrespeitando uma clara recomendação das autoridades contra aglomerações públicas.

Existem ao menos três comprovações da fraude: uma convocação distribuída por Bolsonaro a aliados por WhatsApp, um discurso em que ele pedia que a população participasse dos atos e uma publicação em que a Secretaria de Comunicação fazia propaganda das manifestações.

Incapaz de liderar uma resposta à pandemia, Bolsonaro optou por um discurso puramente político. Usou um espaço dedicado a informações sobre uma crise de saúde, com reflexos graves na economia, para divulgar um exótico panelaço a favor do governo —em resposta a um protesto marcado contra o presidente.

Nos minutos finais da entrevista, Bolsonaro se queixou e disse que o país tem o hábito de não se antecipar aos problemas. Não era uma autocrítica. “Infelizmente, aconteceu como prevíamos”, fantasiou.

Bruno Boghossian é Jornalista. Este artigo foi publicado originalmente pela Folha de São Paulo, edição de 19.03.20.

quinta-feira, 19 de março de 2020

Itamaraty diz que reação de embaixador chinês é "inaceitável"

Ernesto Araújo acusa diplomata de "ofender" o chefe de Estado do Brasil. Na quarta-feira, embaixada chinesa reclamou de publicações de Eduardo Bolsonaro no Twitter e disse que deputado tinha um "vírus mental".
 
O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, classificou como "inaceitável" nesta quinta-feira (19/03) a reação do embaixador chinês no Brasil, Yang Wanming, que no dia anterior se queixou publicamente de uma mensagem do deputado Eduardo Bolsonaro criticando o governo do país asiático.

O ministro ainda pediu uma retratação por parte do embaixador.

"É inaceitável que o embaixador da China endosse ou compartilhe postagem ofensiva ao chefe do Estado do Brasil", escreveu Araújo em nota reproduzida no Twitter.

O chanceler também afirmou que as críticas publicadas por Eduardo, filho "03" do presidente, não "refletem a posição do governo brasileiro".

O ministro, porém, partiu em defesa de Eduardo e afirmou que "em nenhum momento" o deputado "ofendeu o chefe de Estado chinês". "A reação do embaixador foi, assim, desproporcional e feriu a boa prática diplomática."

"Já comuniquei ao embaixador da China a insatisfação do governo brasileiro com seu comportamento. Temos expectativa de uma retratação por sua repostagem ofensiva ao chefe de Estado", concluiu Araújo.

Ernesto Araújo

@ernestofaraujo

Sobre postagens recentes e a relação Brasil-China:

A China é o maior parceiro comercial do Brasil.

Apesar de o ministro ter acusado o embaixador de ofender o "chefe de Estado do Brasil" – no caso, Jair Bolsonaro – as mensagens originais publicadas por Yang Wanming e pela representação diplomática chinesa não continham nenhuma referência ao presidente. As queixas foram todas dirigidas ao comportamento de Eduardo.

A embaixada chegou a retuitar uma mensagem de um ativista social brasileiro que chamou a família Bolsonaro de "grande veneno deste país", mas apagou a publicação pouco depois. A reação de Araújo mostra que o governo brasileiro preferiu se concentrar na mensagem que foi retuitada pela embaixada.

Eduardo também se manifestou nesta quinta-feira. Ele adotou um tom um pouco mais conciliador do que o de Araújo, mas também afirmou que o embaixador "direcionou erroneamente suas energias no compartilhamento de posts ofensivos à honra de minha família".

Eduardo ainda disse que não "deseja problemas com a China" e que não teve "a pretensão de falar pelo governo brasileiro".

Apesar de o ministro ter acusado o embaixador de ofender o "chefe de Estado do Brasil" – no caso, Jair Bolsonaro – as mensagens originais publicadas por Yang Wanming e pela representação diplomática chinesa não continham nenhuma referência ao presidente. As queixas foram todas dirigidas ao comportamento de Eduardo.

Eduardo também se manifestou nesta quinta-feira. Ele adotou um tom um pouco mais conciliador do que o de Araújo, mas também afirmou que o embaixador "direcionou erroneamente suas energias no compartilhamento de posts ofensivos à honra de minha família".

Eduardo ainda disse que não "deseja problemas com a China" e que não teve "a pretensão de falar pelo governo brasileiro".

Ele ainda pareceu defender expressões como "gripe chinesa" para se referir ao novo coronavírus, uma prática adotada pelo governo americano que vem irritando Pequim. Ao defender o uso de tais expressões, Bolsonaro apontou erroneamente que a "gripe espanhola traz em seu nome o país na qual foi originada". Na realidade, não há consenso científico sobre o local de origem da gripe que matou milhões entre 1918 e 1919, mas pesquisas apontam que teria sido o estado americano do Kansas.

Choque inicial

Na quarta-feira, Eduardo, seguindo uma retórica similar ao do governo americano, acusou a China de inicialmente acobertar o surto inicial do novo coronavírus. O país asiático foi o primeiro a registrar a doença. "+1 vez (sic) uma ditadura preferiu esconder algo grave a expor tendo desgaste, mas que salvaria inúmeras vidas. A culpa é da China e liberdade seria a solução", escreveu Eduardo no Twitter.

Ele ainda comparou a pandemia ao acidente nuclear de Tchernóbil, na Ucrânia, em 1986, que foi inicialmente acobertado pelo governo soviético.

Eduardo Bolsonaro🇧🇷

@BolsonaroSP
Quem assistiu Chernobyl vai entender o q ocorreu.Substitua a usina nuclear pelo coronavírus e a ditadura soviética pela chinesa

+1 vez uma ditadura preferiu esconder algo grave a expor tendo desgaste,mas q salvaria inúmeras vidas

A culpa é da China e liberdade seria a solução https://twitter.com/rodrigodasilva/status/1240047904183721984 …

Rodrigo da Silva
@rodrigodasilva
A culpa pela pandemia de Coronavírus no mundo tem nome e sobrenome. É do Partido Comunista Chinês.

E se você ainda tem alguma dúvida a esse respeito, precisa dar uma lida nessa thread.

No mesmo dia, tanto o embaixador quanto a representação diplomática da China publicaram respostas furiosas a Eduardo. A conta da embaixada no Twitter publicou que Eduardo "contraiu, infelizmente, vírus mental, que está infectando a amizade entre os nossos povos".

A representação ainda classificou as palavras de Eduardo como "irresponsáveis" e acusou o deputado de imitar a retórica do governo americano.

"Lamentavelmente, você é uma pessoa sem visão internacional nem senso comum, sem conhecer a China nem o mundo", publicou a embaixada.

Eduardo Bolsonaro🇧🇷

@BolsonaroSP
 · Mar 18, 2020
Quem assistiu Chernobyl vai entender o q ocorreu.Substitua a usina nuclear pelo coronavírus e a ditadura soviética pela chinesa

+1 vez uma ditadura preferiu esconder algo grave a expor tendo desgaste,mas q salvaria inúmeras vidas

A culpa é da China e liberdade seria a solução https://twitter.com/rodrigodasilva/status/1240047904183721984 …

Rodrigo da Silva
@rodrigodasilva
A culpa pela pandemia de Coronavírus no mundo tem nome e sobrenome. É do Partido Comunista Chinês.
E se você ainda tem alguma dúvida a esse respeito, precisa dar uma lida nessa thread.

Embaixada da China no Brasil
✔@EmbaixadaChina
1-As suas palavras são extremamente irresponsáveis e nos soam familiares. Não deixam de ser uma imitação dos seus queridos amigos. Ao voltar de Miami, contraiu, infelizmente, vírus mental, que está infectando a amizades entre os nossos povos.

Já o embaixador Yang Wanming usou sua própria conta para exigir que Eduardo se desculpe com "o povo chinês". O diplomata ainda dirigiu suas mensagens ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Nesta quinta-feira, em contraste com a postura de Araújo, Maia adotou postura conciliadora com os chineses e reprovou a atitude do deputado Eduardo. "Em nome da Câmara dos Deputados, peço desculpas à China e ao embaixador @WanmingYang pelas palavras irrefletidas do deputado Eduardo Bolsonaro", publicou Maia no Twitter.

Rodrigo Maia
✔@RodrigoMaia
Em nome da Câmara dos Deputados, peço desculpas à China e ao embaixador @WanmingYang pelas palavras irrefletidas do Deputado Eduardo Bolsonaro.

"A atitude não condiz com a importância da parceria estratégica Brasil-China e com os ritos da diplomacia. Em nome de meus colegas, reitero os laços de fraternidade entre nossos dois países. Torço para que, em breve, possamos sair da atual crise ainda mais fortes", concluiu.

O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, também comentou o assunto nesta quinta-feira. Ele disse que Eduardo não representa o governo.

"Eduardo Bolsonaro é um deputado. Se o sobrenome dele fosse Eduardo Bananinha, não era problema nenhum. Só por causa do sobrenome. Ele não representa o governo", disse Mourão em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo.

Fonte: Deutsche Welle, emissora internacional da Alemanha produzindo jornalismo independente em 30 idiomas.

Em tentativa de desculpa, Eduardo Bolsonaro ataca novamente governo chinês

Em postagem no Twitter, Eduardo disse que nunca quis ofender, mas que embaixador não rebateu seus argumentos.

O deputado federal Eduardo Bolsonaro (sem partido) utilizou o Twitter na tarde desta quinta-feira (19) para se desculpar com o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming após uma postagem na noite de ontem (18) na qual ele indica que a culpa pela pandemia do novo coronavírus é do Partido Chinês Comunista.  A afirmação que causou "repúdio" do embaixador não foi feita por Eduardo Bolsonaro, mas foi republicada pelo deputado, que retuitou o post original, feito pelo youtuber Rodrigo da Silva.

Eduardo disse que não ofendeu o povo chinês e que ‘tal interpretação é totalmente descabida’. Ele ainda escreveu que ‘compartilhou postagem que critica a atuação do governo chinês na prevenção da pandemia, principalmente no compartilhamento de informações que teriam sido úteis na prevenção em escala mundial’. No entanto, o filho “03” do presidente da República voltou a atacar o chanceler e disse que o embaixador não rebateu os argumentos colocados por ele.

“Assim, mesmo vivendo numa democracia com ampla liberdade de imprensa e expressão, não identifiquei qualquer desconstrução dos meus argumentos por parte do embaixador chinês no Brasil”, escreveu. O parlamentar ainda emendou dizendo que ‘jamais teve a pretensão de falar pelo governo brasileiro’.

Veja a nota postada pelo deputado na íntegra:

“ NOTA OFICIAL SOBRE AS CRÍTICAS DA EMB. CHINA AO MEU RETWEET LEIA E COMPARTILHE Jamais ofendi o povo chinês, tal interpretação é totalmente descabida. Esclareço que compartilhei postagem que critica a atuação do governo chinês na prevenção da pandemia, principalmente no compartilhamento de informações que teriam sido úteis na prevenção em escala mundial. Estimular o debate é função do parlamentar brasileiro, tendo por isso a prerrogativa da imunidade parlamentar (art. 53, CF) como garantia constitucional, para que deputados possam exercer tal direito. Assim, mesmo vivendo numa democracia com ampla liberdade de imprensa e expressão, não identifiquei qualquer desconstrução dos meus argumentos por parte do embaixador chinês no Brasil. Este apenas demonstrou irritação com meu post e direcionou erroneamente suas energias no compartilhamento de posts ofensivos à honra de minha família – este sim um fato grave e desproporcional. Porém, enxergo como positivo que tais fatos tenham trazido à tona o debate de como governos podem (e devem) tentar evitar pandemias. Esclareço ainda que meu comportamento não tem o mínimo traço de xenofobia ou algo similar. Na comunidade médica, é bem comum que doenças sejam batizadas em referência à localidade de origem da mazela. Por exemplo, a gripe espanhola traz em seu nome o país na qual foi originada; o vírus Ebola faz referência ao rio do Congo de mesmo nome. A comparação entre o coronavírus e a tragédia da usina nuclear de Chernobyl também não é novidade. Matérias de veículos como BBC, Financial Times, Foreign Policy, Newsweek e até mesmo das brasileiras Folha de São Paulo e Globo fazem comparação entre o ocorrido em Chernobyl e o alastramento do coronavírus, pois ambos os casos ocorreram em países cuja a liberdade de expressão e imprensa eram/são limitados pelo governo.

Para citar apenas um exemplo, o governo atual da China bane plataformas como Twitter, Facebook e Whatsapp, que tem sido fundamentais no esclarecimento de dúvidas da população mundial quanto à atual pandemia.

A mutação genética de um vírus pode nascer em qualquer país, mas é obrigação das autoridades deste informar à sociedade e tomar as melhores medidas para conter seu avanço (e não agir mantendo sigilo da real condição).

As vidas das pessoas devem vir em primeiro lugar, não os interesses do Estado. Não desejamos problemas com a China e certamente, o país asiático também não busca conflitos com o Brasil.

Não creio que um tweet isolado de um parlamentar levantando questionamentos sobre a conduta de um governo estrangeiro tenha condão para tanto, visto que a discussão de pautas globais é prática normal na comunidade internacional, servindo para aperfeiçoamento de políticas de governo ao redor de todo o mundo. Não permitir que esse debate ocorra seria deliberada censura, contrariando todos os ideias de democracia do povo brasileiro. E vale lembrar que países com posições políticas distintas mantém relações de comércio. Basta lembrar que o maior parceiro comercial da China é os EUA e o país norte-americano tem como seu 3º maior parceiro comercial o país asiático. Jamais tive a pretensão de falar pelo governo brasileiro, mas devido a toda essa repercussão, despido de qualquer vaidade ou ego, deixo aqui cristalina que minha intenção, mais uma vez, nunca foi a de ofender o povo chinês ou de ferir o bom relacionamento existente entre os nossos países.

Manifesto ainda no sentido de lhes dar boas vindas ao nosso país e explicitar minha estima pela contribuição da comunidade chinesa no desenvolvimento do Brasil, terra famosa pelo seu povo acolhedor”, escreveu Eduardo.

Repercussão 

Em seguida, o embaixador questionou o conhecimento sobre política internacional de Eduardo, que chegou a ser apontado pelo pai, o presidente Jair Bolsonaro, como possível embaixador do Brasil em Washington. "Lamentavelmente, você é uma pessoa sem visão internacional nem senso comum, sem conhecer a China nem o mundo. Aconselhamos que não corra para ser o porta-voz dos EUA no Brasil, sob a pena de tropeçar feio." 

Em outro post, o embaixador afirmou que o ato de Eduardo pode ferir a relação amistosa entre China e Brasil: "As suas palavras são um insulto maléfico contra a China e o povo chinês. Tal atitude flagrante anti-China não condiz com o seu estatuto  como deputado federal, nem a sua qualidade como uma figura pública especial. Além disso, vão ferir a relação amistosa China-Brasil. Precisa assumir todas as suas consequências".

Fonte: Ingrid Soares, do Correio Braziliense.