quinta-feira, 2 de agosto de 2018

Porandubas Políticas

Por Gaudêncio Torquato


Abro a coluna com uma historinha de Pernambuco.
Cala a boca, rapaz
O caso deu-se em São Bento do Una/PE, nos idos de 60. O caminhão, entupido de gente, voltava de um jogo de futebol, corria muito, virou na curva da estrada. Foram todos para o hospital. Uma dúzia de mortos. Lívio Valença, médico e deputado estadual do MDB, foi chamado às pressas. Pegou a carona de um cabo eleitoral, entrou na sala de emergência do hospital e foi examinando os corpos:
- Este está morto.
Examinava outro:
- Este também está morto.
O cabo eleitoral se empolgava:
- Já está até frio.
De um em um, passaram de 10. Lá para o fim, dr. Lívio examinou, reexaminou, decretou:
- Mais um morto.
O morto gritou:
- Não estou morto não, doutor, estou só arrebentado.
O cabo eleitoral botou a mão na cabeça dele:
- Cala a boca, rapaz. Quer saber mais do que o dr. Lívio?
Luz no fim do túnel?
Será que há alguma luz no fim do túnel eleitoral? A essa altura, a pouco mais de dois meses das eleições, o único fato novo de certo impacto é o apoio do chamado Centrão ao candidato Geraldo Alckmin. Que terá quase cinco minutos no tempo da programação eleitoral. Essa parceria poderá alavancar a performance eleitoral de Alckmin? A lógica responde com um sim. Sob a ressalva: a resposta abriga também um não.
Explicando a luzinha
A resposta com sim se ancora em três hipóteses: a) o eleitorado indefinido - que está na faixa dos 45% - começará a descer do muro e, composto por fortes contingentes de classes médias, poderá provocar a "onda racional", mais voltada para a escolha de um candidato do meio do arco ideológico; b) a performance de Lula não ocorrerá porque acabará sendo vetado pelas Cortes (STJ ou TSE); c) a performance de Bolsonaro murchará ante seu evidente despreparo.
1ª hipótese
As classes médias conservam o poder de fazer circular seu ideário para cima e para baixo da pirâmide social. Podem ser comparadas à pedra jogada no meio do lago; ondas se formam, correndo até as margens. As classes médias abrigam os grupos com tuba de ressonância mais forte. As classes menos desenvolvidas politicamente tendem a escolher perfis populistas. Lula e Bolsonaro vestem esse figurino. Se a performance de Bolsonaro começar a murchar, é previsível que parcela considerável das massas abandone seu território. Sob forte peso da opinião formada no meio da pirâmide.
2ª hipótese
A estratégia do PT, de sustentar o nome de Lula até a data final da decisão do TSE - 17 de setembro -, prejudicará a formação de parcerias, mas pode vir a alavancar o substituto de Lula. Este nome, ao que tudo indica, será o de Fernando Haddad. Jaques Wagner, mais político, prefere contar com a quase certeza de vitória para o Senado, na Bahia. Haddad, sob o clima emotivo expandido pela militância petista, terá condições de subir a um patamar entre 15% e 20%. Nesse caso, não está fora do jogo eleitoral, podendo disputar o segundo turno. Lula, com suas cartas e recados, será o grande eleitor do PT.
3ª hipótese
A performance de Bolsonaro será vista por eleitores de todos os quadrantes. Ver-se-á uma figura comum, sem brilho, expressando um discurso duro contra a bandidagem, defendendo o porte de armas, fazendo loas ao liberalismo e fugindo de perguntas provocadoras. Foi o que se viu, segunda-feira, no programa Roda Viva, da TV Cultura. Não se viu brilho ou tirada inteligente. Apareceu uma figura cheia de cacoetes linguísticos, uma expressão pobre, justificando os tempos de chumbo vividos pelo país. Para todas as perguntas de caráter programático, vinham respostas emolduradas pelo "achismo". Mais pareceu conversa de botequim entre opostos tomando uns birinaites.
Tempo eleitoral
O tempo de um candidato na programação eleitoral conta muito. Mas não é sempre que dá certo. Na campanha de 1989, Ulisses Guimarães tinha o maior tempo eleitoral. Ficou para trás. Já o maior tempo de rádio e televisão de toda a história dos pleitos no país, em todos os níveis, foi usado por Quércia, em São Paulo. Candidato ao Senado, em 2002, abusou do espaço dos candidatos a governador, deputado Federal e deputado estadual. Em termos de GRP (Gross Rating Point), que dimensiona o tamanho das inserções publicitárias e a equivalência em termos de audiência, a campanha quercista bateria as campanhas anuais de campeões brasileiros de propaganda.
Voto racional
O eleitor, porém, não "comprou" a mercadoria quercista, na demonstração inequívoca de que mídia não elege candidato e de que, mesmo com muita cosmética, candidato de perfil corroído não coopta consciência. Vitória do voto racional. Ficou atrás de Aloizio Mercadante e Romeu Tuma. E na campanha de 1994, com enorme tempo de TV, candidato à presidente, Quércia ficou em 4º lugar, atrás de FHC, Lula e Enéas, cujo tempo apenas permitia gritar seu nome.
O voto em Enéas
O voto em Enéas foi de protesto. A onda "Enéas" teve tanto um componente emotivo quanto racional, indicando a contrariedade de eleitores dispersos que, de repente, acharam um motivo para se rebelar contra a situação. A barba e a careca de Enéas, como logotipos, e o linguajar disparado reforçaram a visibilidade de um ícone de indignação social. Mais do que "cacareco", um rinoceronte que ganhou 100 mil votos dos paulistanos para se eleger vereador, em 1959, ou o Macaco Tião, que ganhou 400 mil votos para prefeito, no Rio de Janeiro, em 1988, Enéas, como médico e professor de medicina, sabia o que queria. Abriu espaços para uma ideologia de certo sabor "nacionalista-ufanista-messiânica". Pode até ter sido um engodo e motivo para corrigir as distorções existentes no conceito de coeficiente eleitoral, mas seu voto saiu de estratos diferenciados.
Redes sociais
Bolsonaro é o mais acompanhado pelas redes sociais. Ganha de goleada de Lula, Alckmin, Ciro e outros. Seus exércitos usam o arsenal das redes sociais para incutir o adesismo. Ora, essa militância é incapaz de agregar um voto a mais. Deverá terçar armas com guerrilheiros de outros competidores dentro de uma batalha de canibalização recíproca. Todos saem feridos. E nenhum guerreiro pulará para o campo do outro. Já os seguidores de outros candidatos assistirão a batalha nas arquibancadas. Os tiros dos radicais acabarão adensando os bolsões centrais. A conferir.
Ciro na ladeira
A onda cirista mostra certo arrefecimento. Confirma-se aquilo que já sabe: Ciro é um peixe que morre pela boca. A índole guerrilheira do ex-governador do Ceará é polêmica. Assusta. Depois de uma onda crescente, enxerga-se uma onda declinante. Não se sabe se essa descida de ladeira vai continuar. Ciro pode ser beneficiado pelo afastamento de Lula. Portanto, não se trata de carta fora do baralho. Trata-se de um perfil preparado. Domina bem a planilha de problemas brasileiros. Mas o homem não se contém.
Mineirinhas
Frases de Augusto Zenun, de Campestre, sul de Minas - político, industrial, filósofo e, antes de tudo, udenista ortodoxo da linha bilaqueana (Bilac Pinto, o Bilacão, seu dileto amigo). Sempre infernou a vida de seus adversários, com as suas atitudes destemidas e sua natural mineirice.
"Quando estamos no governo, todo adversário que quer se encaixar, diz ser técnico".
"O preço do voto de um eleitor mentiroso é sempre o mais caro".
"Há um fato na política que a torna bastante interessante: o choque dos falsos políticos com os políticos falsos".
"Político é dividido em duas partes. Uma trabalha para ser eleito. A outra trabalha para conseguir um cargo público se for derrotado".
"Muita campanha eleitoral se parece com sauna: depois do calorão vem uma ducha fria". (Pinçadas de A Mineirice, de José Flávio Abelha)
Marina isolada
Já a candidata Marina Silva parece lutar para ficar na clausura. Uma freira. Sua Rede Sustentabilidade apoia, por exemplo, o senador Romário para o governo do Rio. Mas sem o apoio dela. Faz questão de dizer que seu partido apoia Romário, não ela. É a mais ética dos candidatos. Mas a ojeriza que tem pela real politik acabará fazendo naufragar sua postulação à presidência. Marina é a nossa colhedora de rosas brancas que enfeitam o jardim dos inocentes. Essa é a imagem que passa. Esquece ela que a política tem muito a ver com o inferno.
Meirelles, peso muito pesado
Henrique Meirelles é um quadro técnico. Assim é e será visto. Como tal, encaixa-se no figurino de ministro da Fazenda de qualquer governo. Transformá-lo em candidato à presidência da República é uma tarefa hercúlea. Meirelles tem fala arrastada, um jeitão de avô de todos os candidatos, um conselheiro que paira acima dos guerreiros das tribos políticas. No ambiente polarizado de nossa política, parece uma figura deslocada, que procura um rumo, um norte, um jeito de ser aceito pela comunidade eleitoral. Será difícil.
E os vices?
Eis o gargalo do momento: achar vices à altura. O vice não pode ser qualquer um. Precisa ter perfil denso: honesto, fora dos trambiques da Lava Jato, experiente, respeitado, pessoa que agregue valor à campanha. Ante as visitas que o Senhor Imponderável dos Anjos faz ao Brasil, o vice deve ser um perfil capaz de substituir o presidente em qualquer circunstância. Essa novela terá final em mais alguns dias.
Janaína?
Janaina Paschoal é, por enquanto, a mais forte candidata a vice na chapa de Jair Bolsonaro.
As circunstâncias
Pois é, o ambiente da campanha será temperado pelas circunstâncias. O clima de beligerância poderá ser quente, assombrando parcela dos eleitores. Inflação sob controle poderá preservar o bolso, mas se a coisa degringolar, a raiva induzirá a decisão de voto. A expressão de uns e outros será ouvida com mais atenção. As movimentações das militâncias podem animar candidatos e partidos, mas propiciarão despertar outros núcleos não tão engajados. Acidentes de percurso têm o poder de mudar o vértice eleitoral.
O tirano
Maquiavel conta no "Livro III dos Discursos", sobre os primeiros dez livros de Tito Lívio, a história de um rico romano que deu comida aos pobres durante uma epidemia de fome e que foi por isso executado por seus concidadãos. Argumentaram que ele pretendia fazer seguidores para tornar-se um tirano. Essa reação ilustra a tensão entre moral e política. Mostra que os antigos romanos se preocupavam mais com a liberdade do que com o bem-estar social.
Gaudêncio Torquato, Jornalista e Consultor em Marketing Político, é Professor Titular na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.

quinta-feira, 26 de julho de 2018

Sem pressa de voltar

Por Edson Vidigal

Confortável ate mais que os aviões dessas empresas que nos exploram sob a cumplicidade descarada das autoridades da regulação aérea no Brasil, o ônibus desliza no asfalto enquanto o meu olhar sem certeza de ultima vez deixa escorrer pela janela a mansidão das águas do rio Moscou.  

O amanhecer atira spot na paralisia das arvores às margens da estrada num cenário de quase ninguém e o calor em nada estrangeiro se assemelha ao comum da nossa Ilha do Amor, pouco abaixo, talvez um pouco acima dos nossos 30 graus centígrados.

Faltam poucas horas para que os quatro dias e noites passados em Moscou se transmudem em fotografias e vídeos que a memória, filtrando-os aos poucos até a inutilidade final, apagará.

Parece haver disciplina em tudo. Da velocidade respeitando o limite da ordem ditada pelas placas em cada margem da estrada – 60 e não menos, nem mais que isso, à hora marcada para o desembarque final no aeroporto.

O olhar não se assusta com a enormidade da fachada, a grandiloquência arquitetônica como que programada a plantar em meio ao ufa de quem chega, uma primeira impressão boa.

Nisso, quero dizer na propaganda politica, os comunas foram craques. Digo foram, assim no passado, porque na Rússia dos últimos anos não se fala mais em comunismo. Nem Wladimir Putin, catapultado por Iéltsin entre o que havia de mais discreto na elite da KGB, o temível serviço secreto da então União Soviética, quis candidatar-se à continuidade no Kremlin pelo PC preferindo inscrever-se como candidato independente.

Na gangorra do poder com Medvedev, seu conterrâneo de São Petersburgo, Putin cumpre o mandato como Presidente enquanto Medvedev governa como Primeiro Ministro. E vice versa.

Politicamente, Medvedev estaria para Putin, mutatis mutandis, um pouco como Alexandre Costa, mesmo sem o poder estadual, sempre esteve no plano nacional para José Sarney. As mortes do poeta e economista Bandeira Tribuzi e de Alexandre Costa, grande na guerra e maior na paz, teriam infiltrado cupim na estrela politica do nosso bi imortal Presidente, o qual sem aqueles dois nunca mais teria sido o mesmo.

Na chegada à noite a Moscou quase não deu para avaliar o aeroporto como agora à luz do sol pouco antes do meio dia. Na chegada, o cansaço físico da longa viagem pode ter embaçado o interesse maior pelos detalhes, espaços e coisas.

A fachada enorme em horizonte de sinuosidades faz lembrar a quem conhece Brasília um pouco a paixão de Niemayer pelas curvas sensuais no concreto.

Àquela altura, o mais que eu queria era chegar logo ao hotel. Despejar o cansaço numa restauradora taça no restaurante sorvendo um bom vinho roso de La Rioja, espanhol.

Na manhã seguinte, pude saber quantos éramos, porque e como, afinal, chegáramos ali. Nos países onde atua o cartão de crédito empresarial com o qual o meu escritório de advocacia opera no Brasil houve sorteios entre clientes e assim foram formados grupos para assistirem, com direito a acompanhante e tudo 0800, aos jogos da Copa do Mundo na Rússia. Nada a ver com a CBF. Nem com a FIFA.

Para a finalíssima que acabou sendo disputada entre Croácia e França coube ao Brasil um grupo de 10 sorteados. O Brasil fora. Por quem torcer? Como diria o Major Tom, do poema de Bowie - a terra é azul e não há nada que eu possa fazer. A França na Rússia estava inteiramente azul. Viva la France!

E eu que não compro bilhete de rifa ou de loteria, que não entro em sorteio nem mesmo naqueles do cupom nos shoppings para ganhar carro zero no dia das mães, enfim, eu que não arrisco nada renunciando a todo jogo para não gastar a minha sorte, eu que nem sabia desse sorteio porque, afora ser apenas um dentre milhões de clientes de um cartão de crédito no mundo, não preenchi cupom, não fiz nada mesmo, nunca nem soube que haveria esse sorteio, custei muito a acreditar.

Vivemos aqui no Brasil numa sociedade em que a maioria não preza reservas de capital, lutando para equilibrar-se sob um  consumo sempre tentado ao além, amarrada no endividamento crescente, juros bancários, créditos consignados e quejandos.

Não são poucas as iscas com o que o consumo  tenta, sob os mais diversos conquanto manjados estratagemas lhe fisgar.

De repente te ligam querendo confirmação de dados porque tu foste sorteado para isso ou para aquilo e tal. Costumo repassar o contato para a minha mulher. A Eurídice é incrível no fino trato. Em circunstancias que tais, até que me esforço.

Quando a voz de moça me falou que eu havia sido sorteado e que procurasse o Banco do Brasil, recorri a um dos meus bordões, ouça moça, eu só cuido da produção, a minha mulher é quem cuida da gestão.

Não deu outra. Ligaram para a Eurídice, que de cara acreditou. Chegou em casa toda animada. Isso não pode ser verdade, é trote, fake-news, alguma picaretagem, disse eu. É sério, disse ela. Como ser verdade, se eu não assinei nada, não preenchi cupom nenhum e tal?

Aqueles momentos desfilavam lentamente na minha memória enquanto o ônibus em sua velocidade disciplinada parecendo até devorar lentamente os silêncios lá de fora, lentamente também parecia me inocular na memoria alguns sintomas de saudade.

No caminho da volta ninguém se perde. Falou José Américo, o Homem de Areia.

Edson Vidigal, Advogado, foi Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal.

sábado, 7 de julho de 2018

Ilusões, iludíveis, ilusionistas

Por Edson Vidigal

Lembrar a estas alturas devagar com o andor que o santo é de barro já não faz sentido porque se vê não de agora, mas de há muito, que a fragilidade do santo enfraquece também os que carregam o andor desfalcando a crença dos fies nessa procissão.  
A democracia não sobrevive sem eleição, mas eleição não serve de nada se os resultados não traduzem legitimidade aos proclamados eleitos. Aí está a raiz nua do desgaste intenso. 
O Estado como invenção da sociedade para gerir o bem comum restou dominado pelo mecanismo que em função dos seus visíveis e invisíveis interesses se espraia controlando por seus asseclas as grandes decisões só aparentemente ditadas em função do bem comum.
Já na contagem regressiva para o dia das eleições, mais se vê o desinteresse, a apatia, o baixo grau de informação entre a maior parte dos eleitores. 
Entre os pretendentes à Presidência, um desfile de almas macambúzias. Propostas mirabolantes para um País quebrado, uma sociedade descrente nos políticos, nos governos, no Estado. A verdade sobre o real das coisas quem a conhece se omite a dizê-la achando que pode perder votos.
Como diria Bernard Shaw, quem acha que sabe diz que faz; quem não sabe nada, até leciona. 
Ora, como conduzir um presidencialismo com 26 partidos políticos no Congresso? Muita dentada para pouca rapadura, diria nosso impagável Lister. E essa é a melhor forma de gerir? Já perguntou Pedro Parente.
Antes de tudo, a democracia. Mas sem informação livre, sem debate consciente, sem motivação politica, sem espirito público, desprendimento cívico, respeito à opinião do outro e tolerância à condição do outro, impossível achar a trilha pela qual se possa alcançar a democracia.
Cinquenta milhões de brasileiros não tem cobertura local de rádio, TV ou jornais. Desses, 25% quando muito veem imagens de redes nacionais ou regionais. De política mesmo, entendem pouco. Ou nada.
As eleições deste ano, novamente, serão decididas pelos analfabetos políticos. Segundo o TSE, num total de 147 milhões, 302 mil e 344 eleitores, (52, 503% mulheres e 47,454% homens), 6 milhões, 574 mil, 110 (4,463%) se declararam analfabetos. 
Apenas 13 milhões,147 mil, 191 (8,925%) disseram que leem e escrevem. 10 milhões, 030 mil, 145 (6,809) completaram o fundamental. 24 milhões , 864 mil, 060 (16,880%) não completaram o segundo grau. 13 milhões, 576 mil, 120 (9,216%) tem curso superior completo. 7 milhões, 313 mil, 627 não completaram o curso superior.
Diante desse cenário, tendo como fundo sonoro o coronelismo eletrônico ainda dominante na maior parte do País, é fácil entender por onde começa a ilegitimidade da representação politica que faz do Congresso Nacional e demais Casas ditas legislativas indisfarçáveis feiras onde o que há de mais valioso para as esperanças populares nas eleições é posto em leilão valendo moedas de troca, as mais diversas.
Há sussurros entre brasileiros bem intencionados num movimento para que nenhum dos que já estão lá seja reeleito. Ingenuidade cívica. 1 bilhão e 700 milhões foram tirados da saúde, da educação, da segurança públicas, das estradas para distribuição entre os partidos. 
Terão mais dinheiro os candidatos à reeleição, assim decidiram os donos dos partidos, donos do mundo da política no Brasil. Isso, um dia que espero não demore muito, há de ter fim. Há de ter fim.
Edson Vidigal, Advogado, foi Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal.

Porandubas Políticas

Por Gaudêncio Torquato

Abro a coluna com o famoso Severino Pé de Chumbo, de Campina Grande/PB.

Atravessando em diagonal

Severino Cabral foi prefeito de Campina Grande/PB, vice-governador, chefe político de muitos votos. E conhecido pelas tiradas engraçadas. Uma tarde, no Rio, andava pela avenida Rio Branco. Resolvendo passar para o outro lado, meteu-se na frente dos carros, fora do sinal. O guarda gritou:

- Cidadão, não pode ir por aí. É proibido atravessar em diagonal.

Severino Cabral voltou:

- Você não conhece roupa não, ignorante? Isto não é "diagonal". É "tropical maracanã".

Atravessou em diagonal e tropical.

Robôs como cabos eleitorais

Uma das novidades da campanha eleitoral deste ano são os cabos eleitorais da era tecnológica: os robôs. Vejam o que se apura: mais de 60% dos quase 410 mil seguidores no Twitter do senador Álvaro Dias, pré-candidato à presidência pelo Podemos, são, na verdade, perfis robôs, controlados automaticamente por terceiros. Não somente Dias está sendo seguido por robôs. Todos os candidatos têm seus exércitos tecnológicos. A análise foi feita pelo Instituto InternetLab, centro de pesquisas dedicado a temas do Direito e da tecnologia. Segundo a organização, há indícios de compra de seguidores para o candidato com o objetivo de inflar artificialmente sua reputação na rede.

Casa a casa

O eleitor está desconfiado. Arisco. Apático. Crítico. Daí o esforço que candidatos deverão fazer para sensibilizá-lo. Como? Não há tática melhor que a conversa direta, olho no olho, mão na mão. Por isso, um conselho pode ser dado. Fazer uma campanha porta a porta, casa a casa, mão na mão, olho no olho. Em tempos de descrédito e desprezo pela classe política, este será o caminho melhor.

DEM e PSB, noivas cobiçadas

O DEM, presidido por ACM Neto, é a noiva cobiçada. Por Ciro Gomes, do PDT, por Geraldo Alckmin, do PSDB, por Meirelles, do MDB e outros. O DEM se divide. Parte quer fazer aliança com Alckmin, parte com Ciro. O PSB também está sendo cobiçado. Até final deste mês, os casamentos deverão ocorrer. Tempo de mídia eleitoral - eis o cacife que esses partidos terão a dar.

Dilma em MG

A ex-presidente Dilma Rousseff lidera a corrida para o Senado em Minas Gerais. Mas há muitas dúvidas: o governador Fernando Pimentel aguentará o tiroteio? E se o senador Anastasia disparar na frente? Como Dilma explicará o desastre que foi seu governo?

Lula até o final

Confirma-se a ideia do PT de jogar Lula no embate eleitoral até meados de setembro, quando o TSE deve decidir sobre sua elegibilidade. E cresce a hipótese de que entre na chapa como candidato a vice o ex-ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, que entraria apenas como figurante. Porque o plano B, o perfil no lugar de Lula, ainda é Fernando Haddad.

Renovação

Este consultor acredita que a renovação nas Casas congressuais seja por volta de 40%. Na contramão do sentimento da sociedade, que desejaria fazer uma limpeza geral. Não há assim tantos perfis novos. E por falta de opção, o eleitor costuma votar nos mais próximos e conhecidos. Abaixo, uma tentativa de interpretar o que se passa na cachola do eleitor.

O eleitor, uma caixa-preta

O eleitor é uma caixa-preta. Difícil de saber o que se passa em sua cabeça. Pode mudar de um momento para outro. Pesquisas que aferem hoje seu posicionamento poderão flagrar outro estado de espírito daqui a um mês ou nas proximidades da eleição. Tentemos decifrar a caixinha de surpresas que o eleitor esconde, a começar com uma pergunta: Qual é o significado do voto? Quando um eleitor opta por um candidato, que fatores balizam sua decisão?

Componentes

Esta é uma das mais instigantes questões das campanhas eleitorais. A resposta abriga componentes relacionados ao conceito representado pelo candidato e ao ambiente social e econômico que cerca os eleitores. No primeiro caso, o eleitor leva em consideração valores como honestidade/seriedade; simplicidade; competência/preparo; capacidade de comunicação; entendimento dos problemas; arrogância/prepotência e simpatia. Sob outra abordagem, o voto quer significar protesto, um castigo aos atuais governantes e a candidatos identificados com eles, vontade de mudar ou mesmo aprovação às ideias dos perfis situacionistas.

Perfis para muitos gostos

Tenho sido indagado sobre os perfis preferenciais do eleitorado. Cada região tem suas preferências.

Há, porém, alguns traços sobre os quais parece haver consenso:

- passado limpo, vida decente - candidatos que possam exibir sua trajetória sem ter vergonha de mostrar aspectos de sua vida;

- identificação com o Estado, com as regiões - candidatos que busquem vestir o manto das regiões, significando compromisso com as demandas das comunidades e as questões específicas dos municípios;

- despojamento, simplicidade - candidatos despojados, simples, descomplicados, sem as lantejoulas e salamaleques que costumam se fazer presentes no marketing exacerbado. Candidatos não afeitos ao 'dandismo' - mania de querer aparecer de maneira diferente.

- respeito, decência, dignidade pessoal - candidatos de postura respeitosa para com os eleitores e identificados com uma vida pessoal e familiar digna;

- transparência, verdade - candidatos que não temam contar as coisas como elas são ou foram;

- objetividade, viabilidade de propostas, concisão, precisão - candidatos de expressão objetiva e concisa, capazes de fazer propostas viáveis e não mirabolantes. Precisos na maneira de abordar os assuntos.

Simpatia/empatia

Neste caso, os pesos da balança assumem o significado de satisfação e insatisfação; ou confiança e desconfiança. A questão seguinte é saber qual a ordem em que o eleitor coloca essas posições na cabeça e por onde começa o processo decisório. Não há uma ordem natural. O eleitor tanto pode começar a decidir por um valor representado pelo candidato - simpatia, preparo, capacidade de comunicação - como pelo cinturão social e econômico que o aperta: carestia, violência, desemprego, insatisfação com os serviços públicos precários, etc. Os dois tipos de fatores tendem a formar massas conceituais - boas e ruins - na cabeça do eleitor.

Impressões positivas e negativas

A exposição dos candidatos na mídia vai criando impressões no eleitorado. E as impressões serão mais positivas ou mais negativas, de acordo com a capacidade de o candidato formular ideias e apresentar respostas aprovadas ou desaprovadas pelo sistema de cognição dos eleitores. Se o candidato ajustar o discurso ao clima do momento, terá melhores condições de laçar (fisgar) o eleitor. E daí, qual a lógica para a priorização que o eleitor confere às ideias dos candidatos? Nesse ponto, cabe uma pontuação de natureza psicológica.

Instintos natos

As pessoas tendem a selecionar coisas (fatos, pensamentos, eventos, perfis) de acordo com os instintos natos de conservação do indivíduo e preservação da espécie. Quer dizer, o discurso mais impactante e atraente é o que dá garantias às pessoas de que elas estarão a salvo, tranquilas, com dinheiro no bolso, bem alimentadas. O discurso voltado ao estômago do eleitor, ao bolso, à saúde é prioritário. Tudo que diz respeito à melhoria das condições de vida desperta a atenção. Depois, as pessoas são atraídas por um discurso mais emotivo, relacionado à solidariedade, ao companheirismo, à vida familiar. (Este consultor não se cansa de repetir a equação que criou: BO+BA+CO+CA= Bolso cheio, Barriga satisfeita, Coração agradecido, Cabeça tende a votar em que propiciou o bem-estar).

Medo e insegurança

Esses apelos disparam os mecanismos de escolha. Se a insatisfação social for muito alta, os cidadãos tendem a se abrigar no guarda-chuva de candidatos da oposição. Se candidatos com forte tom mudancista provocarem medo, as pessoas recolhem-se na barreira da cautela, temendo que um candidato impetuoso vire a mesa abruptamente. Assim, mesmo com certa raiva de candidatos apoiados pela situação, os eleitores assumem a atitude dos três macaquinhos: tampam a boca, os ouvidos e olhos e acabam votando em candidatos situacionistas.

Convencimento

O maior desafio de um candidato de oposição, dentro dessa lógica, é o de convencer o eleitorado de que garantirá as conquistas dos seus antecessores, promovendo mudanças que melhorarão a vida das pessoas. Simples promessa não adiantará: é preciso comprovar tim-tim por tim-tim como executará as propostas. Por isso mesmo, quando o candidato agrega valores positivos, a capacidade de convencimento do eleitor será maior. Não se trata apenas de fazer marketing, mas de expressar caráter, personalidade, a história do candidato.

Coerência

Uma história amparada na coerência, na experiência, na lealdade, na coragem e determinação de cumprir compromissos. Proposta séria e factível transmitida por candidato desacreditado não colará. Os dois tipos de componentes que determinam as decisões do eleitor - as características pessoais dos candidatos e o quadro de dificuldades da vida cotidiana - caminham juntos, amalgamando o processo de escolha dos cidadãos.

Despertar os estímulos

O marketing político bem feito é aquele que procura juntar essas duas bandas, costurando os aspectos pessoais com os fatores conjunturais, conciliando posições, arrumando os discursos, analisando as demandas das populações, criando ênfases e alinhando as prioridades. O que o marketing faz, na verdade, é acentuar os estímulos para que o eleitor possa, a partir deles, tomar decisões. E os estímulos começam com a apresentação pessoal dos candidatos, a maneira de se expressar, de se vestir.

Comunicação clara

Os cenários aguçam ou atenuam a atenção. A fluidez de comunicação, a linguagem mais solta e coloquial cria um clima de intimidade com o eleitor. As propostas precisam ser objetivas, claras e consistentes. As influências sociais e até as características espaciais e temporais despertam ou aquecem as vontades. O eleitor é uma caixa-preta. E na eleição deste ano procurará se esconder mais que em campanhas anteriores. Está mais desconfiado e crítico. Não quer comprar gato por lebre. Aumentou sua taxa de racionalidade. Desvendar o quê e como pensa é o maior desafio dos candidatos.

 Gaudêncio Torquato, Jornalista e Professor Titular na USP, é Consultor em Marketing Político.

segunda-feira, 18 de junho de 2018

Mentir ou omitir

Por Edson Vidigal

O problema é quando a história fica comprida demais, cheia de leguleios, uma coisa a realçar ali, outra a esconder acolá e aí o biógrafo, se não tem compromisso pessoal algum com o biografado, resolve contar tudo.

Se o biografado ainda vive, ou vegeta por aí, não lhe faltam advogados, famosos ou em busca de fama, querendo embargar a publicação, apreender a edição, tocar fogo no que já foi impresso. Tem liminar para tudo.

Um dos casos de maior repercussão foi o de Roberto Carlos, grande figura humana, que discretamente, ao seu estilo, sabe-se melhor agora, soube trabalhar em canções e atitudes a volta da democracia, apoiando pessoalmente exilados do regime militar. Caetano Veloso falou.

A própria expressão "Jovem Guarda", que denominou o movimento musical no qual emergiu como o principal líder, muitos viram como coisa de alienado, foi uma sacada de ironia contra o regime militar. Jovem Guarda, na revolução russa, era a tropa mais assanhada de apoio a Lênin.

Mas enquanto Roberto teima em não ser conhecido de corpo inteiro, talvez por timidez, sim ele é um tímido, talvez porque não tenha conseguido conviver com os fantasmas dos seus traumas, não faltam os que até inventam coisas para ver se melhoram a própria historia.

E a biografia de Garrincha, a estrela solitária do Botafogo? Já havia morrido quando foi publicada. Um desentendimento entre herdeiros privou o País de conhecer uma bela história de vida. 

Evandro Lins e Silva, Ministro do Supremo cassado pelo regime militar, um grande que não escreveu a própria biografia, foi quem me sugeriu ler o livro sobre Garrincha, A Estrela Solitária, sem esconder ainda o seu entusiasmo pelo Anjo Pornográfico, a biografia de Nelson Rodrigues. Ambos de Ruy Castro.

Tem livros assim, uns proibidos, mas encontráveis na clandestinidade de algumas estantes. Outros, pelo prestígio político dos autores, lançados em grandes badalações, depois parecem se multiplicar nos sebos e calçadas. E ninguém os quer, nem mesmo de graça e com autografo do autor.

Os grandes da história da humanidade não escreveram suas próprias biografias, viveram-nas com a força dos ideais com que empolgaram o seu tempo e com a dignidade dos que, no exemplo deles, souberam ter a consciência da missão.

Moisés, Cristo, Júlio César, Lincoln, Jefferson, Napoleão, Churchill, De Gaulle, Gandhi, Mandela, Pedro II, Getúlio, Juscelino não escreveram, eles próprios, suas histórias de vida. Nem Shakespeare, nem Baudelaire, nem Gonçalves Dias, David Bowie, nem John Lennon, nem Luiz Melodia, nem Wally Salomão.

Eu estava na hora quando Tarcísio Holanda, meu antigo chefe de reportagem no Correio do Ceará, em Fortaleza e depois meu colega na redação do Jornal do Brasil, em Brasília, adentrou aquele pequeno gabinete de Magalhães Pinto, a poucos metros do plenário da Câmara. Eu era Deputado do mesmo partido do doutor Magalhães e do doutor Tancredo, o PP/Partido Popular.

Conversa vai, conversa vem, Tarcísio perguntou se já não estava na hora de ele, doutor Magalhães, escrever sua biografia. Político no Brasil nunca deve escrever a própria biografia, respondeu o velho sábio, naquele tom baixo, quase de murmúrio, o olhar esperto, esbanjando ironia.

Por que, doutor Magalhães? Insistiu Tarcísio. Porque ou mente muito ou omite muito.


Edson Vidigal, advogado, foi Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal.

quinta-feira, 14 de junho de 2018

Trump tira chuteiras do time do Irã

A Nike anunciou na segunda-feira que, devido às sanções comerciais impostas por Trump, não pode fornecer as chuteiras à seleção iraniana.

O treinador da seleção do Irã, o português Carlos Queiroz, exige um pedido de desculpas da marca desportiva americana Nike por esta ter anunciado que não pode fornecer as chuteiras para os jogadores iranianos.

Esta tomada de posição da Nike segue-se ao anúncio, no início de maio, por parte do presidente Donald Trump, de que os EUA iriam suspender o acordo com o Irã e voltariam a impor sanções comerciais ao país. "As sanções significam que, enquanto empresa americana, não podemos fornecer chuteiras aos jogadores da seleção iraniana", anunciou a empresa em comunicado.

De acordo com o canal desportivo ESPN, para resolver esta situação alguns jogadores do Irão estão a pedir chuteiras emprestadas a colegas de outros clubes e outros foram a lojas comprar as suas próprias chuteiras. Que até podem ser da Nike.

No entanto, o treinador do Irã critica o facto de a Nike ter deixado passar um mês desde para anunciar o embargo: "Os jogadores habituam-se ao seu equipamento desportivo e não é correto terem de mudar de chuteiras uma semana antes de jogos tão importantes", disse Queiroz na segunda-feira. "Somos apenas treinadores e jogadores e não nos deveríamos envolver em assuntos deste tipo [políticos]. Mas estamos a pedir à Fifa que nos ajude."

Na opinião do treinador, a Nike deveria pedir desculpa: "Esta atitude arrogante contra 23 rapazes é absolutamente ridícula e desnecessária". Além disso, os iranianos recordam que a Nike forneceu a equipa no Mundial de 2014, no Brasil, apesar de nessa altura estarem vigor sanções comerciais semelhantes.

Os equipamentos do Irã são fornecidos pela Adidas, no entanto a marca alemã não é patrocinadora da seleção, limita-se apenas a vender os equipamentos à federação iraniana. Na verdade, o Irã chega ao campeonato do mundo sem ter qualquer patrocinador - o que foi bastante criticado pelos adeptos iranianos. A equipa foi a segunda a ser apurada para o Mundial, logo a seguir ao Brasil, tendo ganho todas as 12 partidas de qualificação sem sofrer um único gol. A Federação teve, por isso tempo suficiente para procurar um patrocinador.

O Irã é o país do Médio Oriente onde o futebol tem mais adeptos mas é também o único país do mundo onde as mulheres estão proibidas de entrar nos estádios - a Arábia Saudita, vizinha e rival, que também estará no Mundial, levantou recentemente essa proibição.

O primeiro jogo do Irão no Mundial é já na sexta-feira, frente à seleção de Marrocos. Os iranianos vão ainda jogar com Espanha e Portugal. (Do Diário de Notícias, de Lisboa, Portugal.)

Porandubas Políticas

Por Gaudêncio Torquato

Abro a coluna com a verve do amigo Sebastião Nery numa historinha da Bahia envolvendo candidatos em campanha.

O que eu sou?

O caso é verídico. O farmacêutico Claodemiro Suzart, candidato do PTB à prefeitura de Feira de Santana, decidiu fazer o comício de encerramento da campanha na rua do Meio, na zona do meretrício. E jogou o verbo: "o povo precisa estudar a vida dos candidatos, desde o nascimento deles, os lugares onde nasceram, para saber em quem votar direito". Por exemplo, Arnold Silva, da UDN, nasceu em Palácio, nunca falou com o povo. O que ele é?

- Candidato dos ricos - gritava a multidão.

- É isso mesmo. Não pode ter o voto de vocês. E Fróes da Mota, candidato do PSD, nunca sentiu o cheiro de povo. Só gosta mesmo é do gado de sua fazenda. O que ele é?

- Candidato dos fazendeiros - delirava a galera.

- Isso mesmo. Não pode ter o voto do povo. Já eu, meus amigos, nasci aqui, nesta rua do Meio, a mais popular de Feira de Santana. E eu, meus amigos, o que eu sou?

Lá do fundo da turba, um gaiato soltou a voz:

- Filho da puta.

O comício acabou ali.

Panorama sob céu nublado

O Brasil vive estado de letargia. Eleitorado não se motivou nem para a Copa do Mundo, que está começando, nem para a campanha eleitoral, que está se apresentando como uma gigantesca parede de mosaicos, sem nenhum bloco a chamar a atenção. A indignação contra a classe política é patente até no silêncio das massas. As mobilizações são mais escassas. Os perfis lutam para dar visibilidade ao seu pensamento.

Refluxo na economia

As redes sociais continuam a fazer o jogo "tiroteio recíproco" entre grupos. As pesquisas contêm um imenso viés: a de pôr Lula como candidato. A economia dá sinais de refluxo, quando as coisas começavam a melhorar. A inflação, mesmo contida, dá sinais de voltar a crescer. Os governantes dos Estados, com exceção de uns cinco, aproximadamente, não receberão o passaporte de volta. O caminho até 7 de outubro é cheio de curvas e surpresas.

Imponderável

Na terra "onde se plantando tudo dá", o Senhor Imponderável dos Santos do Pau Oco pode baixar a qualquer momento.

Pré-campanha lenta

A pré-campanha está avançando lentamente. Os candidatos esperam por algum imprevisto ou torcem para que o maná caia do céu. Só agora parece descobrirem a importância do tempo televisivo. Procuram partidos médios, com cerca de 30 parlamentares e mais, para fechar acordos e parcerias. PP, PRB, PTB e PDS estão entre os mais procurados.

Josué, o cobiçado

Josué Gomes da Silva, o empresário dono da Coteminas, é ambicionado por partidos. Tem dinheiro e encarna a novidade. Daí o assédio que está sofrendo. Pode custear a própria campanha se, por acaso, se transforme em candidato de um partido forte. O PP, por exemplo. Josué é filho do ex-presidente de Lula, José Alencar, falecido. Tem origem em Minas, o segundo maior colégio eleitoral do país. Pode figurar ainda como candidato a vice. Tem cacife $$$$$$$.

Lula animado

Quem visita Lula sai dizendo que ele está muito animado. Mais magro, esbelto, lendo muitos livros, esperançoso e com a ideia mais do que fixa de que nunca cometeu erros. Não tem culpa na Justiça.

Lula candidato

O PT aposta na candidatura do ex-presidente, que deve entrar na Lei da Ficha Suja. Não menosprezo o PT, mas também não o glorifico. Parece que os petistas ainda não mediram o tamanho do buraco que o ciclo governativo do partido abriu no país. Mas, se Lula não for candidato, deve ser um forte eleitor. De cara, põe seu substituto no patamar de 15%.

Chute pra fora

Paulo Skaf, Presidente da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), não sabe o índice da indústria de transformação na formação do PIB nacional. Na sabatina promovida pelo UOL, Folha de S. Paulo e SBT com os candidatos ao governo do Estado, o pré-candidato do MDB chutou 12%. O índice representou pouco mais de 9% no primeiro trimestre de 2018. Ainda que fosse considerado o ano de 2017, quando a indústria atingiu o patamar de 10,15% do PIB, o índice de Skaf seguiria superestimado. O jogador de chute errado!

Lendo pesquisas

A última pesquisa DataFolha, divulgada no fim de semana passado, foi iniciada com uma pergunta aberta, espontânea, o que, a meu ver, distorce todo o quadro. Estamos vivendo momentos de polaridade e tensão e é claro que uma pergunta aberta dispara ânimos, motiva a militância, funciona como pólvora que estende a fogueira para muitos lados. Qualquer desvio padrão distorce resultados.

Distorção

O eleitor vai votar numa lista que pode ver na cabine de votação. Ele pode analisar, pender para um lado e outro, comparar. Seus estímulos são levados a um processo de escolha múltipla. Colocar a pergunta espontânea na abertura é arregimentar um exército que está pronto a entrar na batalha! O esquentamento do perfil que tem mais simpatizantes se expande na esteira da pulverização de candidatos sem força. Dessa maneira, Lula tende a ganhar um peso maior do que tem e os outros candidatos acabam ficando em segundo plano. A polarização se estabelece. Bolsonaro aparece como contraponto. E, assim, ficamos com esses dois nomes que fazem campanha nos extremos: Lula e Bolsonaro! Ambos lideram as vontades nessa pré-campanha.

PT em festa

Diante dos resultados, o PT está vibrando com a pesquisa Datafolha. Lula na frente. Mas o partido deverá fechar a cara mais adiante. Luiz Inácio não deverá ser aceito candidato pelo TSE. A conferir.

Mas vale

Em suma, o meu aplauso ao DataFolha e, em especial, ao Mauro Paulino, especialista respeitado, mas nem por isso imune a críticas. A meu ver, essa pesquisa do DataFolha induz a respostas que não corresponderão ao X da questão no dia 7 de outubro.

Pitacos de FHC

A ideia de FHC de sugerir Marina Silva como alternativa do Centrão parece fadada ao fracasso. Marina é uma santa. Ou parece. E santidade não combina com a real politik. O centro continua disperso. Há, ainda, a eventual entrada de Josué Gomes da Silva, o megaempresário dono da Coteminas. Teria ele forças para congregar outros protagonistas? Acho que não.

Um vulcão

Com um monumental aparelho tecnológico, olho para as profundezas de nosso território continental. E diviso o magma se formando, quilômetros abaixo da superfície, prestes a subir, devagar, para explodir o vulcão social. Caso seja eleito alguém com perfil radical, seja na direita ou na esquerda.

NV recorde

Nas pesquisas de tendências, o NV - Não Voto (abstenções, nulos e brancos) pode bater o recorde este ano, saltando da média de 30% para 40% a 45%. Indignação geral.

Mídias sociais nas campanhas

A sociedade mundial está interconectada com as mídias tecnológicas, que passaram a constituir o novo fenômeno da sociedade contemporânea. As redes sociais permitem a interatividade, a integração, a socialização do conhecimento e da cultura. Um chinês do outro lado do mundo e o nosso amigo vizinho, enfim, todos os povos podem comungar as mesmas ideias, ou divergir por meio das redes tecnológicas. Na campanha deste ano, as redes sociais serão utilizadas com bastante intensidade pelas campanhas, funcionando como uma ferramenta tecnológica de informação, formação de opinião e propaganda.

E o rádio e a TV?

A televisão e o rádio, até então os dois mais poderosos instrumentos da comunicação política, continuarão a ser extremamente importantes, particularmente em períodos de campanha, quando os candidatos disporão de maior tempo para discorrer e detalhar seus programas de governo. Os candidatos com tempo mais largo de exposição tenderão a apresentar um melhor desempenho do que candidatos com curtíssimo tempo. A depender, claro, da criatividade. Lembram-se do Enéas Carneiro, do PRONA? Enéas tinha curtíssimo tempo, suficiente para dizer algo telegráfico e arrematar com "meu nome é Enéas". O cacoete linguístico lhe deu notoriedade.

Mas não elegem

Embora benéficas no sentido de agitar as militâncias, animar as alas que trabalham pelos candidatos, as redes sociais não serão capazes, sozinhas, de eleger este ou aquele candidato. Darão suporte, servirão como âncora, subsidiarão candidatos com informações, ajudando-os a mostrar ideias, projetos e programas de governo. Mas não elegerão candidatos. Militâncias serão mobilizadas. Mas novos eleitores não conseguirão.

Campanha negativa

Há que se tomar muito cuidado com a expressão verbal e escrita nas campanhas das redes sociais. Ataques, xingamentos, palavras mal utilizadas, conceitos ultrapassados, afirmações machistas ou que agridam as pessoas, a par de fake news compartilhadas poderão animar militantes. Mas arriscam a queimar o nome de candidatos.

Big data

Dia desses li, na coluna do Fernando Reinach, no jornal O Estado de S. Paulo, uma análise da interessantíssima pesquisa The Effect Of Partisanship And Politica Advertising On Close Family Ties. No levantamento, um grupo de cientistas descobriu que, após a eleição de Trump, os jantares de Thanksgiving (O Dia de Ação de Graças americano), nas famílias em que existe discordância política, foram 38 minutos mais curtos que a média. Em 2016, na média, esses jantares duraram 4 horas e 28 minutos.

Descobrindo tudo

Os cientistas ainda identificaram quais os distritos eleitorais mais bombardeados por anúncios políticos antes da eleição. Quando pessoas desses distritos se encontraram semanas depois da eleição, os jantares foram ainda mais curtos. Com essa pesquisa, fica claro o quanto já se sabe sobre o comportamento dos consumidores e eleitores e em que pé está o uso da tecnologia. Até nos pormenores.

Sem segredos

Com Big Data, que tende a ter sua utilização ampliada e intensificada nos próximos anos, será possível conhecer informações muito privadas. Não haverá mais segredos. O uso de pesquisas tecnológicas e algoritmos deve identificar por inteiro o ser humano: vontades, expectativas, natureza, índole, desejos, locomoção. O Donald Trump, por exemplo, descobriu que seus eleitores mais conservadores queriam um muro separando EUA e México. Então ele bateu nessa tecla. (Não importa se o muro será realidade ou não). O que importa é o que o eleitor quer ouvir. As empresas estão utilizando amplamente essas técnicas para acertar seu alvo, o público de campanhas publicitárias e políticas.

Guerra e paz

Donald Trump e Kim Jong-un começaram a discutir suas desavenças. A primeira conversa foi a sós. O gordinho parecia desajeitado. Um peixe fora d'água. Os dois decidiram desnuclearizar a península coreana. O encontro paira sobre uma grave crise que ameaça a economia global. O G7 praticamente rompeu com Trump. Em jogo, cerca de US$ 500 bilhões. O ambiente na Casa Branca é o pior de todos os tempos. Brigas, dissensões, querelas, puxadas de tapete. E falta de comando. E nós, por aqui, sobreviveremos?

Gaudêncio Torquato, Professor Titular na USP, é Jornalista e Consultor de Marketing Político.

quarta-feira, 13 de junho de 2018

Um Mundial de alto risco... até para Putin

Durante as próximas quatro semanas, a Rússia de Putin vai estar sob os olhares do Mundo.

Numa fase de tensão nas relações entre Moscovo e o Ocidente, a Rússia joga neste Campeonato do Mundo a sua imagem internacional.

As grandes competições desportivas tiveram desde sempre, dos Jogos da Grécia clássica aos Jogos Olímpicos da era moderna ou aos Mundiais ou Europeus de futebol, uma enorme carga simbólica e uma vincada dimensão política.

Há 38 anos, em plena Guerra Fria, o Ocidente reagiu à intervenção soviética no Afeganistão boicotando os Jogos Olímpicos de 1980 em Moscovo - e roubando assim grande parte do brilho a uma ocasião desportiva e política em que a URSS tanto apostara.

Poucas vezes a realização de uma prova desportiva internacional terá, ainda assim, assumido um peso político tão marcado como este Mundial da Rússia. Numa fase de forte crispação nas relações entre a Rússia e o Ocidente estará muito mais em jogo do que a disputa do título mundial de futebol nas próximas quatro semanas na Rússia. Um Mundial bem-sucedido constituirá um momento de afirmação da Rússia no plano internacional.

Eventuais perturbações no decorrer da competição ou incidentes graves poderão estragar a festa e agravar ainda o clima de tensão nas relações entre a Rússia e o Ocidente.

A Rússia jogou recentemente a sua imagem no Mundo noutra grande competição internacional. Os Jogos Olímpicos de Inverno de 2014, em Sochi, deixaram, nesta perspetiva, um balanço mitigado. A preparação dos Jogos ficou marcada por polémicas envolvendo os elevados custos e acusações de corrupção, e o êxito dos atletas russos seria depois manchado pelas acusações de doping. No plano político, os Jogos de Sochi seriam ensombrados pelas críticas internacionais ao regime de Putin e depois pelas incidências da crise na Ucrânia. A chanceler alemã Angela Merkel, o presidente francês François Hollande e outros líderes europeus recusaram-se a marcar presença em Sochi em reação às alegadas perseguições aos homossexuais na Rússia.

Este Mundial 2018 representa assim um formidável desafio para a Rússia em matéria de organização, de segurança e de grande ocasião mediática. Em termos de organização e segurança a Rússia já passou o primeiro teste coma Taça das Confederações do ano passado, mas desta feita o teste tem outras dimensões, quer no plano desportivo quer, sobretudo, em matéria política.

Ameaças de boicote

A tensão política que envolve este Mundial 2018 esteve logo marcada no momento em que, em Dezembro de 2010, foi anunciada a vitória da candidatura russa à organização da prova. As relações entre a Rússia e o Ocidente atravessaram desde então dias atribulados - da crise ucraniana e da anexação russa da Crimeia, em março de 2014, ao apoio russo a Bashar al-Assad, na Síria, ou, mais recentemente, ao caso Skripal -, e a cada crise a ameaça de boicote aflorou nos discursos políticos no Ocidente.

Já em setembro de 2014, em plena crise da Crimeia, a Al Jazeera referia que o vice-primeiro ministro britânico Nick Clegg falava da hipótese do boicote ao Mundial da Rússia como uma "poderosa sanção política e simbólica". E o El País adiantava que a Comissão Europeia chegou a considerar a hipótese de um boicote do Mundial 2018 no quadro das sanções à Rússia pela crise na Ucrânia

Os apelos ao boicote do Mundial russo não tiveram eco significativo
Mais recentemente o caso Skripal, o misterioso episódio do envenenamento de um ex-espião russo no sul de Inglaterra, envenenou as já difíceis relações entre Londres e Moscovo. O Governo de Theresa May denunciou "mão" do Kremlin no caso, a imprensa britânica anunciou que nenhum membro da família real ou do Executivo britânico honraria com a sua presença o Mundial da Rússia. Dias depois a Islândia anunciava que os responsáveis políticos de Reiquejavique não marcariam presença no Mundial.

De acordo com o Daily Mail responsáveis britânicos discutiram mesmo com os aliados europeus a hipótese de um boicote coordenado ao Mundial e terá sido evocada a hipótese de a própria seleção inglesa se recusar a marcar presença na Rússia. Os apelos ao boicote não tiveram porém eco significativo, mas testemunharam uma vez mais a carga política que rodeia desde há muito este Mundial.

O peso das tensões entre a Rússia e o Ocidente confere a alguns momentos deste torneio da Rússia uma carga simbólica muito especial. Será em particular o caso de Kaliningrado, um enclave russo no Báltico, encravado entre os territórios da Polónia e a Lituânia, ambos membros da NATO e da União Europeia. Uma faixa de território fortemente militarizada, sede da esquadra russa do Báltico, e que tem sido, em particular desde a crise da Ucrânia de 2013-2014, palco de uma alta tensão militar entre a Rússia e a NATO. Ao mesmo tempo, Moscovo tem procurado afirmar a modernidade e o desenvolvimento do enclave, transformando Kaliningrado numa zona económica livre que lhe mereceu o epíteto de "Hong Kong da Rússia". Os quatro encontros do Mundial aprazados para o novíssimo estádio Arena Baltika, construído expressamente para a ocasião, decorrerão a poucos quilómetros da fronteira polaca - e do forte dispositivo militar da NATO.

Os fantasmas de Marselha

Outro dos grandes desafios que se coloca às autoridades russas é o da segurança dos adeptos. A questão coloca-se de forma muito particular em relação aos apoiantes da seleção inglesa. Estão ainda presente na memória os violentos confrontos de há dois anos, no Europeu de França, entre adeptos russos e ingleses antes e depois do encontro entre as duas seleções em Marselha. A venda de bilhetes para este Mundial da Rússia em Inglaterra foi significativamente mais baixa do que em anteriores edições.

A Rússia foi obrigada a um esforço particular na prevenção de incidentes entre claques dentro e fora dos estádios. A má fama deixada pelos hooligans russos em Marselha agravou-se ainda nos últimos meses com a repetição de incidentes graves como as manifestações de racismo visando jogadores franceses de origem africana durante um encontro amigável com a Rússia em São Petersburgo. Os adeptos russos já referenciados pelas autoridades, entre eles muitos dos que participaram nos incidentes de Marselha, têm sido obrigados a apresentar-se regularmente à polícia e advertidos contra quaisquer incidentes violentos e alguns obrigados mesmo a assumir compromissos por escrito.

Os hooligans russos estão entre os mais violentos da Europa
A fama dos hooligans ingleses nada lhes fica a dever. Ainda num recente amigável Holanda-Inglaterra registaram-se incidentes graves provocados pelos seguidores das cores inglesas. As polícias russa e britânica trocaram informações ao longo dos últimos tempos e estudaram ações coordenadas para prevenir a repetição do cenário de Marselha.

As relações tensas entre Londres e Moscovo - e que se refletem por exemplo numa clara diminuição do turismo britânico na Rússia - pesam também na situação dado o frequente envolvimento de expressões nacionalistas na violência das claques.

Sob os olhares do Mundo

Durante as próximas quatro semanas a Rússia de Putin vai estar sob os olhares do Mundo e os holofotes de uma imprensa internacional que os russos tendem a ver como hostil ao país. A juntar às crises internacionais, o regime de Putin tem sido acusado no Ocidente de deriva autocrática, de desrespeito pelas normas democráticas e pelos direitos humanos, de homofobia, ou de perseguição à comunidade LGTB. Praticamente no início do seu quarto mandato à frente dos destinos do Kremlin, é o próprio regime Putin que estará em jogo neste Mundial.

Palco onde estarão concentradas as atenções de todo o Mundo, não deixa de representar uma ocasião particularmente tentadora para as mais diversas manifestações de ordem política e social ou mesmo para incidentes mais graves.

Desacatos mais sérios entre adeptos, manifestações que levem a uma intervenção policial mais musculada bastariam para manchar gravemente a grande ocasião e transformar o Mundial da Rússia num fracasso humilhante para Moscovo e para gerar uma potencial crise política e diplomática. As autoridades russas tomaram igualmente medidas particulares para prevenir a eventual ameaça de um atentado terrorista em plena competição. Situações de grande tensão como a do leste da Ucrânia ou da Síria não deixam igualmente de pesar como uma ameaça potencial ao bom andamento deste Mundial.

(Publicado originalmente no Diário de Notícias, de Lisboa, Portugal, edição de 13.06.18).

sexta-feira, 8 de junho de 2018

Porandubas Políticas

Por Gaudêncio Torquato

Abro a coluna com JK.

JK?

Anos de chumbo grosso. Tempos magros, época de fechadura braba. Falar em Juscelino Kubitschek (JK) era, no mínimo, pecado mortal. Mudança das placas dos carros, as chamadas alfanuméricas. A Câmara Municipal de Diamantina oficia ao CONTRAN solicitando as letras JK para as placas dos carros do município, "como uma forma de homenagear o grande estadista John Kennedy". O CONTRAN não atende. Um conterrâneo de Juscelino desabafa:

- Esse pessoal do Conselho deve ser republicano, eleitor do Nixon.

(Historinha de Zé Abelha)

Estado de expectativa

Passada a turbulência da greve dos caminhoneiros, o país passa a viver um estado de expectativa. Existe alguma pedrinha do dominó a ser empurrada? Que setores poderão gerar desarmonia social, mobilização das ruas, confusão? Sabemos que alguns "exércitos" estão de prontidão. Não me refiro à prontidão das Forças Armadas, mas à articulação que setores radicais podem estabelecer para influenciar o clima do "quanto pior, melhor". Oportunistas, aventureiros, doidivanas, mercenários estão de olho nos horizontes.

Urubus

Como urubus disputando a carniça, vândalos querem tirar proveito para disputar o melhor pedaço político. Pedem ordem, mas pregam a bagunça, querem o império da lei, mas defendem intervenção militar. Faixas com esse apelo são usadas em movimentos de 10, 20 ou 100 pessoas. Mas o povão mesmo está afastado dessa artificial movimentação. A cúpula militar, por meio de seus chefes, entre eles o comandante do Exército, general Villas Bôas, já repeliu as insinuações.

Prandi

"Há uns malucos querendo a ditadura. Eles não sabem o que querem. Nunca viram, não têm ideia do que foi a intervenção militar no país, porque não têm formação. Não sabem isso e também não sabem mais nada". Sociólogo Reginaldo Prandi, um dos desenvolvedores das pesquisas de opinião no Brasil.

Classes médias

Vejamos. As classes médias, A, B e C, tendem a decidir sob critérios racionais. O poderoso grupamento de profissionais liberais, que forma opinião, está atento, observando o cenário, avaliando quadros e começando a se posicionar. O estrato médio mais baixo, o de classe C, tende a desenvolver um posicionamento mais duro, menos flexível e mais condizente com a ordem pública. Nele estão incluídos núcleos bolsonaristas. A esse contingente, juntam-se pequenos e médios proprietários de terras, comerciantes e alguns cantões mais conservadores. Mas as classes médias A e B tendem a formar um pensamento mais comedido, menos espalhafatoso e mais compromissado com valores democráticos.

As margens

As margens sociais procuram acalento, segurança, um pouquinho mais de grana no bolso, e muitos ainda procuram refúgio no cobertor do Estado. São propensos a aceitar e a admirar perfis populistas, demagogos ou representantes da política de cabresto, que abriga benesses e bolsas. Constituem massas amorfas que votam na esteira do fisiologismo em pleno vigor em espaços menos desenvolvidos do país. Como tal, são passíveis dos balões de ensaio e de inputs que saem dos polos de informação e opinião encaixados no meio da pirâmide. Portanto, o voto mais volúvel habita com intensidade a base social.

A agitação e a eleição

Uma das indagações recorrentes é: qual a influência da agitação de rua no processo eleitoral? Outra: quem está interessado na desorganização social? É claro que ruas sedentas de demandas terão peso no processo eleitoral. Principalmente em matérias que afetem diretamente o bolso do consumidor. Digamos que daqui a 60 dias, quando termina o prazo do desconto de R$ 0,46 no litro do diesel, organizações tentem voltar ao tema e cobrem do governo a continuidade do movimento. Políticos identificados com demandas mais claras e fortes poderão se beneficiar. Uma eleição sob tumulto melhora ou piora a situação de alguns protagonistas.

Mas há um perigo

Se as ondas sociais forem conduzidas sob a bitola eleitoreira, as massas poderão flagrar interesses espúrios, misturados a interesses legítimos de categorias, e dar o troco, que tende a ocorrer em forma de bumerangue: castigo, desprezo e o NV - não voto - em determinados candidatos. Os partidos de esquerda, a partir do PT, podem querer se aproveitar do tumulto social para melhorar sua performance. A operação corre o risco de ser um fracasso. Mesmo que tenha como meta tirar Lula da prisão.

Brancos, nulos e abstenção

A indignação social, com a consequente repulsa aos políticos, poderá aumentar, no pleito deste ano, o número de votos brancos, nulos e abstenções. Da média histórica entre 30% a 32%, podemos saltar para 40%. Vejam o que acaba de acontecer em Tocantins: abstenções, brancos e nulos somaram mais de 49% na eleição do último domingo para governo do Estado, maior que a soma dos dois candidatos que vão ao 2º turno. Aliás, em pelo menos 11 cidades do Tocantins, as abstenções, votos nulos e brancos superaram a quantidade de votos válidos.

Kátia e Lula I

A senadora Kátia Abreu (PDT-Tocantins) tornou-se mais conhecida fora de seu Estado como presidente da Confederação Nacional da Agricultura (2008-2011) e, mais tarde, como ministra da área no segundo mandato de sua amiga Dilma Rousseff (PT). Embora então no PMDB, votou contra o impeachment de Dilma e tornou-se feroz adversária do presidente Michel Temer. Acabou expulsa do partido no ano passado e passou para o PDT de Ciro Gomes.

Kátia e Lula II

Neste último domingo, concorreu ao cargo de governadora de Tocantins com o apoio do PT e do ex-presidente Lula, que fez uma carta lida em vídeo pela senadora Gleisi Hoffmann. O vídeo foi um bumerangue. Afundou Kátia Abreu. A eleição para substituir o governador cassado, Marcelo Miranda, vai para o segundo turno, a será disputado por Mauro Carlesse (PHS), governador interino, e o senador Vicentinho Alves (PR). Se vale como aperitivo para as eleições de outubro, a demonstração de força de Lula e do PT foi um tremendo fracasso.

Greve de caminhoneiros

O governador Márcio França, de São Paulo, teve um bom desempenho na negociação com os caminhoneiros. Enquanto o governo Federal tateava na solução, não contando com a presença de parcela ponderável das lideranças, o governo de São Paulo tomou a iniciativa de fechar o acordo. Mas a empreitada foi bem-sucedida graças à forte articulação empreendida por Marcos da Costa, presidente da OAB/SP, que funcionou como um elo entre os governos estadual, Federal e lideranças. Marcos foi imprescindível e, graças ao seu esforço, ocorreu o desbloqueio da rodovia Regis Bittencourt. Onde a resistência era maior.

França, habilidade

Já o governador Marcio França, às voltas com a questão do desconhecimento de seu nome, ganhou ampla cobertura da mídia, podendo sua disposição e sua liderança na condução do processo e conciliação vir a ter grande efeito na eleição de outubro. O governador, que assumiu o lugar de Geraldo Alckmin, é candidato à reeleição pelo PSB.

Articulação social

Na eleição deste ano, na esteira da organicidade social, o fator articulação será um dos mais importantes do marketing eleitoral. Nunca a sociedade brasileira esteve tão organizada. Uma miríade de entidades - sindicatos, federações, núcleos, associações, grupamentos, setores, áreas e categoriais profissionais - leva adiante a tarefa de mover a sociedade. Logo, a articulação com entidades e líderes se torna fundamental para o bom desempenho dos atores políticos. Mas os velhos marqueteiros não entendem disso. Acham que comunicação é apenas propaganda eleitoral. Muitos ainda não abandonaram a Idade da Pedra.

Os limites do marketing

Os administradores públicos se esforçam para criar uma identidade. Criam símbolos, sejam marcas, logotipos, slogans, etc. para serem reconhecidos pelo eleitor. A cruz de Cristo é, seguramente, um dos mais fortes símbolos da Humanidade. O sistema cognitivo das pessoas o associa imediatamente a Jesus. Essa tradição de uso de sinais é milenar. O marketing político faz uso deles para deixar o candidato mais próximo ao eleitor. Já o marketing governamental também neles se apoia para identificar o gestor - presidente, governador, prefeito e outros protagonistas. Ora, separar os limites entre marketing governamental e marketing eleitoral é uma tarefa quase impossível. Os limites são tênues. Candidatos se esforçam para ser reconhecidos por sua obra, que é geralmente associada a um sinal. É a estética estabelecendo ligação com a semântica.

A multa de Dória

Feita a análise conceitual acima, vamos ao caso. A juíza Cynthia Tomé, da 6ª vara da Fazenda Pública de São Paulo, impõe multa de R$ 200 mil, abrindo nova ação de improbidade contra o ex-prefeito João Doria (PSDB). Argumenta que ele faz promoção pessoal com o uso da expressão "Acelera SP". Tem sentido isso? Jânio usava o cabelo desgrenhado e olhos esbugalhados como marca. Juscelino Kubitschek usava o famoso JK como marca. Hoje, sua identidade seria proibida.

Insensatez?

Muitos usam ainda o V da Vitória, símbolo usado por Winston Churchill por ocasião da vitória das forças aliadas contra as forças nazistas de Hitler. Coisa natural. Tentar, agora, despregar o sinal do "Acelera SP" da imagem de João Doria é arrematado viés jurídico. Ele está terminantemente proibido de usá-lo. Imaginemos o ex-prefeito flagrado ao brincar com uma criança e usar o gesto. Mais 200 paus de multa. Ou mais. Meu Deus, quanta insensatez.

Fecho a coluna com o presidente Dutra.

Escola para quê?

O presidente Dutra tinha um auxiliar capixaba, oficial do Exército, gago. Quando Dutra dava uma ordem, ele ficava mais gago ainda. Resolveu dar um jeito de curar a gagueira. Soube que o Méier tinha uma escola para gagos, tocou para lá. O endereço que levou não coincidia. Procurou no bairro todo, nada. Foi ao português da esquina, desses de bigode e tamanco, cara de quem desceu na praça Mauá:

- O sesesenhor popopodia me inininformar se aaaqui temtemtem uma escola para gagagago?

- Mas o senhor já fala gago tão bem, para que quer escola?

(Do acervo do imperdível Sebastião Nery).

Gaudêncio Torquato, Jornalista, é Professor Titular na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, Cientista Político e Consultor de Marketing Político.

quinta-feira, 7 de junho de 2018

Entre Bobby Kennedy e Dona Ivone Lara

Por Edson Vidigal

Dona Ivone Lara, todos se lembram, foi a autora da melodia e dos versos que amplificados por incontáveis vozes de interpretes de muito respeito despertaram em forma de sonho um sentimento chamado saudade outorgando-lhe uma sublime missão – sonho meu, sonho meu, vai buscar quem mora longe sonho meu!



A poetisa desta obra prima era negra que ralou muito nas noites paulistanas cantando em boates, churrascarias, enfim onde a chamassem. Com tenacidade e integridade alcançou décadas depois o sucesso, melhor dizendo, o reconhecimento nacional.



Não há mortalidade para quem constrói com idealismo e boa fé um consistente legado. Dona Ivone Lara fez história e, por isso, a homenagem que, por causa de idiotas reações racistas, não aconteceu.



Isso porque Fabiana Cozza, a atriz escolhida pela família de Dona Ivone Lara para personificar a sambista e compositora num musical de antecipado sucesso, não é uma negra negrinha, uma negra retinta, é filha de pai negro e de mãe branca. A certidão de nascimento qualifica-a como parda.

Os muros escolhidos pelos racistas na desqualificação da atriz na porta de entrada do estrelato foram os das chamadas redes sociais. Fabiana Cozza não se amofinou. Em sua carta de renúncia ao papel da grande dama do samba – D. Ivone Lara, um sorriso negro - que iria representar nos teatros do Rio de Janeiro e de São Paulo, escreveu:

- O racismo se agiganta quando transferimos a guerra para dentro do nosso terreiro. (...) Renuncio porque vi a guerra sendo transferida mais uma vez para dentro do nosso ilê (casa) e senti que a gente poderia ilustrar mais uma vez as páginas dos jornais quando eles transferem a responsabilidade pro lombo dos que tanto chibataram. E seguem o castigo. E racismo vira coisa de nós, pretos. E eles comemoram nossos farrapos na Casa Grande. E bebem, bebem e trepam conosco. As mulatas.
Vitória da intolerância sempre a dar gás ao que não presta. O patrulhamento de parte dos negros contra uma mulher nascida e criada nos quilombos favelados não é coisa só do Brasil.

Nos Estados Unidos da América do Norte, por exemplo, aconteceu que Raquel Dolezal, uma ativista incansável da causa negra, depois de alcançar o topo numa das maiores organizações do movimento, passou a sofrer perseguições e patrulhamentos de grupos mais radicais porque numa entrevista se identificou como transracional. Sua origem é caucasiana.

Não obstante o apoio que recebeu de celebridades afro-americanas, como Whoopi Goldberg, dentre tantas, continuou sofrendo perseguição. Há documentário na Netflix contando a história de Raquel Dolezal.

No caso brasileiro, Fabiana Cozza, a atriz, não só foi indicada ao papel no musical pelos familiares de D. Ivone Lara como era amiga da homenageada, frequentadora de sua casa, onde cantavam em alegres e inspirados duetos.

Até ontem, quarta feira, dia 06 de junho, passaram-se 50 anos de uma das maiores tragédias no cenário politico dos Estados Unidos com gravíssimas repercussões nas lutas contra o racismo e a intolerância no mundo civilizado. 


Após um breve de discurso no salão de um hotel em São Francisco, na Califórnia, agradecendo pela vitória eleitoral que lhe garantiria a indicação democrata à Presidência da República, Bobby Kennedy, àquela altura um dos lideres contra o racismo ao lado do Doutor King, não escondendo cansaço físico, foi aconselhado a voltar ao seu quarto encurtando distancia e poupando tempo pelo atalho da cozinha.

E passando por lá entre aplausos do pessoal da cozinha, Bobby foi baleado na cabeça por um rapaz de 22 anos de idade, Shihan Bishara Shihan, imigrante palestino, empregado da cozinha, o qual julgou que assim vingaria o seu povo contra o apoio dos Estados Unidos na guerra dos 6 Dias vencida por Israel.  tempo pelo atalho da cozinha.



Bobby Kennedy tinha 43 anos de idade quando foi abatido a tiros quando ao sua jornada pelos direitos civis, contra o racismo, a intolerância, enfim, pelos ideais de igualdade e liberdade, se auspiciava em mais uma etapa vitoriosa.




A propósito de Bobby Kennedy, o grande advogado e professor de direito constitucional-tributário Ives Gandra Martins registra:


"Conheci Kennedy em 1964, no hotel em que fazia campanha para o Senado. Eu era advogado no Brasil de Charles Guggenheim, que dirigia sua campanha publicitária. Hospedei-me no hotel que Bob alugara para a campanha, a convite de meu cliente. Foi uma grande perda.
Belo (o seu) artigo."

quarta-feira, 6 de junho de 2018

Urna eletrônica sem voto impresso

Por 8 a 2, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira (6) suspender a implantação do voto impresso nas próximas eleições, atendendo a um pedido de medida cautelar feito pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge. O uso do voto impresso para as eleições deste ano foi aprovado pelo Congresso Nacional em 2015, na minirreforma eleitoral.

Posicionaram-se contra a implantação do voto impresso os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Marco Aurélio Mello, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia. Para eles, a medida representava um risco ao sigilo do voto e à confiabilidade do processo eleitoral.

O relator da ação, ministro Gilmar Mendes, decidiu submeter o pedido de medida cautelar para barrar o voto impresso diretamente ao plenário da Corte. Na sessão, o relator defendeu a implantação gradual da medida, de acordo com a disponibilidade de recurso e as possibilidades do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Apenas o ministro Dias Toffoli concordou com Gilmar.

“Eu não entendo como ilegítima a proposta de o Congresso adotar o voto impresso, mas considero que esse processo há de se fazer de maneira segura”, disse Gilmar. Em seu voto, Gilmar destacou a experiência no Distrito Federal e em Sergipe com o voto impresso nas eleições de 2002.

“O experimento que se fez à época sobre a impressão do voto resultou, na verdade, num grande tumulto, porque todos nós sabemos que pelo menos os modelos atuais das impressoras suscitam uma série de problemas”, comentou.

Um relatório da Corte Eleitoral sobre aquela eleição concluiu que a experiência “demonstrou vários inconvenientes” e “nada agregou em termos de segurança ou transparência”,

SIGILO. A divergência no julgamento desta quarta-feira foi aberta pelo ministro Alexandre de Moraes, que acreditou que os dispositivos da lei 13.165 de 2015 questionados pela PGR violam o sigilo e a liberdade do voto. Para Moraes, o voto impresso tem alta potencialidade de identificação do eleitor.

“Não é questão de economicidade ou celeridade na votação, se vai atrasar ou não, é uma questão de cunho eminentemente constitucional”, observou Moraes.

Para o ministro Luís Roberto Barroso, o custo-benefício do voto impresso é “totalmente desfavorável”. “A impressão do voto é cara e pouco acrescenta à segurança. Acho que há um retrocesso em se voltar o voto impresso. É fazer uma aposta analógica num mundo que se tornou digital”, ponderou Barroso.

Para Cármen, a confiança no sistema eleitoral é um dos pontos altos do próprio sistema político brasileiro. “O Brasil não está acostumado a ser matriz, nem de práticas, menos ainda de administração. Nos acostumamos muito a copiar. Mas no caso da Justiça Eleitoral somos matriz e exportador de modelo”, disse a presidente do STF.

“A democracia tem na sua própria característica uma dinâmica de propiciar o progresso das instituições, e não o retrocesso. Não há elementos que demonstrem haver alguma fissura ou sustentação nas desconfianças apresentadas (em relação à urna)”, ressaltou a ministra.

O ministro Luiz Fux, que preside o TSE, se declarou suspeito e não votou. Fux prometeu revogar uma licitação aberta para a aquisição de impressoras.

A medida cautelar para suspender a implantação do voto impresso vale até o STF julgar o mérito da ação. Não há previsão de quando isso vai ocorrer. (Rafael Moraes Moura, Teo Cury e Amanda Pupo)

(Fonte: O Estado de S. Paulo).