terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Porandubas Políticas

Por Gaudêncio Torquato

Para abrir a coluna, duas historinhas de Churchill.

Sou o chefe dele

O General Montgomery estava sendo homenageado, pois venceu Rommel na batalha da África, na 2ª Guerra Mundial. Discurso do General Montgomery:

- "Não fumo, não bebo, não prevarico e sou herói".

Churchill ouviu o discurso e com ciúme, retrucou:

- "Eu fumo, bebo, prevarico e sou chefe dele".

Se houver...

Telegramas trocados entre o dramaturgo Bernard Shaw e Churchill, seu desafeto. Convite de Bernard Shaw para Churchill:

"Tenho o prazer e a honra de convidar digno primeiro-ministro para primeira apresentação de minha peça Pigmaleão. Venha e traga um amigo, se tiver".

Resposta de Churchill:

"Agradeço ilustre escritor honroso convite. Infelizmente não poderei comparecer à primeira apresentação. Irei à segunda, se houver".

América Latina sob tensão

A AL abrange 20 países: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela. A região vive um ciclo de tensões. A sensação é a de que, após anos e anos de mesmice, com as demandas populares desatendidas, as populações decidiram reagir. É verdade que a situação do continente deixa ver uma crise crônica. Mas esta parece chegar ao ponto de quebra. Há uma vontade latente de passar uma borracha nos velhos costumes, tirar perfis carcomidos da moldura e pintar a paisagem de novas cores. Essa percepção tem sido comum na radiografia de diversos territórios.

México e Nicarágua

Países experimentaram mudanças, mas estas não foram suficientes para preencher as lacunas. Vejamos alguns países. O México vive em estado de tensão com os EUA: a questão migratória e a questão das drogas. O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, alerta os Estados Unidos que não permitirá que estrangeiros armados atuem em seu território. O anúncio responde à declaração do presidente Donald Trump de que passaria a considerar os cartéis mexicanos como "terroristas". A Nicarágua vive sua pior crise em décadas. Os conflitos de rua são permanentes.

Bolívia e Chile

A Bolívia, que trouxe Evo Morales para o centro da cena, passa por um processo de mudança. O descendente de índio comandou um período de conquistas, com PIB crescendo, inflação sob controle, populações indígenas inseridas na mesa do consumo. Mas a temporada de Morales foi longa: 13 anos. Chegou à saturação. Um quarto mandato, com eleições sob suspeita, acabou minando seu prestígio. Foi induzido a renunciar. O Chile, desde 1990, alterna o poder entre Michelle Bachelet e Sebastián Piñera, centro-esquerda e centro-direita. O último curto circuito foi fruto de um aumento de 3,7% nas tarifas de metrô. Os jovens acorreram às ruas. O governo de Piñera estava distante dos sentimentos populares. A mobilização popular pede mudanças.

Colômbia, Equador e Argentina

Acumulam-se frustrações aqui e alhures. A Venezuela é um caos sob a ditadura de Maduro. Na Colômbia, a tensão atravessou as últimas duas décadas. O último governo de esquerda foi o de César Gaviria, entre 90 e 94. Hoje, Iván Duque, de direita, tenta arrumar a administração, enfrentando greves, protestos, sob uma teia crescente de violência. O Equador viu crescer os movimentos populares contra as medidas de ajuste. Na Argentina, o presidente Mauricio Macri não conseguiu fazer reformas, enquanto a fisionomia econômica do país se desmancha. A eleição de Fernández e Cristina Kirchner sinalizam a volta de fundamentos macroeconômicos que não deram certo. Lembre-se que Nestor e Cristina desmantelaram a economia. Para piorar, as perspectivas de assinatura do acordo entre UE e o Mercosul não são muito otimistas. Os Parlamentos de todos os países membros terão de ratificar o acordo. O bloco europeu tem 28 membros. E alguns Parlamentos têm duas casas congressuais.

O caso do Brasil

Podemos dizer que o ciclo contemporâneo do Brasil moderno começa com o Plano Real, nos idos de Itamar e FHC, que fechou a torneira da alta inflação e de juros na estratosfera. O poder aquisitivo da população passou a somar ganhos. O programa de privatização reforçou a economia. Já a política econômica ortodoxa do primeiro governo Lula foi bem-sucedida em reduzir a inflação e em retomar o crescimento econômico, nos dizeres de Paulo Hartung, Marcos Lisboa e Samuel Pessoa, em denso artigo - "O populismo está solto" - no caderno Ilustríssima(FSP. 1/12/2019). Mas nos anos seguintes foi um desastre.

Semelhança com o regime militar

Os três economistas são enfáticos: "A gestão Lula, nos anos seguintes, (acabou) revelando semelhança entre as políticas econômicas da direita e da esquerda. Ambas acreditaram que a disseminação de estímulos à produção local conduziria ao crescimento econômico sustentado. Ambos legaram um país com contas públicas desorganizadas e uma crise econômica anunciada. Todos os grandes projetos iniciados pelo 2º governo Lula fracassaram. Ele passou o bastão para Dilma, deixando como herança obras de infraestrutura caras, muitas vezes inoperantes, e empresas ineficientes, em meio a impressionante desperdício de recursos públicos. Nada diferente do que ocorrera com os delírios do período militar". Resultado: o populismo foi o que resultou no fortalecimento da extrema-direita. Fortalecimento que vingou em todo o ciclo Dilma.

Direita envergonhada

Hoje, o país registra a feição de uma direita cada vez disposta a defender seu ideário. Lembremos como isso se deu. A partir do golpe de 1964, o ciclo da direita contemporânea ganha força. Podemos dizer que ela deu as caras até a abertura do período da redemocratização, nos meados dos anos 80. Assume sua fisionomia conservadora nos costumes, formando sua identidade no combate ao comunismo (tempos de CCC – Comando de Caça aos Comunistas, Marcha da Família com Deus pela Liberdade), na censura à liberdade de expressão e às artes, na repressão e até na violência. O medo grassava em todos os ambientes. Ao se abrir o universo da locução, a direita começa a fechar a cara, encolhendo-se, usando máscaras, arquivando o velho manto, tentando disfarçar antigas posturas. A direita tornou-se envergonhada.

A redemocratização

No governo Sarney (15 de março de 1985 a 15 de março de 1990), o país reencontra-se com o ideário da liberdade. Registra-se um crescimento de 22,72% do PIB (média de 4,54%) e 12,51% da renda per capita, iniciando o governo com uma inflação em 242,24% e, ao fim, deixando o absurdo índice de 1972,91%. Abre-se o universo da locução. Em 1º de fevereiro de 1987 tomou posse a Assembleia Constituinte, responsável por formar a nova Constituição, sob o comando de Ulysses Guimarães (PMDB-SP). A CF de 1988 assegurou diversas garantias constitucionais, com o objetivo de dar maior efetividade aos direitos fundamentais, permitindo a participação do Poder Judiciário sempre que houver lesão ou ameaça de lesão a direitos. O texto refletia as pressões dos diversos grupos da sociedade, interessados na definição de normas que os beneficiassem.

Collor e FHC

O sucessor de José Sarney, Fernando Collor de Mello, deu passos avançados na abertura da economia. Mas seu governo surpreendeu o país com grandes sustos, a começar pelo sequestro das poupanças privadas. A linguagem barroca da ministra Zélia Cardoso de Mello gerou imensas babéis na sociedade. Collor acabou renunciando para não receber o impeachment. O governo seguinte, de Itamar Franco, pode ser colocado no ciclo do resgate de valores fundamentais ao país. A moralidade foi um deles.

O Plano Real

Mas o tom maior foi dado pelo Plano Real. Fernando Henrique Cardoso, convocado para chefiar a área da Fazenda, pilotou o plano. Escolhido candidato a presidente, fez a mais exuberante campanha eleitoral dos últimos tempos, com recursos avançados de cinematografia. Ganhou bem. Era o mais preparado contra o metalúrgico Lula da Silva.

Ousadia

"Desde o condutor dos transportes e o tocador de tambor até o general, a ousadia é a mais a nobre das virtudes, o aço verdadeiro que dá à arma o seu gume e brilho". (Clausewitz, em Da Guerra)

Lula e Dilma

O ressentimento de contingentes com a esfera política, a volta da classe C à base da pirâmide, a violência expandida, as metrópoles congestionadas, aumentos de tarifas e alta carga de tributos formaram uma densa camada de indignação, que teve um desfecho em outubro de 2018. Tivemos uma eleição de quebra de paradigmas. Dinheiro, visibilidade na mídia, apoio de grandes partidos, nada disso funcionou. O resultado foi a eleição de um ex-capitão do exército, deputado por 27 anos, considerado um parlamentar do baixo clero, com linguagem desabrida e mal educada, defensor dos tempos de chumbo. Jair Messias Bolsonaro. (Para muitos dos seus apoiadores, ele é mesmo o "Messias").

E mais a facada

A ampla rede de apoios que ganhou, em 2018, foi reforçada com uma facada que levou durante uma manifestação de rua em Juiz de Fora. Tornou-se vítima. Em torno dele, agrupa-se toda a direita, agora com a face totalmente descoberta e vibrando com sua expressão militarista e extremamente conservadora.

Quem é direita?

A direita pode ser dividida em dois núcleos: a) a extrema - direita radical, com posicionamentos duros sobre armas, políticas de cotas, aborto, valores cristãos, diversidade de gêneros etc.; b) a direita mais central, com defesa de padrões e valores conservadores, sem exageros e até com críticas a posturas de figurantes do seu núcleo. Esses agrupamentos são formados por proprietários rurais, grandes e médios empresários de setores diversos, evangélicos, grupos de profissionais liberais (uma parcela decepcionada com a esfera política), grupos ligados a movimentos messiânicos, entre outros. A tendência aponta para a expansão de alguns compartimentos, principalmente se o governo Bolsonaro for bem-sucedido.

E esse perfil?

Como classificar, por exemplo, esse perfil? O maestro Dante Mantovani, recém-anunciado como o novo presidente da Funarte (Fundação Nacional de Artes), afirma que o fascismo é de esquerda, fake news é um conceito globalista para impor a vontade da imprensa, Unesco é "máquina de propaganda em favor da pedofilia". E mais: "vieram os Beatles, para combater o capitalismo e implantar a maravilhosa sociedade comunista".

E esse, então?

O nome do novo presidente da Fundação Biblioteca Nacional é Rafael Alves da Silva, mas se apresenta como Rafael Nogueira. Olavista de carteirinha, diz ser "professor de filosofia, história, teoria política e literatura, aspirante a filósofo e a polímata", a pessoa que tem conhecimento em muitas ciências. O mais ilustre polímata da Humanidade foi Leonardo da Vinci. Simpatizante da monarquia, Alves da Silva (ou Nogueira) escreveu no dia 15 de novembro: "A Proclamação da República foi um golpe militar improvisado e injustificável. O Brasil nunca mais se encontrou. Nada a comemorar".

Um espanto

A nova ordem cultural brasileira, sob o comando do secretário Roberto Alvim, inclui também o jornalista Sérgio Nascimento de Camargo, um negro, para a Fundação Cultural Palmares, órgão de promoção da cultura afro-brasileira. Um espanto. Antes de ser nomeado, ele classificou o racismo no Brasil como "nutella": "A escravidão foi benéfica para os descendentes". Outra: "Racismo real existe nos Estados Unidos. A negrada daqui reclama porque é imbecil e desinformada pela esquerda". Em redes sociais, afirmou que "sente vergonha e asco da negrada militante. Às vezes, pena. Se acham revolucionários, mas não passam de escravos da esquerda". Seu chefe Alvim foi o que classificou a atriz Fernanda Montenegro de "intocável" e "mentirosa". Um espanto.

Gaudêncio Torquato, Jornalista e Consultor de Marketing Político, é Professor Titular na USP.

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segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

"O dinheiro chegava em malotes’, diz ex-mulher de líder do Centrão



Em entrevista a VEJA, Jullyene Lins conta que durante o período em que foi casada com o deputado Arthur Lira o casal reuniu um enorme patrimônio — fazendas, apartamentos e terrenos que, segundo ela, estão registrados em nome de laranjas e foram adquiridos com dinheiro oriundo de propina.

Por que a senhora está fazendo essas denúncias? Ele deve 600 000 reais de pensão. Movo um processo de partilha de bens que já dura mais de doze anos. O patrimônio que ele oculta supera os 40 milhões de reais. Tem muita coisa em nome de laranjas.

O deputado declarou à Justiça eleitoral ser dono de um patrimônio de 1,7 milhão. Ele tem tanta coisa… Tem imóveis, tem fazendas. Eu mesma já fui laranja dele, numa fábrica de embalagens plásticas. Assinava os cheques e abria a conta no banco para ele fazer a movimentação. Quando me separei, eu tenho uma relação de próprio punho que ele fez. Eram 11,5 milhões de reais em bens em 2007. Depois disso, ele já adquiriu mais bens — tudo em nome de laranjas.

A senhora tem como provar isso? Os laranjas são empresários, corretores, tem gente da família, a atual esposa dele, o pai, os amigos dele. Tirei as cópias dos originais dos recibos dos bens que ele comprou e colocou em nome de outras pessoas. Estão todos no processo. Mas ele manda e desmanda na Justiça daqui.

Como é que ele adquiriu esse patrimônio? Ele fez muitos rolos. Começou na Assembleia Legislativa. Nessa época, o dinheiro chegava lá em casa em malotes.

De onde vem essa certeza? Eu contava, eu conferia, eu lacrava. Eu distribuía para vereadores quando era na campanha. Ele mandava: “Faça tantos envelopes de tanto, de tal valor”. Chegava malote com 30 000, 500  000 e até 1 milhão de reais. Notas de 50 e de 100.

A senhora não se importava em cumprir essa tarefa? Na época, eu não sabia do que se tratava. Ele dizia que tinha vendido uma fazenda, vendido gado. Eu não saía de casa, era um bibelô. Acreditava em tudo o que ele falava.

Esses pagamentos se estenderam por quanto tempo? Duraram vários anos, pelo menos de 2004 até 2007. Ele comprava imóveis, fazia aplicações financeiras e gostava de carros. Depois, no governo do PT, já como deputado federal, ele conseguia muitas verbas do Ministério da Saúde para Alagoas e ficava com uma porcentagem.

A fortuna do deputado, pelo que a senhora diz, foi construída a partir de propinas? Sim. Tudo começou com desvios na Assembleia Legislativa, passou pela Lava-Jato e não parou até hoje.

Como assim? Eu sei que, no início do ano, depois que ele abriu mão de sua candidatura à presidência da Câmara, saiu comprando muita coisa, muita propriedade. Comprou barco, comprou gado. No mês passado, comprou várias matrizes — tudo em dinheiro vivo.

Publicado em VEJA de 11 de dezembro de 2019, edição nº 2664 (Repórter: Hugo Marques).

‘Alguns partidos são como autarquias e empresas estatais’, diz Marina Silva

A ex-senadora Marina Silva acredita que a possibilidade de candidaturas independentes pode renovar a política brasileira. Ela gravou um vídeo para a audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF) que discute a possibilidade de candidaturas avulsas na tarde desta segunda-feira, 9, e comparou alguns partidos a “autarquias” e “grandes estatais”.

Marina Silva não compareceu presencialmente à audiência pública porque participa da COP-25, Conferência do Clima da ONU, em Madri. Essa era uma conferência que deveria ter sido realizada no Brasil, lembrou o ministro Barroso. “Mas infelizmente declinamos. É um debate que precisa estar no radar porque é uma questão de Justiça intergeracional.”
Os partidos não se preocupam em recrutar quadros dos núcleos vivos da sociedade, disse a ex-senadora. “Eles fazem uma espécie de repetição de suas ações porque se tornaram autarquias. Eles têm fundo partidário, não precisam sequer se preocupar em convencer pessoas a ajudá-los em sua existência.”
Em seguida, falou que as cifras milionárias do fundo partidário permitem equiparar algumas siglas a “grandes empresas estatais”. “Alguns partidos contam com lançamentos enormes, e as brigas que muitas vezes deveriam ser em torno de projetos e ideias, geralmente se tornam em disputas pelo comando na destinação dos fundos partidários.”

O Supremo Tribunal Federal realiza nesta segunda uma audiência pública convocada pelo ministro Luis Roberto Barroso para tratar da viabilidade de candidaturas avulsas, ou seja, sem filiação a partidos.

O tema será debatido por causa de um recurso apresentado ao Supremo contra decisão da Justiça Eleitoral do Rio. A Corte entendeu que a filiação partidária é condição de elegibilidade e suspendeu registros de candidatura a prefeito e vice de duas pessoas.

‘Poder pelo poder’

Marina criticou o que chamou de “ideologia do poder pelo poder e do dinheiro pelo dinheiro” nos partidos. “A gente sabe que muitos se enveredaram por esse caminho a qualquer custo e a qualquer preço. A Lava Jato que o diga.”

“As pessoas não querem mais ver suas ações instrumentalizadas por grupos e partidos”, disse, ressaltando que “é difícil para quem tem história de luta pelos direitos humanos, pela educação, e não quer participar da lógica tóxica e destrutiva dos partidos, sair como candidato”.

Os partidos possuem o monopólio sobre a entrada na política institucional. Se eles não mais forem o único mecanismo para se candidatar, teriam que rever os processos de poder dentro de si mesmos, disse Marina. “Muitos políticos defendem mobilidade social, mas quando se trata de mobilidade dentro dos partidos, a conversa é outra.”

Fonte: Estadão Conteúdo

‘Vejo um cartel no sistema partidário’, diz Janaína em audiência no STF

Ao se posicionar de maneira favorável às candidaturas individuais durante audiência pública no Supremo Tribunal Federal, a deputada estadual Janaína Paschoal (PSL/SP) afirmou que vê no sistema partidário brasileiro um “cartel” sob o ponto de vista penal. Para a deputada estadual mais votada nas eleições 2018, em São Paulo, as candidaturas avulsas poderiam conferir aos cidadãos “o verdadeiro poder da cidadania”.

“Eles (os partidos) se unem, criam regras para se perpetuarem no poder e para asfixiarem qualquer indivíduo ou qualquer grupo livre que tente estabelecer uma ideia diferente”, afirmou a deputada.

Janaína disse que defende a viabilidade das candidaturas sem filiação partidária tanto para as eleições proporcionais quanto majoritárias para “dar espaço a uma saudável concorrência”.

“Como exercer o poder se entre o eleitor e o candidato existe um cartel e ele impõe os candidatos. O contrário de cartel é uma livre concorrência”, ela prega.

Em sua avaliação, talvez assim seja possível o fortalecimento dos partidos. “A concorrência pode forçar os partidos a se aprimorarem e assim teremos uma República.”

Além de Janaina, integrantes do Congresso, outros parlamentares e representantes de entidades como a OAB participaram da primeira parte da audiência pública convocada pelo ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), nesta segunda, 9.

Crédito: José Antonio Teixeira/Alesp

O pronunciamento de Janaína se deu logo após a fala do deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP). Antes do parlamentar, integrantes do Senado e da Câmara, assim como a presidente da Comissão de Estudos da Reforma Política da OAB, Luciana Diniz Nepomuceno, haviam feito colocações sobre os impactos de uma possível decisão do Supremo que reconhecesse a possibilidade das candidaturas individuais.

Janaina rebateu algumas de tais indicações, entre elas a da deputada Margaret Coelho (PP/PI), que argumentou que a possibilidade de candidaturas avulsas implicaria em “dificuldade no funcionamento parlamentar” tendo em vista as diferentes questões políticas que têm como base as bancadas partidárias e também levando em conta a formação de bases de apoio.

“A pessoa pode escolher enfrentar as dificuldades para o cidadão poder votar em alguém de mente livre. A legislação não confere ao indivíduo esta possibilidade”, declarou.

A deputada estadual mais votada em 2018 também fez considerações em resposta à Nepomuceno, que argumentou que é por meio dos partidos políticos “que as massas conseguem participar das decisões políticas”.

Janaína vê um “aniquilamento da individualidade”. “Quando falamos em massa asfixiamos os direitos individuais. Quando prestigiamos a individualidade estamos a prestigiar os valores sociais”.

A parlamentar argumentou que, dentro de um partido, qualquer manifestação pública que uma pessoa faz não é vista como individual, mas como de alguém que representa a legenda. Janaína classificou a situação como uma “prisão”. “A pessoa que está no partido é impactada por tudo que qualquer membro do partido venha a dizer ou a fazer e isso não é justo.”

“A pessoa passa a ter medo de se manifestar, sobretudo se for uma pessoa responsável. Ela se sente todo momento presa. Manter essa restrição é absolutamente inaceitável”, afirmou.

A deputada ainda destacou que o Supremo Tribunal Federal teria competência para discutir o assunto, ao contrário de manifestações anteriores que pontuaram que o tópicos deveria ser discutir no âmbito do Congresso Nacional. “O STF foi provocado e tem toda legitimidade para reconhecer que as candidaturas avulsas são uma necessidade.

(Fonte: Estadão Conteúdo)

Após anos de crise, Brasil recua no ranking de desenvolvimento humano da ONU

Situação da economia foi principal responsável por queda do Brasil no ranking.

A ONU divulgou globalmente nesta segunda-feira (9) seu relatório de Desenvolvimento Humano. O documento de 366 páginas alerta para a necessidade de se combater as novas formas de desigualdade no mundo - ligadas, por exemplo, ao acesso desigual a avanços tecnológicos e ao impacto das mudanças climáticas - para responder aos crescentes protestos sociais pelo planeta.

Além disso, a divulgação traz o novo ranking dos países classificados a partir do seu Índice de Desenvolvimento Humano, o IDH, sigla que se tornou conhecida como um parâmetro de bem-estar da população.

O relatório deste ano mostra que a longa crise econômica que o Brasil atravessa desde 2014 tem comprometido o avanço do país. O IDH brasileiro ficou praticamente estagnado em 2018, depois de ter apresentado baixo crescimento nos anos anteriores.

Com isso, aponta o documento, o país perdeu três posições no ranking global em comparação com 2013, aparecendo como a 79ª nação com melhor resultado no mundo.

O IDH varia de 0 a 1. Quanto mais próximo de 1, melhor é a situação de um país. Em 2019, a Noruega manteve a liderança mundial com pontuação de 0,954. Na última posição entre os 184 países analisados está mais uma vez o Níger (0,377).

O Brasil aparece em 2018 com 0,761, resultado praticamente estável ante 2017 (0,760). Já em 2013, nosso índice era de 0,752.

Essa pontuação reflete o desempenho do país em quatro indicadores: esperança de vida ao nascer; expectativa de anos de estudo; média de anos de estudo (da população até o momento); e renda nacional bruta per capita (toda a renda do país dividida pelo número total da população)

O avanço da pontuação brasileira em relação a 2013 se deve a continuidade da melhora dos três primeiros indicadores. Por outro lado, o reflexo da crise econômica na renda da população impediu um avanço maior. Segundo o IBGE, há 12,5 milhões de brasileiros desempregados, o que representa quase 12% dos trabalhadores.

"O que não tem contribuído para o aumento do IDH no Brasil é a parte econômica, porque tem havido uma estagnação desde 2014, 2015. Esperando que a melhora da educação e da saúde se mantenha no futuro, a partir do momento em que a economia se recupere, o IDH do Brasil pode vir a crescer mais rapidamente", disse à BBC News Brasil o economista português Pedro Conceição, diretor do escritório da ONU que produz o relatório.

Conceição considera positivo, porém, o fato de o Brasil seguir em uma trajetória de melhora.

"Embora o IDH esteja crescendo pouco nos últimos anos, continua a aumentar".

Avanço do indicador no Brasil desde 2013 se deu por melhora na expectativa de anos de estudo, na média de anos de estudo e na esperança de vida ao nascer

Segundo o novo documento da ONU, a esperança média de vida dos brasileiros ao nascer estava em 75,7 anos em 2018, contra 73,9 em 2013 - uma ganho de quase dois anos. Já a expectativa de anos de estudo passou de 15,2 para 15,4 no período, enquanto a escolaridade média evoluiu de 7,2 anos para 7,8.

A renda média do brasileiro, no entanto, recuou de US$ 14.275 para US$ 14.068 nessa meia década.

Vale explicar que a ONU utiliza o dólar internacional em paridade de poder de compra para estimar a renda nos países, fazendo uma comparação entre preços de produtos e serviços em diferentes países e nos Estados Unidos - é uma mediação considerada mais adequada para comparar o bem-estar em diferentes países e não representa a mesma cotação do dólar americano.

Nesses parâmetros, a renda média brasileira fica próxima da mundial (US$ 15.745) e da latino-americana (US$ 13.857). Já o grupo de países com IDH muito alto (a partir de 0.8), composto de 62 nações, tem renda média de US$ 40.122, também em paridade de poder de compra.

Enquanto o Brasil apresenta um desempenho mais modesto, o ranking evidencia a piora do IDH da Venezuela, país que enfrenta uma crise humanitária, com forte onda migratória.

Em cinco anos, o país caiu 26 posições no ranking para o 96º lugar. Sua pontuação ficou em 0.726 em 2018 contra 0.772 em 2013.

Alta desigualdade reduz desenvolvimento humano brasileiro

O Brasil está na categoria de "alto desenvolvimento humano" e tenta chegar à mais elevada no ranking, o grupo com "muito alto desenvolvimento humano".

Na comparação com os demais países do seu atual grupo, o Brasil tem apresentado ritmo de crescimento do IDH menor que a média de 2010 para cá. No entanto, o avanço brasileiro tem sido melhor do que a média de América Latina e Caribe.

A ONU ressalta, porém, que a desigualdade social ainda elevada faz com que os níveis de desenvolvimento variem muito dentro do Brasil.

O IDH é uma média dos indicadores do país - ao ajustá-lo pela disparidade de renda e de acesso à saúde e educação, o organismo considera que a pontuação brasileira recua para 0,574. Como a desigualdade brasileira está entre as mais altas do mundo, esse ajuste derruba o país em 23 posições no ranking.

Além das 'médias'

Um dos temas do relatório desse ano é justamente destacar que as "médias" escondem muitas desigualdades pelo mundo. Nesse sentido, a ONU chama atenção para a lentidão da redução do fosso entre homens e mulheres no mundo.

No ritmo atual, mulheres levariam mais de dois séculos para que tivessem as mesmas oportunidades econômicas que os homens, diz o relatório
Após uma queda relevante entre 1995 e 2010, a disparidade de gênero - medida por meio de indicadores de saúde, educação, inserção no mercado de trabalho e participação política - tem recuado mais lentamente na última década, segundo o relatório.

A seguir no ritmo atual, levaria 202 anos para que mulheres tenham as mesmas oportunidades econômicas que homens, por exemplo.

O relatório destaca que houve avanços importantes nas últimas décadas, como o aumento do acesso de meninas à educação e o combate à violência de gênero por meio de movimentos como #MeToo e #NiUnaMenos, mas enfatiza a ainda baixa presença feminina em cargos de comando na política e as mobilizações de contestação ao feminismo como a campanha contra uma suposta "ideologia de gênero".

"Há sinais preocupantes de dificuldades e reversões no caminho da igualdade de gênero, para (o aumento das) chefes de estado e de governo e para a participação das mulheres no mercado de trabalho, mesmo onde há uma economia dinâmica e paridade de gênero no acesso à educação", diz um trecho do relatório.

"E há sinais de reação (aos avanços conquistados). Em vários países, a agenda de igualdade de gênero está sendo retratada como parte da 'ideologia de gênero'", continua o documento.

Novas desigualdades, novas políticas.

O documento chama atenção para os riscos criados devido às rápidas mudanças tecnológicas e ambientais que o mundo atravessa. Segundo Pedro Conceição, há dois canais pelos quais as alterações climáticas podem aprofundar as desigualdades no mundo. Um deles são os desastres naturais, como secas intensas ou inundações.

"É bastante claro que as comunidades mais vulneráveis, mais pobres, estão mais expostas (aos impactos desses desastres)", alerta.

Outro canal é a dependência mais direta dos recursos naturais. "Muitas das populações mais vulneráveis dependem da natureza para suas vidas, para sua atividade econômica. Não há outra forma de viver. Por exemplo, as comunidades agrícolas. Estão muito expostas às alterações climáticas", acrescentou.

Conceição destaca que nas últimas décadas um contingente importante de pessoas superou a fome, pobreza e à vulnerabilidade a doenças. No entanto, ressalta a importância do acesso a níveis mais altos de escolaridade e à tecnologia para o combate às novas desigualdades.

A ONU destaca que nos países de IDH mais elevado (acima de 0.8) as assinaturas para internet de banda larga cresce 15 vezes mais rápido do que em países de baixo desenvolvimento humano. Já o acesso ao Ensino Superior avança seis vezes mais rápido.

'É bastante claro que as comunidades mais vulneráveis, mais pobres, estão mais expostas (aos impactos de desastres)", alerta o diretor do escritório da ONU que produz o relatório

Em um momento em que de alastram protestos em diversas partes do mundo - dos Coletes Amarelos na França, passando pelos estudantes em Hong Kong, às manifestações em série por países sul-americanos -, o relatório da ONU chama atenção para a necessidade de novas políticas públicas contra as desigualdades.

Ressaltando que as diferenças de oportunidades começam desde antes do nascimento, o documento defende que os governos invistam mais "na aprendizagem, saúde e nutrição das crianças pequenas" para garantir maior igualdade de condições desde a primeira infância.

A ONU também urge o governo a regular mercados com políticas antitrust que garantam "competição saudável", além de proteger os diretos dos trabalhadores.

"Os países com uma força de trabalho mais produtiva tendem a ter uma concentração mais baixa de riqueza no topo, viabilizada, por exemplo, por políticas que apoiam sindicatos mais fortes, estabelecem o salário mínimo certo, criam um caminho da economia informal para a formal, investem em proteção social e atraem mulheres para o local de trabalho", diz o documento.

Outro ponto importante para a ONU é que os países direcionem sua política fiscal (recolhimento de tributos e gastos públicos) para a redução das desigualdades.

"A tributação não pode ser vista por si só (ou seja, como mera finalidade de arrecadação), mas deve fazer parte de um sistema de políticas, incluindo gastos públicos em saúde, educação e (para incentivar) alternativas a um estilo de vida intensivo em carbono", aponta o documento.

Nesse campo, a organização também destaca a "importância de novos princípios para a tributação internacional", tendo em vista o avanço da digitalização e dos riscos que isso representa para a evasão fiscal (manipulação para pagar menos imposto).

Texto: Mariana Schreiber - @marischreiber - Da BBC News Brasil em Brasília.

terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Porandubas Políticas

Por Gaudêncio Torquato

Abro a coluna com uma historinha da coleção de Sebastião Nery.
D'água, d'água
Pernambucano audaz, Newton Coumbre passava em frente ao quartel de Obuzes de Olinda, logo depois do golpe de 64. Carregava uma bomba d'água enrolada em jornal. Dois guardas, fuzis em punho, avançaram sobre ele, aos pontapés:
– O que é isso?
– D'água! D'água!
Mandaram jogar o embrulho no chão e levaram-no até o coronel:
– O que é que tem no embrulho?
– Uma bomba d'água.
– Por que não disse logo e ficou dizendo "d'água"?
– Coronel, eu dizendo só "d'água" eles me bateram tanto; se dissesse "bomba" teriam me fuzilado.
Parte I
Para compreender o que se passa.
À guisa de introdução
Desde que iniciei minha trajetória no campo do jornalismo de interpretação, há mais de três décadas, tenho tentado desvendar os contornos do nosso país. Para tanto, valho-me de valores e características que formam o ethos nacional, as circunstâncias que balizam os acontecimentos da vida social e política, os fenômenos cíclicos que costumam aparecer por nossas plagas – como o pleito de outubro de 2018, com sua quebra de paradigmas -, enfim, o modus operandi do homo brasiliensis e das instituições. O objetivo desse exercício é o de procurar respostas para as questões do tipo: "onde estamos, para onde vamos, o que pode acontecer"? A coluna de hoje vai nessa direção.
1. A política
Estudar a política no Brasil é percorrer um labirinto plasmado por um desenho institucional que junta no mesmo balaio arranjo federativo, presidencialismo, bicameralismo, representação proporcional e pluripartidarismo. Situações que criam efeitos nem sempre congruentes com os princípios da democracia. O presidencialismo de coalizão, por exemplo, gera consequências danosas, como o toma lá dá cá que se instala no entorno do Palácio do Planalto. E romper com a tradição fisiológica abre crises. Combinar o sistema majoritário, que favorece o bipartidarismo, com o sistema proporcional, que impulsiona o pluripartidarismo, é uma química que acaba produzindo desvios.
2. Três formatos
O cientista social Otávio Soares Dulci lembra: "a trajetória instável dos sistemas partidários brasileiros obedeceu na realidade a três formatos, ligados a etapas bem definidas na história do Brasil: o regime monárquico, a descentralização fomentada pelo regime republicano e a posterior nacionalização do processo político-partidário, que se desdobrou no quadro atual". A mescla desses sistemas escancara o cipoal da política no Brasil.
3. Copo transbordando
O fato é que a política, da maneira como é praticada, mais se assemelha à imagem do copo transbordando. A corrupção atinge a esfera dos Poderes da República. As demandas da política pouco são atendidas. Os representantes enfrentam dissabores do eleitorado, que para eles vira as costas. O quadro ideológico não passa de uma sopa de palavras ocas. Um grupo radical quer ressuscitar o passado, resgatando a velha luta de classes. A polarização está no ar, dividindo o país em duas bandas. Coisa que seria lógica em moldura bipartidária. Não há projeto de longo prazo. O casuísmo e o populismo inspiram os perfis que tentam ganhar competitividade. Aos avanços alcançados, contabiliza-se um acervo de atrasos.
4. O cidadão-comum
A desigualdade se alarga. Há cidadãos de primeira, segunda, terceira e quarta classes. A base da pirâmide, que havia se estreitado em razão da elevação de contingentes ao meio da pirâmide, expandindo as classes médias, volta a se adensar. As massas tendem a se voltar para aqueles que acenam com a bandeira da esperança, hoje apontando principalmente para Bolsonaro, Lula e Moro. As demandas das massas convergem para a micropolítica: alimento e transporte baratos, segurança, educação de qualidade. Contingentes das margens são acalmados com o Bolsa Família. Parcela ponderável dos votos é dada a quem mais se identifica com soluções rasteiras. O pragmatismo dá o tom.
5. Outros tipos
Há, claro, outros tipos que se somam aos pragmáticos. Os indignados se revoltam com as promessas não cumpridas. O grau de indignação atormenta massas exasperadas com as carências que se avolumam. Daí a explicação para a emergência de outro grupo de cidadãos, os engajados, que perfilam ao lado de ídolos e ícones, brandindo palavras-chave, slogans, refrãos, à direita e à esquerda. O bom senso dá adeus. Nas margens urbanas e nos fundões aglomeram-se ainda os figurantes tradicionais, com foco na politiquice paroquial, base comandada por neocaciques e chefetes da obsoleta política de benesses.
6. As instituições - O Poder Judiciário
Sempre houve tensões entre os três Poderes da República. Mas o ciclo democrático hoje vivido pelo país exibe o clímax do tensionamento institucional. O Poder Judiciário, o mais identificado com a virtude da moral, representando o altar mais elevado da verdade e da Justiça, está na mira da sociedade. Acusações atingindo ministros acabam maculando a imagem da instituição. E a imagem de um Judiciário apequenado constitui um dano à alma nacional. Nunca se viu tanto impropério contra magistrados de nossa mais alta Corte, sendo alguns marcados com a pecha de parciais. Há nove recursos no Senado solicitando impeachment de ministros.
7. As instituições – O Poder Legislativo
No Poder Legislativo, mesmo renovado no último pleito em 53%, é notória a pasteurização partidária, com seus integrantes, salvo raras exceções, dando um voto calcado no interesse de cada um, defendendo espaços de poder, não em função de bandeiras doutrinárias. Até se percebe esforço do presidente da Câmara para avançar em pautas sensíveis, como o pacote social, que patrocina com um grupo de deputados, mas o representante acaba se encastelando em seus exclusivos interesses. Só a pressão da sociedade consegue apressar a agenda de avanços.
8. As instituições – O Poder Executivo
O Poder Executivo, cujo chefe foi escolhido na eleição mais emblemática da contemporaneidade, prometeu mudança radical na fisionomia administrativa e na relação com a política. Dispõe de competente equipe na área econômica, mas os avanços que consegue têm sido ofuscados por uma névoa que junta discurso ultraconservador, militarista e agressivo em relação aos adversários, baboseiras de ministros, falta de articulação política, sobrando tiros em ambientalistas e grupamentos defensores dos direitos humanos. Mais parece que uma turma do cabo de guerra quer levar o país de volta ao passado de medo e opressão. A imagem do Brasil no mundo sofre rachaduras.
9. A regionalidade
A fisionomia regional não é contemplada com programas específicos, de modo a suprir as carências e características de cada parte do território. Basta anotar a transposição de águas do rio São Francisco, projeto que se arrasta nos ciclos governamentais, uma obra sem fim. A Amazônia, mesmo sob a ajuda das forças para lá deslocadas para combater a devastação, exibe números que superam os do passado. Os representantes no Congresso se revoltam com o congelamento de recursos. As margens têm prazo para ganhar respostas satisfatórias.
Parte II
Para onde vamos?
10. Os signos novos
Há na paisagem um novo vocabulário a preencher os vazios que a política abriu no meio do universo social. Esse novo repertório contém conceitos como virada de mesa, indignação, renovação/inovação, experimentalismo, compromisso, olho no olho, assepsia, vida limpa, passado decente, novas maneiras de fazer política, distritalização, eficiência e eficácia, melhoria de qualidade, voto subindo do coração para a cabeça, racionalidade, pertinência. A pertinência joga no sistema cognitivo do cidadão o sentimento de que ele é o fator primordial e preponderante da política. Por isso, precisa dela participar ativamente. Como? Cobrando, exigindo, dando apoio ou rejeitando os atores políticos.
11. Novos horizontes
E para onde nos levará tal onda crítica? Para um habitat mais condizente com a realidade social. Ou seja, um território coberto por programas de envergadura, estruturantes, duradouros. Remédios para curar a dor de cabeça serão substituídos por receitas mais adequadas a uma vida saudável. O cabo de guerra não será vencido pela turma do atraso. O desfecho pode até demorar. Mas a racionalidade deve puxar o Brasil para adiante. Apesar do bolso com grana ainda se constituir no principal argumento das massas para escolher os mandatários.
12. Limites
É muito complexa a tarefa de definir limites para esses novos horizontes. Mas é possível prever mudanças nas fronteiras dos impostos, do próprio modus faciendi na política, o que significaria mudanças no sistema de votação, no estatuto dos partidos, e até na forma do regime. Não se deve eliminar a hipótese de plebiscito ou referendo para questões como o parlamentarismo (bem mais adiante). Um pacto federativo com redesenho de deveres e direitos dos entes federativos se encaixa bem na moldura. E a hipótese de volta do obscurantismo mesmo sobre a mesa, vai ficando para trás.
Em tempo: os ministros do governo deviam se livrar de uma linguagem obtusa, que parece querer justificar os tempos sombrios do passado. Guedes, por exemplo, deveria se fixar na matéria econômica, sob seu domínio.
Fecho a coluna com a matreirice mineira.
Deus e o homem
O mineiro comprou um pedaço de terra no cerrado, um cascalhão duro, seco, terrível. Passou 20 anos arando, irrigando, plantando. Um dia, estava tudo lindo, o capim alto, verde, o feijão viçoso, uma beleza, o mineiro chamou o padre para rezar uma missa em ação de graças. O padre fez o sermão:
– Vejam, meus irmãos, o que Deus e o Homem podem fazer juntos.
Depois da missa, lá de trás o mineiro chamou o padre, deu uma baforada no cigarro de palha e tascou:
– Senhor padre, o senhor precisava era ter visto isso aqui quando Deus estava sozinho.
Gaudêncio Torquato, Jornalista e Consultor de Marketing Político, é Professor Titular na USP.

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quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Morte de Gugu, a imprudência após os 60 anos

Para os fins do atestado de óbito, a causa mortis foi traumatismo craniano.

Mas, segundo o doutor Carlos Sperandio, médico geriatra, o que levou Augusto Liberato, o Gugu, à morte foi a decisão errada de subir a uma altura de 4 metros para fazer um reparo no ar condicionado de sua nova casa.

Ainda estava naquela fase de arrumação das coisas após ter mudado com a família para o novo endereço no mesmo Condomínio onde morava em Orlando, meca de muitos brasileiros endinheirados, na Flórida, nos Estados Unidos.

Agora, como que advertindo os que após os 60 anos de idade ainda não se dão conta do seu novo patamar de vida, o doutor Sperandio analisa o que teria sido uma grande imprudência do Gugu:

- "Ele acreditou ter condições físicas e cognitivas para subir em um lugar perigoso e negligenciou o risco de queda. Erro na tomada de decisão e quedas são dois gigantes da geriatria que causam muitas mortes e sequelas todos os anos entre os idosos.

"Gugu tinha só 60 anos. Pelas leis brasileiras ele era considerado idoso. Hoje, muitos sessentões podem contrapor essa prerrogativa legal, pois não à toa se diz que "os 60 são os novos 40". Fato que verifico na prática - tenho pouquíssimos pacientes de consultório com menos de 70 anos. Velho hoje é quem tem mais de 75 anos, dizem. E estão certos por vários ângulos. Mas, não por todos.

Prossegue em sua análise o doutor geriatra:

'Todos devemos primar por nossa segurança, desde o uso do cinto de segurança, até mesmo olhando onde pisamos ou subimos. O número de idosos que cai e quebra coluna ou o fêmur, que batem à cabeça e tem traumatismo craniano, é enorme!!

A maior fonte de acidentes acontece em seu próprio lar, por ter subido numa simples cadeira, ter molhado o chão, ter tido pressa desnecessária,  ou por ter tropeçado no caminho que sempre faz dentro da própria casa. Por que não esperar alguém ou contratar um profissional?

Os riscos de uma decisão errada são  enormes!

Na geriatria jamais tiramos o poder de decisão do idoso. Cabe a nós apenas salientar que a capacidade funcional diminui inexoravelmente, aumentando a chance de risco com movimentos considerados habituais para os jovens.

Ou seja, pode fazer, mas pense duas vezes, tenha autocrítica, respeite sua idade!
Segurança é a palavra de ordem nas quedas e acidentes evitáveis.'

( acesse: www. carlossperandio.com)

Porandubas Políticas

Por Gaudêncio Torquato

Abro a coluna com a verve mineira.

JK?

Anos de chumbo. Tempos magros, época de fechadura braba. Falar em Juscelino era pecado mortal. Tempo de mudança das placas dos carros, as chamadas alfanuméricas. A Câmara Municipal de Diamantina oficia ao Contran solicitando as letras JK para as placas dos carros do município, "como uma forma de homenagear o grande estadista John Kennedy". O Contran não atende. Um conterrâneo de Juscelino desabafa:

– Esse pessoal do Conselho deve ser republicano, eleitor do Nixon.

(Historinha de Zé Abelha)

Domando as feras

Chegando a quase um ano de governo, o presidente Jair Bolsonaro dá sinais de que poderá respirar com mais tranquilidade nos próximos tempos. Para tanto, algumas hipóteses estão na mesa: o resgate paulatino da condição econômica do país dá sinais, mesmo leves, de recuperação; a melhoria da articulação na esfera parlamentar, pavimentando os passos do programa de reformas; e o fechamento de acordos com os parceiros comerciais do Brasil, a partir da poderosa China. O fato é que as feras precisam ser domadas. O clima natalino do presidente sinaliza o slogan: "Jair amor e paz".

Contenção da linguagem

Constata-se que o presidente contém sua linguagem rude e tosca. Deixou de dar entrevistas polêmicas na porta do Palácio da Alvorada, que acirra os ânimos dos opositores e gera indignação junto a movimentos organizados. Claro, a peroração desbocada mobiliza suas bases. Mas enfrenta o risco de afastar parcela ponderável de seu eleitorado, principalmente setores do meio da pirâmide. Esse visível arrefecimento, deduz-se, é consequência da soltura de Lula, que passou 580 dias na prisão. Lula saiu com a boca aberta. E pronto para tirar o atraso de meses em silêncio. Jair entendeu que acirrar a linguagem agora seria alimentar o Lula palanqueiro.

Lula em palanque

Lula, mais azedo e provocativo, já iniciou sua perambulação pelo Brasil, fazendo os primeiros chamamentos ao pleito de 2020. Foi a Salvador e ao Recife para ser homenageado e começar a costurar acordos. O Nordeste é sua praia por excelência. Até demonstra vontade de vir a morar em São Paulo ou até em Recife, voltando ao Pernambuco natal. A campanha de 2020 está começando sob a crença de que a eleição de uma imensa bacia de prefeitos será fundamental para o sucesso da campanha presidencial e de governadores em 2020. O PT quer voltar ao centro do poder. Sem autocrítica, diz Lula. O que significa que o Partido não reconhece que errou. Não haverá, portanto, confessionário. Veremos, assim, ataques em massa aos adversários. "Lula guerra e fogo" sabe: a melhor defesa é o ataque.

Capitais e grandes cidades

A campanha será balizada pela estratégia de eleger o maior número de prefeitos no maior número de capitais e cidades-polo que concentram cerca de 75% dos votos, ou seja, mais de 100 dos 150 milhões de eleitores. O gargalo mor será o Sudeste. Mais racional do que emocional. O voto paulista, por exemplo, obedece mais à lógica ditada pela cabeça do que ao fervor que jorra do coração. É evidente que os polos emotivos ainda dão o tom aqui e ali. Mas o voto está saindo do coração para subir à cabeça. Foi o que se viu em outubro de 2018, a eleição de quebra frontal de paradigmas.

São Paulo

Em São Paulo, travar-se-á uma das mais renhidas campanhas. Lula até gostaria de ter um candidato competitivo para disputar o voto de nove milhões de eleitores da capital. E resgatar o cinturão vermelho que abrange o ABC e cidades da grande São Paulo, onde a cor vermelha deu lugar a outros tons. De seu coração, Fernando Haddad seria o candidato do PT a prefeito. Este recusa. Por isso Lula remete sinais de reaproximação com a ex-prefeita Mara Suplicy, que, por sua vez, gostaria de ser apoiada por uma frente de oposição. Ela está no PDT. A mulher de Haddad, Ana Estela, pode até vir a compor como vice a chapa apoiada pelo PT.

Pleito disputado

A eleição paulistana será uma guerra. Se Bruno Covas se recuperar da doença que o acomete, será forte candidato, ainda mais quando dá exemplo de enfrentamento e coragem: passou mais de 20 dias no hospital, despachando com o secretariado. O PSD de Kassab deve vir com Andrea Matarazzo, que conhece bem a capital por ter sido secretário das administrações regionais. O PT, se não surgir com Haddad nem com Marta, tem outros nomes: o vereador Eduardo Suplicy, os deputados Federais Alexandre Padilha, Carlos Zarattini e Jilmar Tatto. O PSL pode vir com a deputada Joice Hasselmann caso não feche acordo com o PSDB de Covas. Hasselmann poderia ser a vice. O Novo já escolheu seu pré-candidato: o empresário Filipe Sabará. Há outros nomes: Celso Russomanno (PRB), Márcio França, ex-governador (PSB) e Guilherme Boulos (PSOL) ou deputada Federal Sâmia Bomfim. A campanha paulistana será uma bússola para projeção da campanha de 2022.

BH

MG tem o 2º maior eleitorado do país e a eleição em Belo Horizonte será também emblemática. O prefeito Alexandre Kalil está bem na fita para a reeleição. Mas outros nomes estão na lista: o ex-prefeito Márcio Lacerda, João Vitor Xavier, Leonardo Quintão, Marcelo Álvaro Antônio (o ministro acusado de plantar um "laranjal" no pleito de outubro de 2018), Reginaldo Lopes e Eros Biondini.

RJ

O Rio de Janeiro terá também uma campanha nervosa. O prefeito Marcelo Crivella (PRB) buscará a reeleição, contando com as máquinas pública e evangélica. Deve se ancorar em discurso ideológico. Pela esquerda, o deputado Federal Marcelo Freixo (PSOL) tentará chegar ao Executivo carioca pela 3ª vez. O PDT pretende lançar a deputada estadual Martha Rocha. O PSB tende a fechar com o deputado Federal Alessandro Molon. Ao centro, o ex-prefeito Eduardo Paes (DEM) é perfil forte. Paes pode adotar um discurso de combate à polarização, jogando Crivella para um lado ultraconservador e pintando Freixo como um esquerdista radical. Quem será apoiado por Wilson Witzel, o governador?

Salvador

João Isidório, do Avante, é um forte candidato. Foi o deputado estadual mais votado, com 110 mil votos, no rastro do prestígio do pai, o Sargento Isidório, deputado Federal mais votado da Bahia. João acaba de ser ungido como pastor. Outros nomes: a deputada Federal Lídice da Mata (PSB), o médico Fábio Vilas-Boas, o ex-deputado Walter Pinheiro e Bruno Reis, vice-prefeito, do DEM.

Fortaleza

Na capital do Ceará, o embate será entre nomes como o deputado estadual Heitor Ferrer (Solidariedade), a deputada Federal Luizianne Lins (PT), que já foi prefeita de Fortaleza; os deputados estaduais André Fernandes (PSL) e Silvana Oliveira (PR), o deputado Federal Capitão Wagner (Pros) e o empresário Geraldo Luciano (Novo). Postulantes pelo PDT como o presidente da AL, José Sarto, e o ex-presidente da Câmara e hoje deputado Salmito Filho; no PSDB, os nomes ventilados são o da médica Mayra Pinheiro, atual secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (STGES) do governo Bolsonaro; e o médico Carlos Roberto Martins Rodrigues, o Cabeto, que comanda a Secretaria da Saúde do governador Camilo Santana (PT).

Curitiba

Na capital do Paraná, são cotados para integrar a lista: o atual prefeito Rafael Greca (DEM). Greca poderá ter apoio do PSDB. Tem feito gestão bem avaliada. O deputado estadual Delegado Francischini (PSL) já teria oficializado sua pré-candidatura à prefeitura em evento nacional de filiação do partido. Seu sucesso dependerá do duvidoso fortalecimento do PSL. Ney Leprevost (PSD), nome forte ligado ao governador Carlos Massa Ratinho Junior (PSD). O deputado Federal Gustavo Fruet (PDT), que, em maio, deu mais um passo no sentido de oficializar seu nome como um dos postulantes à prefeitura de Curitiba. O PT deverá ter um nome na disputa. Dr. Rosinha, diretor estadual do partido, cita nomes prováveis como Tadeu Veneri e Mirian Gonçalves, vice-prefeita na gestão de Fruet. O próprio Dr. Rosinha é uma possibilidade. João Arruda (MDB) deve entrar no embate, ex-deputado e candidato ao governo em 2018. Pelo PTC, possivelmente Zé Boni. O Partido Novo está em processo de escolha de um nome. Há, ainda, nomes como o do ex-prefeito Luciano Ducci (PSB), do deputado Federal Paulo Martins (PSL) e da deputada estadual Maria Victoria (PP).

Porto Alegre

Any Ortiz deverá ser lançada pelo Cidadania (antigo PPS). Além de Any, são ventilados nomes como Juliana Brizola (PDT), Luciana Genro (PSOL), Manuela d'Ávila (PCdoB), Maria do Rosário (PT) e Mônica Leal (PP). Se todos os nomes se confirmarem, seria o recorde de candidaturas femininas em Porto Alegre, que já conta com 12 pré-candidatos, distribuídos entre seis partidos, a mais de um ano do pleito. O DEM lançou o ex-vereador de Porto Alegre e atual deputado estadual Thiago Duarte. Além dele, outros dois deputados estaduais têm a intenção de concorrer. Rodrigo Maroni quer disputar o Paço pelo Podemos. O MDB é o partido com mais pré-candidatos. Querem concorrer os vereadores André Carús e Valter Nagelstein; o ex secretário de Segurança Pública no governo José Ivo Sartori, (MDB) Cezar Schirmer; o deputado estadual Sebastião Melo e a secretária de Habitação, comandante Nádia. Além dos já citados, dois são da bancada do PP: Mônica Leal, presidente do Legislativo, e Ricardo Gomes. Além deles, o vice-prefeito Gustavo Paim fecha o quadro de possíveis concorrentes pela sigla.

Natal

A eleição na capital do RN abrigará o atual prefeito Álvaro Dias (MDB), que assumiu a prefeitura com a renúncia de Carlos Eduardo Alves, candidato derrotado ao governo do Estado. Contra ele, poderão disputar o cargo o deputado estadual Kelps Lima (Solidariedade) e a deputada Federal Natália Benevides (PT), que deve ganhar o apoio da governadora Fátima Bezerra. A governadora, mesmo com escassez de recursos, faz uma administração com foco na racionalidade e em resultados. É bem avaliada. O prefeito Dias também tem passado pelo teste. O legado bolsonarista poderá ter também seu peso na campanha. A conferir.

Maceió

Para substituir o prefeito Rui Palmeira, disputarão JHC, João Henrique Holanda Calas, deputado Federal mais votado no pleito de 2018, com 170 mil votos. Alfredo Gaspar de Mendonça Neto pelo MDB. O Cabo Bebeto, grande surpresa eleitoral; Ronaldo Lessa é outro nome que aparece bem nas pesquisas e que pode ser o candidato de setores órfãos, hoje, os chamados "progressistas", entre o centro e a esquerda. Davi Davino ou Marcelo Palmeira; Ricardo Barbosa, a defender o legado do PT – ainda que o primeiro demonstre mais fôlego eleitoral que o lulista; e o PSOL, que deve lançar Basile Christopoulos, alternativa mais à esquerda.

Fecho com o Pará.

Como vão os meninos?

O Pará já teve políticos muito engraçados. Um deles, João Botelho, foi interventor, deputado e constituinte. Certo dia encontra um cabo eleitoral:

– Como vai? E senhora sua esposa? E as crianças?

– Tudo bem, deputado. Minha mulher está ótima. Mas, por enquanto, é só um menino, certo?

– E eu não sei que é um filho só? Mas é um menino que vale por muitos. Então, como vão os meninos?

Gaudêncio Torquato, Jornalista e Consultor de Marketing Político, é Professor Titular na USP.

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terça-feira, 26 de novembro de 2019

Paulo Hartung: “É preciso quebrar a coluna vertebral da apropriação do Estado brasileiro por pequenos grupos”

“A História brasileira é de um Estado burocrático, pesado, caro, e a serviço de uma minoria. Você tem que ter as contas sob controle e tem que ter a capacidade de parar de tomar mais de quem tem menos. A vida mudou, o mundo do trabalho mudou e o setor público ficou parado e sendo regulado por dispositivos feitos para outro tempo”

Que a máquina pública brasileira encontra-se escaldada em um anacronismo sufocante, parece ser um consenso.

Hoje as despesas com pessoal representam o segundo maior gasto primário da União, atrás apenas da Previdência.

Está em curso uma discussão sobre uma reforma prevendo drástica redução no número de carreiras, salários mais alinhados com o setor privado – as projeções mostram uma proporção até 5x maior -, rigorosa avaliação de desempenho, e travas para as promoções.

No entanto, o governo achou por bem postergar a apresentação do projeto, sob a argumentação de que poderia precipitar manifestações. O lobby da categoria é conhecido. Basta lembrar que a frente parlamentar do serviço público no Congresso, conta com 255 deputados, de um total de 513. Quase a metade.

A propósito, para que tantos deputados? Esta é outra discussão. Que também necessariamente passa por um diálogo sobre o país que queremos construir, os costumes e valores dos indivíduos e das instituições.

Junto com Armínio Fraga, o ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung, atual CEO da Indústria Brasileira de Árvores (Ibá) – associação que reúne a cadeia produtiva de árvores plantadas para fins industriais -, é interlocutor, parceiro e conselheiro de Luciano Huck, compondo o núcleo mais próximo do apresentador da Globo.

Os três se encontram esporadicamente, em conversas que giram em torno da formulação de políticas públicas para o país, dentro de um contexto de especulação sobre eventual candidatura de Huck, à presidência da República.

Hartung, economista de formação, ganhou fama por ter encabeçado um projeto de ajuste fiscal que colocou as contas do Espírito Santo em relativa ordem, após três mandatos. E é disso que trata esta entrevista.

Assim como Huck, Hartung também participa do Agora, espécie de think tank agregador de experiências e pensamentos diversos, e do RenovaBR, movimento de renovação política que formou quadros como a deputada Tábata Amaral.

“Não à toa, da Constituição promulgada em diante, nós passamos a reformá-la. O fato é que o desenho de Estado que produzimos em nossa Constituinte de 88 tem características de uma história de Estado de máquina públicas muito exuberantes, caras e ineficientes”.

“Você tem que ter as contas sob controle e tem que ter a capacidade de parar de tomar mais de quem tem menos, porque hoje o sistema tributário faz isso. Ou de dar mais pra quem tem mais – o sistema previdenciário faz isso”.

 “Temos as experiências do Chile, Bolívia e Argentina para refletir e aprender. Só entrega quem organiza – pode ser de direita, esquerda ou centro”.

“Eu conheci o Luciano no início do ano passado. Nossa primeira conversa – eu, ele e Armínio Fraga – durou até de madrugada. Depois fiquei no portão da casa do Armínio conversando e disse a ele o quanto estava absolutamente surpreso. Luciano é um ser humano absolutamente sensível com os desafios sociais do Brasil, extremamente curioso de entender o funcionamento das coisas; ao mesmo tempo um profissional hiper bem-sucedido. Temos uma troca de experiências muito rica.  Operamos em áreas diferenciadas e acabamos tendo complementariedade.

(Com relação ao futuro) Se tem um aprendizado que eu levei da vida política é respeitar o tempo das coisas. Tudo que você gasta de energia no tempo errado é inútil”.

Me fale um pouco da sua trajetória. Quem é o Paulo Hartung?

Eu sou economista de formação. Comecei minha vida no privado. Passei em concursos públicos – que foram cancelados, porque eu tinha uma forte militância de esquerda na universidade; a argumentação era basicamente que não iam nomear subversivos, na época.

Aí eu montei uma editora, comecei minha vida como microempresário. Me convidaram para disputar a eleição, e com isso me elegi deputado estadual, em 1982. Repeti o mandato de estadual. Depois fui deputado federal e prefeito da capital (Vitória).

Quando meu mandato como prefeito acabou, o Fernando Henrique Cardoso, então presidente, me convidou para ir para o BNDES, onde fui diretor e reorganizei a área social. Saí de lá, fui eleito senador, depois governador de 2003 a 2010. Quando saí do governo fui para a iniciativa privada ser conselheiro de algumas empresas, e em 2014 fui eleito governador do Espírito Santo novamente. Disputei oito mandatos, e fui eleito oito vezes.

Você acha que o ajuste fiscal é a coisa mais importante a ser feita hoje no Brasil?

Quando nós fizemos a Constituição de 1988, ela espelhou um modelo de Estado que já vinha sendo desenhado no Brasil. Se você estudar o getulismo, vai encontrar traços desse desenho. Mas, se você olhar o regime militar, também ali vai encontrar traços na Constituição de 88.

Nós elaboramos uma nova Constituição numa hora, eu não digo imprópria, mas com um quadro pouco claro. Nós escrevemos a Constituição com a realidade de um mundo em transformação ainda não percebida pelos líderes brasileiros de então. Não à toa, da Constituição promulgada em diante, nós passamos a reformá-la. A energia do país vem sendo gasta de lá pra cá com reformas e adequações para tentar transformar nosso texto constitucional em um texto contemporâneo. Aquilo que nós desenhamos lá não era suportável pelo aparelho produtivo brasileiro. A conta não ia fechar.

O fato é que o desenho de Estado que produzimos em nossa Constituinte de 88 tem características de uma história de Estado de máquina públicas muito exuberantes, caras e ineficientes.

E minha experiência administrativa mostrou isso. Eu cheguei na prefeitura de Vitória em 1993 e já tive que fazer um ajuste fiscal, porque a prefeitura tinha perdido a capacidade de investir com seus próprios recursos. Quando eu cheguei no governo, em 2003, ele estava quebrado, havia duas folhas de pagamento atrasadas. Eu tive que fazer três ajustes fiscais.

Como combater a desigualdade?

Só cuida das pessoas quem cuida das contas. Se eu não cuido das contas, não tenho dinheiro para comprar um equipamento para um hospital, fazer uma estrada no interior, fazer programas sociais. Essa é a questão.

A História brasileira é de um Estado burocrático, pesado, caro, e a serviço de uma minoria. Fazer uma reforma do Estado brasileiro e ajustar as contas públicas é uma questão de fazer redistribuição de renda e chegar nos pobres.

E como se chega nos pobres?

Nós temos que mudar a alocação de recurso. Você tem que ter as contas sob controle e tem que ter a capacidade de parar de tomar mais de quem tem menos, porque hoje o sistema tributário faz isso. Ou de dar mais pra quem tem mais – porque hoje o sistema previdenciário faz isso; e parar de fazer uma máquina pública cheia de engrenagens, de privilégios.

Então a máquina pública seria nosso maior problema?

O Brasil tem um potencial que não se realizou na sua plenitude. Em todas as listas de países potenciais que circulam,  o Brasil sempre aparece entre os 10 primeiros, ou entre os 5.

O que acontece é que temos problemas graves como a educação básica, distribuição de renda, infraestrutura. É um conjunto de problemas, mas, evidentemente que para equacionar esses problemas precisamos de uma máquina pública que funcione, que seja compatível com a realidade brasileira.

Temos que ter a capacidade de fazer com que a máquina pública funcione no país e não seja um instrumento para agravar nossos problemas. A história da máquina pública no Brasil é de ser um instrumento que agrava os nossos desafios, por exemplo, na distribuição de renda. Precisamos reformar o Estado brasileiro e ter responsabilidade fiscal, ou seja, contas organizadas.

Achava-se que com crédito e consumo íamos empurrar a máquina para frente, e na verdade o país não cresceu, não gerou ou manteve empregos, produziu a maior crise fiscal da nossa história e nós mergulhamos numa recessão econômica que eu, como economista, não conheço nada igual.

Como lidar com as despesas obrigatórias, que chegarão a 94% do Orçamento no ano que vem, e são justamente, obrigatórias?

Se você olhar um gráfico do que era despesa obrigatória no início da jornada pós-constituinte e o que era despesa discricionária, você vai ver que a despesa obrigatória de lá pra cá esmagou a discricionária, tirando a capacidade das prefeituras, dos governos estaduais e do governo federal fazer as coisas pelos brasileiros, e concentrando renda.

Por isso que os concursos públicos são tão concorridos. E é um traço cultural, até.

Claro. E começou lá no Banco do Brasil. Daí vieram os concursos das carreiras de Estado, do Judiciário, e assim por diante.

A reforma da previdência perpetuou as diferenças, em alguma medida?

Essa reforma da previdência dá alguns passos à frente em termos de organização de contas públicas, mas deixa a desejar em outros aspectos. Primeiro, você não incluir estados e municípios. Tem muitas dúvidas no ar. Se você olhar o déficit de previdência dos estados, ele já passa de R$ 100 bilhões/anual.

Tramitar com uma reforma paralela para militares é um outro equívoco, os privilégios estão sendo mantidos.

Mas, há pontos positivos. É só lembrar que tentamos instituir idade mínima no governo FHC, e a votação foi perdida por um voto… Já deveríamos ter idade mínima no país há muito tempo, porque a expectativa de vida evoluiu, não podemos nos aposentar tão jovens, não tem como pagar. A reforma da previdência é um passo à frente numa caminhada de vários passos.

A reforma trabalhista, de uma certa maneira, evidencia também a precarização, a informalidade.

Vamos relativizar. Não é razoável você idolatrar uma legislação tributária feita no período getulista com todas as transformações que o mercado de trabalho vivenciou de lá para cá. A vida mudou e está mudando de uma maneira extremamente veloz, e as relações trabalhistas estão evoluindo.

Existe um desafio do mundo moderno de como você flexibiliza as relações contratuais no mundo do trabalho sem precarizar as relações de trabalho. E esse é um debate mundial.

A tecnologia está evoluindo e destruindo postos de trabalho. Então é necessário melhorar a legislação para abrir novas formas de contratação, de acesso ao mercado. Se você ficar parado numa legislação que copiamos dos italianos – lá no pior momento da vida institucional italiana – , não é razoável. Temos que ter a capacidade de evoluir e fazer um bom debate sobre legislação trabalhista no país.

O autor Yuval Harari diz que no futuro teremos que mudar de profissão e nos reinventar de dez em dez anos. Quando penso nisso e no que é a perspectiva de um funcionário que presta concurso uma vez e é vitalício, eu fico chocado.

Por isso que é necessário redesenhar as carreiras de Estado, para que você valorize o bom funcionário.

Já exerci muitos mandatos públicos, posso dar um depoimento vivido de ter trabalhado com gente competente, com gente dedicada; mas o problema do setor público é que ele ficou parado no tempo. A vida mudou, o mundo do trabalho mudou e o setor público ficou parado e sendo regulado por dispositivos feitos para outro tempo.

Se você tiver uma porta de entrada que não lhe garanta o resto de vida, com um estágio probatório que avalie vocações, vai poder separar as pessoas de talento com os concurseiros que só estão lá pelo salário.

E, em qualquer instituição da vida moderna, a ascensão profissional se dá de maneira triangular. À medida que você vai subindo, as vagas de promoção são menores. Já no Estado brasileiro, chega a um determinado número de anos e você pula de um posto pra outro, tenha desempenho ou não.

É preciso uma regra de avaliação de desempenho pra subir nas carreiras. E a remuneração precisa começar menor para se ter um estímulo de crescimento. Somente com isso você já organiza muito o Estado brasileiro.

Você acha que o Estado deveria ter o direito de demitir quando quisesse?

Claro.

O serviço público precisa ser olhado como um todo e, de certa forma, reinventado. Para que ele possa ser bancado pela sociedade e se transforme em um instrumento a favor do conjunto da sociedade, ou seja, que ele seja um instrumento de distribuição de renda e de oportunidades.

O país tem dinheiro. Ele só não está girando do jeito certo. Certo ou errado?

Tem dinheiro. Os orçamentos existentes – dos municípios, Estados federados e União – trazem recursos necessários para prover entregas extremamente melhores do que o Estado brasileiro vem fazendo ao longo da nossa História. Mas para que isso aconteça, precisa quebrar a coluna vertebral da apropriação do Estado brasileiro por pequenos grupos.

Como?

O que nós precisamos construir são boas narrativas. Eu vejo no Brasil gente muito bem-intencionada com enorme dificuldade de explicar para esse país complexo como o Brasil o que está acontecendo – um diagnóstico claro dos nossos problemas, e qual o remédio que precisamos prescrever para melhorar a vida das pessoas.

O que falta é a capacidade de olhar no branco do olho da sociedade e convencê-la, motivá-la e mobilizá-la nos caminhos. Isso tem a ver com o vazio de liderança que temos no país.

O que você pensa do desempenho do Paulo Guedes?

É um dos ministros que tem uma agenda positiva nesse momento de governo, mas também vejo aspectos negativos.

O trabalho feito na reforma previdenciária, eu acho positivo, como já falei. Já o pensamento dele para a reforma tributária, eu, particularmente, não comungo. Eu sinto que ele queria restabelecer um tributo a la CPMF, ou o nome que viesse a ser dado, com o objetivo nobre de desonerar a folha. O objetivo é bom, mas você reintroduzir no sistema caótico que temos um outro tributo cheio de defeitos, não concordo.

Sobre as três PECS que ele apresentou há 15 dias, eu fiz questão de defender as medidas – com a ressalva que é necessário um pouco de foco em separar o que é prioritário.

Há um governo que foi eleito pelo povo e com um mandato a cumprir. Eu torço para que os bons ministros façam andar suas respectivas agendas.

É o primeiro ano desse governo, se você for para uma oposição radical, corre o risco de não estar fazendo oposição ao governo, e sim aos interesses do país e dos brasileiros. Isso, em qualquer tempo é ruim, mas em um tempo como esse é dramático. A gente vem de uma recessão econômica, de uma evolução de desemprego brutal no país; estamos vivendo com a renda per capita bem abaixo do que ela foi até 2014. Então, só tem uma coisa a fazer: ajudar para que as coisas evoluam no país.

Eu não tenho nenhuma dificuldade. Quando o governo flerta com o autoritarismo, eu falo que está errado. Mas, quando o governo flerta com a medida de modernização do Estado ou da economia, eu escrevo artigo a favor, eu dou entrevista a favor; sou pequenino na formação de opinião público no Brasil, mas o que tenho de relevância, eu coloco a serviço de fazer as coisas certas.

O país não precisa de precipitação, de oposição irracional. Isso não vai ajudar.

A projeção melhorou um pouco, não?

Melhorou. Mas, se olhar no efeito estatístico, é muito pequeno. Cresceu 1.1% ano passado. Esse ano está melhorando pra gente ficar perto de 1%. Qual o efeito disso no mercado de trabalho, na renda das famílias? É muito baixo, precisamos ralar muito. É uma recuperação cíclica e fraca. Fizeram tanta coisa errada que desorganizou muito a economia brasileira. Temos uma corrente amarrada no pé, que são as despesas do Estado, o déficit que a gente produz gastando mais do que tem e assim por diante.

Nossa vizinhança está sendo pedagógica pra gente. No Chile foi a mão pesada em reformas liberais, um pouco desatencioso com mobilidade social. Eles estão no meio de um debate rico, mas não é pra comemorar, é pra aprender com aquela experiência. Já a Bolívia foi para um outro caminho. Não vou fazer um julgamento de valor, mas deu alguma coisa errada lá. O povo foi pra rua. Então, você tem um problema no Chile, e o cara que é mais à esquerda fica esfregando uma mão na outra; aí vem o problema da Bolívia e o cara que é extrema direita fica esfregando uma mão na outra. Eu penso que, ao invés de fazer isso, devemos prestar atenção nesses fenômenos.

E, no meio do caminho tem a Argentina. Os peronistas acabaram de voltar para o governo. O que eles vão fazer com a Argentina?

Não tem mágica.

É isso que pode ser útil para o debate político nacional. Olha o Chile, não tem mágica. O país cresceu, melhorou a renda; tem indicadores interessantes, mas está claro que faltou alguma coisa, se não o povo não iria pra rua com aquela voracidade. O jovem, quando olha para o seu futuro, olha com angústia.

Aí você olha a Bolívia, que melhorou muito nesses últimos anos.

Isso que chama a atenção. Os dois lugares melhoraram.

Talvez lá tenha um outro problema, um problema institucional, que é a tentativa de ficar no poder a vida inteira. A democracia tem a beleza da alternância.

Temos as experiências do Chile, Bolívia e Argentina para refletir e aprender. Só entrega quem organiza – pode ser de direita, esquerda ou centro. Precisamos subir o sarrafo do debate público no Brasil, devemos isso às futuras gerações.

Politicamente, como você se define?

Eu nasci no movimento estudantil, numa militância dentro do partidão. Eu virei o principal líder estudantil da minha geração, fui presidente do diretório central dos estudantes da Universidade Federal do Espírito Santo naquele período de democratização.

Na minha visão, eu evoluí. Evoluí lendo muito, acompanhando o que estava acontecendo no mundo. Digo que, quando o muro de Berlim caiu, ele não caiu na minha cabeça. Eu já era um militante de centro-esquerda, um social democrata.

Eu sou a favor das reformas liberais que modernizam a economia e o Estado brasileiro, mas eu tenho um olhar forte para o problema da desigualdade social no Brasil, para a necessidade da gente distribuir oportunidades, renda e acesso ao conhecimento nesse país. Isso é fundamental para uma largada igualitária na corrida da vida.

Fale um pouco sobre o Agora.

Quando saí do governo fui convidado a participar do movimento cívico Agora, através do Luciano Huck. Ele foi redesenhado como uma plataforma de discussão de políticas públicas para o Brasil. É superinteressante, pois foca em temas desafiadores e pouco debatidos no país.

Um dos temas que me toca muito é educação básica: como melhorar o processo de aprendizagem dos nossos jovens. E há muitas experiências exitosas no Brasil que precisam ser conhecidas, como a do Ceará, que começou em Sobral; o Ensino Médio em tempo integral de Pernambuco, que começou lá no governo Jarbas Vasconcelos; e agora a experiência do Espírito Santo, do meu último governo.

Há um conjunto de instituições privadas que se dedicaram a olhar os desafios da educação básica, como o Instituto Unibanco, com o programa Jovens de Futuro; e o Instituto Natura, que trabalha muito a questão da integração das redes – entre município e Estado, e montou um programa de regime de colaboração entre rede estadual e municipal.

Então, temos um conjunto de experiências boas em alguns Estados e em instituições privadas. O trabalho do Agora é juntar essas experiências e difundir essas boas práticas.

Qual o objetivo do movimento?

Disponibilizar ideias para que elas possam ser utilizadas por governos. Enfrentar temas importantes e recuperar tempo perdido. É uma contribuição para qualificar o debate de políticas públicas no Brasil.

E qual a frequência do trabalho do Agora?

O trabalho tem sido intenso.

Outro trabalho a ser desenvolvido é o olhar sobre as favelas. Como você melhora a vida dessa parte da população brasileira. Soluções para serviços públicos, como saneamento dessas áreas; melhorar a habitação e acessibilidades desses lugares. Não podemos enxergar as favelas como parte da paisagem, devemos nos indignar e procurar caminhos.

Há também o olhar sobre a Amazônia. Moram na região amazônica brasileira entre 20 e 25 milhões de pessoas. Como melhorar a vida deles preservando esse patrimônio que o país tem que é a floresta em pé – e que nos entrega serviços ambientais importantes como nosso regime de chuva, que dá produtividade ao nosso agro?

Você também participa de outro movimento.

Sim. Fui convidado na mesma época pelo Eduardo Mufarej para participar de um programa de formação de novas lideranças para o país, que é o RenovaBR. É um tema que sempre me tocou muito. Venho de uma geração que formou muitas lideranças, a geração do período da democratização do país, e de lá pra cá ficou um déficit de formação de lideranças. Então, eu topei o convite e hoje estou no conselho do RenovaBR.

Saímos de um primeiro ciclo que formou mais de 100, e estamos num novo ciclo buscando a formação de mais de 1000 jovens de mais de 500 cidades brasileiras. Há o interesse hoje da juventude em participar da política, da vida pública brasileira. Isso é bom, as pessoas estão topando botar a mão.

Os dois movimentos – Agora e RenovaBR – são trabalhos voluntários, e também participo de outros dois movimentos que me engajei depois, já fora do governo: o Todos pela Educação, onde presido o Conselho Político, para ajudar na articulação das propostas junto ao Congresso Nacional, aos governadores, prefeitos e assim por diante. E a Viviane Senna me convidou para participar de um conselho informal aqui em São Paulo, onde um grupo de lideranças que lidam com o tema debatem mensalmente a política de educação do Estado de São Paulo.

Quais são suas impressões sobre o Luciano Huck?

Eu conheci o Luciano no início do ano passado. Nossa primeira conversa – eu, ele e Armínio Fraga – durou até de madrugada. Depois fiquei no portão da casa do Armínio conversando e disse a ele o quanto estava absolutamente surpreso. Luciano é um ser humano absolutamente sensível com os desafios sociais do Brasil, extremamente curioso de entender o funcionamento das coisas; ao mesmo tempo um profissional hiper bem-sucedido. Temos uma troca de experiências muito rica.  Operamos em áreas diferenciadas e acabamos tendo complementariedade.

Acho que a decisão pessoal que ele tomou depois da eleição foi muito boa. Ele optou por ter uma maior participação e exercer sua cidadania com duas vertentes, nas plataformas do Agora e do RenovaBR. Só de estar nesses dois movimentos cívicos ele dá uma contribuição importante, pois é uma pessoa absolutamente carismática, tem uma capacidade de mobilização invejável, conhecido no Brasil inteiro. E ele empresta seu prestígio para esses dois movimentos, para formar lideranças novas pra política brasileira com o RenovaBR, e ajudar a recrutar pensadores dos mais diversos, com o Agora.

Vocês têm alguma projeção para o futuro?

Não. Tudo que você leu é pura especulação. Se tem um aprendizado que eu levei da vida política é respeitar o tempo das coisas. Tudo que você gasta de energia no tempo errado é inútil.

Entrevista a Morris Kachani, de O Estado de São Paulo, publicada originalmente na edição de 25.11.19. / Colaboração: Flavio Azm Rassekh.