segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Após anos de crise, Brasil recua no ranking de desenvolvimento humano da ONU

Situação da economia foi principal responsável por queda do Brasil no ranking.

A ONU divulgou globalmente nesta segunda-feira (9) seu relatório de Desenvolvimento Humano. O documento de 366 páginas alerta para a necessidade de se combater as novas formas de desigualdade no mundo - ligadas, por exemplo, ao acesso desigual a avanços tecnológicos e ao impacto das mudanças climáticas - para responder aos crescentes protestos sociais pelo planeta.

Além disso, a divulgação traz o novo ranking dos países classificados a partir do seu Índice de Desenvolvimento Humano, o IDH, sigla que se tornou conhecida como um parâmetro de bem-estar da população.

O relatório deste ano mostra que a longa crise econômica que o Brasil atravessa desde 2014 tem comprometido o avanço do país. O IDH brasileiro ficou praticamente estagnado em 2018, depois de ter apresentado baixo crescimento nos anos anteriores.

Com isso, aponta o documento, o país perdeu três posições no ranking global em comparação com 2013, aparecendo como a 79ª nação com melhor resultado no mundo.

O IDH varia de 0 a 1. Quanto mais próximo de 1, melhor é a situação de um país. Em 2019, a Noruega manteve a liderança mundial com pontuação de 0,954. Na última posição entre os 184 países analisados está mais uma vez o Níger (0,377).

O Brasil aparece em 2018 com 0,761, resultado praticamente estável ante 2017 (0,760). Já em 2013, nosso índice era de 0,752.

Essa pontuação reflete o desempenho do país em quatro indicadores: esperança de vida ao nascer; expectativa de anos de estudo; média de anos de estudo (da população até o momento); e renda nacional bruta per capita (toda a renda do país dividida pelo número total da população)

O avanço da pontuação brasileira em relação a 2013 se deve a continuidade da melhora dos três primeiros indicadores. Por outro lado, o reflexo da crise econômica na renda da população impediu um avanço maior. Segundo o IBGE, há 12,5 milhões de brasileiros desempregados, o que representa quase 12% dos trabalhadores.

"O que não tem contribuído para o aumento do IDH no Brasil é a parte econômica, porque tem havido uma estagnação desde 2014, 2015. Esperando que a melhora da educação e da saúde se mantenha no futuro, a partir do momento em que a economia se recupere, o IDH do Brasil pode vir a crescer mais rapidamente", disse à BBC News Brasil o economista português Pedro Conceição, diretor do escritório da ONU que produz o relatório.

Conceição considera positivo, porém, o fato de o Brasil seguir em uma trajetória de melhora.

"Embora o IDH esteja crescendo pouco nos últimos anos, continua a aumentar".

Avanço do indicador no Brasil desde 2013 se deu por melhora na expectativa de anos de estudo, na média de anos de estudo e na esperança de vida ao nascer

Segundo o novo documento da ONU, a esperança média de vida dos brasileiros ao nascer estava em 75,7 anos em 2018, contra 73,9 em 2013 - uma ganho de quase dois anos. Já a expectativa de anos de estudo passou de 15,2 para 15,4 no período, enquanto a escolaridade média evoluiu de 7,2 anos para 7,8.

A renda média do brasileiro, no entanto, recuou de US$ 14.275 para US$ 14.068 nessa meia década.

Vale explicar que a ONU utiliza o dólar internacional em paridade de poder de compra para estimar a renda nos países, fazendo uma comparação entre preços de produtos e serviços em diferentes países e nos Estados Unidos - é uma mediação considerada mais adequada para comparar o bem-estar em diferentes países e não representa a mesma cotação do dólar americano.

Nesses parâmetros, a renda média brasileira fica próxima da mundial (US$ 15.745) e da latino-americana (US$ 13.857). Já o grupo de países com IDH muito alto (a partir de 0.8), composto de 62 nações, tem renda média de US$ 40.122, também em paridade de poder de compra.

Enquanto o Brasil apresenta um desempenho mais modesto, o ranking evidencia a piora do IDH da Venezuela, país que enfrenta uma crise humanitária, com forte onda migratória.

Em cinco anos, o país caiu 26 posições no ranking para o 96º lugar. Sua pontuação ficou em 0.726 em 2018 contra 0.772 em 2013.

Alta desigualdade reduz desenvolvimento humano brasileiro

O Brasil está na categoria de "alto desenvolvimento humano" e tenta chegar à mais elevada no ranking, o grupo com "muito alto desenvolvimento humano".

Na comparação com os demais países do seu atual grupo, o Brasil tem apresentado ritmo de crescimento do IDH menor que a média de 2010 para cá. No entanto, o avanço brasileiro tem sido melhor do que a média de América Latina e Caribe.

A ONU ressalta, porém, que a desigualdade social ainda elevada faz com que os níveis de desenvolvimento variem muito dentro do Brasil.

O IDH é uma média dos indicadores do país - ao ajustá-lo pela disparidade de renda e de acesso à saúde e educação, o organismo considera que a pontuação brasileira recua para 0,574. Como a desigualdade brasileira está entre as mais altas do mundo, esse ajuste derruba o país em 23 posições no ranking.

Além das 'médias'

Um dos temas do relatório desse ano é justamente destacar que as "médias" escondem muitas desigualdades pelo mundo. Nesse sentido, a ONU chama atenção para a lentidão da redução do fosso entre homens e mulheres no mundo.

No ritmo atual, mulheres levariam mais de dois séculos para que tivessem as mesmas oportunidades econômicas que os homens, diz o relatório
Após uma queda relevante entre 1995 e 2010, a disparidade de gênero - medida por meio de indicadores de saúde, educação, inserção no mercado de trabalho e participação política - tem recuado mais lentamente na última década, segundo o relatório.

A seguir no ritmo atual, levaria 202 anos para que mulheres tenham as mesmas oportunidades econômicas que homens, por exemplo.

O relatório destaca que houve avanços importantes nas últimas décadas, como o aumento do acesso de meninas à educação e o combate à violência de gênero por meio de movimentos como #MeToo e #NiUnaMenos, mas enfatiza a ainda baixa presença feminina em cargos de comando na política e as mobilizações de contestação ao feminismo como a campanha contra uma suposta "ideologia de gênero".

"Há sinais preocupantes de dificuldades e reversões no caminho da igualdade de gênero, para (o aumento das) chefes de estado e de governo e para a participação das mulheres no mercado de trabalho, mesmo onde há uma economia dinâmica e paridade de gênero no acesso à educação", diz um trecho do relatório.

"E há sinais de reação (aos avanços conquistados). Em vários países, a agenda de igualdade de gênero está sendo retratada como parte da 'ideologia de gênero'", continua o documento.

Novas desigualdades, novas políticas.

O documento chama atenção para os riscos criados devido às rápidas mudanças tecnológicas e ambientais que o mundo atravessa. Segundo Pedro Conceição, há dois canais pelos quais as alterações climáticas podem aprofundar as desigualdades no mundo. Um deles são os desastres naturais, como secas intensas ou inundações.

"É bastante claro que as comunidades mais vulneráveis, mais pobres, estão mais expostas (aos impactos desses desastres)", alerta.

Outro canal é a dependência mais direta dos recursos naturais. "Muitas das populações mais vulneráveis dependem da natureza para suas vidas, para sua atividade econômica. Não há outra forma de viver. Por exemplo, as comunidades agrícolas. Estão muito expostas às alterações climáticas", acrescentou.

Conceição destaca que nas últimas décadas um contingente importante de pessoas superou a fome, pobreza e à vulnerabilidade a doenças. No entanto, ressalta a importância do acesso a níveis mais altos de escolaridade e à tecnologia para o combate às novas desigualdades.

A ONU destaca que nos países de IDH mais elevado (acima de 0.8) as assinaturas para internet de banda larga cresce 15 vezes mais rápido do que em países de baixo desenvolvimento humano. Já o acesso ao Ensino Superior avança seis vezes mais rápido.

'É bastante claro que as comunidades mais vulneráveis, mais pobres, estão mais expostas (aos impactos de desastres)", alerta o diretor do escritório da ONU que produz o relatório

Em um momento em que de alastram protestos em diversas partes do mundo - dos Coletes Amarelos na França, passando pelos estudantes em Hong Kong, às manifestações em série por países sul-americanos -, o relatório da ONU chama atenção para a necessidade de novas políticas públicas contra as desigualdades.

Ressaltando que as diferenças de oportunidades começam desde antes do nascimento, o documento defende que os governos invistam mais "na aprendizagem, saúde e nutrição das crianças pequenas" para garantir maior igualdade de condições desde a primeira infância.

A ONU também urge o governo a regular mercados com políticas antitrust que garantam "competição saudável", além de proteger os diretos dos trabalhadores.

"Os países com uma força de trabalho mais produtiva tendem a ter uma concentração mais baixa de riqueza no topo, viabilizada, por exemplo, por políticas que apoiam sindicatos mais fortes, estabelecem o salário mínimo certo, criam um caminho da economia informal para a formal, investem em proteção social e atraem mulheres para o local de trabalho", diz o documento.

Outro ponto importante para a ONU é que os países direcionem sua política fiscal (recolhimento de tributos e gastos públicos) para a redução das desigualdades.

"A tributação não pode ser vista por si só (ou seja, como mera finalidade de arrecadação), mas deve fazer parte de um sistema de políticas, incluindo gastos públicos em saúde, educação e (para incentivar) alternativas a um estilo de vida intensivo em carbono", aponta o documento.

Nesse campo, a organização também destaca a "importância de novos princípios para a tributação internacional", tendo em vista o avanço da digitalização e dos riscos que isso representa para a evasão fiscal (manipulação para pagar menos imposto).

Texto: Mariana Schreiber - @marischreiber - Da BBC News Brasil em Brasília.

terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Porandubas Políticas

Por Gaudêncio Torquato

Abro a coluna com uma historinha da coleção de Sebastião Nery.
D'água, d'água
Pernambucano audaz, Newton Coumbre passava em frente ao quartel de Obuzes de Olinda, logo depois do golpe de 64. Carregava uma bomba d'água enrolada em jornal. Dois guardas, fuzis em punho, avançaram sobre ele, aos pontapés:
– O que é isso?
– D'água! D'água!
Mandaram jogar o embrulho no chão e levaram-no até o coronel:
– O que é que tem no embrulho?
– Uma bomba d'água.
– Por que não disse logo e ficou dizendo "d'água"?
– Coronel, eu dizendo só "d'água" eles me bateram tanto; se dissesse "bomba" teriam me fuzilado.
Parte I
Para compreender o que se passa.
À guisa de introdução
Desde que iniciei minha trajetória no campo do jornalismo de interpretação, há mais de três décadas, tenho tentado desvendar os contornos do nosso país. Para tanto, valho-me de valores e características que formam o ethos nacional, as circunstâncias que balizam os acontecimentos da vida social e política, os fenômenos cíclicos que costumam aparecer por nossas plagas – como o pleito de outubro de 2018, com sua quebra de paradigmas -, enfim, o modus operandi do homo brasiliensis e das instituições. O objetivo desse exercício é o de procurar respostas para as questões do tipo: "onde estamos, para onde vamos, o que pode acontecer"? A coluna de hoje vai nessa direção.
1. A política
Estudar a política no Brasil é percorrer um labirinto plasmado por um desenho institucional que junta no mesmo balaio arranjo federativo, presidencialismo, bicameralismo, representação proporcional e pluripartidarismo. Situações que criam efeitos nem sempre congruentes com os princípios da democracia. O presidencialismo de coalizão, por exemplo, gera consequências danosas, como o toma lá dá cá que se instala no entorno do Palácio do Planalto. E romper com a tradição fisiológica abre crises. Combinar o sistema majoritário, que favorece o bipartidarismo, com o sistema proporcional, que impulsiona o pluripartidarismo, é uma química que acaba produzindo desvios.
2. Três formatos
O cientista social Otávio Soares Dulci lembra: "a trajetória instável dos sistemas partidários brasileiros obedeceu na realidade a três formatos, ligados a etapas bem definidas na história do Brasil: o regime monárquico, a descentralização fomentada pelo regime republicano e a posterior nacionalização do processo político-partidário, que se desdobrou no quadro atual". A mescla desses sistemas escancara o cipoal da política no Brasil.
3. Copo transbordando
O fato é que a política, da maneira como é praticada, mais se assemelha à imagem do copo transbordando. A corrupção atinge a esfera dos Poderes da República. As demandas da política pouco são atendidas. Os representantes enfrentam dissabores do eleitorado, que para eles vira as costas. O quadro ideológico não passa de uma sopa de palavras ocas. Um grupo radical quer ressuscitar o passado, resgatando a velha luta de classes. A polarização está no ar, dividindo o país em duas bandas. Coisa que seria lógica em moldura bipartidária. Não há projeto de longo prazo. O casuísmo e o populismo inspiram os perfis que tentam ganhar competitividade. Aos avanços alcançados, contabiliza-se um acervo de atrasos.
4. O cidadão-comum
A desigualdade se alarga. Há cidadãos de primeira, segunda, terceira e quarta classes. A base da pirâmide, que havia se estreitado em razão da elevação de contingentes ao meio da pirâmide, expandindo as classes médias, volta a se adensar. As massas tendem a se voltar para aqueles que acenam com a bandeira da esperança, hoje apontando principalmente para Bolsonaro, Lula e Moro. As demandas das massas convergem para a micropolítica: alimento e transporte baratos, segurança, educação de qualidade. Contingentes das margens são acalmados com o Bolsa Família. Parcela ponderável dos votos é dada a quem mais se identifica com soluções rasteiras. O pragmatismo dá o tom.
5. Outros tipos
Há, claro, outros tipos que se somam aos pragmáticos. Os indignados se revoltam com as promessas não cumpridas. O grau de indignação atormenta massas exasperadas com as carências que se avolumam. Daí a explicação para a emergência de outro grupo de cidadãos, os engajados, que perfilam ao lado de ídolos e ícones, brandindo palavras-chave, slogans, refrãos, à direita e à esquerda. O bom senso dá adeus. Nas margens urbanas e nos fundões aglomeram-se ainda os figurantes tradicionais, com foco na politiquice paroquial, base comandada por neocaciques e chefetes da obsoleta política de benesses.
6. As instituições - O Poder Judiciário
Sempre houve tensões entre os três Poderes da República. Mas o ciclo democrático hoje vivido pelo país exibe o clímax do tensionamento institucional. O Poder Judiciário, o mais identificado com a virtude da moral, representando o altar mais elevado da verdade e da Justiça, está na mira da sociedade. Acusações atingindo ministros acabam maculando a imagem da instituição. E a imagem de um Judiciário apequenado constitui um dano à alma nacional. Nunca se viu tanto impropério contra magistrados de nossa mais alta Corte, sendo alguns marcados com a pecha de parciais. Há nove recursos no Senado solicitando impeachment de ministros.
7. As instituições – O Poder Legislativo
No Poder Legislativo, mesmo renovado no último pleito em 53%, é notória a pasteurização partidária, com seus integrantes, salvo raras exceções, dando um voto calcado no interesse de cada um, defendendo espaços de poder, não em função de bandeiras doutrinárias. Até se percebe esforço do presidente da Câmara para avançar em pautas sensíveis, como o pacote social, que patrocina com um grupo de deputados, mas o representante acaba se encastelando em seus exclusivos interesses. Só a pressão da sociedade consegue apressar a agenda de avanços.
8. As instituições – O Poder Executivo
O Poder Executivo, cujo chefe foi escolhido na eleição mais emblemática da contemporaneidade, prometeu mudança radical na fisionomia administrativa e na relação com a política. Dispõe de competente equipe na área econômica, mas os avanços que consegue têm sido ofuscados por uma névoa que junta discurso ultraconservador, militarista e agressivo em relação aos adversários, baboseiras de ministros, falta de articulação política, sobrando tiros em ambientalistas e grupamentos defensores dos direitos humanos. Mais parece que uma turma do cabo de guerra quer levar o país de volta ao passado de medo e opressão. A imagem do Brasil no mundo sofre rachaduras.
9. A regionalidade
A fisionomia regional não é contemplada com programas específicos, de modo a suprir as carências e características de cada parte do território. Basta anotar a transposição de águas do rio São Francisco, projeto que se arrasta nos ciclos governamentais, uma obra sem fim. A Amazônia, mesmo sob a ajuda das forças para lá deslocadas para combater a devastação, exibe números que superam os do passado. Os representantes no Congresso se revoltam com o congelamento de recursos. As margens têm prazo para ganhar respostas satisfatórias.
Parte II
Para onde vamos?
10. Os signos novos
Há na paisagem um novo vocabulário a preencher os vazios que a política abriu no meio do universo social. Esse novo repertório contém conceitos como virada de mesa, indignação, renovação/inovação, experimentalismo, compromisso, olho no olho, assepsia, vida limpa, passado decente, novas maneiras de fazer política, distritalização, eficiência e eficácia, melhoria de qualidade, voto subindo do coração para a cabeça, racionalidade, pertinência. A pertinência joga no sistema cognitivo do cidadão o sentimento de que ele é o fator primordial e preponderante da política. Por isso, precisa dela participar ativamente. Como? Cobrando, exigindo, dando apoio ou rejeitando os atores políticos.
11. Novos horizontes
E para onde nos levará tal onda crítica? Para um habitat mais condizente com a realidade social. Ou seja, um território coberto por programas de envergadura, estruturantes, duradouros. Remédios para curar a dor de cabeça serão substituídos por receitas mais adequadas a uma vida saudável. O cabo de guerra não será vencido pela turma do atraso. O desfecho pode até demorar. Mas a racionalidade deve puxar o Brasil para adiante. Apesar do bolso com grana ainda se constituir no principal argumento das massas para escolher os mandatários.
12. Limites
É muito complexa a tarefa de definir limites para esses novos horizontes. Mas é possível prever mudanças nas fronteiras dos impostos, do próprio modus faciendi na política, o que significaria mudanças no sistema de votação, no estatuto dos partidos, e até na forma do regime. Não se deve eliminar a hipótese de plebiscito ou referendo para questões como o parlamentarismo (bem mais adiante). Um pacto federativo com redesenho de deveres e direitos dos entes federativos se encaixa bem na moldura. E a hipótese de volta do obscurantismo mesmo sobre a mesa, vai ficando para trás.
Em tempo: os ministros do governo deviam se livrar de uma linguagem obtusa, que parece querer justificar os tempos sombrios do passado. Guedes, por exemplo, deveria se fixar na matéria econômica, sob seu domínio.
Fecho a coluna com a matreirice mineira.
Deus e o homem
O mineiro comprou um pedaço de terra no cerrado, um cascalhão duro, seco, terrível. Passou 20 anos arando, irrigando, plantando. Um dia, estava tudo lindo, o capim alto, verde, o feijão viçoso, uma beleza, o mineiro chamou o padre para rezar uma missa em ação de graças. O padre fez o sermão:
– Vejam, meus irmãos, o que Deus e o Homem podem fazer juntos.
Depois da missa, lá de trás o mineiro chamou o padre, deu uma baforada no cigarro de palha e tascou:
– Senhor padre, o senhor precisava era ter visto isso aqui quando Deus estava sozinho.
Gaudêncio Torquato, Jornalista e Consultor de Marketing Político, é Professor Titular na USP.

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quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Morte de Gugu, a imprudência após os 60 anos

Para os fins do atestado de óbito, a causa mortis foi traumatismo craniano.

Mas, segundo o doutor Carlos Sperandio, médico geriatra, o que levou Augusto Liberato, o Gugu, à morte foi a decisão errada de subir a uma altura de 4 metros para fazer um reparo no ar condicionado de sua nova casa.

Ainda estava naquela fase de arrumação das coisas após ter mudado com a família para o novo endereço no mesmo Condomínio onde morava em Orlando, meca de muitos brasileiros endinheirados, na Flórida, nos Estados Unidos.

Agora, como que advertindo os que após os 60 anos de idade ainda não se dão conta do seu novo patamar de vida, o doutor Sperandio analisa o que teria sido uma grande imprudência do Gugu:

- "Ele acreditou ter condições físicas e cognitivas para subir em um lugar perigoso e negligenciou o risco de queda. Erro na tomada de decisão e quedas são dois gigantes da geriatria que causam muitas mortes e sequelas todos os anos entre os idosos.

"Gugu tinha só 60 anos. Pelas leis brasileiras ele era considerado idoso. Hoje, muitos sessentões podem contrapor essa prerrogativa legal, pois não à toa se diz que "os 60 são os novos 40". Fato que verifico na prática - tenho pouquíssimos pacientes de consultório com menos de 70 anos. Velho hoje é quem tem mais de 75 anos, dizem. E estão certos por vários ângulos. Mas, não por todos.

Prossegue em sua análise o doutor geriatra:

'Todos devemos primar por nossa segurança, desde o uso do cinto de segurança, até mesmo olhando onde pisamos ou subimos. O número de idosos que cai e quebra coluna ou o fêmur, que batem à cabeça e tem traumatismo craniano, é enorme!!

A maior fonte de acidentes acontece em seu próprio lar, por ter subido numa simples cadeira, ter molhado o chão, ter tido pressa desnecessária,  ou por ter tropeçado no caminho que sempre faz dentro da própria casa. Por que não esperar alguém ou contratar um profissional?

Os riscos de uma decisão errada são  enormes!

Na geriatria jamais tiramos o poder de decisão do idoso. Cabe a nós apenas salientar que a capacidade funcional diminui inexoravelmente, aumentando a chance de risco com movimentos considerados habituais para os jovens.

Ou seja, pode fazer, mas pense duas vezes, tenha autocrítica, respeite sua idade!
Segurança é a palavra de ordem nas quedas e acidentes evitáveis.'

( acesse: www. carlossperandio.com)

Porandubas Políticas

Por Gaudêncio Torquato

Abro a coluna com a verve mineira.

JK?

Anos de chumbo. Tempos magros, época de fechadura braba. Falar em Juscelino era pecado mortal. Tempo de mudança das placas dos carros, as chamadas alfanuméricas. A Câmara Municipal de Diamantina oficia ao Contran solicitando as letras JK para as placas dos carros do município, "como uma forma de homenagear o grande estadista John Kennedy". O Contran não atende. Um conterrâneo de Juscelino desabafa:

– Esse pessoal do Conselho deve ser republicano, eleitor do Nixon.

(Historinha de Zé Abelha)

Domando as feras

Chegando a quase um ano de governo, o presidente Jair Bolsonaro dá sinais de que poderá respirar com mais tranquilidade nos próximos tempos. Para tanto, algumas hipóteses estão na mesa: o resgate paulatino da condição econômica do país dá sinais, mesmo leves, de recuperação; a melhoria da articulação na esfera parlamentar, pavimentando os passos do programa de reformas; e o fechamento de acordos com os parceiros comerciais do Brasil, a partir da poderosa China. O fato é que as feras precisam ser domadas. O clima natalino do presidente sinaliza o slogan: "Jair amor e paz".

Contenção da linguagem

Constata-se que o presidente contém sua linguagem rude e tosca. Deixou de dar entrevistas polêmicas na porta do Palácio da Alvorada, que acirra os ânimos dos opositores e gera indignação junto a movimentos organizados. Claro, a peroração desbocada mobiliza suas bases. Mas enfrenta o risco de afastar parcela ponderável de seu eleitorado, principalmente setores do meio da pirâmide. Esse visível arrefecimento, deduz-se, é consequência da soltura de Lula, que passou 580 dias na prisão. Lula saiu com a boca aberta. E pronto para tirar o atraso de meses em silêncio. Jair entendeu que acirrar a linguagem agora seria alimentar o Lula palanqueiro.

Lula em palanque

Lula, mais azedo e provocativo, já iniciou sua perambulação pelo Brasil, fazendo os primeiros chamamentos ao pleito de 2020. Foi a Salvador e ao Recife para ser homenageado e começar a costurar acordos. O Nordeste é sua praia por excelência. Até demonstra vontade de vir a morar em São Paulo ou até em Recife, voltando ao Pernambuco natal. A campanha de 2020 está começando sob a crença de que a eleição de uma imensa bacia de prefeitos será fundamental para o sucesso da campanha presidencial e de governadores em 2020. O PT quer voltar ao centro do poder. Sem autocrítica, diz Lula. O que significa que o Partido não reconhece que errou. Não haverá, portanto, confessionário. Veremos, assim, ataques em massa aos adversários. "Lula guerra e fogo" sabe: a melhor defesa é o ataque.

Capitais e grandes cidades

A campanha será balizada pela estratégia de eleger o maior número de prefeitos no maior número de capitais e cidades-polo que concentram cerca de 75% dos votos, ou seja, mais de 100 dos 150 milhões de eleitores. O gargalo mor será o Sudeste. Mais racional do que emocional. O voto paulista, por exemplo, obedece mais à lógica ditada pela cabeça do que ao fervor que jorra do coração. É evidente que os polos emotivos ainda dão o tom aqui e ali. Mas o voto está saindo do coração para subir à cabeça. Foi o que se viu em outubro de 2018, a eleição de quebra frontal de paradigmas.

São Paulo

Em São Paulo, travar-se-á uma das mais renhidas campanhas. Lula até gostaria de ter um candidato competitivo para disputar o voto de nove milhões de eleitores da capital. E resgatar o cinturão vermelho que abrange o ABC e cidades da grande São Paulo, onde a cor vermelha deu lugar a outros tons. De seu coração, Fernando Haddad seria o candidato do PT a prefeito. Este recusa. Por isso Lula remete sinais de reaproximação com a ex-prefeita Mara Suplicy, que, por sua vez, gostaria de ser apoiada por uma frente de oposição. Ela está no PDT. A mulher de Haddad, Ana Estela, pode até vir a compor como vice a chapa apoiada pelo PT.

Pleito disputado

A eleição paulistana será uma guerra. Se Bruno Covas se recuperar da doença que o acomete, será forte candidato, ainda mais quando dá exemplo de enfrentamento e coragem: passou mais de 20 dias no hospital, despachando com o secretariado. O PSD de Kassab deve vir com Andrea Matarazzo, que conhece bem a capital por ter sido secretário das administrações regionais. O PT, se não surgir com Haddad nem com Marta, tem outros nomes: o vereador Eduardo Suplicy, os deputados Federais Alexandre Padilha, Carlos Zarattini e Jilmar Tatto. O PSL pode vir com a deputada Joice Hasselmann caso não feche acordo com o PSDB de Covas. Hasselmann poderia ser a vice. O Novo já escolheu seu pré-candidato: o empresário Filipe Sabará. Há outros nomes: Celso Russomanno (PRB), Márcio França, ex-governador (PSB) e Guilherme Boulos (PSOL) ou deputada Federal Sâmia Bomfim. A campanha paulistana será uma bússola para projeção da campanha de 2022.

BH

MG tem o 2º maior eleitorado do país e a eleição em Belo Horizonte será também emblemática. O prefeito Alexandre Kalil está bem na fita para a reeleição. Mas outros nomes estão na lista: o ex-prefeito Márcio Lacerda, João Vitor Xavier, Leonardo Quintão, Marcelo Álvaro Antônio (o ministro acusado de plantar um "laranjal" no pleito de outubro de 2018), Reginaldo Lopes e Eros Biondini.

RJ

O Rio de Janeiro terá também uma campanha nervosa. O prefeito Marcelo Crivella (PRB) buscará a reeleição, contando com as máquinas pública e evangélica. Deve se ancorar em discurso ideológico. Pela esquerda, o deputado Federal Marcelo Freixo (PSOL) tentará chegar ao Executivo carioca pela 3ª vez. O PDT pretende lançar a deputada estadual Martha Rocha. O PSB tende a fechar com o deputado Federal Alessandro Molon. Ao centro, o ex-prefeito Eduardo Paes (DEM) é perfil forte. Paes pode adotar um discurso de combate à polarização, jogando Crivella para um lado ultraconservador e pintando Freixo como um esquerdista radical. Quem será apoiado por Wilson Witzel, o governador?

Salvador

João Isidório, do Avante, é um forte candidato. Foi o deputado estadual mais votado, com 110 mil votos, no rastro do prestígio do pai, o Sargento Isidório, deputado Federal mais votado da Bahia. João acaba de ser ungido como pastor. Outros nomes: a deputada Federal Lídice da Mata (PSB), o médico Fábio Vilas-Boas, o ex-deputado Walter Pinheiro e Bruno Reis, vice-prefeito, do DEM.

Fortaleza

Na capital do Ceará, o embate será entre nomes como o deputado estadual Heitor Ferrer (Solidariedade), a deputada Federal Luizianne Lins (PT), que já foi prefeita de Fortaleza; os deputados estaduais André Fernandes (PSL) e Silvana Oliveira (PR), o deputado Federal Capitão Wagner (Pros) e o empresário Geraldo Luciano (Novo). Postulantes pelo PDT como o presidente da AL, José Sarto, e o ex-presidente da Câmara e hoje deputado Salmito Filho; no PSDB, os nomes ventilados são o da médica Mayra Pinheiro, atual secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (STGES) do governo Bolsonaro; e o médico Carlos Roberto Martins Rodrigues, o Cabeto, que comanda a Secretaria da Saúde do governador Camilo Santana (PT).

Curitiba

Na capital do Paraná, são cotados para integrar a lista: o atual prefeito Rafael Greca (DEM). Greca poderá ter apoio do PSDB. Tem feito gestão bem avaliada. O deputado estadual Delegado Francischini (PSL) já teria oficializado sua pré-candidatura à prefeitura em evento nacional de filiação do partido. Seu sucesso dependerá do duvidoso fortalecimento do PSL. Ney Leprevost (PSD), nome forte ligado ao governador Carlos Massa Ratinho Junior (PSD). O deputado Federal Gustavo Fruet (PDT), que, em maio, deu mais um passo no sentido de oficializar seu nome como um dos postulantes à prefeitura de Curitiba. O PT deverá ter um nome na disputa. Dr. Rosinha, diretor estadual do partido, cita nomes prováveis como Tadeu Veneri e Mirian Gonçalves, vice-prefeita na gestão de Fruet. O próprio Dr. Rosinha é uma possibilidade. João Arruda (MDB) deve entrar no embate, ex-deputado e candidato ao governo em 2018. Pelo PTC, possivelmente Zé Boni. O Partido Novo está em processo de escolha de um nome. Há, ainda, nomes como o do ex-prefeito Luciano Ducci (PSB), do deputado Federal Paulo Martins (PSL) e da deputada estadual Maria Victoria (PP).

Porto Alegre

Any Ortiz deverá ser lançada pelo Cidadania (antigo PPS). Além de Any, são ventilados nomes como Juliana Brizola (PDT), Luciana Genro (PSOL), Manuela d'Ávila (PCdoB), Maria do Rosário (PT) e Mônica Leal (PP). Se todos os nomes se confirmarem, seria o recorde de candidaturas femininas em Porto Alegre, que já conta com 12 pré-candidatos, distribuídos entre seis partidos, a mais de um ano do pleito. O DEM lançou o ex-vereador de Porto Alegre e atual deputado estadual Thiago Duarte. Além dele, outros dois deputados estaduais têm a intenção de concorrer. Rodrigo Maroni quer disputar o Paço pelo Podemos. O MDB é o partido com mais pré-candidatos. Querem concorrer os vereadores André Carús e Valter Nagelstein; o ex secretário de Segurança Pública no governo José Ivo Sartori, (MDB) Cezar Schirmer; o deputado estadual Sebastião Melo e a secretária de Habitação, comandante Nádia. Além dos já citados, dois são da bancada do PP: Mônica Leal, presidente do Legislativo, e Ricardo Gomes. Além deles, o vice-prefeito Gustavo Paim fecha o quadro de possíveis concorrentes pela sigla.

Natal

A eleição na capital do RN abrigará o atual prefeito Álvaro Dias (MDB), que assumiu a prefeitura com a renúncia de Carlos Eduardo Alves, candidato derrotado ao governo do Estado. Contra ele, poderão disputar o cargo o deputado estadual Kelps Lima (Solidariedade) e a deputada Federal Natália Benevides (PT), que deve ganhar o apoio da governadora Fátima Bezerra. A governadora, mesmo com escassez de recursos, faz uma administração com foco na racionalidade e em resultados. É bem avaliada. O prefeito Dias também tem passado pelo teste. O legado bolsonarista poderá ter também seu peso na campanha. A conferir.

Maceió

Para substituir o prefeito Rui Palmeira, disputarão JHC, João Henrique Holanda Calas, deputado Federal mais votado no pleito de 2018, com 170 mil votos. Alfredo Gaspar de Mendonça Neto pelo MDB. O Cabo Bebeto, grande surpresa eleitoral; Ronaldo Lessa é outro nome que aparece bem nas pesquisas e que pode ser o candidato de setores órfãos, hoje, os chamados "progressistas", entre o centro e a esquerda. Davi Davino ou Marcelo Palmeira; Ricardo Barbosa, a defender o legado do PT – ainda que o primeiro demonstre mais fôlego eleitoral que o lulista; e o PSOL, que deve lançar Basile Christopoulos, alternativa mais à esquerda.

Fecho com o Pará.

Como vão os meninos?

O Pará já teve políticos muito engraçados. Um deles, João Botelho, foi interventor, deputado e constituinte. Certo dia encontra um cabo eleitoral:

– Como vai? E senhora sua esposa? E as crianças?

– Tudo bem, deputado. Minha mulher está ótima. Mas, por enquanto, é só um menino, certo?

– E eu não sei que é um filho só? Mas é um menino que vale por muitos. Então, como vão os meninos?

Gaudêncio Torquato, Jornalista e Consultor de Marketing Político, é Professor Titular na USP.

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terça-feira, 26 de novembro de 2019

Paulo Hartung: “É preciso quebrar a coluna vertebral da apropriação do Estado brasileiro por pequenos grupos”

“A História brasileira é de um Estado burocrático, pesado, caro, e a serviço de uma minoria. Você tem que ter as contas sob controle e tem que ter a capacidade de parar de tomar mais de quem tem menos. A vida mudou, o mundo do trabalho mudou e o setor público ficou parado e sendo regulado por dispositivos feitos para outro tempo”

Que a máquina pública brasileira encontra-se escaldada em um anacronismo sufocante, parece ser um consenso.

Hoje as despesas com pessoal representam o segundo maior gasto primário da União, atrás apenas da Previdência.

Está em curso uma discussão sobre uma reforma prevendo drástica redução no número de carreiras, salários mais alinhados com o setor privado – as projeções mostram uma proporção até 5x maior -, rigorosa avaliação de desempenho, e travas para as promoções.

No entanto, o governo achou por bem postergar a apresentação do projeto, sob a argumentação de que poderia precipitar manifestações. O lobby da categoria é conhecido. Basta lembrar que a frente parlamentar do serviço público no Congresso, conta com 255 deputados, de um total de 513. Quase a metade.

A propósito, para que tantos deputados? Esta é outra discussão. Que também necessariamente passa por um diálogo sobre o país que queremos construir, os costumes e valores dos indivíduos e das instituições.

Junto com Armínio Fraga, o ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung, atual CEO da Indústria Brasileira de Árvores (Ibá) – associação que reúne a cadeia produtiva de árvores plantadas para fins industriais -, é interlocutor, parceiro e conselheiro de Luciano Huck, compondo o núcleo mais próximo do apresentador da Globo.

Os três se encontram esporadicamente, em conversas que giram em torno da formulação de políticas públicas para o país, dentro de um contexto de especulação sobre eventual candidatura de Huck, à presidência da República.

Hartung, economista de formação, ganhou fama por ter encabeçado um projeto de ajuste fiscal que colocou as contas do Espírito Santo em relativa ordem, após três mandatos. E é disso que trata esta entrevista.

Assim como Huck, Hartung também participa do Agora, espécie de think tank agregador de experiências e pensamentos diversos, e do RenovaBR, movimento de renovação política que formou quadros como a deputada Tábata Amaral.

“Não à toa, da Constituição promulgada em diante, nós passamos a reformá-la. O fato é que o desenho de Estado que produzimos em nossa Constituinte de 88 tem características de uma história de Estado de máquina públicas muito exuberantes, caras e ineficientes”.

“Você tem que ter as contas sob controle e tem que ter a capacidade de parar de tomar mais de quem tem menos, porque hoje o sistema tributário faz isso. Ou de dar mais pra quem tem mais – o sistema previdenciário faz isso”.

 “Temos as experiências do Chile, Bolívia e Argentina para refletir e aprender. Só entrega quem organiza – pode ser de direita, esquerda ou centro”.

“Eu conheci o Luciano no início do ano passado. Nossa primeira conversa – eu, ele e Armínio Fraga – durou até de madrugada. Depois fiquei no portão da casa do Armínio conversando e disse a ele o quanto estava absolutamente surpreso. Luciano é um ser humano absolutamente sensível com os desafios sociais do Brasil, extremamente curioso de entender o funcionamento das coisas; ao mesmo tempo um profissional hiper bem-sucedido. Temos uma troca de experiências muito rica.  Operamos em áreas diferenciadas e acabamos tendo complementariedade.

(Com relação ao futuro) Se tem um aprendizado que eu levei da vida política é respeitar o tempo das coisas. Tudo que você gasta de energia no tempo errado é inútil”.

Me fale um pouco da sua trajetória. Quem é o Paulo Hartung?

Eu sou economista de formação. Comecei minha vida no privado. Passei em concursos públicos – que foram cancelados, porque eu tinha uma forte militância de esquerda na universidade; a argumentação era basicamente que não iam nomear subversivos, na época.

Aí eu montei uma editora, comecei minha vida como microempresário. Me convidaram para disputar a eleição, e com isso me elegi deputado estadual, em 1982. Repeti o mandato de estadual. Depois fui deputado federal e prefeito da capital (Vitória).

Quando meu mandato como prefeito acabou, o Fernando Henrique Cardoso, então presidente, me convidou para ir para o BNDES, onde fui diretor e reorganizei a área social. Saí de lá, fui eleito senador, depois governador de 2003 a 2010. Quando saí do governo fui para a iniciativa privada ser conselheiro de algumas empresas, e em 2014 fui eleito governador do Espírito Santo novamente. Disputei oito mandatos, e fui eleito oito vezes.

Você acha que o ajuste fiscal é a coisa mais importante a ser feita hoje no Brasil?

Quando nós fizemos a Constituição de 1988, ela espelhou um modelo de Estado que já vinha sendo desenhado no Brasil. Se você estudar o getulismo, vai encontrar traços desse desenho. Mas, se você olhar o regime militar, também ali vai encontrar traços na Constituição de 88.

Nós elaboramos uma nova Constituição numa hora, eu não digo imprópria, mas com um quadro pouco claro. Nós escrevemos a Constituição com a realidade de um mundo em transformação ainda não percebida pelos líderes brasileiros de então. Não à toa, da Constituição promulgada em diante, nós passamos a reformá-la. A energia do país vem sendo gasta de lá pra cá com reformas e adequações para tentar transformar nosso texto constitucional em um texto contemporâneo. Aquilo que nós desenhamos lá não era suportável pelo aparelho produtivo brasileiro. A conta não ia fechar.

O fato é que o desenho de Estado que produzimos em nossa Constituinte de 88 tem características de uma história de Estado de máquina públicas muito exuberantes, caras e ineficientes.

E minha experiência administrativa mostrou isso. Eu cheguei na prefeitura de Vitória em 1993 e já tive que fazer um ajuste fiscal, porque a prefeitura tinha perdido a capacidade de investir com seus próprios recursos. Quando eu cheguei no governo, em 2003, ele estava quebrado, havia duas folhas de pagamento atrasadas. Eu tive que fazer três ajustes fiscais.

Como combater a desigualdade?

Só cuida das pessoas quem cuida das contas. Se eu não cuido das contas, não tenho dinheiro para comprar um equipamento para um hospital, fazer uma estrada no interior, fazer programas sociais. Essa é a questão.

A História brasileira é de um Estado burocrático, pesado, caro, e a serviço de uma minoria. Fazer uma reforma do Estado brasileiro e ajustar as contas públicas é uma questão de fazer redistribuição de renda e chegar nos pobres.

E como se chega nos pobres?

Nós temos que mudar a alocação de recurso. Você tem que ter as contas sob controle e tem que ter a capacidade de parar de tomar mais de quem tem menos, porque hoje o sistema tributário faz isso. Ou de dar mais pra quem tem mais – porque hoje o sistema previdenciário faz isso; e parar de fazer uma máquina pública cheia de engrenagens, de privilégios.

Então a máquina pública seria nosso maior problema?

O Brasil tem um potencial que não se realizou na sua plenitude. Em todas as listas de países potenciais que circulam,  o Brasil sempre aparece entre os 10 primeiros, ou entre os 5.

O que acontece é que temos problemas graves como a educação básica, distribuição de renda, infraestrutura. É um conjunto de problemas, mas, evidentemente que para equacionar esses problemas precisamos de uma máquina pública que funcione, que seja compatível com a realidade brasileira.

Temos que ter a capacidade de fazer com que a máquina pública funcione no país e não seja um instrumento para agravar nossos problemas. A história da máquina pública no Brasil é de ser um instrumento que agrava os nossos desafios, por exemplo, na distribuição de renda. Precisamos reformar o Estado brasileiro e ter responsabilidade fiscal, ou seja, contas organizadas.

Achava-se que com crédito e consumo íamos empurrar a máquina para frente, e na verdade o país não cresceu, não gerou ou manteve empregos, produziu a maior crise fiscal da nossa história e nós mergulhamos numa recessão econômica que eu, como economista, não conheço nada igual.

Como lidar com as despesas obrigatórias, que chegarão a 94% do Orçamento no ano que vem, e são justamente, obrigatórias?

Se você olhar um gráfico do que era despesa obrigatória no início da jornada pós-constituinte e o que era despesa discricionária, você vai ver que a despesa obrigatória de lá pra cá esmagou a discricionária, tirando a capacidade das prefeituras, dos governos estaduais e do governo federal fazer as coisas pelos brasileiros, e concentrando renda.

Por isso que os concursos públicos são tão concorridos. E é um traço cultural, até.

Claro. E começou lá no Banco do Brasil. Daí vieram os concursos das carreiras de Estado, do Judiciário, e assim por diante.

A reforma da previdência perpetuou as diferenças, em alguma medida?

Essa reforma da previdência dá alguns passos à frente em termos de organização de contas públicas, mas deixa a desejar em outros aspectos. Primeiro, você não incluir estados e municípios. Tem muitas dúvidas no ar. Se você olhar o déficit de previdência dos estados, ele já passa de R$ 100 bilhões/anual.

Tramitar com uma reforma paralela para militares é um outro equívoco, os privilégios estão sendo mantidos.

Mas, há pontos positivos. É só lembrar que tentamos instituir idade mínima no governo FHC, e a votação foi perdida por um voto… Já deveríamos ter idade mínima no país há muito tempo, porque a expectativa de vida evoluiu, não podemos nos aposentar tão jovens, não tem como pagar. A reforma da previdência é um passo à frente numa caminhada de vários passos.

A reforma trabalhista, de uma certa maneira, evidencia também a precarização, a informalidade.

Vamos relativizar. Não é razoável você idolatrar uma legislação tributária feita no período getulista com todas as transformações que o mercado de trabalho vivenciou de lá para cá. A vida mudou e está mudando de uma maneira extremamente veloz, e as relações trabalhistas estão evoluindo.

Existe um desafio do mundo moderno de como você flexibiliza as relações contratuais no mundo do trabalho sem precarizar as relações de trabalho. E esse é um debate mundial.

A tecnologia está evoluindo e destruindo postos de trabalho. Então é necessário melhorar a legislação para abrir novas formas de contratação, de acesso ao mercado. Se você ficar parado numa legislação que copiamos dos italianos – lá no pior momento da vida institucional italiana – , não é razoável. Temos que ter a capacidade de evoluir e fazer um bom debate sobre legislação trabalhista no país.

O autor Yuval Harari diz que no futuro teremos que mudar de profissão e nos reinventar de dez em dez anos. Quando penso nisso e no que é a perspectiva de um funcionário que presta concurso uma vez e é vitalício, eu fico chocado.

Por isso que é necessário redesenhar as carreiras de Estado, para que você valorize o bom funcionário.

Já exerci muitos mandatos públicos, posso dar um depoimento vivido de ter trabalhado com gente competente, com gente dedicada; mas o problema do setor público é que ele ficou parado no tempo. A vida mudou, o mundo do trabalho mudou e o setor público ficou parado e sendo regulado por dispositivos feitos para outro tempo.

Se você tiver uma porta de entrada que não lhe garanta o resto de vida, com um estágio probatório que avalie vocações, vai poder separar as pessoas de talento com os concurseiros que só estão lá pelo salário.

E, em qualquer instituição da vida moderna, a ascensão profissional se dá de maneira triangular. À medida que você vai subindo, as vagas de promoção são menores. Já no Estado brasileiro, chega a um determinado número de anos e você pula de um posto pra outro, tenha desempenho ou não.

É preciso uma regra de avaliação de desempenho pra subir nas carreiras. E a remuneração precisa começar menor para se ter um estímulo de crescimento. Somente com isso você já organiza muito o Estado brasileiro.

Você acha que o Estado deveria ter o direito de demitir quando quisesse?

Claro.

O serviço público precisa ser olhado como um todo e, de certa forma, reinventado. Para que ele possa ser bancado pela sociedade e se transforme em um instrumento a favor do conjunto da sociedade, ou seja, que ele seja um instrumento de distribuição de renda e de oportunidades.

O país tem dinheiro. Ele só não está girando do jeito certo. Certo ou errado?

Tem dinheiro. Os orçamentos existentes – dos municípios, Estados federados e União – trazem recursos necessários para prover entregas extremamente melhores do que o Estado brasileiro vem fazendo ao longo da nossa História. Mas para que isso aconteça, precisa quebrar a coluna vertebral da apropriação do Estado brasileiro por pequenos grupos.

Como?

O que nós precisamos construir são boas narrativas. Eu vejo no Brasil gente muito bem-intencionada com enorme dificuldade de explicar para esse país complexo como o Brasil o que está acontecendo – um diagnóstico claro dos nossos problemas, e qual o remédio que precisamos prescrever para melhorar a vida das pessoas.

O que falta é a capacidade de olhar no branco do olho da sociedade e convencê-la, motivá-la e mobilizá-la nos caminhos. Isso tem a ver com o vazio de liderança que temos no país.

O que você pensa do desempenho do Paulo Guedes?

É um dos ministros que tem uma agenda positiva nesse momento de governo, mas também vejo aspectos negativos.

O trabalho feito na reforma previdenciária, eu acho positivo, como já falei. Já o pensamento dele para a reforma tributária, eu, particularmente, não comungo. Eu sinto que ele queria restabelecer um tributo a la CPMF, ou o nome que viesse a ser dado, com o objetivo nobre de desonerar a folha. O objetivo é bom, mas você reintroduzir no sistema caótico que temos um outro tributo cheio de defeitos, não concordo.

Sobre as três PECS que ele apresentou há 15 dias, eu fiz questão de defender as medidas – com a ressalva que é necessário um pouco de foco em separar o que é prioritário.

Há um governo que foi eleito pelo povo e com um mandato a cumprir. Eu torço para que os bons ministros façam andar suas respectivas agendas.

É o primeiro ano desse governo, se você for para uma oposição radical, corre o risco de não estar fazendo oposição ao governo, e sim aos interesses do país e dos brasileiros. Isso, em qualquer tempo é ruim, mas em um tempo como esse é dramático. A gente vem de uma recessão econômica, de uma evolução de desemprego brutal no país; estamos vivendo com a renda per capita bem abaixo do que ela foi até 2014. Então, só tem uma coisa a fazer: ajudar para que as coisas evoluam no país.

Eu não tenho nenhuma dificuldade. Quando o governo flerta com o autoritarismo, eu falo que está errado. Mas, quando o governo flerta com a medida de modernização do Estado ou da economia, eu escrevo artigo a favor, eu dou entrevista a favor; sou pequenino na formação de opinião público no Brasil, mas o que tenho de relevância, eu coloco a serviço de fazer as coisas certas.

O país não precisa de precipitação, de oposição irracional. Isso não vai ajudar.

A projeção melhorou um pouco, não?

Melhorou. Mas, se olhar no efeito estatístico, é muito pequeno. Cresceu 1.1% ano passado. Esse ano está melhorando pra gente ficar perto de 1%. Qual o efeito disso no mercado de trabalho, na renda das famílias? É muito baixo, precisamos ralar muito. É uma recuperação cíclica e fraca. Fizeram tanta coisa errada que desorganizou muito a economia brasileira. Temos uma corrente amarrada no pé, que são as despesas do Estado, o déficit que a gente produz gastando mais do que tem e assim por diante.

Nossa vizinhança está sendo pedagógica pra gente. No Chile foi a mão pesada em reformas liberais, um pouco desatencioso com mobilidade social. Eles estão no meio de um debate rico, mas não é pra comemorar, é pra aprender com aquela experiência. Já a Bolívia foi para um outro caminho. Não vou fazer um julgamento de valor, mas deu alguma coisa errada lá. O povo foi pra rua. Então, você tem um problema no Chile, e o cara que é mais à esquerda fica esfregando uma mão na outra; aí vem o problema da Bolívia e o cara que é extrema direita fica esfregando uma mão na outra. Eu penso que, ao invés de fazer isso, devemos prestar atenção nesses fenômenos.

E, no meio do caminho tem a Argentina. Os peronistas acabaram de voltar para o governo. O que eles vão fazer com a Argentina?

Não tem mágica.

É isso que pode ser útil para o debate político nacional. Olha o Chile, não tem mágica. O país cresceu, melhorou a renda; tem indicadores interessantes, mas está claro que faltou alguma coisa, se não o povo não iria pra rua com aquela voracidade. O jovem, quando olha para o seu futuro, olha com angústia.

Aí você olha a Bolívia, que melhorou muito nesses últimos anos.

Isso que chama a atenção. Os dois lugares melhoraram.

Talvez lá tenha um outro problema, um problema institucional, que é a tentativa de ficar no poder a vida inteira. A democracia tem a beleza da alternância.

Temos as experiências do Chile, Bolívia e Argentina para refletir e aprender. Só entrega quem organiza – pode ser de direita, esquerda ou centro. Precisamos subir o sarrafo do debate público no Brasil, devemos isso às futuras gerações.

Politicamente, como você se define?

Eu nasci no movimento estudantil, numa militância dentro do partidão. Eu virei o principal líder estudantil da minha geração, fui presidente do diretório central dos estudantes da Universidade Federal do Espírito Santo naquele período de democratização.

Na minha visão, eu evoluí. Evoluí lendo muito, acompanhando o que estava acontecendo no mundo. Digo que, quando o muro de Berlim caiu, ele não caiu na minha cabeça. Eu já era um militante de centro-esquerda, um social democrata.

Eu sou a favor das reformas liberais que modernizam a economia e o Estado brasileiro, mas eu tenho um olhar forte para o problema da desigualdade social no Brasil, para a necessidade da gente distribuir oportunidades, renda e acesso ao conhecimento nesse país. Isso é fundamental para uma largada igualitária na corrida da vida.

Fale um pouco sobre o Agora.

Quando saí do governo fui convidado a participar do movimento cívico Agora, através do Luciano Huck. Ele foi redesenhado como uma plataforma de discussão de políticas públicas para o Brasil. É superinteressante, pois foca em temas desafiadores e pouco debatidos no país.

Um dos temas que me toca muito é educação básica: como melhorar o processo de aprendizagem dos nossos jovens. E há muitas experiências exitosas no Brasil que precisam ser conhecidas, como a do Ceará, que começou em Sobral; o Ensino Médio em tempo integral de Pernambuco, que começou lá no governo Jarbas Vasconcelos; e agora a experiência do Espírito Santo, do meu último governo.

Há um conjunto de instituições privadas que se dedicaram a olhar os desafios da educação básica, como o Instituto Unibanco, com o programa Jovens de Futuro; e o Instituto Natura, que trabalha muito a questão da integração das redes – entre município e Estado, e montou um programa de regime de colaboração entre rede estadual e municipal.

Então, temos um conjunto de experiências boas em alguns Estados e em instituições privadas. O trabalho do Agora é juntar essas experiências e difundir essas boas práticas.

Qual o objetivo do movimento?

Disponibilizar ideias para que elas possam ser utilizadas por governos. Enfrentar temas importantes e recuperar tempo perdido. É uma contribuição para qualificar o debate de políticas públicas no Brasil.

E qual a frequência do trabalho do Agora?

O trabalho tem sido intenso.

Outro trabalho a ser desenvolvido é o olhar sobre as favelas. Como você melhora a vida dessa parte da população brasileira. Soluções para serviços públicos, como saneamento dessas áreas; melhorar a habitação e acessibilidades desses lugares. Não podemos enxergar as favelas como parte da paisagem, devemos nos indignar e procurar caminhos.

Há também o olhar sobre a Amazônia. Moram na região amazônica brasileira entre 20 e 25 milhões de pessoas. Como melhorar a vida deles preservando esse patrimônio que o país tem que é a floresta em pé – e que nos entrega serviços ambientais importantes como nosso regime de chuva, que dá produtividade ao nosso agro?

Você também participa de outro movimento.

Sim. Fui convidado na mesma época pelo Eduardo Mufarej para participar de um programa de formação de novas lideranças para o país, que é o RenovaBR. É um tema que sempre me tocou muito. Venho de uma geração que formou muitas lideranças, a geração do período da democratização do país, e de lá pra cá ficou um déficit de formação de lideranças. Então, eu topei o convite e hoje estou no conselho do RenovaBR.

Saímos de um primeiro ciclo que formou mais de 100, e estamos num novo ciclo buscando a formação de mais de 1000 jovens de mais de 500 cidades brasileiras. Há o interesse hoje da juventude em participar da política, da vida pública brasileira. Isso é bom, as pessoas estão topando botar a mão.

Os dois movimentos – Agora e RenovaBR – são trabalhos voluntários, e também participo de outros dois movimentos que me engajei depois, já fora do governo: o Todos pela Educação, onde presido o Conselho Político, para ajudar na articulação das propostas junto ao Congresso Nacional, aos governadores, prefeitos e assim por diante. E a Viviane Senna me convidou para participar de um conselho informal aqui em São Paulo, onde um grupo de lideranças que lidam com o tema debatem mensalmente a política de educação do Estado de São Paulo.

Quais são suas impressões sobre o Luciano Huck?

Eu conheci o Luciano no início do ano passado. Nossa primeira conversa – eu, ele e Armínio Fraga – durou até de madrugada. Depois fiquei no portão da casa do Armínio conversando e disse a ele o quanto estava absolutamente surpreso. Luciano é um ser humano absolutamente sensível com os desafios sociais do Brasil, extremamente curioso de entender o funcionamento das coisas; ao mesmo tempo um profissional hiper bem-sucedido. Temos uma troca de experiências muito rica.  Operamos em áreas diferenciadas e acabamos tendo complementariedade.

Acho que a decisão pessoal que ele tomou depois da eleição foi muito boa. Ele optou por ter uma maior participação e exercer sua cidadania com duas vertentes, nas plataformas do Agora e do RenovaBR. Só de estar nesses dois movimentos cívicos ele dá uma contribuição importante, pois é uma pessoa absolutamente carismática, tem uma capacidade de mobilização invejável, conhecido no Brasil inteiro. E ele empresta seu prestígio para esses dois movimentos, para formar lideranças novas pra política brasileira com o RenovaBR, e ajudar a recrutar pensadores dos mais diversos, com o Agora.

Vocês têm alguma projeção para o futuro?

Não. Tudo que você leu é pura especulação. Se tem um aprendizado que eu levei da vida política é respeitar o tempo das coisas. Tudo que você gasta de energia no tempo errado é inútil.

Entrevista a Morris Kachani, de O Estado de São Paulo, publicada originalmente na edição de 25.11.19. / Colaboração: Flavio Azm Rassekh.

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Velório de Gugu será aberto ao público, na Assembleia Legislativa de São Paulo


Gustavo Liberato, o Gugu, quis doar tudo do seu corpo e, por isso, a espera de 50 pessoas na fila dos transplantes no Brasil.

Por isso, também, a demora no traslado da cidade de Orlando, na Flórida, estado norte-americano, onde morreu na última sexta feira, 22.11, num acidente doméstico.

Gugu estava em casa com a mulher Rose Miriam e os três filhos, João Augusto, Maria e Sofia, quando, tentando trocar o filtro do ar condicionado do sótão, o piso despencou e ele caiu de uma altura de 4 metros batendo a cabeça num móvel.

Atendido, de pronto, pela mulher, que é médica, foi levado para um hospital onde ficou em coma por 48 horas. Morte cerebral.

O velório será aberto ao público, no plenário da Assembleia Legislativa de S. Paulo, em hora e data ainda não definidas. A previsão é que o avião trazendo o corpo de Gugu aterrize em Guarulhos ou Congonhas na próxima quinta-feira.

Segundo a Forbes, a revista norte-americana especializada em bisbilhotar as maiores fortunas no mundo, Gugu, dono de um patrimônio de 170 milhões de reais, ocupava a 7ª posição entre os 10 mais no Brasil, seguido por Faustão, Xuxa e Ivete Sangalo.

O 1º lugar nessa lista das 10 maiores fortunas no Brasil continua com Silvio Santos, o homem que deu a Gugu o seu primeiro emprego na televisão. O patrimônio pessoal do dono do SBT estaria na casa dos 7 bilhões de reais.

Filho de imigrantes portugueses, o pai caminhoneiro e a mãe vendedora de roupas, Antônio Augusto de Moraes Liberato, o Gugu, nasceu em São Paulo, Capital, em 10 de abril de 1959.

Aos 12 anos de idade começou a trabalhar como office-boy numa imobiliária. Serviu como coroinha numa Igreja sonhando em trabalhar na televisão.

Foi depois de muito escrever cartas a Silvio Santos sugerindo programas e frustradas tentativas de se aproximar pessoalmente do dono do SBT que Gugu conseguiu, enfim, aos 14 anos de idade, o seu primeiro emprego na televisão, começando como assistente e contratado, aos 19 anos, como produtor.

Pelo sim, pelo não, Gugu formou-se em odontologia e depois em jornalismo. Em 1982, Silvio criou o Viva a Noite, aos sábados, onde Gugu revelou seu talento e carisma.

Os restos mortais de Gugu serão enterrados no Cemitério Getsêmani, no Morumbi, zona oeste de São Paulo.

Por que igrejas evangélicas ganharam tanto peso na política da América Latina? Especialista aponta 5 fatores

"A Bíblia voltou ao palácio", declarou a presidente interina da Bolívia, a senadora Jeanine Áñez, ao tomar posse na semana passada. Alguns dias antes, Fernando Camacho, uma das principais vozes no processo que levou à renúncia de Evo Morales, entrou com a Bíblia em mãos no mesmo edifício e disse que "Deus" retornaria ao "governo".

Os dois são católicos e contaram com o apoio de setores conservadores da igreja e de lideranças evangélicas para enfraquecer Morales.

Nos últimos anos, menções a Deus e a passagens da Bíblia parecem ter se multiplicado em discursos políticos, e o apoio evangélico se tornou instrumental na ascensão de líderes de direita na América Latina e nos EUA.

Para o historiador americano Andrew Chesnut, autor de dezenas de livros e artigos sobre o crescimento das igrejas pentecostais, a forte influência dos evangélicos na ascensão e queda de líderes é uma das principais "tendências" da política atual do continente americano.

O que explica essa influência crescente da religião na política de países do continente?
"Até no México, onde a população pentecostal é pequena, de apenas 8%, um partido político fundado por um pastor pentecostal ajudou a eleger o atual presidente do país, Andrés Manuel Lopez Obrador", disse Chesnut à BBC News Brasil.

"A influência política evangélica é uma das tendências políticas mais importantes das últimas quatro décadas no continente americano", completa o professor, que leciona na Virginia Commonwealth University e assina diversas publicações sobre o papel da religião na América Latina, entre elas o livro Born Again in Brazil: Pentecostal Boom and the Pathogens of Poverty.

Mas o que explica essa influência crescente da religião na política de países do continente? E por que igrejas evangélicas têm conseguido cada vez mais adeptos entre os latino-americanos?

Em entrevista à BBC News Brasil, Chesnut listou 5 fatores que ajudam a responder essas perguntas: a coesão ideológica dos evangélicos, o que facilitaria articulações políticas; o fato de os ritos das igrejas evangélicas serem mais "condizentes" com aspectos da cultura da América Latina; a adoção de regras menos rígidas para a formação de sacerdotes, permitindo maior inserção nas camadas mais pobres; a criação de redes de apoio em comunidades carentes; e a capacidade de ecoar pensamentos compartilhados por setores conservadores da classe média e alta.

Crescimento das igrejas evangélicas - e a entrada delas na política
O continente americano tem vivido uma acentuada queda no número de católicos, ao mesmo tempo em que houve grande aumento na população evangélica.

Segundo o Pew Research Center, principal centro de pesquisa sobre religiões, de 1900 a 1960, os católicos eram 94% da população da América Latina.

Mas esse percentual caiu drasticamente. Levantamento de 2014 do mesmo instituto mostrou que 84% dos entrevistados cresceram como católicos, mas apenas 69% continuavam a se identificar como tal.

Em contraste, só 9% dos latino-americanos foram criados como evangélicos, mas 19% dizem seguir essa religião atualmente. No Brasil, o percentual de evangélicos é ainda maior: de acordo com pesquisa Datafolha, eles já são 29% dos brasileiros, enquanto os católicos deixaram de ser maioria para representar 50% da população.

No Brasil, setores evangélicos formam uma das principais bases de apoio de Jair Bolsonaro
Segundo Andrew Chesnut, que estuda o movimento pentecostal há 25 anos, uma característica importante acompanha o crescimento no número de evangélicos no continente americano: o engajamento político de líderes e integrantes dessa religião.

O pesquisador destaca que os católicos são um grupo mais "heterogêneo", com segmentos ligados à esquerda e outros à direita. Essa pluralidade, na prática, dificultaria uma mobilização política coordenada.

"Dentro do catolicismo você tem setores conservadores, ligados ao Opus Dei, por exemplo, e mais progressistas, como os membros da teologia da libertação. Então, há mais diversidade e isso torna a tarefa de fazer uma aliança católica mais difícil", explica.

"Já os evangélicos são mais homogêneos politicamente. Isso facilita a união e as alianças para eleger determinados políticos."

Os exemplos mais recentes e evidentes da força evangélica na política são a eleição de Jair Bolsonaro e a queda de Evo Morales, na Bolívia. Os dois episódios contaram com apoio crucial de setores evangélicos.

Na queda de Morales, uma figura ligada à ala mais conservadora da Igreja Católica e a lideranças evangélicas ganhou protagonismo: Luis Fernando Camacho.

Ele atua como presidente do Comitê Cívico Pró-Santa Cruz, uma entidade que reúne cerca de 200 instituições, entre associações de moradores, trabalhadores de direita e empresários. O comitê funciona na cidade mais populosa da Bolívia, Santa Cruz de la Sierra, e é chamado de "governo moral".

As constantes menções de Camacho ao "poder de Deus" e o costume de citar trechos da Bíblia fizeram como que chegasse a ser chamado pela imprensa internacional de "Bolsonaro boliviano".

Foi ele o principal articulador dos protestos de rua que culminaram na retirada do apoio da polícia e das Forças Armadas ao governo Morales. Camacho tem o costume de iniciar seus discursos com uma oração e, ao entrar no antigo Palácio do Governo, em La Paz, poucas horas antes da renúncia do presidente, depositou uma Bíblia em cima da bandeira boliviana.

Camacho é católico e contou com o apoio de setores conservadores da igreja e de lideranças evangélicas para derrubar Morales, diz Chestnut
Para Chesnut, Camacho e Bolsonaro têm características em comum.

"A Bolívia, é interessante, porque é um país mais predominantemente católico que o Brasil. Na faixa de 70% dos bolivianos ainda são católicos. Mas, na retirada de Morales do poder, vimos uma forte influência evangélica", avalia.

"Camacho é mais ou menos como Bolsonaro. Ele segue sendo católico, mas tem uma grande influência pentecostal e tem os pentecostais como grandes aliados. E o discurso dele é 100% pentecostal."

A senadora Jeanine Áñez, que se autoproclamou presidente interina da Bolívia após a saída de Evo Morales, segue a mesma linha. Ela entrou ao Palácio de Governo, em La Paz, erguendo uma enorme Bíblia e, atrás de um altar montado com velas e a imagem de Jesus crucificado, se empossou.

"Um aspecto importante do papel que a religião tem exercido em governos latino-americanos é a existência de uma convergência entre os evangélicos e os católicos conservadores", diz Andrew Chesnut.

Embora os exemplos brasileiro e boliviano de influência religiosa na política sejam contundentes, o professor americano diz que a tendência de crescimento da força evangélica nos governos não é característica apenas da América Latina.

Segundo ele, o fenômeno teve início nos Estados Unidos, começou a ganhar força na América Latina na década de 80, com a ascensão de um pastor evangélico como presidente da Guatemala, e pode ser visto claramente hoje no governo de Donald Trump.

Presidente Donald Trump mantém relação de proximidade com setores evangélicos dos EUA
De acordo com reportagem do jornal Washington Post, 61% dos pastores evangélicos dos Estados Unidos manifestaram, num levantamento, intenção de votar em Trump na eleição de 2016. E o presidente americano mantém relações de proximidade com lideranças evangélicas famosas no país.

"Nos EUA, os evangélicos são uma das principais bases eleitores de Trump", diz Chesnut. Segundo ele, um dos reflexos da aproximação do presidente americano com setores religiosos é a decisão de transferir a embaixada dos Estados Unidos em Israel de Tel Aviv para Jerusalém.

Bolsonaro chegou a anunciar que faria o mesmo, para atender ao pleito de grupos evangélicos que se baseiam em intepretações bíblicas para defender que Jerusalém deve ser "protegida" e habitada pelos judeus. O presidente brasileiro acabou, no entanto, decidindo abrir um escritório comercial na cidade, após forte pressão de países árabes e do setor exportador de commodities, que temia retaliações comerciais.

E o que tornou as igrejas evangélicas tão atrativas para o público?
Além da coesão ideológica, que facilita a articulação política dos evangélicos, Chesnut lista quatro fatores que teriam contribuído para o sucesso do movimento pentecostal entre os latino-americanos. Um deles é o fato de as igrejas evangélicas adotarem ritos "mais condizentes com a cultura dos povos da região".

Nesse sentido, as músicas de louvor e a maneira mais informal e direta de os pastores discorrerem sobre trechos da Bíblia cumpririam papel importante.

Outro aspecto listado pelo pesquisador são as redes de apoio criadas pelas igrejas evangélicas para intervir em problemas das comunidades, como casos de alcoolismo, criminalidade e dependência química.

O terceiro fator seria o critério flexível para a formação de sacerdotes — os bispos e pastores.

"Uma grande vantagem que as igrejas pentecostais têm é que os pastores podem se casar e não há os mesmos requisitos educacionais. Um sacerdote católico é parte da elite latino-americana quanto ao nível educacional", diz.

Andrew Chestnut lista três elementos que contribuíram para o sucesso das igrejas evangélicas na América Latina, nos últimos anos
"Essa facilidade de não exigir uma extensa formação acadêmica nem o celibato permitiu uma entrada maior das igrejas pentecostais nas camadas mais pobres."

Além disso, o pesquisador destaca que setores conservadores da classe média e alta dos Estados Unidos e da América Latina passaram a ver suas posições ecoadas nas novas igrejas evangélicas. Entre essas agendas estão a preocupação com o ensino sexual nas escolas, o temor do que chamam de "ideologia de gênero", e a posição firmemente contrária à flexibilização de leis relacionadas ao aborto.

"Havia uma população que compartilhava desses valores: defendia uma agenda anti-LGBT, o antifeminismo e era contrária à legalização do aborto. Essas pessoas não tinham lideranças para representar essas perspectivas da maneira desejada", diz Chesnut.

E qual o impacto dessa influência religiosa na política?
Para o professor americano, o principal temor relacionado ao aumento da ingerência evangélica na política é o de que líderes eleitos com o apoio desses setores acabem aprovando políticas públicas que, na prática, discriminem outros credos religiosos ou que signifiquem retrocessos na conquista de minorias.

"No caso da Bolívia, já vimos comentários racistas por parte da presidente interina. Lá, alguns setores pentecostais enxergam as religiosidades indígenas como satânicas ou pagãs", diz Chesnut.

No Brasil, o pesquisador diz perceber o risco de surgimento de uma atmosfera de intolerância contra religiões de matriz africana. Chesnut fala português e viveu vários anos no Brasil, onde pesquisou o impacto da religiosidade na sociedade e na política.

Na Bolívia, principais líderes de oposição a Evo Morales, Fernando Camacho e Jeanine Áñez, contaram com apoio de setores católicos e evangélicos
Ele lembra que, em agosto, a polícia do Rio de Janeiro prendeu traficantes evangélicos integrantes do chamado "Bonde de Jesus", grupo acusado de promover ataques a igrejas de matriz africana e de expulsar praticantes de candomblé e umbanda das favelas da Baixada Fluminense.

"Há uma preocupação de que as religiões indígenas e afro-brasileiras possam sofrer perseguições com os pentecostais no poder. Grupos violentos podem se sentir impunes ou estimulados a agir dessa maneira", diz Chesnut.

Mas o historiador destaca que o fenômeno do crescimento das igrejas evangélicas vem acompanhado de um movimento bem diferente e que também pode vir a influenciar o cenário político do continente: o aumento no número de pessoas que dizem não ter religião alguma.

"Além do crescimento das igrejas evangélicas, há em vários Estados dos EUA e em vários países da América Latina, inclusive no Brasil, um crescimento rápido das pessoas que não têm nenhuma filiação religiosa. No Brasil, eles já formam quase 10% da população", diz.

E as características desse grupo são opostas às que costumam definir os setores evangélicos e católicos conservadores. "Eles são mais jovens, sabemos que a tendência é de serem de esquerda e mais liberais nos costumes. E estão crescendo quase tão rapidamente quanto os pentecostais."

Resta saber qual dos dois setores terá mais influência eleitoral nos próximos anos.

Nathalia Passarinho - @npassarinho
Da BBC News Brasil em Londres

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Porandubas Políticas

Por Gaudêncio Torquato

Abro a coluna relembrando um "causo" de Pernambuco.

Só expectorante

Reunião de vereadores com o chefe político da região numa pequena cidade de Pernambuco. Cada um podia falar sobre os problemas do município, reivindicações, sugestões, etc.. Todos falaram alguma coisa, com exceção de um deles, meio acabrunhado no canto da sala. O chefe político cobrou dele a palavra:

– E você, amigo, não tem nada a dizer?

O vereador, tonto com a provocação, não teve saída. Respondeu:

– Não, doutor, tou apenas expectorante.

Gargalhada geral.

("Causo" do Marco Maciel com relato de Geraldo Alckmin.)

Ganha-ganha

Abre-se a temporada do jogo do ganha-ganha. Lula ganha, Bolsonaro ganha. A saída de Lula da prisão insere o país na arena das contendas de 2020 e 2022. Reforça as posições dos extremos. Acirra o ânimo das alas que já estão armadas e prontas a desembainhar as espadas. As estocadas entre lulopetistas/oposicionistas e bolsonaristas pipocam todos os dias nas redes, e tendem a engrossar com os rompantes das expressões dos comandantes Luiz Inácio e Jair Bolsonaro. Claro, com o reforço dos assessores, do tipo Gleisi Hoffmann e José Dirceu, de um lado, Sérgio Moro e os filhos do presidente, de outro.

Nova caravana

Lula já reabriu o palanque no discurso da soltura em Curitiba, e no Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo. Ambos com toques de virulência. Aliás, ele prometeu sair da prisão mais à esquerda. Dirceu complementou: cabe ao PT retomar o poder. Portanto, o jogo está traçado. Lula surpreendeu pela contundência. Voltou mais feroz. E José Dirceu volta a pregar o ideário socialista (Que modelagem, Zé?). Não se espere recuo desses exércitos em prontidão.

Nordeste abre jornada

Lula vai inaugurar uma nova corrida ao país, começando por Recife, no próximo dia 17. O Nordeste é onde ele tem maior popularidade. Região que espera dominar eleitoralmente, a partir de seu Estado, Pernambuco. O NE vive momento calamitoso com as praias inundadas de óleo. Lula vai tocar no assunto? P.S. Bolsonaro até hoje não foi ver a tragédia.

Margens para o centro

A estratégia de Luiz Inácio é clara: comer pelas bordas, ou seja, das margens para o centro. É uma estratégia adequada, principalmente em face da situação de miséria em que vive grande parcela da população. O IBGE acaba de mostrar os dados da desigualdade que aumenta. Claro, culpa de recessão da economia provocada pelo governo Dilma. Mas Lula, esperto, já manjou: o ataque é melhor que a defesa. E joga a culpa no atual governo. A economia anda de maneira lenta. O desemprego cede pouco. A informalidade é geral. Já o desemprego expande índices de carência e violência.

Sudeste racional

Lula começará a mobilizar seus exércitos pelo Nordeste, Norte e Centro-Oeste. Deixará o Sudeste para mais tarde. São Paulo é, por excelência, o polo mais contrário ao lulopetismo. Agrega as maiores classes médias, os maiores contingentes de formação de opinião e os maiores conglomerados do trabalho. A capital é um nicho onde o lulismo é bastante rechaçado. Já no Rio de Janeiro, o oposicionismo tende a aceitar melhor a volta de Lula ao cenário. Já o Sul é intensamente conservador. Tende a rejeitar o lulismo.

Instintivo e certeiro

Luiz Inácio sabe de tudo isso. É o mais instintivo político brasileiro. E o melhor de palanque no uso de uma linguagem popular. Mexe bem com metáforas e sofismas. Adota linguagem simples e direta. Motiva as massas. Diante de uma multidão, vira estrela incandescente. Sua capacidade de sacudir o país, claro, dependerá bastante do desempenho da economia. Aliás, é esse o eixo que ele vai empregar para desarmar o palanque de Bolsonaro. Este consultor tende a opinar que o discurso mais feroz de Lula é pior para o lulopetismo. Setores médios que poderiam a ele se juntar permanecerão distantes. Mas o ex-presidente poderá amainar a expressão. A conferir.

União da oposição

Lula pode tentar um acordo com as oposições, formando uma ampla frente. É viável a hipótese? Haverá dificuldades, a partir, por exemplo, de Ciro Gomes, que deseja ser o candidato presidencial do PDT em 2022. Ciro atirou muito em Lula. E ontem voltou a atacar a "natureza de escorpião" do petismo. Ataca para matar. Será tarefa inglória a de alcançar unidade nos interesses de núcleos e grupos em que se repartem as oposições.

Conchavo

Premido pelos casuísmos, Tancredo Neves foi obrigado a fundir o seu PP com o MDB de Itamar. Alguns pepistas pularam do barco e protestaram alegando conchavo. Tancredo foi curto e seco: "Conchavo é a identificação de ideias divergentes formando ideias convergentes". Tinha razão. Há curvas que desembocam em retas.

A radicalização de Bolsonaro

Analisemos, agora, a retórica bolsonariana. Estará recheada de apelos ao medo de eventual volta do PT ao poder. Bolsonaro precisa mobilizar sua militância e fazer maioria, agregando outros núcleos. O medo do PT poderá sustar a desagregação que vem se observando nas alas de apoio ao bolsonarismo. É patente o distanciamento que setores do meio passaram a se afastar do governo, distanciamento que ocorre na esteira de uma expressão radical sob a sombra dos tempos de chumbo. Muitos eleitores de Bolsonaro se afastaram. Por isso, o presidente precisa que Lula radicalize o discurso para ter de volta grupos que dele se afastaram. É um jogo de conveniências.

Quem puxa pelo meio?

Ora, parcela ponderável da população, principalmente os núcleos mais racionais, gostaria de ver um líder com um forte e brilhante discurso de centro. Quem? Até o momento, esse perfil não apareceu. O centro está disperso, difuso. Luciano Huck não possui densidade, escopo para encarnar a identidade de um presidente da República. Mas as massas o conhecem da TV. João Doria não chega às margens. É um perfil centralizador. Ele, ele e ele. Rodrigo Maia tem feito bom trabalho de articulação política, mas compõe melhor a posição de vice. Ciro Gomes é preparado, mas desbocado. Geralmente perde a estribeira e cai do cavalo no meio da campanha. Paulo Hartung, ex-governador do Espírito Santo, tem bom lastro, mas não atrai apoios. Imagem pouco conhecida.

As metades

Numa noite, às vésperas de 24 de agosto de 1954, quando se matou, Getúlio Vargas conversava, desalentado, desencantado, com José Américo de Almeida, seu ministro da Viação. Confessa:

– Impossível governar este país. Os homens de verdadeiro espírito público vão escasseando cada vez mais.

– Presidente, o que é que o senhor acha dos homens de seu governo?

– A metade não é capaz de nada e a outra metade é capaz de tudo.

Sudeste-nordeste

Há muita água a correr por baixo da ponte. Mas, sob a perspectiva teórica, a construção de uma chapa reunindo o Sudeste e o Nordeste seria a ideal tanto para um lado quanto para outro. Bolsonaro terá mais dificuldades. Afinal, o que fazer do vice Mourão? Essa lógica pode ser derrubada por fatores imponderáveis como aqueles que ocorreram em 2018, a partir da facada dada por Adélio Bispo no candidato Bolsonaro em Juiz de Fora/MG.

Paradigmas

Outras questões se apresentarão: haverá tanta quebra de paradigma quanto o que vimos em 2018? Tempo de TV, apoio de grandes partidos, a força de recursos financeiros, a situação de perfis tradicionais, a atração por perfis novos etc.? A "meninada" eleita sob o manto do PSL continuará a ter prestígio no pleito municipal de 2020 e conseguirá segurar seus índices eleitorais até 2022? Que partidos liderarão os pleitos? Qual o papel do PT? Do Novo? Do PSOL? Do MDB? Do PSD de Kassab? Do PP de Ciro Nogueira? Do PDT de Carlos Lupi? Do PRB dos evangélicos? Do DEM de ACM Neto, Rodrigo Maia e Alcolumbre? E a disputa pelo Fundo Partidário?

Novo partido

Bolsonaro reúne os deputados do PSL para dizer que sairá do partido e criará outro. Possível nome: Aliança Pelo Brasil. Pretende reunir rapidamente 100 deputados na nova sigla. (Em tempo: quem se lembra da velha ARENA – Aliança Renovadora Nacional, sustentáculo do regime militar?). Bolsonaro terá de correr contra o tempo. Para fazer campanha de prefeito, a sigla terá de registrar seu estatuto no TSE seis meses antes do pleito, ou seja, até maio.

Quiçá e cuíca

Benedito Valadares, governador, foi a Uberaba para abrir a Expozebu. E passou a ler o discurso preparado pela assessoria. A certa altura, mandou ver: "cuíca daqui saia o melhor gado do Brasil". Ali estava escrito: "quiçá daqui saia o melhor gado". A imprensa caiu de gozação. Passou-se o tempo. Tempos depois, em um baile na Pampulha, o maestro, lembrando-se do famoso discurso na terra do zebu, começou a apresentar ao governador os instrumentos da orquestra. Até chegar na fatídica cuíca. E assim falou: "e esta, senhor governador, é a célebre cuíca". Ao que Benedito, querendo dar o troco, redarguiu com inteira convicção:

– Não caio mais nessa não. Isto é quiçá!

(Historinha enviada por J. Geraldo).

Judiciário é alvo

A decisão do STF, por 6 a 5, de acabar com a prisão após condenação em 2ª instância, acirra a polarização política. Os "moristas" engrossam as críticas à Suprema Corte. Nunca se viu um tiroteio tão forte contra o altar ex-sagrado do Judiciário. Nunca se leram tantos adjetivos e imprecações contra ministros de nossa mais alta Corte. Nova frente de lutas se abre, tendo de um lado os simpatizantes da ideia de voltar a prisão após condenação em 2ª instância, com mudança no texto constitucional e os contrários. O tema estará em pauta, mas a proposta encontrará muitas curvas antes de chegar à reta final.

Tensões entre Poderes

O fato é que o país vive um ciclo de contundente locução. O debate abre, a cada dia, novos compartimentos. As tensões entre o Poder Legislativo e o Poder Judiciário, mesmo sob a preocupação dos presidentes em administrar a crise, tendem a aumentar. O Poder Executivo, por seu lado, é um polo de irradiação de conflitos e que carece de simpatia dos outros Poderes sob pena de ver naufragar as pautas que sugere. Toffoli quer agradar a Bolsonaro e aos presidentes da Câmara e do Senado. Está sob o fio da navalha. A crítica social sobre seu comportamento atinge os píncaros. O fato é que tirou do colo do STF o fardo da prisão após condenação em 2ª instância.

Tensão na região

A renúncia de Evo Morales, na Bolívia, a mobilização social no Chile, a vitória de Fernandez/Cristina Kirchner na Argentina, o rebuliço no Equador, a instabilidade no Peru, o clima de extremas carências na Venezuela e a polarização no Brasil formam, entre outros, fatores de desconfiança e desmotivação de investidores, que se retraem e passam a olhar com receio esses espaços para alocação de seus investimentos. Teria havido golpe na Bolívia? As opiniões se dividem. A esquerda, em uníssono, diz sim. Os analistas mais rigorosos falam em fraude. Evo renunciou face ao laudo da própria OEA comprovando falsificação de resultados.

Esquerda/direita e vice-versa

As economias do Chile e da Bolívia vinham sendo muito elogiadas por outros países por sua macroeconomia. Crescimento vigoroso, PIB ascendente, diminuição da pobreza, mercado financeiro satisfeito e investimentos externos. De repente, uma explosão social, guerra nas ruas. Parece que os governos do chileno Sebastián Piñera e do boliviano Evo Morales, enquanto governavam para o mercado, esqueciam as carências de sua população. As reclamações do povo são quase idênticas contra os governos de direita e de esquerda dos dois países. Os dados sobre a pobreza eram mesmo confiáveis?

Farta feição

José Aparecido chegou à sua Conceição do Mato Dentro/MG, começou a romaria dos amigos. Entrou um coronel, mansos passos e chapéu na mão:

– Bom dia, doutor. Boa viagem?

– Boa. Como vão as coisas?

– Tudo correndo como de costume. Novidade aqui nunca tem e lá pra fora não sei, porque minha televisão está defeituada.

– O que é que aconteceu com ela?

– Não sei não. Às vez farta prosa, às vez farta feição.


Gaudêncio Torquato, Jornalista e Consultor de Marketing Político, é Professor Titular na USP.

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