terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Como crise na polícia aprofunda tensão entre Bolsonaro e governadores

No Ceará, 122 pessoas foram assassinadas entre quarta e domingo, quando o policiamento no Estado ficou comprometido pela paralisação de policiais.

A situação extrema vivida no Ceará nos últimos dias, em que um motim de policiais fez disparar o número de homicídios e quase provocou a morte do senador Cid Gomes (PDT-CE), acendeu o alerta sobre o risco de situações semelhantes se repetirem em outros Estados.

As condições para novas paralisações radicalizadas das polícias se repetem em vários Estados, apontam analistas de Segurança Pública ouvidos pela BBC News Brasil: de um lado, governos com rombo nas finanças enfrentam dificuldade para oferecer reajustes salariais e melhores condições de trabalho às forças de segurança; e de outro, policiais que se sentem mais fortalecidos a pressionar governadores devido à ascensão política de representantes da categoria nos últimos anos, com destaque para a eleição do presidente Jair Bolsonaro em 2018.

Antes de chegar ao Palácio do Planalto, quando era deputado federal, Bolsonaro sempre apoiou as reivindicações dos agentes de segurança estaduais e votou a favor de leis de anistia aprovadas no Congresso para perdoar os envolvidos nos motins, já que greves de policiais são proibidas no Brasil.

No momento, Minas Gerais, Paraíba, Santa Catarina, Pernambuco, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Bahia e Alagoas são alguns Estados em que também há forte pressão de policiais por melhores salários e condições de trabalho, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Em Minas, um dos três Estados com pior situação financeira do país, o governador Romeu Zema (Novo) contrariou a bandeira de seu partido pelo equilíbrio fiscal e cedeu às pressões para conceder um reajuste escalonado até 2022 de 41% aos policiais, que argumentam estar apenas ganhando uma reposição da inflação após seis anos sem qualquer aumento.

A conquista das forças de segurança mineiras está sendo vista como um gatilho para o aumento da pressão nos outros Estados. No Ceará, a proposta do governo é elevar o salário de um soldado da PM dos atuais R$ 3.200 para R$ 4.500, em aumentos progressivos até 2022. A categoria pede R$ 4.900 e a manutenção de gratificações recebidas hoje que seriam eliminadas na proposta de novo salário do governo.

"A partir dessa greve no Ceará e desse reajuste em Minas, a situação tem potencial para escalar, não no Brasil todo, mas em quatro ou cinco Estados, o que já é muita coisa", afirma o sociólogo Arthur Trindade, coordenador do Núcleo de Estudos sobre Violência e Cidadania da Universidade de Brasília e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal.

"O risco de instrumentalização política dos policiais pelo presidente é enorme, não necessariamente numa ação direta, de ele mandar (os policiais se mobilizarem), mas, ali no subterrâneo das negociações salariais, o pessoal sabe que tem apoio do presidente. Isso é mais uma peça no já complicado arranjo federativo do governo Bolsonaro com os governadores", disse também.

Antes dessa crise, a relação de Bolsonaro com os governadores já estava tensa por causa de declarações do presidente que foram vista nos Estados como "confrontação". É o que disseram 20 dos 27 governadores em uma carta coletiva divulgada na segunda-feira passada (17/02), em que repudiaram fala de Bolsonaro desafiando os Estados a zerarem impostos sobre combustíveis, a despeito de a maioria estar com as contas no vermelho.

No documento, as autoridades também criticaram o presidente por ter atacando o governador da Bahia, Rui Costa (PT), pela ação da polícia que matou o ex-capitão da Polícia Militar do Rio de Janeiro Adriano da Nóbrega, antes do término das investigações que apuram se ele de foi executado ou morto em legítima defesa após ter atirado nos policiais baianos.

Nóbrega estava escondido no interior da Bahia, foragido da polícia fluminense, suspeito de comandar uma milícia na zona oeste do Rio e de integrar um grupo de assassinos profissionais. A mãe e mulher do ex-capitão chegaram a trabalhar no antigo gabinete de deputado estadual do hoje senador Flávio Bolsonaro (Sem partido-RJ), filho do presidente.

Greves têm servido de trampolim político para policiais.

No Ceará, 122 pessoas foram assassinadas entre quarta e domingo, quando o policiamento no Estado ficou comprometido pela paralisação de policiais, número bem acima da média de seis homicídios diários que vinha sendo registrada no ano até então.

Nos últimos dias, integrantes das forças de segurança encapuzados ocuparam batalhões da Polícia Militar em Fortaleza e em cidades do interior, como Sobral, reduto eleitoral de Ciro Gomes, candidato a presidente derrotado nas eleições de 2018, e de seu irmão, o senador Cid Gomes.

Em Sobral, onde homens com o rosto coberto circularam na cidade armados em viaturas, impondo o fechamento do comércio, Cid Gomes tentou liberar o batalhão ocupado avançando com uma retroescavadeira no portão, atrás do qual se aglutinavam dezenas de grevistas. Dois dos tiros disparados em reação a essa investida atingiram o senador, que teve alta do hospital no domingo (23), após passar cinco dias internado.

À BBC News Brasil, o sociólogo César Barreira, coordenador do Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará, conta que o Estado tem sido palco de mobilizações de policiais há tempos, e que estas têm influenciado o cenário político local nos últimos anos.

O líder da greve realizada na virada de 2011 para 2012, Wagner Sousa Gomes, conhecido como Capitão Wagner, foi o deputado federal mais votado do Ceará em 2018 e agora lidera a corrida eleitoral deste ano para a prefeitura de Fortaleza pelo Pros. Ele, no entanto, usou suas redes sociais nos últimos dias para negar qualquer envolvimento com a mobilização atual, dizendo que isso só prejudicaria sua campanha a prefeito.

"Esses motins da polícia têm servido de moeda de troca política. As lideranças acabam tirando muito proveito disso", afirma Barreira, que considera o motim desse ano mais radical do que mobilizações anteriores.

"A tática de ocupar batalhões não é nova, mas essa atitude de circularem todos de preto, encapuzados, mostra um radicalismo maior. As próprias mulheres têm atuado, com rosto coberto, furando pneus de viaturas", ressalta o sociólogo.

Outro que ganhou capital político após o movimento de 2012, foi Flávio Alves Sabino, conhecido como Cabo Sabino, eleito deputado federal pelo antigo PR em 2014. Sem ter conseguido se reeleger em 2018, ele está sem mandato e se tornou a principal liderança do atual motim.

Questionado pelo BBC News Brasil, Cabo Sabino disse que não há qualquer apoio de Bolsonaro ao movimento, destacando o envio de soldados do Exército ao Ceará após o conflito em Sobral, a pedido do governador Camilo Santana (PT), para reforçar o policiamento no Estado. Ele também negou que haja uso político da mobilização.

"Por a gente ter representante político dentro da Polícia Militar — tem deputado federal, deputado estadual, vereador — as pessoas querem politizar. Mas não é ano de eleição a governador, nem eu sou candidato a governador. Por sermos políticos temos que esquecer nossas categorias?", respondeu.

Já o sociólogo Arthur Trindade, da UnB, considera que o envio das Forças Armadas era inevitável, após o ocorrido em Sobral e o pedido do governador. Ele crítica o fato de o presidente e o ministro Sergio Moro não terem feito declarações condenando o motim no Ceará e desestimulando movimentos semelhantes em outros Estados.

Envio das Forças Armadas era inevitável, diz sociólogo

Em transmissão de vídeo em sua conta no Facebook na quinta-feira, Bolsonaro abordou o caso do Ceará para defender que o Congresso aprove o excludente de ilicitude (mecanismo que extingue a pena) no caso de crimes praticados por militares quando estiverem em missões de Garantia de Lei e da Ordem, como essa enviada ao Ceará.

Ele também anunciou uma atuação incisiva do Exército contra pessoas que estejam se aproveitando da greve para praticar crimes, sem fazer qualquer menção a atos violentos praticados pelos grevistas.

"O pessoal que está cometendo delitos, crimes nessas regiões, onde, por um motivo justo, estão indo as Forças Armadas para lá, tem que entender que o pessoal verde está chegando e o bicho vai pegar", disse, na transmissão.

Já Sergio Moro fez duas postagens no Twitter sobre o assunto, uma sobre o envio também da Força Nacional de Segurança "para proteger a população do Estado, minorando efeitos da paralisação da polícia militar", e outra anunciando sua própria ida ao Ceará. Em nenhuma delas condenou a greve, embora ela seja ilegal.

"Estarei no Ceará na segunda-feira, junto com os Ministros Fernando Azevedo (Defesa) e André Mendonça (AGU). É tempo de superar a crise e serenar os ânimos. Servir e proteger acima de tudo", escreveu Moro, no sábado.

Histórico de perdão aos grevistas

Em 2017, o Supremo Tribunal Federal considerou ilegal greves de servidores que atuam diretamente na área de segurança pública, por desempenharem atividade essencial à manutenção da ordem pública, ampliando a policiais civis à restrição que antes era prevista expressamente a policiais militares e às Forças Armadas.

Apesar de ilegais, os policiais envolvidos nessas paralisações costumam ser anistiados por leis aprovadas nas assembleias estaduais ou no Congresso Nacional.

Em 2009, quando era deputado federal, ao relatar um projeto de lei que originalmente previa anistia para policiais militares do Rio Grande do Norte, Bolsonaro propôs a ampliação do benefício também para integrantes das PMs da Bahia, Distrito Federal, Pernambuco, Roraima e Tocantins.

"Embora entenda, e defenda, que os militares, quer sejam federais ou estaduais, devem ter suas condutas norteadas pelos pilares da hierarquia e da disciplina, não se pode admitir que lhes seja negado o direito básico de reivindicar melhores condições de trabalho e salariais", afirmou na época.

A lei acabou sendo aprovada em 2010, incluindo ainda agentes de Mato Grosso, Ceará e Santa Catarina.

Hoje, tramita no Senado outro projeto de lei, já aprovado na Câmara, que anistia policiais militares do Espírito Santo e do Ceará e policiais militares, policiais civis e agentes penitenciários de Minas Gerais que atuaram em greve ocorridas entre janeiro de 2011 e 7 de maio de 2018.

O atual relator do projeto é o senador Major Olimpio (PSL-SP). Questionado na sexta-feira pela BBC News Brasil se os sucessivos perdões não estimulavam as ações ilegais, ele argumentou que as anistias são necessárias para o sucesso das negociações que encerram as greves.

"Se você diz 'não vou nem discutir (anistia)', você não cria uma possibilidade de saída honrosa para todas as partes", afirmou.

No sábado, porém, o senador, que foi ao Ceará ajudar nas negociações, mudou o tom, diante da repercussão negativa do motim e da oposição do governador Camilo ao perdão aos policiais.

"Com esse desenrolar da situação, com a ocupação de quartéis, homens encapuzados andando armados pelas ruas, viaturas destruídas, não creio que prospere (a anistia). Além do mais, tem o efeito cascata (sobre os outros Estados)", declarou Olimpio ao portal G1.

Mais de 700 greves desde 1997

Um estudo do sociólogo José Vicente Tavares dos Santos, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a partir dos dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostra que houve 715 greves de policiais no país entre 1997 e 2017, das quais 52 de policiais militares.

O levantamento indica que a frequência aumentou nos últimos cinco anos desse intervalo: foram 329 greves de 2013 a 2017.

Na sua avaliação, dois fatores favorecem um aumento do radicalismo no período mais recente: 1) a proibição de todas as greves pelo STF empurra as mobilizações para ilegalidade, estimulando atos mais radicais; 2) e a retórica bolsonarista antipolítica alimenta a lógica do confronto no lugar da negociação.

"Quando você tira a possibilidade da negociação política, essas categorias vão para violência", nota Santos.

"Pessoas encapuzadas, ameaças, grupos impondo toque de recolher, isso não era algo comum nas greves policiais. Está havendo uma milicialização desses movimentos", analisa.

Na avaliação do professor, o grande número de greves reflete não só reivindicações por melhores salários e condições de trabalho, mas também a falta de clareza no Brasil sobre o papel da polícia na democracia.

Minoritário ainda dentro das corporações, o grupo Policiais Antifascismo tem levantado esse debate e defendido a desmilitarização das polícias estaduais. Para o delegado de polícia Fernando Alves, coordenador do grupo no Rio Grande do Norte, seria positivo que a categoria pudesse se organizar em sindicatos e fazer suas reivindicações seguindo normas legais e em articulação com outros servidores públicos, em vez de mobilizações de caráter mais corporativistas.

"A militarização, além de ser um obstáculo para a modernização da polícia, também tolhe direitos dos policiais, inclusive o direito à greve", afirma.

Mariana Schreiber - @marischreiber
Da BBC News Brasil em Brasília

domingo, 23 de fevereiro de 2020

Baderna policial no Ceará já soma 88 assassinatos em três dias consecutivos.Pessoas são mortas nas ruas, nas portas de casas, aleatoriamente. Bandos de mascarados armados impõem medo e terror

Um balanço divulgado ontem, sábado (22), pela Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) do Estado do Ceará mostra que da 0h de quarta-feira (19) às 23h59 de sexta-feira (21) foram registrados 88 assassinatos, a maior parte na capital.

Os ministros Fernando Azevedo e Silva (Defesa), Sergio Moro ( Justiça e Segurança Pública) e André Mendonça (Advocacia-Geral da União) desembarcam amanhã, segunda-feira (24), em Fortaleza.

Até agora, o governo estadual afastou 167 policiais militares que participam da paralisação. O afastamento por 120 dias e a abertura de processos disciplinares foram divulgados no Diário Oficial do Estado na última sexta-feira.

Os agentes investigados ficarão fora da folha de pagamento a partir deste mês de fevereiro. Os policiais também deverão entregar identificações funcionais, distintivos, armas, algemas, além de quaisquer outros itens que os caracterizem nas suas unidades.

Desde o início da paralisação, na última terça (18), homens encapuzados invadiram quartéis, depredaram e esvaziaram pneus de veículos da polícia. O grupo protesta contra a proposta de reajuste da categoria apresentada pelo governo.

Os processos disciplinares contra os militares afastados serão conduzidos de duas maneiras. Um delas envolve os inquéritos militares que serão julgados pela Justiça Militar. Já os procedimentos administrativos disciplinares serão realizados pela Controladoria-Geral de Disciplina (CGD).

O assunto ganhou repercussão nacional quando o senador Cid Gomes (PDT-CE) pilotou na quarta-feira (19) uma retroescavadeira para invadir um local onde policiais militares faziam motim em Sobral (CE).

Na ocasião, o senador, que já foi Governador do Estado por dois mandatos consecutivos, foi alvejado  com tiros tendo uma bala lhe atravessado a clavícula e outra se alojado no tórax. Está num hospital em Fortaleza, fora de perigo, mas sem previsão de alta.

Fonte: Agência Brasil.

Numa democracia digna do nome, a ordem é resultado de uma construção coletiva que parte da sociedade; qualquer coisa fora disso é apenas baderna

Só há ordem com respeito à lei

Viceja no País um clima de crescente desordem. Policiais militares – encapuzados, armados e sindicalizados – mantêm governantes e cidadãos como reféns de suas vontades, tudo ao arrepio da lei que todos esses servidores, uma vez envergada a farda e armados pelo Estado, juraram respeitar e fazer valer. Não bastasse isso, e talvez seja esse o principal problema, esses policiais amotinados, em lugar de serem censurados e punidos pelo poder público, são tratados como força política legítima – a tal ponto que recebem atenção e apoio inclusive do presidente da República, Jair Bolsonaro, e de parlamentares bolsonaristas. No recente episódio em que o senador Cid Gomes foi baleado por policiais grevistas em Sobral (CE) ao tentar furar um bloqueio usando uma retroescavadeira, o senador Flávio Bolsonaro, por exemplo, disse que a tentativa de assassinato foi um exercício de “legítima defesa” por parte de “pessoas que estão reivindicando melhores salários” – em referência aos delinquentes que, com o rosto coberto e armados, sequestraram viaturas da polícia e aterrorizaram comerciantes.

Vem de cima, portanto, o mau exemplo do elogio à truculência. Em 2017, quando ainda era apenas candidato a presidente, Jair Bolsonaro defendeu os policiais que fizeram greve e provocaram o caos no Espírito Santo. Alguns dos líderes daquela greve e de outras aproveitaram a notoriedade da rebelião que lideraram e se elegeram deputados, e vários ajudam a formar a base que se alinha ao bolsonarismo. É bom lembrar, ainda, que todos os envolvidos nos levantes de policiais nos últimos anos foram anistiados pouco tempo depois, como se não tivessem cometido delito algum.

Há portanto um processo de normalização e legitimação da afronta à lei, que parece se agravar justamente no mandato do presidente que se elegeu prometendo “restabelecer a ordem” no Brasil, como disse Bolsonaro em seu discurso de posse.

O problema é que Bolsonaro sempre se apresentou como defensor da “ordem”, mas não da lei. Seus discursos corriqueiros em favor do assassinato de suspeitos por policiais, da eliminação física de opositores do regime militar e da tortura durante a ditadura deveriam bastar para mostrar que seu conceito de “ordem” passa longe do que preconiza o cânone da democracia liberal. Nesta, a ordem só existe como corolário do respeito incondicional à lei – e não é possível que um admirador confesso e ruidoso de um notório torturador, como foi o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, seja ao mesmo tempo respeitador da lei. A incompatibilidade é evidente, pois a lei é justamente o que impede que um suspeito de crime seja torturado para confessá-lo.

Não é uma questão trivial. Quando o parâmetro não é a lei, mas apenas a “ordem”, impera o arbítrio. Desde sua posse, o presidente Bolsonaro, fiel a essa visão distorcida da democracia, vem desrespeitando sistematicamente as instituições que estão na base da república. Ao perseguir jornais e jornalistas, ao menosprezar a relação com o Congresso e ao desrespeitar a liturgia do cargo, como se tudo pudesse, o presidente vai criando um ambiente de desordem que começa a se espraiar.

A bem da verdade, não é de hoje que um presidente faz troça das instituições e da lei. Já passaram à história as seguidas ofensas de Lula da Silva ao Judiciário, bem como sua bênção à corrupção desbragada promovida pelo PT no Congresso. Bolsonaro, aliás, elegeu-se justamente em razão da revolta dos brasileiros ante essa demonstração cabal e sistemática de desrespeito à democracia. O problema é que, no lugar da desfaçatez lulopetista, se instalou a agressividade bolsonarista, que implode pontes políticas e, assim, alimenta a atmosfera de vale-tudo.

A verdadeira ordem, tão necessária para o desenvolvimento do País, não virá com ofensas, gritarias e elogios à violência nem será ditada pela vontade de quem está no poder. Numa democracia digna do nome, a ordem é resultado de uma construção coletiva, em que a sociedade, por meio de seus representantes políticos livremente escolhidos, estabelece as regras básicas de convivência. Qualquer coisa fora disso é apenas baderna.

Editorial de O Estado de São Paulo, edição de 23.02.20.

Tarifa de energia elétrica nas nuvens. A quem cabe a culpa? No Brasil, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), os consumidores já pagam a 3ª maior tarifa de energia elétrica do planeta, o dobro da média mundial.

Por Heitor Scalambrini Costa

Muitas explicações e justificativas tem sido dadas para chegarmos a atingir tais patamares, principalmente pelas distribuidoras, pelo governo de plantão, e por aqueles que mais se locupletam com este verdadeiro atentado ao bolso do povo brasileiro.

As atuais tarifas comprometem desde o crescimento da produção, a geração de mais empregos e renda, o aumento do consumo e, consequentemente, maior arrecadação com impostos em geral, que beneficiariam toda a sociedade. Dai ser uma questão, cuja discussão e solução extrapolar simplesmente a opinião dos “experts”. É a sociedade que tem que ser ouvida.

Os chamados “especialistas (?)” insistem em apontar: os impostos, subsídios, cobrança de outorgas em licitações, não autorização e demora de liberações para hidrelétricas, entre outros pontos que impactam nas tarifas para o consumidor. Todavia tais posições devem ser refutadas, pois geralmente defendem seus próprios interesses e de seus “patrões”, agem como lobistas, contra o interesse nacional. Não vão ao ponto central da questão.

Nos últimos tempos foram acrescidos novos argumentos, e medidas foram implementadas para impulsionar as tarifas astronômicas que provocam uma extraordinária transferência de renda no país.

Menos chuvas e consequentemente menos água nos reservatórios das hidroelétricas foi a motivação da criação das bandeiras tarifárias. Mecanismo usado para arrecadar e aumentar mais ainda o caixa das distribuidoras, onerando os consumidores.

A energia solar está sendo usada como bode expiatório para as altas tarifas. Alegam que os subsídios dados a geração fotovoltaica é injusto, pois contribui para a elevação das tarifas para a maioria dos consumidores. A Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, que funciona como um puxadinho da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica-ABRADEE, propôs taxar o Sol. Mas o cinismo dos lobistas, transvestidos de especialistas não param por ai.

Os defensores das usinas nucleares no país, os mesmos que sempre boicotaram as fontes renováveis solar e eólica, dizem agora que além da geração fotovoltaica contribuir para o aumento das tarifas, a oferta de energia elétrica pelas novas usinas nucleares ajudará a reduzir as tarifas. Mesmo o MWh da nucleoeletricidade custando hoje R$ 480,00, o que corresponde 4 a 6 vezes mais caro comparada aos preços finais por fonte que ocorreu no leilão A6 de outubro/2019. Neste leilão a hidroeletricidade alcançou R$ 157,08/MWh, a energia eólica R$ 98,89/MWh, e a solar R$ 84,39/MWh.

Óleo de peroba neles!!!

Ao focar o cerne da questão das altas tarifas no país, este preço atual inaceitável decorreu de uma política de mudança no setor elétrico, iniciada em 1995, cujo pilar foi, segundo os idealizadores, a criação de um mercado competitivo no setor, facilitado pela privatização das empresas de geração e distribuição.

Os conhecidos defensores do processo de privatização, se confundem com os mesmos que querem taxar o Sol, instalar novas usinas nucleares, instalar mais e mais termoelétricas a combustíveis fosseis, em nome da diversificação da matriz elétrica e da segurança energética. Escondem da população seus reais interesses, que não tem nada a ver com uma política energética sustentável e de interesse nacional.

Propagavam aos “quatro cantos” que com a privatização das empresas estatais haveria redução das tarifas e melhoria dos serviços prestados a população. E que os Estados assim poderiam investir mais e mais nas áreas sociais, como educação e saúde, deixando para o capital privado a tarefa de ampliar e melhorar o setor. Quem não se lembra deste discurso?

Na realidade o que se constata é inversamente o contrário, altas tarifas e serviços de baixa qualidade. São as distribuidoras privatizadas de energia elétrica as maiores beneficiadas com esta situação reinante. Basta acompanhar nos balancetes e nas demonstrações financeiras apresentados pelas empresas, para verificar seus lucros exorbitantes, inaceitáveis.

Mas porque as as distribuidoras ganham tanto dinheiro, cobrando tarifas que fogem a realidade econômica do país?

A resposta está nos contratos draconianos de privatização (conhecidos também como contratos de concessão). Tais contratos conhecidos como “juridicamente perfeitos” garantem que não haja a diminuição de lucros destas empresas.

A noção de equilíbrio econômico-financeiro, introduzida nos contratos, funcionam como mecanismo de proteção ao capital (estrangeiro) investido no setor elétrico, garantindo que tais investimentos sejam sempre remunerados. Criando assim, no setor elétrico, o “capitalismo sem risco”.

Na prática os aumentos nas tarifas das concessionárias, concedidos pela ANEEL, está previsto na lei. As distribuidoras serão ressarcidas desde que ocorra qualquer interferência que afete os preços da energia por elas adquirida. Assim é o consumidor que sempre paga, via aumento das tarifas, subsidiando assim a saúde financeira das empresas, e seus ganhos estratosféricos.

Que não reste dúvidas. Foi a maracutaia do famigerado equilíbrio econômico-financeiro, introduzida sob encomenda nos contratos de privatização, é quem garante que estas empresas sempre ganhem (muito) as custas do consumidor.

Revisão JÁ dos contratos de privatização das distribuidoras de energia elétrica.

Heitor Scalambrini Costa é Professor aposentado da Universidade Federal de Pernambuco. Este artigo foi publicado originalmente em O Congresso em Foco, edição de 23.02.20.

Motim de policiais com apoio do presidente pode ser embrião para milícia paraestatal

Bolsochavismo

Por Vera Magalhães

A semana pré-Carnaval foi marcada pelo violento motim da Polícia Militar do Ceará, que ameaça se espalhar por outros Estados, desafia a autoridade dos governadores, conta com a simpatia e o incentivo declarados do presidente Jair Bolsonaro e de seus filhos e asseclas nas redes sociais e pode ser, caso se alastre, o embrião da criação de uma milícia paraestatal bolsonarista inspirada na criada por Hugo Chávez e inchada por Nicolás Maduro na Venezuela.

Não é de hoje que o bolsolavismo bebe na fonte da criação bolivariana, replicando seus métodos de organização e lhes dando uma roupagem ideológica de extrema direita.

A proliferação de escolas cívico-militares, impostas a partir de Brasília aos Estados, a militarização total do Palácio do Planalto, a convocação, feita por um desses militares do gabinete, o general Augusto Heleno, de manifestações de rua em apoio ao presidente e para emparedar o Congresso são todos movimentos combinados que têm clara inspiração na escalada chavista a partir de 2005.

O movimento dos policiais militares é o mais ousado e controverso desses movimentos, porque inclui o incentivo, que era tácito e vai se tornando cada vez mais implícito, a motins já classificados como inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e cuja ilegalidade foi reiterada pela Justiça, no caso do Ceará.

Bolsonaro e os filhos oscilam entre a brincadeira simpática e o apoio escancarado ao movimento dos amotinados cearenses, que perpetraram na última quarta-feira a tentativa de homicídio do senador Cid Gomes – que, em outro ato tresloucado muito representativo dessa polarização patológica da política brasileira, havia investido com uma retroescavadeira contra um grupo que tomava um batalhão da PM em Sobral.

Não se ouviu do presidente da República, do ministro da Justiça, Sérgio Moro, e de nenhum dos militares do governo, que deveriam ser os primeiros a serem intransigentes na defesa da hierarquia e da disciplina militares, nenhum pio condenando o movimento ilegal dos PMs cearenses, cobrando o imediato desligamento dos amotinados nem a investigação e prisão dos autores dos disparos que alvejaram um senador da República.

No lugar disso, Bolsonaro estendeu sua fanfarronice, demonstrada dias antes na piada sexual de botequim com uma repórter, ao brincar que Cid Gomes não tinha habilitação para dirigir retroescavadeira, na sua última live. Flávio Bolsonaro foi mais explícito, ao chamar os amotinados que fazem uma greve ilegal de pessoas em busca de “melhores salários”, mais parecendo um sindicalista petista.

O movimento dos PMs não começou agora. Teve uma primeira onda em 2017, quando o levante violento no Espírito Santo teve incentivo explícito do então deputado Bolsonaro. Agora, os líderes da greve ilegal no Ceará são todos políticos com patentes militares – outra onda que veio na esteira do bolsonarismo em 2018.

A Milícia Nacional Bolivariana da Venezuela foi criada por Hugo Chávez em 2007, e hoje conta com mais de 1 milhão de cadastrados. Maduro quer chegar a 2 milhões. Seus homens e mulheres armados recebem salários de fome e uniformes cáqui para defender o governo, encher comícios, espionar a oposição e evitar a deposição do ditador.

Insuflar em policiais militares um sentimento de louvor político, passando por cima dos governadores e usando pressão salarial como combustível coloca o Brasil no caminho da criação de uma milícia paraestatal. Cabe ao Congresso, ao STF e aos governos estaduais cortar o mal pela raiz, punindo e reprimindo os movimentos dos PMs, sem ceder a chantagens por reajustes nem negociar anistias a criminosos.

Vera Magalhães é Jornalista. Este artigo foi publicado em O Estado de São Paulo, edição de 23.02.20

sábado, 22 de fevereiro de 2020

É difícil imaginar que Bolsonaro adote uma conduta mais digna e educada, mais criteriosa com as políticas estratégicas e os interesses nacionais. A questão não é de espaço e poder de pressão, mas de biografia, estilo e modo de pensar.

O gabinete fardado
 
Por Marco Aurélio Nogueira

E eis que, sem maior alvoroço, os militares voltaram a ter importante peso político no Brasil. Passaram a dominar o Palácio do Planalto, onde fica o presidente, ele também um ex-militar. Vários generais e um almirante ocupam da Casa Civil à Vice-Presidência da República.

O gabinete fardado está sendo analisado como um freio ao extremismo histriônico da ala ideológica do governo, formatada pelo olavismo. O fato poderia ser visto como uma oportunidade para que se imprima um novo estilo de atuação ao governo, reduzindo seu sectarismo e sua visão obnubilada da realidade. Um estilo mais frio não daria trela às baixarias dos ideólogos.

Nessa avaliação, o novo gabinete poderia funcionar como um freio de arrumação, que acomodaria as melancias que o governo deixa chacoalhar na carroceria. Ajudaria a reduzir o destempero presidencial. Formar-se-ia um colegiado decisório que, apoiado na hierarquia militar e na cultura da caserna, faria um contraponto às manifestações bélicas do bolsonarismo. Afinal, em tempos de paz é mais importante saber guardar e reforçar posições do que atacar, sobretudo se os inimigos são imaginários.

Tudo isso a se ver. Antes de tudo será preciso descobrir se os oficiais têm um plano para recuperar a imagem do governo, se atuarão como fator de equilíbrio ou se darão um cheque em branco ao presidente Jair Bolsonaro, estimulando suas intervenções desqualificadas. Aconteceu algo assim com o general Heleno, no início visto como “moderador”, mas que logo se revelou um ativista do bolsonarismo, um “incendiário”.

A Casa Civil está com o general Braga Netto, militar experiente. Órgão estratégico, dele depende a coordenação governamental e a organização de um ambiente favorável no Congresso. Militares são, como todos os cidadãos, seres políticos qualificados para pensar o Estado, a comunidade política. Fazem isso, porém, com uma sólida ideia de lealdade e uma forte carga corporativa, que os impulsiona a verem a si próprios como diferentes dos demais e com interesses que precisariam ser defendidos a ferro e fogo. São treinados para “desconfiar” dos políticos, não para fazer política.

Se não tiver jogo de cintura, um general na Casa Civil pode dificultar ainda mais as relações entre o Executivo e o Legislativo. Pode, também, aprofundar a inserção das Forças Armadas no governo, com o risco de que terminem por trocar o perfil técnico e a missão institucional de proteger o Estado pela gestão dos negócios governamentais e pelos conflitos políticos a eles inerentes. Militares num governo autoritário, como é o de Bolsonaro, não beneficiam a imagem de isenção democrática das Forças Armadas. É algo que as lança no olho do furacão, ainda que sejam apenas alguns oficiais a assumir o encargo.

Um governo com uma ala militar ativa pode transitar em campo minado. Como observou o sociólogo Rodrigo Prando, em caso de rompimento com os militares o governo poderia ver-se numa crise de desfecho imprevisível. Militares sabem ocupar territórios, mas não necessariamente estão preparados para dialogar, mover-se entre ideias plurais e pressões típicas do mundo político.

No Brasil as Forças Armadas são vistas como patrióticas, disciplinadas e “desinteressadas”. Mas carregam o fardo do golpismo e do autoritarismo. Acreditam que os militares existem para salvar o País. É provável que os oficiais mais jovens não compartilhem esse fardo. A caserna, porém, é mais ampla. Seja como for, já estão dadas as condições para que as Forças Armadas contenham os seus impulsos históricos e atuem democraticamente.

A presença militar tenderá a incentivar uma postura focada em resultados estruturais, alheios ao jogo eleitoral. É onde repousa o risco de atrito com a política. Também terá de se haver com as resistências do núcleo civil do governo. A “militarização” coincide com o comportamento autoritário e debochado do presidente, com seu familismo exacerbado. É difícil imaginar que Bolsonaro adote uma conduta mais digna e educada, mais criteriosa com as políticas estratégicas e os interesses nacionais. A questão não é de espaço e poder de pressão, mas de biografia, estilo e modo de pensar.

Deveria ser constrangedor, para a ética militar, que as grosserias, ofensas e aberrações do presidente estejam a ser cometidas nas barbas dos oficiais que integram o núcleo principal do governo. Militares costumam ser discretos, falam pouco, cuidam da linguagem. Não deveriam lavar as mãos diante dos descalabros que jogam a Presidência da República num poço sujo e sem fundo.

O gabinete fardado dará força à tecnocracia? Vai depender, também, da capacidade que tiverem os políticos de equilibrar a balança. O Congresso tem contrastado a falta de iniciativa do Executivo no que tange às reformas e à formulação de políticas públicas. Se calibrar bem a sua atuação e reunir as forças democráticas de oposição, o Congresso poderá ajudar a que se organize uma agenda nacional e se modifique a orientação de uma população que acredita que a saída está fora da política e longe do Parlamento.

Marco Aurélio Nogueira é Professor Titular de Teoria Política na UNESP. Este artigo foi publicado originalmente no O Estado de São Paulo, edição de 22.02.20.

Porandubas Políticas

Por Gaudêncio Torquato

Abro a coluna com uma historinha do meu RN.

Barbeirinho de uma figa

Djalma Marinho, deputado estadual de 1947 a 1950 e Federal de 1951 a 1981, (avô do hoje ministro Rogério Marinho, da Integração), era compadre do barbeiro de Nova Cruz, sua cidade natal. Um dia, cortando o cabelo, ouviu o apelo:

– Compadre, vi nos jornais que você vai para Roma visitar o papa. Ele é meu ídolo. Olhe aqui a foto dele. Vou lhe fazer um pedido: peça para ele autografar essa foto e escrever uma dedicatória à minha família. Não esqueça. Você é meu maior amigo e não vai me decepcionar. (Foto do Papa com dedicatória era, outrora, a maior honra que uma família nordestina poderia exibir na parede da sala de visitas.)

O deputado viajou e encaixou o pedido tresloucado na mala do esquecimento. O tempo passou. Dois meses depois, ao voltar a Nova Cruz e ao sentar na cadeira da barbearia, recebeu a cobrança:

– E aí, compadre, o senhor foi a Roma? Viu o Papa? E minha foto com a assinatura dele? E a dedicatória?

– Pois é, compadre. Vi o Papa. Só me lembrei de você. Falei de sua família, de seu trabalho, da admiração que você tem por Sua Santidade. E ele me olhava com aquele olhar de santo. Quando ia pedir a assinatura dele na foto, ele olhou para minha cabeça exatamente no momento em que me curvei para beijar o anel e, compadre, me deixou sem ação. Pois me perguntou muito contrariado:

– Senhor deputado, que barbeirinho filho de uma figa fez esse estrago em sua cabeça?

– Você há de compreender, não tive nenhuma condição de fazer o pedido. Não queria comprometer o compadre. Desta vez, olhe bem, compadre, muito cuidado no corte, viu?

Brasil na folia

O carnaval é uma festa esticada no Brasil. Pelo menos, o espírito carnavalesco está na índole nacional. Faz-se presente na antecipação da folia e na continuidade após a quarta-feira de cinzas. Tem muita gente que emenda os feriados, esticando folga e folguedos até o final da semana carnavalesca. Mesmo assim, o nível político ganha certa musculatura com a chama acesa dos grupos que maquinam entendimentos sobre candidatos e seus vices. Quem será o quê? Esse é o eixo das conversas. Inclusive no carnaval.

São Paulo de momo

Sem querer puxar a sardinha para a metrópole, São Paulo ganha volume no ranking carnavalesco. Blocos já estão nas ruas. SP já não é o túmulo do samba, como se dizia. Nesses dias pré-folia, a região do Ibirapuera junta multidões. Outras regiões entram na algazarra. O carnaval de rua está animado. Sob o som, aqui e ali, de refrãos e slogans contra e a favor dos principais protagonistas da política. Para não perder a tradição.

Bruno, cauteloso

Quem está sob cautela é o prefeito Bruno Covas. Subiu em um palco para falar a 500 convidados, sem ninguém ao lado. Precaução. Evita contaminação. Está com as reservas baixas por causa do tratamento do câncer. Mas conversa em particular. A última conversa foi com o apresentador Datena, que está conversando com gente de muitos partidos. A mosca azul está baixando na cabeça de midiáticos. Luciano Huck, então, é um todo ouvidos. Conversa muito.

Bolsonaro e suas bananas

Bolsonaro não tem jeito, pelo menos no que diz respeito à relação com a imprensa. Manda banana para os jornalistas naquele gesto que, antigamente, era desrespeitoso. E ainda é. Mas a galera está se acostumando. Faz parte da índole. E se houver alguma resposta de algum repórter mais desembestado? O que poderá ocorrer? Nesse caso, o ditado "olho por olho, dente por dente" não será aceito. O "pobre" do mal-educado deverá ser proibido de frequentar os minicomícios diários do presidente.

O Brasil sob nuvens

Não dá para fazer grandes projeções sobre o país. Nunca os horizontes foram tão fechados. Nuvens grossas impedem visão de enxergar distâncias maiores. E nem mesmo as curtas. Um maluco – com ideias estapafúrdias – pode se eleger prefeito ou, mais adiante, deputado. A campanha municipal será um oceano de surpresas. Daqui a pouco a direita pode tomar o lugar da esquerda em algumas matérias e vice-versa. Este analista confessa que nunca viu horizontes tão obnubilados.

Zema

Romeu Zema, o governador de MG, o maior ícone do Novo, partido em crescimento, deu um big aumento aos policiais militares. Imaginem a confusão. As pedrinhas do dominó começam a cair em muitos Estados, onde as polícias querem o mesmo aumento – mais de 40% - concedido por Zema. MG é um Estado-síntese do Brasil.

Perfil ideal

Pergunta recorrente a este consultor. Qual o perfil ideal para ser candidato este ano? Na ponta da língua:

- símbolo da renovação

- vida bem-sucedida no campo profissional

- passado limpo, vida decente

- boa expressão – capacidade de comunicação

- eficiente articulação

- apresentação de propostas que entrem na cachola do eleitor

- condições para fazer uma boa campanha

Cabral na real

Sérgio Cabral teve aprovada sua delação premiada à PF. E na maior ligeireza "entregou" a mulher Adriana Ancelmo, dizendo que ela sabia de todas as falcatruas que cometia. "O homem é o lobo do homem", já ensinava Thomas Hobbes, o autor do clássico Leviatã. A frase original, traduzida para o latim como "homo homini lupus", pertence ao dramaturgo romano Plautus (254-184 a.C.). O homem é a ameaça contra a própria espécie.

O continuísta

Candidato à reeleição na prefeitura, máquina a serviço da candidatura, cabos eleitorais multiplicados, o continuísta tem grandes vantagens sobre outros. Principalmente se construiu forte identidade junto à comunidade. Pontos fortes: ações e obras a mostrar. Pontos fracos: mesmice, esgotamento do perfil e eventuais denúncias de corrupção/nepotismo, etc.

O oposicionista

Deve encarnar situação de mudança, troca de peças velhas na máquina administrativa. Para ter sucesso, precisa captar o espírito da comunidade, auscultar demandas, mostrar-se ao eleitor, ganhar confiança. Pontos fortes: alternativa à velha ordem; encarnação do espírito do novo. Se for um perfil já conhecido, impregná-lo com o verniz da renovação. Pontos fracos: pequena visibilidade (hoje, pode usar bem as redes sociais); estruturas de apoio mais tênues.

A terceira via

O candidato da terceira via apresenta-se como perfil para quebrar a polarização entre situação e oposição. Para angariar apoio de todos os lados, carece organizar um discurso moderado, ouvindo todos os segmentos, buscando uma linha intermediária. Demonstrar que tem melhor programa do que os dois candidatos. Pontos fortes: bom-senso, alternativa à polarização acirrada entre grupos, inovação. Pontos fracos: falta de apoios das estruturas.

Disfarce

O ministro Abraham Weintraub, da Educação, entra na história como o maior trapalhão da Pasta em todos os tempos. Seus erros de português ganharam manchetes. Suas provocações caíram no vazio. Continuará ministro, garante Bolsonaro. Pois bem, ontem, o ministro produziu mais uma de suas aberrações. Desta feita, uma mensagem de Twitter com erros de português seguidos. Claro, foi proposital. Mas o recurso é infantil. Quis tirar sarro da mídia que o critica pelos erros. Mas o recurso exibe o disfarce. Quis dizer, estou errando de propósito para vocês se divertirem. Ninguém engoliu a manobra. O ministro contribui para manchar a imagem do governo.

Humanas em ascensão

Nos últimos tempos, o Brasil passou a ser passado a limpo nas conversas, palestras e interlocuções. Quem se beneficia com isso é a área de Ciências Humanas. Política é discutida ao lado de comportamentos, gestos, atitudes. Claro, economia tem sempre seu lugar de destaque. Uma observação: a área de Filosofia ganhou notas mais elevadas no ENEM. Mais procura, mais gente engajada no debate. PS: os filósofos estão em destaque. Cito três: Leandro Karnal, Luiz Felipe Pondé e Mário Sérgio Cortella.

Califon em Pau dos Ferros

Aliás, esse último amigo, Cortella, me conta uma boa recordação. Nos tempos do Paulo Freire, foi até Pau dos Ferros, onde aprendeu que sutiã ali é chamado de califon. Quando soube que nasci numa cidadezinha da Tromba do Elefante (Luis Gomes), me contou a história do califon. Para quem não sabe, o RN tem o formato de um elefante. Nasci na ponta da tromba, na serra que faz muito frio no mês de julho.

Falsidades

Nem bem o general Braga Netto toma posse na Casa Civil e os desembestados radicais já enchem as redes sociais com fake news. Um vídeo mostra o general falando em linguagem que, na visão de um colega dele, não corresponde ao "linguajar castrense". Na falsidade, tentam colocar o general Braga contra os 20 governadores que assinaram uma carta discordando do presidente Jair Bolsonaro.

Mais um insulto

O presidente continua a expressar linguagem incongruente com o alto cargo que desempenha. Ontem, voltou a cometer o gesto deselegante de insultar a repórter da Folha de S.Paulo, Patrícia Campos Mello. Manchete do jornal: "Bolsonaro insulta repórter da Folha com insinuação sexual". Nunca se viu tão baixo nível.

O primeiro manual

O escopo do marketing político, ao longo da história, tem se mantido praticamente o mesmo. O que muda são as abordagens e as ferramentas tecnológicas. Atentem. No ano 64 a.C., Quinto Túlio Cícero enviava ao irmão, o grande tribuno e advogado Cícero - protagonista de episódios marcantes por ocasião do fim do sistema republicano e implantação do Império Romano - uma carta que considero o primeiro manual organizado de marketing eleitoral da história.

Três coisas

Naquele Manual, Quinto Túlio orientava Cícero sobre comportamentos, atitudes, ações e programa de governo para o consulado, que era o pleito disputado, sem esquecer as abordagens psicológicas do discurso, como a lembrança sobre a esperança, este valor tão "marketizado" no Brasil e que se constituiu eixo central do discurso da era lulista. Dizia ele: "Três são as coisas que levam os homens a se sentir cativados e dispostos a dar o apoio eleitoral: um favor, uma esperança ou a simpatia espontânea".

Gaudêncio Torquato, Jornalista e Consultor de Marketing Político, é Professor Titular na USP.
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A partir das colunas recheadas de humor para uma obra consagrada com a experiência do jornalista Gaudêncio Torquato.

Em forma editorial, o livro "Porandubas Políticas" apresenta saborosas narrativas folclóricas do mundo político acrescidas de valiosas dicas de marketing eleitoral.

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sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Muitos motivos para desconfiar. Sequência de crises tem levado investidores a se questionar se o governo será capaz de cumprir promessas de ajuste fiscal e encaminhamento de reformas

O Estado mostrou em reportagem publicada ontem que os investidores começam a se perguntar se o governo de Jair Bolsonaro será mesmo capaz de cumprir suas promessas de ajuste fiscal e de encaminhamento de reformas. O motivo é a sequência de crises geradas em várias frentes, em particular na área econômica do governo e na articulação do Palácio do Planalto com o Congresso.

Conflitos são próprios da política e naturais na administração de um país. Afinal, é do confronto aberto de ideias e visões diferentes que surgem as melhores soluções. O problema é que, tanto na política quanto na governança, é preciso que haja lideranças capazes de conduzir a bom termo o processo de tomada de decisões, transmitindo firmeza e segurança a todos os que serão, direta ou indiretamente, afetados por elas.

Infelizmente, ao longo do primeiro ano de mandato e, em particular, nos últimos dias, o governo de Bolsonaro tem dado demonstrações públicas de confusão e confronto, seja internamente, seja na sua relação com o Congresso. Desde sempre houve dúvidas genuínas sobre o compromisso de Jair Bolsonaro com as reformas e com o equilíbrio fiscal, mas recentemente sua hesitação causou graves ruídos no Ministério da Economia – cujo titular, Paulo Guedes, passou todo o primeiro ano de governo a reafirmar a promessa de promover uma revolução liberal no Estado brasileiro, com reformas profundas, privatizações em massa, redução drástica de subsídios e abertura para o mundo.

Quase nada disso foi entregue até agora, em parte porque havia uma distância descomunal entre as promessas de Paulo Guedes e a realidade, e em parte porque o presidente Bolsonaro jamais foi um liberal. Ao contrário, sua carreira política como deputado se notabilizou pela defesa de corporações de funcionários públicos e contra as reformas. Mas, graças em larga medida à presença de Paulo Guedes na campanha de Bolsonaro à Presidência, havia no mercado a expectativa de que a agenda de racionalização do Estado pudesse avançar a despeito das reticências do presidente.

Um ano bastou, porém, para que muitos investidores – bem como a maioria dos cidadãos – percebessem que Bolsonaro não apenas carece das qualidades básicas para presidir o País, como tem de sobra características que comprometem o andamento das reformas e, no limite, a própria governabilidade.

Um exemplo recente foi o comportamento errático do presidente na negociação com o Congresso a respeito do manejo do Orçamento. Primeiro, vetou mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias que tornou obrigatória a execução de emendas apresentadas por relatores, o que daria ao Congresso o controle de R$ 46 bilhões. Na visão da equipe econômica, isso engessaria ainda mais o Orçamento; na prática, reduziria a capacidade do governo de usar a liberação de emendas como moeda de troca para obter apoio no Congresso. Diante da perspectiva da derrubada do veto, o governo, na figura do ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Carlos Ramos, passou a negociar um meio-termo, em que o Executivo recuperaria o controle sobre cerca de R$ 11 bilhões. Um acordo chegou a ser anunciado, mas então tanto o presidente Bolsonaro como seu ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Alberto Heleno, se queixaram de “chantagem” do Congresso.

Além de criar um enorme problema com o Congresso, o episódio levantou sérias dúvidas sobre a capacidade de Bolsonaro e de seus ministros mais próximos de tomar e sustentar decisões. O presidente, em especial, parece perigosamente suscetível ao burburinho das falanges radicais do bolsonarismo, que tratam os parlamentares como inimigos e a política como coisa imunda.

Esse padrão caótico mina a credibilidade do governo, pois não se sabe se medidas que valem hoje continuarão a valer amanhã ou se o presidente Bolsonaro, de uma hora para outra, conseguirá em algum momento ser o presidente que até agora não foi.

Editorial de O Estado de São Paulo, edição de 21.02.20

Estranha ética

A Comissão de Ética da Presidência arquivou, por quatro votos a dois, denúncia contra o chefe da Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom), Fabio Wajngarten, por conflito de interesses. O secretário é dono da FW Comunicação e Marketing, que, como apurou o jornal Folha de S.Paulo, presta serviços a algumas das maiores emissoras de televisão do País e agências de publicidade contratadas por Ministérios e empresas estatais. A Secom afirmou que “a denúncia arquivada é um atestado de idoneidade”. Na verdade, uma vez que o arquivamento se deu sem que sequer se instaurasse uma investigação e antes da conclusão do inquérito da Polícia Federal e do processo administrativo aberto no Tribunal de Contas da União (TCU), ele não atesta nada a não ser a inocuidade da Comissão de Ética.

Wajngarten assumiu em abril do ano passado o cargo de secretário de Comunicação, função que lhe dá poderes para influir na distribuição de verbas para a propaganda oficial. À época ele se afastou da direção da FW, mas conservou a propriedade de 95% das suas cotas. Ato contínuo, delegou a administração da empresa ao empresário Fabio Liberman e nomeou seu irmão, Samy Liberman, secretário adjunto da Secom.

A Lei 12.813/13, que versa sobre conflito de interesses, veda o “exercício de atividade que implique prestação de serviços ou a manutenção de relação de negócio com pessoa física ou jurídica que tenha interesse na decisão do agente público”. A defesa de Wajngarten alega que basta ao ocupante de cargo público se afastar da administração da empresa. A questão é controvertida. Ao se negar a enfrentá-la, a Comissão de Ética descumpriu seu papel.

Dados da Secom mostram que aumentaram as receitas com publicidade federal de duas emissoras de televisão que pagam pelos serviços da FW, enquanto uma outra teve sua receita reduzida. A inversão é praticamente injustificável por critérios técnicos, uma vez que a terceira emissora é líder de audiência. Por esses e outros indícios, a Polícia Federal apura práticas de corrupção passiva, peculato (desvio de recursos por agente público) e advocacia administrativa (patrocínio de interesses privados na administração pública). O caso também motivou um processo administrativo no TCU.

Esses indícios seriam mais do que suficientes para que a Comissão de Ética no mínimo investigasse a denúncia e eventualmente julgasse seu mérito. Esta foi a posição dos conselheiros Erick Vidigal e Ruy Altenfelder. O estranho arquivamento contrariou a jurisprudência do colegiado. Em casos anteriores em que investigações criminais estavam em curso, a Comissão optou por aguardar o seu desfecho. Há também precedentes contrários em relação ao mérito. Em 2015, a Comissão decidiu que a então deputada Rebecca Garcia, nomeada por Dilma Rousseff para a Superintendência da Zona Franca de Manaus, não poderia exercer o mandato por ser sócia de empresas de parentes que recebiam subsídios da Zona Franca. Em 2014 o então ministro da saúde Arthur Chioro teve de comprovar que já não era dono de uma empresa de consultoria na área de saúde para continuar no cargo.

No caso de Wajngarten, além de todos os indícios, há evidências para motivar, se não uma recomendação de exoneração, no mínimo uma advertência. Isso porque, ao assumir o cargo, Wajngarten omitiu dados sobre sua empresa e seus negócios. Entre outras coisas, ao ser indagado pela Comissão se mantivera negócios com entidades que operam na mesma seara da Secom, informou que “não”.

Na ocasião da abertura do inquérito policial, Wajngarten afirmou que seria uma “oportunidade” para provar que não cometeu irregularidades. Talvez seja. Será preciso aguardar a conclusão. Por hora já é possível afirmar com certeza que a Comissão de Ética, ao se negar a apurar sua culpa ou inocência, perdeu uma oportunidade de provar que serve para algo mais que justificar e racionalizar qualquer decisão do Planalto.

Editorial de O Estado de São Paulo, edição de 21.02.20.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Com ou sem Guedes? Como a saída do superministro afetaria o governo Bolsonaro

Declaração do presidente Jair Bolsonaro despertou imediatamente especulações sobre futuro do ministro Paulo Guedes no governo
Sem que ninguém perguntasse, o presidente Jair Bolsonaro anunciou na terça-feira (18/02) que o ministro da Economia, Paulo Guedes, "não pediu para sair" e "vai continuar conosco até o nosso último dia", despertando imediatamente especulações no sentido contrário, de que seu "Posto Ipiranga" está, na verdade, ameaçando pular fora do governo.

O motivo do desgaste entre os dois é a lentidão do andamento da pauta econômica defendida pelo ministro, já que o presidente não abraça de fato sua agenda ultraliberal, nem tem articulação política no Congresso para garantir a aprovação das medidas. Além disso, Guedes virou foco de fortes críticas nas últimas semanas por suas próprias declarações polêmicas, o que acaba também atrapalhando o andamento de propostas impopulares, como a reforma administrativa para alterar regras do funcionalismo público.

Para analistas políticos e econômicos ouvidos pela BBC News Brasil, uma eventual saída do superministro com apenas um ano de governo vai gerar turbulência e afetar negativamente a imagem da gestão Bolsonaro. Se isso ocorrer, porém, eles acreditam que a tendência é o presidente buscar alguém de perfil semelhante para substituí-lo dentro do próprio governo, por exemplo deslocando o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, para o ministério da Economia, ou promovendo para o cargo o Secretário do Tesouro, Mansueto Almeida.

"Paulo Guedes é um dos pilares da razoável estabilidade na percepção de investidores e empresários com relação à economia, a despeito de todos os focos de incerteza. Se ele sair, acredito que o presidente buscaria um nome na mesma linha. Seria um risco muito alto para a administração Bolsonaro perder a questão econômica como uma variável para capital político", afirma o cientista político Rafael Cortez, da consultoria Tendências.

Ele, porém, considera que o mais provável, no momento, é Guedes permanecer no governo.

"Os dois se uniram em um casamento de conveniência. Bolsonaro precisava de um nome para dar alguma credibilidade a sua agenda econômica, e o Paulo Guedes não era um economista nas primeiras posições para ocupar um cargo dessa magnitude na época da dicotomia PT-PSDB", lembra ele.

"Não vejo incentivos para romper essa relação agora. Do ponto de vista do presidente, representaria um risco reputacional e para a agenda econômica. E da perspectiva do ministro Guedes, esse primeiro ano foi bastante insuficiente para a ideia de deixar um legado na história de construção de uma agenda econômica", analisa.

'Parasitas e empregadas'

Guedes foi criticado como elitista e preconceituoso na última semana ao defender o dólar alto dizendo que antes, quando a taxa de câmbio estava em R$ 1,80, "todo mundo (estava) indo para a Disneylândia, empregada doméstica indo para Disneylândia, uma festa danada". A moeda americana hoje está valendo R$ 4,36.

Dias antes, ele já tinha despertado a ira dos servidores públicos ao chamá-los de "parasitas" quando criticava as reivindicações de aumentos salariais num momento em que "o governo está quebrado". A fala acabou azedando o clima político para enviar a proposta de reforma administrativa ao Congresso, onde há uma forte frente parlamentar de defesa do funcionalismo que se opõe à ideia de flexibilizar a estabilidade dos servidores e criar regras mais restritivas para reajustes salariais.

Por causa de declarações como essas, que acabam atrapalhando a condução das reformas, o economista Bráulio Borges, da consultoria LCA e do Ibre/FGV, considera que poderia até ser positiva a troca do ministro da Economia.

Na sua visão, o presidente não teria dificuldade em conseguir alguém de perfil semelhante ao de Guedes, que chama de "Chicago old", em referência ao envelhecimento dos chamados "Chicago boys", economistas formados na Universidade de Chicago (EUA) décadas atrás, com viés superliberal na economia.

Ele ressalta, no entanto, que as dificuldades na condução da política econômica tendem a continuar, independente de qual for o ministro. "Mesmo que o eventual substituto do Guedes for melhor que o Guedes, não vai eliminar o foco de tensão permanente que é o fato de Bolsonaro não ser um liberal, nem na economia, nem nos costumes", afirma.

Borges exemplifica a falta de apreço do presidente pela agenda econômica liberal citando sua recente "disputa com os governadores para reduzir tributação sobre os combustíveis, num momento em que não há espaço fiscal para retirar esses impostos". Ele também critica a decisão do governo de injetar R$ 7,6 bilhões na Emgepron, estatal da área militar, no final de 2019, com objetivo de construir corvetas (navios de guerra), a despeito das contas continuarem no vermelho.

Na sua visão, esse "comportamento populista" tende a se intensificar na medida em que se aproximar a eleição presidencial de 2022, quando Bolsonaro vai tentar a reeleição.

"É um casamento bastante oportunista essa união de Guedes e Bolsonaro. Até agora deu certo, mas imagina a pressão se a economia de fato não decolar e o próximo ciclo político eleitoral for se aproximado", ressalta.

Para Borges, o "timing" (melhor momento) para aprovar as reformas vai até meados desse ano, já que no segundo semestre haverá eleições municipais e, no início de 2021, acaba o mandato de Rodrigo Maia (DEM) como presidente da Câmara dos Deputados — ele, que tem sido o principal fiador da agenda econômica de Guedes, não pode se reeleger mais uma vez para presidir a Casa pelas regras

Falta de articulação política do Planalto no Congresso tem representado dificuldades para a aplicação da agenda de Guedes.

'Reformas sem rumo'

A consultora econômica Zeina Latif, que até janeiro era economista-chefe da XP Investimentos, uma das maiores corretoras do país, diz que o mercado financeiro continua tendo Guedes em alta conta, mesmo com o desgaste das últimas declarações.

"Eu vejo no mercado financeiro, no empresariado, muito respeito por ele. Gostando ou não do estilo, o fato é que ele consegue explicar a economia para as pessoas como antes outros ministros não fizeram. Ele consegue levantar temas polêmicos, ainda que às vezes de um jeito atrapalhado", acredita.

Na sua leitura, o grande problema está na falta de clareza sobre qual o "compromisso" do governo com as reformas, depois da aprovação das mudanças da Previdência, em 2019. Ela ressalta que a gestão Bolsonaro tem apresentado intenções em diversas áreas, mas sem indicar qual é sua prioridade.

"A gente não consegue hoje dizer qual o próximo item que o governo vai trabalhar para aprovar no Congresso. É o Plano Mansueto (medidas para melhorar as contas de Estados e municípios)? É a PEC Emergencial (que também trata de contas públicas)? É a carteira Verde-Amarela (proposta de novos contratos de trabalho)? É a reforma tributária?", questiona a economista.

Ela diz ainda que "falta Casa Civil" ao governo, em referência ao ministério que costuma cuidar da articulação política. Bolsonaro acaba de trocar o comado da pasta, nomeando como ministro o general Walter Souza Braga Netto, no lugar de Ônyx Lorenzoni, político do DEM que assumiu o Ministério da Cidadania. A economista, porém, não vê perspectivas de melhora na negociação política com a nomeação de mais um militar para o governo.

"Governar (para essa gestão) parece que é mandar projeto para o Congresso, mas não é. Governar é estabelecer prioridades, é fazer o diálogo com os Poderes (Congresso e STF), é entregar. Não é dizer 'já fiz a minha parte, agora é com o Congresso'", critica ainda.

Mariana Schreiber - @marischreiber
Da BBC News Brasil em Brasília

Doria, Gilmar e Maia veem escalada de ‘autoritarismo’ no Planalto

Governador, ministro do STF e presidente da Câmara discutem em jantar o que consideram investidas de Bolsonaro contra instituições

Por Eliane Cantanhêde, comentarista de política de O Estado de São Paulo

Em jantar na residência oficial da presidência da Câmara, em Brasília, nesta (última) terça-feira, 18, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), o governador João Doria (PSDB-SP), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes e dez parlamentares discutiram o que consideram uma “escalada autoritária” do presidente Jair Bolsonaro contra a imprensa, os governadores, o Congresso e outras representações da democracia.

Conforme o Estado apurou, Maia está preocupado em não confrontar Bolsonaro, com quem mantém relações difíceis desde o início do mandato presidencial, mas disse que a “linha dura” continua instalada no Palácio do Planalto e lamentou os efeitos negativos da grave polarização entre direita e esquerda na retomada do crescimento econômico. Garantiu, porém, que o Congresso tocará as reformas tributária e administrativa, mesmo sem a iniciativa ou o apoio do Executivo.

O presidente Jair Bolsonaro em Brasília nesta terça, 19; ataques do presidente contra a imprensa foram tema de conversa entre Maia, Gilmar e Doria Foto: Dida Sampaio/Estadão
O mais incisivo no encontro foi o ministro Gilmar Mendes, que chegou a reclamar da “bonomia” (bondade, falta de maldade, leniência) com que instituições e setores da sociedade convivem, na sua opinião, com as agressões do presidente, que se tornaram praticamente diárias e dirigidas a um número cada vez maior de alvos. O ministro do Supremo defendeu o “fim dessa bonomia”.

O jantar foi no dia em que Bolsonaro atacou em tom sexista a jornalista Patricia Campos Melo e em meio ao novo mal-estar entre Executivo e Legislativo, pela decisão do governo de romper um acordo fechado pelo Ministério da Economia e as cúpulas da Câmara e do Senado quanto ao Orçamento impositivo. Maia atribuiu a responsabilidade pelo rompimento menos a Bolsonaro e mais ao ministro Paulo Guedes.

Já no dia seguinte, quarta-feira, 19, surgiu o vídeo do general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), acusando os parlamentares de “chantagearem” o governo e terminando a frase com um palavrão, como que confirmando a avaliação e as críticas feitas no jantar de Maia, Doria e Gilmar.

Doria é um dos líderes da reação dos governadores aos ataques do presidente e da carta assinada por 20 deles criticando o presidente por manifestações que não contribuem com “a evolução da democracia”. Ontem, depois de encontro com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), cobrou de Bolsonaro “diálogo e entendimento”.

Miliciano

Se o clima da semana já era de tensão, pelos ataques de Bolsonaro a jornalistas e pelo confronto com governadores, esse clima só piorou com as manifestações dele e de seus filhos sobre a morte do capitão Adriano, líder de uma milícia do Rio. No Legislativo e no Judiciário, há perplexidade com as manifestações do presidente.

No fim da tarde desta quarta, o ambiente político ganhou um fator novo e preocupante, com os tiros no senador Cid Gomes, no Ceará, durante protestos de policiais no Estado, o que mobilizou Senado, Câmara e mundo jurídico, justamente no dia em que o Congresso criou a Comissão Mista que buscará um consenso para uma reforma tributária comum.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

O que se sabe sobre tiros que atingiram senador Cid Gomes em protesto de PMs no Ceará

Cid Gomes após ser baleado

Reprodução - O Sobralense

O senador Cid Gomes (PDT) foi baleado na tarde desta quarta-feira (19/02) em Sobral, no interior do Ceará. O político foi atingido quando, ao volante de um trator, forçava o portão de um quartel da Polícia Militar onde estavam policiais grevistas.

De acordo com o hospital onde ele foi atendido, o senador foi atingido por tiros de arma de fogo na região torácica.

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Gomes foi levado ao Hospital do Coração de Sobral. Segundo nota da instituição, após atendimento, o senador apresentou "boa evolução clínica".

"Seu quadro cardíaco e neurológico não apresenta alteração. Neste momento o paciente encontra-se lúcido e respirando sem auxílio de aparelhos", diz o texto.

Ciro Gomes disse que o senador foi alvejado por dois disparos que "não atingiram órgãos vitais", "apesar de terem mirado seu peito esquerdo".

"Novos exames estão sendo feitos mas a palavra aos familiares e amigos é de que Cid não corre risco de morte. Espero serenamente, embora cheio de revolta, que as autoridades responsáveis apresentem prontamente os marginais que tentaram este homicídio bárbaro às penas da lei", afirmou Ciro em mensagem no Twitter.

A secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará informou em nota que o Núcleo de Homicídios da Delegacia Regional de Sobral investiga o caso. A pasta diz que Gomes foi ferido por homens encapuzados amotinados no 3º Batalhão de Polícia Militar, em Sobral. Segundo o órgão, uma equipe do Grupo de Pronta Intervenção da Polícia Federal, composto por agentes e técnicos, está se deslocando para o município.

O Ministério da Justiça e Segurança Pública informou por meio de nota à imprensa que "está acompanhando a situação no Ceará e analisando as providências que podem ser tomadas". A pasta disse ainda que enviou equipes da Polícia Rodoviária Federal e da Polícia Federal para Sobral para garantir a segurança do senador.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, disse ter entrado em contato o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, e com o governador do Ceará, Camilo Santana, "para obter informações e garantir a segurança do parlamentar".

O caso gerou um bate-boca via redes sociais entre Ciro Gomes e o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro.

O deputado escreveu em sua conta no Twitter: 

"tenta invadir o batalhão com uma retroescavadeira e é alvejado com um projétil de borracha. É inacreditável que um Senador da República lance mão de uma atitude insensata como essa, expondo militares e familiares a um risco desnecessário em um momento já delicado".

Ciro Gomes respondeu, via Twitter: 

"Deputado #eduardoBolsonaro, será necessário que nos matem mesmo antes de permitirmos que milícias controlem o Estado do Ceará como os canalhas de sua familia fizeram com o Rio de Janeiro".

O vereador Carlos Bolsonaro, irmão de Eduardo, também comentou o caso em rede social: 

"Democraticamente estou desarmado, mas vou passar com um trator em cima de você. Aceite, ou senão é ditadura! O que mata não são armas de fogo legais, mas a pessoa que está disposta a cometer o crime, seja com que ferramenta for".

A greve

O movimento dos policiais militares do Ceará começou na terça-feira (18) após uma proposta de reestruturação salarial da categoria começar a tramitar na Assembleia Legislativa do Estado.

Segundo o jornal Diário do Nordeste, protestos contra o projeto começaram a ocorrer em alguns pontos do Estado. Em Fortaleza, um grupo com cerca 30 pessoas encapuzadas invadiu um batalhão e levou 10 viaturas do local, na madrugada da quarta.

Outras 20 pessoas mascaradas furaram os pneus de carros estacionados no pátio de outro batalhão, localizado no Conjunto Ceará. Segundo a publicação, veículos particulares também foram 
O secretário de Segurança Pública e Defesa Social do Ceará, André Costa, afirmou no início da tarde que "infelizmente há alguns grupos na PM praticando crimes e atos de vandalismo". Ele disse, também, que o governo está "trabalhando focado na proteção da população cearense".

"Para essas pessoas, o Estado, segurança pública e as corporações vão agir com todo o rigor que a lei prevê. Condutas de motim, de revolta, atos de insubordinação não serão tolerados", disse.

Até o início da tarde, já haviam sido instaurados 261 Inquéritos Policiais Militares, além de processos disciplinares, contra o movimento.

Fonte: BBC Brasil

Como a briga por verbas do Orçamento elevou a tensão entre Planalto e Congresso

Disputas por recursos motivou a mais recente troca de ataques entre ministros do governo de Jair Bolsonaro e o comando do Congresso Nacional
Uma disputa por recursos do Orçamento de 2020 é a origem da mais recente troca de ataques entre ministros do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) e o comando do Congresso Nacional.

Na manhã de terça-feira (18/02), o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, o general Augusto Heleno, foi flagrado acusando os congressistas de tentarem "chantagear" o governo.

"Nós não podemos aceitar esses caras chantagearem a gente o tempo todo. Foda-se!", disse o militar da reserva.

A fala de Heleno foi veiculada acidentalmente durante uma transmissão ao vivo da página de Jair Bolsonaro no Facebook — o ministro não percebeu que sua fala continuava sendo veiculada.

O episódio foi registrado pelo jornal O Globo. No fim da manhã da quarta-feira, em mensagem no Twitter, Heleno classificou o ocorrido como "mais um lamentável episódio de invasão de privacidade".

O ministro disse ainda que sua fala não refletia a posição do governo.

"Ressalto que a opinião é de minha inteira responsabilidade e não é fruto de qualquer conversa anterior, seja com o Sr. Presidente da República, com o Min. Paulo Guedes, com o Min. Ramos, ou com qualquer outro ministro", disse ele na rede social.

"Externei minha visão sobre as insaciáveis reivindicações de alguns parlamentares por fatias do orçamento impositivo, o que reduz, substancialmente, o orçamento do Poder Executivo e de seus respectivos ministérios", disse Heleno.

Para ele, a ocupação de espaço pelo Congresso dentro do Orçamento "prejudica a atuação do Executivo e contraria os preceitos de um regime presidencialista. Se desejam o parlamentarismo, mudem a Constituição", disse.

Naquele momento, porém, a fala já tinha produzido efeitos do outro lado da Esplanada, no Congresso: os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), demonstraram incômodo com a declaração de Heleno.

Rodrigo Maia disse que a fala de Heleno captada na transmissão do Facebook era "infeliz".

"Uma pena que um ministro com tantos títulos tenha se transformado num radical ideológico contra a democracia, contra o Parlamento. É muito triste", disse ele.

Maia também ironizou a fala de Heleno lembrando o reajuste salarial que o Congresso concedeu aos militares no fim do ano passado, ao votar a nova Previdência dos integrantes das Forças.

"Quero saber se ele acha que o Parlamento foi chantageado por ele, ou por alguém, para votar (o aumento). Ou se chantageou alguém para votar o projeto de lei das Forças Armadas", disse Maia.

Heleno, disse Maia, faria melhor se permanecesse "num gabinete de rede social, tuitando, agredindo, como muitos fazem, como ele tem feito ao Parlamento nos últimos meses".

Já o presidente do Senado disse em nota que a fala de Heleno representava um "ataque" à democracia e à independência dos poderes.

"Nenhum ataque à democracia será tolerado pelo Parlamento", afirmou Davi Alcolumbre.

"O momento, mais do que nunca, é de defesa da democracia, independência e harmonia dos Poderes para trabalhar pelo país. O Congresso Nacional seguirá cumprindo com as suas obrigações", acrescentou.

Jair Bolsonaro e Augusto Heleno em foto de dezembro; ministro-chefe do GSI, o general foi flagrado acusando os congressistas de tentarem 'chantagear' o governo

R$ 30 bilhões em emendas

A origem da disputa é um veto feito por Bolsonaro na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), aprovada no ano passado.

O projeto final aprovado pelo Congresso tornou obrigatório o pagamento de cerca de R$ 30 bilhões em emendas apresentadas pelo relator do Orçamento, o deputado Domingos Neto (PSD-CE).

Este valor inclui alterações desejadas pelo próprio deputado cearense, mas também modificações incluídas por ele atendendo a pedidos dos demais congressistas.

E o que é ainda mais incomum: a alteração na LDO dava prazo de 90 dias para os ministérios liberarem os recursos — tirando do Executivo o controle sobre os recursos.

Segundo técnicos do próprio Congresso e do Executivo consultados pela reportagem da BBC News News Brasil, a mudança gerou reclamações na Esplanada dos Ministérios no começo deste ano, levando Bolsonaro a vetar o dispositivo.

"Ali (naqueles R$ 30 bilhões) têm de tudo. Tem lugares na Esplanada que só poderão contar com esse dinheiro de emendas de relator", diz um técnico. "Na verdade, criou-se uma instância de execução (orçamentária) dentro do Legislativo, uma coisa super complicada", diz o profissional, que falou sob condição de anonimato.

"Houve uma reação muito forte na Esplanada, dos militares, de todo mundo. O gestor (de cada ministério) corria risco de ser processado caso não fizesse a execução orçamentária dentro desse prazo de 90 dias", acrescentou.

Após o veto, o Planalto voltou a conversar com o Congresso para articular uma solução de consenso: o presidente enviaria um projeto mantendo para o Executivo cerca de R$ 10 bilhões do total alocado por Domingos Neto, e devolveria os R$ 20 bilhões restantes.

O projeto do governo, no entanto, não foi enviado. Após o Carnaval, o Congresso deve decidir se mantém ou não o veto de Bolsonaro. A data exata ainda é incerta.

As emendas são pequenas modificações que os parlamentares fazem no Orçamento, destinando recursos da União para obras ou projetos em suas bases eleitorais.

As emendas de bancada: mais R$ 15 bilhões

Os R$ 30 bilhões reivindicados por Domingos Neto não são o primeiro movimento do Congresso para ocupar mais espaço no Orçamento desde o começo do governo Bolsonaro.

Em meados do ano passado, os congressistas já tinham aprovado uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que tornou obrigatório o pagamento das emendas de bancada — somando cerca de R$ 15,4 bilhões.

Na época, o governo apoiou a proposta: sem ter como resistir à pressão do Congresso, a gestão Bolsonaro procurou evitar a aparência de uma derrota.

A mudança na Constituição também trouxe algumas regras para o uso do dinheiro das emendas de bancada. Por exemplo: se o dinheiro for aplicado em uma obra ou projeto que dure mais de um ano, a bancada fica obrigada a destinar emendas para esta finalidade até que esteja concluída.

Até então, o pagamento de emendas deste tipo não era obrigatório, e frequentemente o dinheiro acabava não saindo dos cofres públicos.

No ano que vem, o valor destas emendas de bancada voltará a crescer, segundo a PEC aprovada.

Além do maior espaço de deputados e senadores no Orçamento, há pelo menos outros dois fatores que fazem com que o Congresso esteja ainda mais forte na relação com o Executivo este ano.

Bolsonaro terá de lidar este ano com as consequências da tensão atual — e das anteriores — com o Congresso sem ter construído, ao longo do primeiro ano de mandato, uma base forte no Legislativo.

Também terá de enfrentar um "ano curto" na política, no qual deputados e senadores concentrarão suas energias na eleição municipal, durante o segundo semestre.

André Shalders - @andreshalders
Da BBC News Brasil em Brasília

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Porandubas Políticas

Por Gaudêncio Torquato
Abro a coluna com a malandragem mineira.

31 de março de 1964. Benedito Valadares se encontra com José Maria Alkmin e Olavo Drummond no aeroporto de Belo Horizonte:
– Alkmin, para onde você vai?
– Para Brasília.
– Para Brasília, ah, sim, muito bem, para Brasília.
Os três saem andando para o cafezinho, enquanto Benedito cochicha no ouvido de Drummond:
– O Alkmin está dizendo que vai para Brasília para eu pensar que ele vai para o Rio. Mas ele vai mesmo é para Brasília.
Esse tipo de artimanha é chamado de engano de segundo grau. Quer dizer: engano meu interlocutor, dizendo-lhe a verdade para tirar proveito da sua desconfiança.
Essa é uma historinha que expressa com humor o refinamento a que leva o ocultamento de informações. O primeiro relato foi assim:
"Perguntei para o senhor onde iria. Que sacanagem, o senhor quis fazer-me acreditar que vai a Minsk. Ora, acontece que o senhor vai mesmo a Minsk".

Bomba em Bruno

O prefeito de São Paulo, Bruno Covas, até estava com seus índices de aprovação em franco crescimento. Enfrenta o câncer com coragem e disposição. O fator emocional impulsiona o apoio da população. Mas essa chuvarada que inundou a cidade vai ser uma bomba de efeito retardado sobre o prefeito. A mídia mostra que deixaram de ser gastos com obras de prevenção de enchentes algo em torno de R$ 2,7 bilhões. A aflição das comunidades periféricas se expande. A indignação ganha imprecações. Não adianta culpar o céu ou S. Pedro, o abridor das torneiras. O eleitor, em outubro, vai lembrar que faltou, bem antes, um bombeiro para evitar a tragédia.

PIBINF

Produto Interno Bruto da Infelicidade (PIBINF): esse é o nome do destruidor de candidatos. Claro, há outros como a gestão do administrador público, a má avaliação, o oportunismo de candidatos que só aparecem em tempo de eleição. Mas as tragédias são grandes eleitoras. Derrubam candidatos de todos os espectros: gordos e magros, feios e bonitos, jovens e velhos, bons e ruins de voto. São Paulo foi travada pela chuvarada que continua a cair na região. O PIBINF aumenta em escala geométrica. Esse eleitor vai correr o país e sujar candidaturas.

A geografia das tragédias

As tragédias produzem impactos horizontais e verticais. Horizontais, porque correm pela geografia do território, geralmente do berço onde nascem – capitais ou regiões sujeitas a abalos, como Brumadinho, em Minas Gerais –, correndo por regiões vizinhas. Verticais, na medida em que castigam grupos e classes da pirâmide social. Os mais necessitados têm suas casas inundadas. Carros das classes médias e inundações das ruas onde moram somam perdas e geram indignação. Os que habitam o alto da pirâmide acabam tendo suas rotinas alteradas sob o fluxo de tumultos nas regiões afetadas. O ano de 2020 não será simpático a milhares de candidatos. Vem muita renovação por aí.

Muita ambição

No meu livro Marketing Político e Governamental, cito um pensamento do cientista político Robert Lane, em Political Life, que explica como a ambição desmesurada pelo poder funciona como um bumerangue. "A fim de ser bem-sucedida em política, uma pessoa deve ter habilidades interpessoais para estabelecer relações efetivas com outras e não deve deixar-se consumir por impulsos de poder, a ponto de perder o contato com a realidade. A pessoa possuída por um ardente e incontrolável desejo de poder afastará constantemente os que a apoiam, tornando, assim, impossível a conquista do poder".

Políticos, bons

A fama (boa ou má) de um perfil político, em ano eleitoral, corre em círculos. Cada um possui uma imagem, que resulta do conhecimento que dele tem o povo. Esse conhecimento, por sua vez, decorre dos atos que o político realizou, dos serviços prestados à comunidade, da ajuda e das promessas cumpridas, enfim, da história da pessoa. Essa imagem pode povoar o território do bem ou do mal. As imagens são associadas aos sentimentos do ser humano, de prosperidade e felicidade, de generosidade e de bons feitos, de boa saúde e de bons negócios.

Políticos, maus

E, de outro lado, as imagens são associadas às coisas ruins, de perdas e empobrecimento, de dor e angústia, de infelicidade e tragédias. Cada cidadão (ã) guarda certa imagem do político que conhece. Aquele que ajuda as pessoas em sua luta é "bom"; o que não o faz é "mau". Em tempos de crise, é preto no branco, pró ou contra, "quem não está conosco, está contra nós".
A fama em círculos

Ocorre que esta imagem corre em círculos, saindo de uma fonte (uma pessoa), chegando a um grupo, que já funciona como pequena tuba de ressonância, até se espraiar pelas massas dispersas. 

A fama (boa ou má) se difunde, ganha novos trombones, vai correndo pela geografia dos espaços e pelas classes sociais. O destaque é o poder das classes médias para difusão em massa da imagem. Como estão no meio da pirâmide, as classes médias sopram ideias para cima e para baixo, atingindo ricos e pobres. Esta é a pedra jogada no meio da lagoa. O conteúdo expresso pelas classes médias forma ondas que chegam às margens de cima e de baixo. Daí a importância de avaliar o pensamento das correntes que habitam o meio da pirâmide, a partir do poderoso segmento de profissionais liberais. Se um político começa a ser mal avaliado pela classe média, esta avaliação sai do meio para as margens.

Democracia participativa

Faz anos que o Brasil tenta alavancar o conceito de democracia participativa. Como se sabe, esta é a democracia semeada na Ágora, a praça central de Atenas, onde os cidadãos convocados expressavam aos senadores o que queriam em matéria de obras e tributos. As Diretas Já, no Brasil de ontem, já sinalizavam a vontade do povo de se fazer presente na vida política.

O poder centrípeto

Mais recentemente, tivemos as jornadas de junho de 2013, que integraram a onda mundial de manifestações explodidas nos quadrantes do planeta. Tudo isso está por trás da revitalização da democracia, que hoje é firmada sobre poderes centrais (poder centrífugo). Mas começa a ecoar pelo mundo afora gritos do poder centrípeto (das margens para o centro), sinalizando que a sociedade quer revigorar a democracia participativa.

A base organizada

Há cerca de meio milhão de ONGs no Brasil. Essas Organizações Não Governamentais reúnem entidades de intermediação social e tentam fazer o que os partidos políticos e seus integrantes não conseguem: ampliar e defender a faixa de direitos e garantir os preceitos constitucionais. Antes, essas entidades se formavam nos núcleos das classes médias; hoje, há centenas de entidades estabelecidas nas periferias. Esse é o novo e extraordinário poder das bases no Brasil. Não somos mais o país do "Maria vai com as outras", que significava subordinação, um bando de ovelhas pastoradas no campo. Hoje, as mulheres como os homens agem sob os princípios da autonomia, harmonia e igualdade. Quem não enxerga esse fenômeno estará fora do processo político.

Os credos

Força política crescente, os credos religiosos constituem outro fenômeno que deve ser inserido no tabuleiro do poder no país. No Brasil governado por Bolsonaro, tendem a ganhar força. Mais um pouco, os evangélicos superarão os católicos. Eles não estão nem um pouco incomodados com essa história de que o Estado brasileiro é laico. Sob as cúpulas dos credos, germina a estratégia de infiltração evangélica nas veias do corpo nacional, a partir das periferias e dos cárceres. A bancada religiosa cresce sob a força do dízimo e, também, sob o refrão de Luiz Gonzaga, nosso cancioneiro maior: "Uma pra mim, uma pra mim; uma pra tu, outra pra mim; uma pra mim, outra prá tu; uma pra mim, outra pra mim".

Protagonistas na paisagem

 #Witzel, do Rio de Janeiro: acendendo polêmicas e procurando compor perfil para 2022.

# Sérgio Cabral – Um tonel de bombas, sua delação. Incluindo a mulher.

# Paulo Guedes – Começa a acender um fósforo contra a fogueira que o cerca. Chamar servidores públicos de "parasitas" pegou mal.

# João Doria – Mídia começa a empacotar sua imagem em celofane multicolor. Identidade ainda não firmada.

# Paulo Skaf – Mais uma tentativa de entrar na política pelas portas partidárias, desta vez com a chave do Aliança pelo Brasil, partido de Bolsonaro. Parece receoso de enfrentar as urnas mais uma vez.

# Gilberto Kassab –Anda adormecido. O que está articulando?

# Luiz Inácio – Quer fazer imensa bacia de prefeitos com água requentada. Ele, primeiro e único. Não admite renovação.

# Tarso Genro – Afastando-se do PT, à procura de um novo caminho.

# Amoedo, do Novo – Endinheirado, pode fazer um bom número de prefeitos. Parece organizado.

# Luciano Huck –Um ator à procura de coadjuvantes. E de um palco. Tem muito a comprovar.

# Flávio Dino – Esquentando as baterias para decolar. Quer subir na política.

# Rodrigo Maia – Muito poder este ano. Fundamental na articulação.

# Davi Alcolumbre – Cheio de dúvidas. Tomou gosto pelo poder.

# Romeu Zema – Dá-se conta de que não é fácil governar um Estado como MG sem cair na realidade.

# Rui Costa – Ansioso para estar entre os presidenciáveis do PT.

# Ciro Gomes – Os mesmos índices de ontem e antes de ontem. Parece não sair do lugar.

# Bolsonaro – Os generais tentam amaciar sua expressão. Mas continua duro na queda. Inflexível.

Fecho com pequeno conselho.

Campanha eleitoral

Ancorado em vivência, chamo a atenção para o planejamento do marketing das campanhas, que abriga metas como estas:

1) priorizar questões regionalizadas, localizadas, na esteira de um bairro a bairro, ou seja, fazer a micropolítica;

2) procurar criar um diferencial de imagem, elemento que será a espinha dorsal da candidatura, facilmente captável pelo sistema cognitivo do eleitor; 

3) desenvolver uma agenda que seja capaz de proporcionar "onipresença" ao candidato (presença em todos os locais); 

4) organizar uma agenda contemplando as áreas de maior densidade e, concentricamente, chegando às áreas de menor densidade eleitoral; 

5) entender que eventos menores e multiplicados são mais decisivos que eventos gigantescos e escassos; 

6) atentar para despojamento, simplicidade, agilidade, foco para o essencial, mobilidade, propostas fáceis de compreensão e factíveis. Esse um resumido escopo.

Gaudêncio Torquato, Jornalista e Consultor de Marketing Político, é Professor Titular na USP.
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Livro Porandubas Políticas

A partir das colunas recheadas de humor para uma obra consagrada com a experiência do jornalista Gaudêncio Torquato.

Em forma editorial, o livro "Porandubas Políticas" apresenta saborosas narrativas folclóricas do mundo político acrescidas de valiosas dicas de marketing eleitoral.

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Quem se lembra de 20 governadores reagindo unidos a ataques de um presidente?

Evolução da democracia

Por Eliane Cantanhêde

Quem planta chuva colhe tempestade, como diz um velho ditado que, hoje, cabe perfeitamente no presidente Jair Bolsonaro. Pode ter havido, mas é difícil lembrar se algum dia, em algum momento da história, 20 governadores se reuniram para reagir à chuva de ataques de um presidente como uma tempestade em forma de carta aberta. Não é trivial, nem foram poucos.

Os líderes dessa reação foram eleitos na onda bolsonarista, como João Doria (SP), Ibaneis (DF) e Wilson Witzel (RJ), mas agora exigem do presidente da República algo que não faz parte da personalidade, da cultura e dos costumes políticos dele: “Equilíbrio, sensatez e diálogo”.

Bolsonaro e governadores
O então recém eleito Jair Bolsonaro participa do Fórum dos Governadores; relação com chefes do Executivo dos Estados vem se desgastando de lá para cá Foto: Ernesto Rodrigues/Estadão
Qual a última do Bolsonaro? Essa perguntinha ácida que não quer calar virou uma constante no dia a dia de Brasília – e não só de Brasília. Pois a última foi, simplesmente, jogar no colo da PM da Bahia, frisando que é “do PT”, a queima de arquivo do capitão Adriano, aquela figura sinistra que tanto fez que acabou sendo preso, expulso da PM no Rio e finalmente morto numa emboscada policial na Bahia.

Para Bolsonaro, antes de dar uma nova “banana” para os jornalistas, um cara com tal currículo em algum dia foi “herói”. E foi nessa condição que ele foi homenageado três vezes pelo então deputado Jair Bolsonaro e pelo então deputado estadual Flávio Bolsonaro, primogênito do atual presidente.

Flávio homenageou o capitão Adriano duas vezes, uma delas com a medalha Tiradentes, principal honraria da Assembleia do Rio. Em que ano foi isso? Em 2005. E onde estava o “herói” Adriano naquele momento? Preso! Era suspeito de ter matado um pobre e jovem guardador de carros que tinha tido a coragem de denunciar achaques da turma de Adriano na PM do Rio.

Responda rapidamente: quem é mais herói, o pobre coitado que denunciou abusos da polícia, ou o policial acusado de matá-lo torpemente?

O atual presidente da República já deu sua resposta. Na época, em sintonia com o filho, ele fez um discurso no Congresso Nacional defendendo o crápula. Hoje, insiste em que, naquele momento, tratava-se de um “herói”. Cá entre nós, o Brasil já teve heróis melhores, menos sanguinários.

Bem, essa história já é horrorosa por si só, inclusive porque o gabinete de Flávio quebrou o galho de Adriano , quando ele caiu em desgraça, contratando sua mãe e sua ex-mulher. Não satisfeito, o presidente Bolsonaro resolveu tirar o corpo fora, passar a mão na cabeça do filho e empurrar a culpa por uma eventual queima de arquivo para o colo de um governador, que, não por acaso, é de oposição e do PT.

Responda rapidamente de novo: onde o capitão Adriano liderava a milícia conhecida como “Escritório do Crime” e onde passou a vida inteira, no Rio ou na Bahia? Onde ele virou PM, “herói” e foi preso e expulso da corporação, no Rio ou na Bahia? Afinal, era um arquivo vivo no Rio ou na Bahia? E quem tinha interesse em sumir com ele, a polícia e os poderosos do Rio ou o PT da Bahia?

Assim, Bolsonaro transformou a questão numa chuva que virou tempestade política. Até porque ele é reincidente. Já foi grosseiro e preconceituoso ao dizer que “daqueles governadores de Paraíba (sic), o pior é aquele do Maranhão (Flávio Dino, do PCdoB). Depois chamou todos os governadores para a briga quando lançou um desafio impossível, de zerarem os impostos sobre combustíveis, e assim jogou os governadores contra a opinião pública. E, por fim, excluiu os nove governadores da Amazônia do Conselho da... Amazônia.

Na carta, os 20 governadores destacam que essas declarações e o confronto constante “não contribuem para a evolução da democracia no Brasil”. Muito difícil, por essas e outras, não concordar com eles.

Eliane Cantanhede é Jornalista. Este artigo foi publicado originalmente em O Estado de São Paulo, edição de 18.02.20

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Bolsonaro vai a evento de igreja evangélica que deve R$ 144,3 milhões à União

Em mais um aceno a sua base evangélica, o presidente Jair Bolsonaro participa neste sábado de um megaevento da Igreja Internacional da Graça de Deus, na Enseada de Botafogo, no Rio. Fundada e liderada pelo pastor RR Soares, a igreja neopentecostal é a terceira organização religiosa com maior dívida ativa junto à União. Sozinha, deve R$ 144,3 milhões aos cofres públicos, segundo dados da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

O valor corresponde a 9% do R$ 1,6 bilhão devido por organizações religiosas do país e só fica atrás das dívidas da entidade filantrópica Instituto Geral Evangélico (R$ 521 milhões), que não existe mais, e da Ação Distribuição (R$ 381 milhões), igreja de fachada e braço de uma organização criminosa que fraudou os cofres da Secretaria de Fazenda de São Paulo, investigada pela Polícia Federal em 2012. O valor inclui débitos tributários, previdenciários e do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).

Como mostrou o GLOBO no ano passado, a flexibilização das obrigações de igrejas perante a Receita Federal é uma das principais reivindicações da bancada evangélica e de líderes de igrejas neopentecostais junto a Bolsonaro. Entre as demandas está o fim de multas cobradas pelo Fisco. O presidente já afirmou publicamente que estuda acabar com impostos para igrejas e defendeu que o processo de prestação de contas das organizações religiosas seja descomplicado.

Ranking das organizações com maiores dívidas Foto: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional

Bolsonaro tem taxa de aprovação mais alta que a média da população brasileira entre os evangélicos. Em dezembro, o percentual de evangélicos neopentecostais que consideravam o governo ótimo ou bom era de 39%, contra 30% na população em geral, de acordo com o Datafolha.

Batizado de Ano da Unção Dobrada, o evento promovido por RR Soares no Rio é a segunda agenda evangélica do presidente em uma semana. No sábado passado, Bolsonaro participou do "The Send", no Estádio Mané Garrincha, em Brasília, evento ligado ao grupo de missionários do movimento internacional Jovens Com Uma Missão (JOCUM).

Fonte: Marlen Couto, de O Globo.