terça-feira, 5 de junho de 2018

Onde os fracos e oprimidos não têm vez

Nunca antes o Brasil teve tantos homicídios. Foram 62.517 mortes em 2016, último ano com dados disponíveis. O número equivale a um estádio do Mineirão, em Belo Horizonte, lotado de vítimas da violência ao longo de apenas um ano.

Os dados são do Ministério da Saúde e foram divulgados nesta terça-feira no Atlas da Violência 2018, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

Proporcionalmente, são 30,3 homicídios para cada 100 mil pessoas, também a maior taxa já registrada no Brasil. Para comparação, é 30 vezes a taxa da Europa.

Veja abaixo 9 dados para entender a violência no Brasil.



1) Número recorde

As 62.517 vítimas de homicídio no Brasil, em 2016, representam um recorde. É 5% mais do que no ano anterior e 14% mais do que o registrado dez anos antes. Ao longo da década de 2006 a 2016, o aumento do número de mortes foi praticamente contínuo, saindo do patamar de 49,7 mil mortes até chegar aos números mais recentes.

A taxa de homicídios de 30,3 por 100 mil habitantes, também recorde, coloca o Brasil entre os países mais violentos do mundo. A taxa mundial é menor que 10 entre 100 mil habitantes. A taxa média do continente americano, o mais violento do mundo, é metade da taxa brasileira.

Os números do Brasil podem ser ainda maiores. Alguns estudos já demonstraram que grande parte das mortes registradas como "causa indeterminada" no Brasil, especialmente as provocadas por arma de fogo, seriam na verdade homicídios.

Se o cálculo de vítimas incluísse as mortes indeterminadas por arma de fogo, por exemplo, o número de vítimas chegaria a 63.569.

2) 1 de cada 10 mortes no país foi homicídio

De acordo com o Atlas da Violência, 9,7% de todos os óbitos do Brasil em 2016 foram homicídios. Isso significa que, de cada 10 mortes, uma foi assassinato.

Entre os jovens, essa proporção é ainda mais expressiva. Assassinatos foram as causas de metade das mortes na faixa etária de 15 a 19 anos em 2016 no Brasil.

3) Norte é a região mais violenta do Brasil

Esqueça Rio de Janeiro e São Paulo. Há mais de uma década, o Sudeste não está entre as regiões mais violentas do país. A região Norte fica no topo do ranking.

Até 2006, Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste e Norte tinham taxas de homicídio parecidas, em torno de 25 por 100 mil habitantes. A partir daí, os números começaram a se distanciar. Enquanto a violência no Sudeste começou a cair, se aproximando dos níveis do Sul do país, passou a aumentar continuamente nas outras três regiões.

Uma das razões por trás dessa migração da violência do Sudeste para o Norte-Nordeste é a mudança das dinâmicas do crime organizado. O Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e o Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, passaram a disputar territórios em outras regiões do país. Ao longo desse processo, diversas facções criminosas surgiram ou se fortaleceram no Norte-Nordeste, como a Família do Norte (FDN).

De 2011 a 2015, o Nordeste foi a região mais violenta do país. Mas, em 2016, o Norte assumiu a liderança, com um aumento de mais de 10% de um ano para outro.

Veja na tabela abaixo as taxas de homicídio para cada região do país:

Homicídios Taxa de homicídio por 100 mil habitantes

BRASIL 62.517 30,3
Norte 7.902 44,5
Nordeste 24.863 43,7
Sudeste 16.815 19,5
Sul 7.288 24,8
Centro-Oeste 5.647 36,1

4) São Paulo tem queda contínua nos números.

A taxa de homicídios de São Paulo tem apresentado queda desde 2006. Naquele ano, o número era de 20,4 por 100 mil habitantes. Esse foi o ano dos maiores ataques do PCC, que paralisaram a capital e parte do Estado. Como reação, dezenas de pessoas foram mortas pela polícia nos meses posteriores.

No ano seguinte, subitamente, a taxa caiu em 24%, para cerca de 15 por 100 mil. Em 2016, chegou ao menor patamar já registrado, de 10,9 por 100 mil.

"São Paulo continua numa trajetória consistente de diminuição das taxas de homicídios, iniciada em 2000, cujas razões ainda hoje não são inteiramente compreendidas pela academia", afirma o Atlas da Violência 2018.

Entre os fatores para a queda da violência em São Paulo, o estudo cita políticas de controle de armas de fogo, melhorias no sistema de informações criminais e na organização policial, envelhecimento da população, além de um aspecto controvertido: a hipótese da "pax (paz) monopolista do PCC, quando o tribunal da facção criminosa passou a controlar o uso da violência letal, o que teria diminuído homicídios em algumas comunidades".

O governo de São Paulo sempre repeliu a hipótese de que o fortalecimento e o monopólio do PCC no Estado poderiam estar por trás da redução da violência.

Variação das taxas de homicídio por Estado, entre 2006 e 2016. Quanto mais escura a região, maior o aumento. Fonte: Atlas da Violência 2018

5) Acre é o Estado onde a violência mais aumenta
Na outra ponta, está o Acre, na Amazônia, o Estado brasileiro onde os homicídios mais aumentaram de 2015 para 2016. O crescimento foi de 65%, contra 5% de acréscimo no Brasil como um todo.

O principal motivo por trás do aumento da violência no Acre é uma guerra de facções criminosas pelo controle do tráfico de drogas na região. O Estado faz fronteira com a Bolívia e o Peru, importantes produtores de cocaína. Por volta de 2013, uma nova facção surgiu no Acre, o Bonde dos 13, aliado do PCC e rival do CV.

A violência no Acre tem requintes de crueldade. Uma forma de morte frequente são as decapitações de rivais, muitas vezes filmadas e distribuídas por WhatsApp. Leia mais sobre a situação do Acre nessa reportagem da BBC Brasil.

6) Risco para homens jovens é maior

A maior parte das pessoas assassinadas no Brasil é jovem. Das 62 mil vítimas de homicídio, 33,6 mil tinham entre 15 e 29 anos - na grande maioria, homens.

Enquanto a taxa de homicídio na população em geral é de 30,3 por 100 mil, entre os jovens é de 65,5 por 100 mil. Em outras palavras, entre os jovens, o risco de morrer assassinado é mais do que o dobro da média da população.

Já entre os homens jovens, a situação é pior ainda: 123 homicídios a cada grupo de 100 mil. É quatro vezes a média do Brasil.

Além disso, entre os jovens, o risco de homicídio está crescendo mais que o do conjunto da população. Houve um aumento de 7,4% entre 2015 e 2016, contra 5% no país em geral. Novamente, o Acre teve a maior piora - aumento de 85% no assassinato de jovens de um ano para o outro.

Protesto contra homicídio de jovens negros no Brasil; entre negros, o risco de morrer assassinado é muito maior que entre brancos.

7) Número de vítimas negras aumentou, enquanto o de brancas, caiu
Entre os negros, o risco de morrer assassinado é muito maior que entre os brancos. E essa diferença, em vez de diminuir, está aumentando.

Vamos lembrar que a taxa de homicídios no Brasil foi de 30,3 por 100 mil pessoas em 2016. Entre os negros, foi maior, de 40,2 por 100 mil. Já entre os não negros, foi menor, de 16 por 100 mil. Isso significa que os números para a população negra equivalem a duas vezes e meia o da população branca.

Em uma década, entre 2006 e 2016, a taxa dos negros cresceu em 23%. Já a dos não negros caiu em cerca de 7%.

"Os negros são também as principais vítimas da ação letal das polícias e o perfil predominante da população prisional do Brasil. Para que possamos reduzir a violência no país, é necessário que esses dados sejam levados em consideração e alvo de profunda reflexão", afirma o Atlas da Violência 2018.

8) Sete de cada 10 homicídios são provocados por arma de fogo

As armas são a principal forma de assassinato. De cada 10 vítimas, sete foram mortas por arma de fogo, em 2016.

"A maior difusão de armas de fogo jogou mais lenha na fogueira da violência. O crescimento dos homicídios no país desde os anos 1980 foi basicamente devido às mortes com o uso das armas de fogo, ao passo que as mortes por outros meios permaneceram constantes desde o início dos anos 1990", afirma o Atlas da Violência.

Em 2003, entrou em vigor no Brasil o Estatuto do Desarmamento, que dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição. Se não fosse essa lei, os homicídios teriam crescido 12% a mais, segundo o estudo.

"O enfoque no controle responsável e na retirada de armas de fogo de circulação nas cidades deve, portanto, ser objetivo prioritário das políticas de segurança pública", completa a publicação.

Denúncias podem chegar por diversos canais – mas raramente são as próprias crianças que denunciam

9) 51% das vítimas de estupro são crianças
Os dados sobre estupro no Brasil não são precisos. É um crime com uma elevada subnotificação, ou seja, muitos casos não são registrados oficialmente e não entram nas estatísticas.

Existem duas fontes principais de dados de estupro no Brasil: os registrados nas polícias, quando é apresentada queixa, e os notificados pelo sistema de saúde, quando a vítima vai buscar atendimento médico. Enquanto a polícia registrou 49,5 mil estupros em 2016, a saúde contabilizou 22,9 mil.

Apesar de notificar menos que a polícia, a saúde tem dados muito mais completos. É possível saber, por exemplo, a idade da vítima, o grau de relação com o abusador e se foi um estupro coletivo ou não.

Um dos dados mais chocantes é que mais de metade das vítimas de estupro são crianças até 13 anos (51%). Foram abusadas, na sua maior parte, por amigos ou conhecidos (30%) e pai ou padrasto (24%). Apenas 9% são abusadores desconhecidos. Leia mais sobre o estupro de crianças nessa reportagem da BBC Brasil.

Adolescentes de 14 a 17 anos são 17% das vítimas. Nessa faixa etária, os desconhecidos passam a ser os principais abusadores (32%), seguidos de amigos e conhecidos (26%).

Entre as mulheres maiores de idade, que são 32% das vítimas de estupro, metade dos agressores são desconhecidos.

Os dados também revelam que duas de cada 13 vítimas sofreu estupro coletivo (por mais de um abusador). Além disso, muitas mulheres são vítimas de estupro mais de uma vez na vida. De cada 10 vítimas atendidas pela rede de saúde em 2016, quatro já tinham sido estupradas em outra ocasião.

(Fonte: BBC Brasil).

quinta-feira, 31 de maio de 2018

Anarquia geral, o alvo agora é a Petrobrás

Para evitar o alastramento de uma greve de petroleiros que poderia atingir proporções nacionais, a exemplo do que ocorreu com a paralisação dos caminhoneiros, a Petrobras criou uma força-tarefa que envolveu desde os celulares de funcionários em todo o país até o Tribunal Superior do Trabalho, em Brasília - passando pela presença de forças policiais na sede da empresa, no Rio de Janeiro.

Por volta das 6h da manhã da quarta-feira, 30, vídeos gravados por gerentes executivos de diferentes áreas começaram a ser divulgados em grupos de funcionários da empresa no WhatsApp - aplicativo também usado pelos grevistas como ferramenta de articulação, a exemplo do que ocorreu com os motoristas de caminhões.

Segundo relatos de empregados da companhia, os filmes teriam sido encaminhados por chefes a funcionários de confiança, que por sua vez distribuíram as imagens para grupos mais amplos, que incluem simpatizantes da greve.

À BBC Brasil, a Petrobras confirmou o uso do aplicativo de mensagens, mas afirmou que o recurso atende a uma demanda dos próprios funcionários.

Paralelamente ao mutirão interno, a empresa recorreu ao Tribunal Superior do Trabalho (TST) e pediu a proibição da greve, cuja duração inicial seria de 72 horas.

A ministra Maria de Assis Calsing, do TST, não só atendeu ao pedido como impôs multa diária de R$ 500 mil aos sindicatos, em caso de desobediência - o valor foi aumentado para R$ 2 milhões na quarta-feira.

"Trata-se, a toda evidência, de greve de caráter político", argumentou o Tribunal ao proibir a paralisação "diante do caráter aparentemente abusivo da greve e dos graves danos que dela podem advir".

Para os adeptos da greve, no entanto, a medida foi vista como inconstitucional, já que qualquer decisão, vinda dos funcionários ou da diretoria da estatal, tem efeitos políticos.

Fontes dentro da empresa também fotografaram carros de polícia na entrada de escritórios no Rio de Janeiro, onde fica a sede da petroleira - questionada pela reportagem, a Petrobras se recusou a confirmar ou negar envolvimento institucional com a presença policial.

Brasil precisa dobrar investimento por 25 anos para ter infraestrutura de transporte com 'mínimo de qualidade'.

Depois de conseguir adesão de funcionários de 25 plataformas petroleiras e paralisar três, segundo a FUP (Federação Única dos Petroleiros), a greve arrefeceu após pouco mais de 24h.

A ofensiva simultânea conseguiu a paralisação a apenas 5% das unidades da empresa, segundo dados divulgados nesta quinta-feira pela Petrobras. A própria FUP orientou o retorno ao trabalho após o aumento da multa imposta pelo TST, mas sindicalistas ainda não haviam decidido se acatavam ou não a decisão até o início da tarde.

Entre as principais bandeiras dos grevistas estão a demissão do atual presidente da Petrobras, Pedro Parente; a redução dos preços dos combustíveis, incluindo gasolina, gás natural e diesel; e o fim das vendas de ativos da empresa (que prevê arrecadação de 21 bilhões de dólares, ou quase R$ 80 milhões, até o fim do ano).

Demanda ou constrangimento?

A crescente polarização vista nas ruas quando o assunto é a Petrobras é ainda mais intensa dentro dos corredores, plataformas e grupos de WhatsApp de funcionários da petroleira.

Paralisação de caminhoneiros é um misto de greve e locaute, diz sociólogo do trabalho
Desde a posse de Pedro Parente, nomeado por Michel Temer em 2016, um racha sobre privatizações e a política de preços dos combustíveis divide servidores.

A BBC Brasil teve acesso aos vídeos enviados por executivos aos funcionários pelo aplicativo de mensagens, e posteriormente publicados na intranet da companhia.

Crise revela dependência de transporte rodoviário que é 'mais barato e dá voto'
Apresentados por executivos de áreas como Recursos Humanos, Finanças, Controladoria e Programação e Controle Operacional, eles citavam "impactos da greve dos caminhoneiros sobre a população", criticavam "investimentos que não trouxeram o retorno esperado, além de perdas com a nossa politica de preços no passado", em referência ao governo de Dilma Rousseff, e "informações desencontradas" sobre a política de preços da empresa e os custos de produção da gasolina e do diesel.

Procurada pela reportagem, a Petrobras reconheceu os envios e afirmou, em nota, que "a empresa está utilizando todos os seus canais de comunicação interna para a disseminação das informações e alguns dos materiais produzidos também foram enviados para celulares corporativos, trazendo mais agilidade e dinamismo à comunicação".

Ainda segundo a empresa, "o envio por celular atende à demanda dos próprios empregados, tanto de áreas operacionais quanto daqueles que trabalham nos escritórios".

"Celular e o WhatsApp da maioria dos empregados é particular. Se a empresa oficialmente pede que os outros gerentes enviem mensagens para os telefones particulares dos empregados com essa propaganda institucional, acho que há um erro de invasão de privacidade neste momento", disse à BBC Brasil o servidor Herbert Teixeira, diretor da Associação de Engenheiros da Petrobras (AEPET), que não tem vínculo sindical, mas dá apoio à greve.

Lideranças dos sindicatos foram além. "As mensagens visam com certeza a um constrangimento. Usaram a condição deles de chefes para propagar uma ideia única, sem respeitar o conjunto de ideias que existe na empresa", disse Natalia Russo, diretora do Sindipetro.

A diretoria da empresa nega constrangimentos.

"Considerando os temas que estão sendo amplamente discutidos pela sociedade e que tiveram sua exposição potencializada em função da greve dos caminhoneiros, a Petrobras está realizando também esclarecimentos específicos para seu público interno. Exemplos desses temas são a política de preços da Petrobras, comparativo de preços em outros países e carga processada nas refinarias, entre outros", afirmou a companhia.

Guerra de versões

Como vem ocorrendo nas redes sociais desde o início da greve dos petroleiros, a política de preços da Petrobras é um dos principais focos de tensão entre os servidores.

"A gente não pode vender o filé mignon abaixo do custo do boi", diz um dos gerentes executivos da empresa nos vídeos enviados pelo WhatsApp.

Até 2015, no governo Dilma, os preços da gasolina e do diesel eram controlados por decisões do governo, independentemente do valor do petróleo no exterior.

Desde o início do governo Temer, em 2016, os reajustes nos preços dos combustíveis nas refinarias passaram a ser determinados pela Petrobras de acordo com variações do dólar e do petróleo no mercado internacional.

A partir de julho de 2017, a empresa passou a realizar ajustes nos preços "a qualquer momento, inclusive diariamente", como afirmou na época. Em dezembro, pela primeira vez desde o início da nova política, o litro de gasolina ultrapassava a barreira dos R$ 4 nos postos.

Para os diretores da empresa, o controle nos preços reduziria a competitividade da Petrobras em leilões e aprofundaria a dívida da empresa.

"Em 2015 por exemplo, nossa taxa de juros chegou a 15%, com uma concentração em torno de R$ 40 bilhões de dívida vencendo em 2 anos", diz uma das gerentes nos vídeos enviados por WhatsApp. "(Isso) criou uma grande incerteza no mercado em relação à nossa capacidade de pagamento."

A ala descontente discorda da estratégia.

Segundo a associação dos engenheiros, a alta nos preços do combustível com a nova política abre espaço para os concorrentes, encolhendo a atuação da Petrobras no país - consequentemente, reduzindo seus lucros que poderiam aplacar a dívida.

"A estatal perdeu mercado e a ociosidade de suas refinarias chegou a um quarto da capacidade instalada. O diesel importado dos EUA, que em 2015 respondia por 41% do total, em 2017 superou 80% do total importado pelo Brasil. Ganharam os produtores norte-americanos, os traders multinacionais, os importadores e distribuidores de capital privado no Brasil. Perderam os consumidores brasileiros, a Petrobras, a União e os estados federados com os impactos recessivos e na arrecadação", diz a AEPET.

Judicialização da greve

A decisão pela aplicação de multa pelo TST foi recebida com surpresa pelos sindicalistas.

Na opinião da empresa, a "decisão liminar do Tribunal Superior do Trabalho reconhece a abusividade do movimento grevista".

"Sobre a paralisação dos petroleiros, a Petrobras informa que todas as suas unidades estão operando. A greve já foi encerrada em mais de 95% de suas unidades. Onde ainda é necessário, equipes de contingência atuam e a situação caminha para a normalidade e para o encerramento do movimento. Não há impacto na produção nem risco de desabastecimento", diz a estatal em nota.

Já a porta-voz do Sindipetro classifica a decisão do TST como inconstitucional.

"São os trabalhadores que autonomamente devem definir os interesses que buscam defender. A política interfere no nosso dia a dia de trabalho", disse Natalia Russo à BBC Brasil

"A decisão do (Michel) Temer e (Pedro) Parente de vender refinarias, dutos, terminais, FAFENs (fábricas de fertilizantes) e campos de petróleo é política. O aumento dos preços dos combustíveis também foi uma medida política (....) Não podemos protestar através de uma greve mesmo que isso esteja interferindo diretamente na nossa segurança no emprego e nos nosso direitos?", prossegue. "O que é abusivo é a privatização e o aumento dos preços dos combustíveis em mais de 50%", diz Russo.
(Fonte: BBC Brasil).

quarta-feira, 30 de maio de 2018

Porandubas Políticas

Por Torquato Gaudêncio

Abro a coluna com uma pequena oração:
"Quiçá o Brasil entre urgente na normalidade com o final de greves e paz social".
E por lembrar o advérbio quiçá (quem sabe, talvez), brindo os leitores com uma mineira historinha.
Quiçá e cuíca
Benedito Valadares, governador, foi a Uberaba para abrir a Expozebu. E passou a ler o discurso preparado pela assessoria. A certa altura, mandou ver: "cuíca daqui saia o melhor gado do Brasil". Ali estava escrito: "quiçá daqui saia o melhor gado". A imprensa caiu de gozação. Passou-se o tempo. Tempos depois, em um baile na Pampulha, o maestro, lembrando-se do famoso discurso na terra do zebu, começou a apresentar ao governador os instrumentos da orquestra. Até chegar na fatídica cuíca. E assim falou: "e esta, senhor governador, é a célebre cuíca". Ao que Benedito, desconfiado, redarguiu com inteira convicção:
- Não caio mais nessa não. Isto é quiçá!
(Historinha enviada por J. Geraldo)
Panorama crítico
A situação está prá lá de crítica. É a primeira observação deste analista político. Ao longo de minha vida jornalística, poucas vezes presenciei tanto estrangulamento na vida produtiva do país. Esta greve dos caminhoneiros excede todas as expectativas. E sinaliza interesses outros que não as efetivas e legítimas demandas das categorias. Há grupos interessados em manter a bagunça; oportunistas de plantão; militantes a serviço de partidos. (O governo teria identificado três movimentos políticos - "Intervenção militar já", "Fora Temer" e "Lula livre" - infiltrados na paralisação dos caminhoneiros.). Eles não levantam bandeiras porque seriam escorchados. E saudosistas das ditaduras, que brandem discursos intervencionistas.
Governo tardou
Vamos à análise do movimento paredista. Como escrevi, ontem, na Folha de S.Paulo, o governo enfrenta um dilema, que Carlos Matus, o famoso cientista social chileno e ex-ministro de Allende, resume com essa frase: "não é possível combinar sacrifícios econômicos e recessão transitória com crescimento econômico, aumento do emprego e Justiça social". A greve dos caminhoneiros coloca o governo diante do desafio: equilibrar os três cinturões que balizam uma administração pública: o econômico, o social e o político.
Concessões
Ademais, o governo montou um pacote de concessões, fez um primeiro acordo sem todos os representantes das categorias envolvidas na greve, fez um segundo acordo, complementando o primeiro, mas sem as garantias de que os caminhoneiros iriam desbloquear as estradas e acabar com a greve. Foi o que não aconteceu. Mobilizou as Forças Armadas, mas, pelo que se sabe, apenas alguns cabos e sargentos tomaram a direção dos caminhões. Afinal, para onde ir, que lugares deveriam receber as cargas etc. Pareceu um grande improviso. A comunicação do governo, mais uma vez, foi um desastre. O presidente está fazendo das tripas coração para ele mesmo ser o principal porta-voz governamental.
Primeiro, a economia
O equilíbrio entre os cinturões é responsável pela fortaleza ou fragilidade das ações governamentais. Os campos se imbricam de forma que o sucesso alcançado por um afeta o outro. Tomemos a economia: se produzir resultados de forma a resgatar a confiança dos setores produtivos, a frente política tende a olhar de maneira simpática para a gestão, com a consequente aprovação de projetos do Executivo. Foi o que se viu nos primeiros tempos da gestão Temer. A linha adotada inicialmente pelo governo foi bem-sucedida, mas no que se refere à política de preços dos combustíveis, elogiada nos primeiros momentos e que propiciou loas ao presidente da Petrobras, Pedro Parente, hoje é alvo das críticas.
Dolarizar a gasolina
Dolarizar o preço da gasolina, aumentá-lo ou diminuí-lo de acordo com a oscilação do preço do barril de petróleo no mercado internacional, criou por aqui uma gangorra, com remarcações quase diárias na bomba. O impacto no bolso de caminhoneiros foi jogado no colo de um governo que, ao contrário da administração Dilma, não represou preços. E isso tirou a Petrobras do buraco. Mas a fatura chegou com uma gigantesca greve que paralisou setores vitais. As concessões feitas pelo governo ao setor do diesel motivam outras áreas a fazer exigências. O horizonte sinaliza nuvens pesadas.
Horizontes sombrios
Veja-se essa greve dos petroleiros marcada para hoje e com duração de 72 horas. Junta a fome com a vontade de comer. Ou seja, será mais um movimento a paralisar o país. Como atender às demandas de petroleiros, entre as quais o congelamento de preços dos combustíveis, a demissão do presidente da Petrobras, Pedro Parente, a suspensão de importação de diesel e gasolina? Os cofres do Tesouro não suportarão estender benefícios a torto e a direito, política que quebraria a coluna vertebral que segura a economia. O afrouxamento do cinturão econômico ameaça desfazer a identidade reformista do governo.
O cinturão social
Já a área social ressente-se do seu pequeno PNBF (Produto Nacional Bruto da Felicidade), a partir do desemprego em massa e parcos resultados que a economia joga em seu bolso. Se a locomotiva econômica dá sinais nesse momento das dificuldades para puxar os vagões do trem - ainda mais com os efeitos deletérios da greve dos caminhoneiros - a ruptura social é o desenho à vista. O fato é que a administração não tem tido a capacidade de "fazer com que as coisas aconteçam" dentro de parâmetros de normalidade. A rigidez nas contas públicas começa a perder força, derrubada pela pororoca que aumenta as carências e corrói as esperanças do povo. O temor é que o descarrilamento do trem econômico puxe dissabores por todos os lados. A sociedade, em peso, abrirá sua expressão de indignação.
Impacto no governo
As elogiadas iniciativas governamentais - teto de gastos, reforma trabalhista, reforma educacional, terceirização, recuperação da Petrobrás e do Banco do Brasil, resgate da credibilidade do país - serão empurradas para longe pelos destroços que a greve provoca no seio social. E se outros movimentos emergirem com pautas reivindicatórias e de difícil atendimento? De onde o governo vai tirar recursos para ajustar, ao mesmo tempo, os cinturões econômico e social? O efeito "pedrinhas do dominó" abrirá imensa cratera no meio da sociedade.
O cinturão político
O terceiro cinturão é o político, que também se apresenta frouxo e esgarçado. Em ano eleitoral, os representantes adotam uma postura de resguardo, voltando-se (e até votando) contra um governo impopular. Não se pode contar com o cinturão político para ajudar o governo a aprovar medidas fundamentais ao crescimento. Partidos, grupos, operadores de estruturas disputam espaços de poder em torno de uma Torre de Babel. Ninguém se entende. Não é improvável vermos o pleito de outubro com multidões nas ruas. O momento exige bom senso.
A quem interessa a baderna?
Aos extremos: da esquerda e da direita. Esse ensaio nas avenidas de São Paulo e em algumas estradas pedindo "intervenção militar" sinaliza na direção do perfil identificado com "militarismo", força, ordem na bagunça: o capitão Jair Bolsonaro. Do lado extremo do arco ideológico, a extrema esquerda quer revanche ao que considera "um golpe", Michel Temer na presidência. O "quanto melhor, pior" pode funcionar como meio de pressão para tirar "o santo Luiz Inácio" da cadeia. Há, portanto, uma orquestração com essa melodia. Inclusive com a expressão de alguns militares de alta patente que, já de pijama, usam as redes sociais para falar de política. Já Bolsonaro percebeu que a intervenção militar acabará batendo na testa dele: as classes médias não entrariam nessa engabelação. E já começa a recuar.
Crise sistêmica
O fato é que o movimento paredista dos caminhoneiros bateu em muitos setores da vida cotidiana: supermercados sem produtos essenciais; hospitais e postos de saúde sem remédios; mobilidade urbana prejudicada; sistema educacional sem aulas; usinas siderúrgicas paradas e sem produção de aço; um bilhão de aves mortas nos próximos cinco dias se o desabastecimento continuar; 20 milhões de suínos mortos; impossibilidade de transportar essa massa; risco de contaminação de áreas e rebanhos; cirurgias impedidas e adiadas, etc. Imaginem a soma de toda essa destruição. Bilhões e bilhões. O país atrasa um bom tempo em seu percurso civilizatório.
Mais impostos
O temor de agravamento do clima social é imenso. A solução que o governo apresenta para ressarcir a conta das concessões é o aumento de impostos, a reoneração das folhas de pagamento (o ministro Eduardo Guardia desmentiu um dia depois de ter anunciado o aumento em entrevista coletiva). Ora, os trabalhadores e as empresas não aguentam mais - uma fração mínima que seja - aumento de tributos e impostos. A carga tributária chegou ao pico. A revolta dos setores organizados da sociedade - as grandes entidades - se somará ao clamor de todos. E os efeitos se voltarão como um bumerangue contra o governo. A turma do gogó, que pede renúncia ou afastamento do presidente, vai escancarar a goela.
Ibope em SP
1º cenário
Pesquisa Ibope feita em São Paulo com 1.008 eleitores e divulgada neste 29 de maio revelou, no 1º cenário: 1) Lula, 23%: 2) Jair Bolsonaro; 19%: 3) Geraldo Alckmin, 13%; 4) Marina Silva, 9%: 5) Ciro Gomes, 3%; 6) Álvaro Dias, 2%; 7) Fernando Collor de Mello, Henrique Meirelles, João Goulart Filho e Rodrigo Maia, 1%. Os outros não pontuaram. Brancos e nulo, 21%. Não sabe/não respondeu, 5%.
2º cenário
1) Jair Bolsonaro, 19%; 2) Geraldo Alckmin, 15%; 3) Marina Silva, 11%; 4) Ciro Gomes, 7%; 5) Álvaro Dias, 3%; 6) Fernando Haddad, 3%. Com 1% estão Henrique Meirelles, Fernando Collor de Mello, João Goulart Filho, Rodrigo Maia, Aldo Rebelo, Guilherme Boulos, João Amoêdo, Levy Fidelix, Manoela D'Ávila, Paulo Rabelo de Castro e Flávio Rocha. Brancos e nulos, 27%; Não sabe/não respondeu, 4%.
3º cenário
1) Jair Bolsonaro, 20%; 2) Geraldo Alckmin, 15%; 3) Marina Silva, 12%; 4) Ciro Gomes,7 ; 5) Álvaro Dias, 3%; 6) Henrique Meirelles, 2%. Com 1%: Aldo Rebelo, Fernando Collor de Melo, Flávio Rocha, Guilherme Boulos, João Goulart Filho, Rodrigo Maia, João Amoêdo, Levy Fideliz e Manuela D'Ávila. Os demais não pontuaram, incluindo o candidato do PT nesse cenário, Jaques Wagner. Brancos e nulos, 27%. Não sabe/não respondeu, 4%.
Torquato Gaudêncio, Jornalista e consultor de marketing político, é Professor Titular na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.

quinta-feira, 24 de maio de 2018

Só dá artista

Por Edson Vidigal

Nem se contam os que desde antanho tem escrito sobre as artes mais diversas.

Como até a política é uma arte - arte do possível, segundo Bismarck, logo tudo o mais que se faça com algum engenho é arte.

Nos antigos filmes de faroeste, o mocinho também chamado de artista, estava sempre em luta contra os fora da lei também chamados de bandidos.

Os dois lados tem grandes artistas, é claro. Mas ninguém quer ser visto como bandido. Todo mundo só quer ser o artista.

Daí dizer-se que na política nacional, incluindo, por obvio, o nosso Maranhão não tem bandido. Só tem artista. Melhor dizendo, nos enredos da politica todo mundo só quer ser o artista.

Da arte do possível à arte da guerra quase não há mais nada que o engenho humano não tenha afirmado como arte.

Chegou ha pouco dos Estados Unidos da América um livro muito esclarecedor – A molécula da Moralidade, de Paulo Zak. Essa molécula contém a substancia responsável por despertar o melhor em cada um de nós.

A molécula da moralidade faz, por exemplo, com que as mulheres, no geral, sejam mais generosas do que os homens.

Já os homens muitos dos quais até inspiram uma boa impressão podem, por deficiência na molécula, se revelarem nada generosos.

Com a molécula da moralidade em baixa, os homens de negócios, em geral, e os políticos, em especial, podem se revelar pessoas perigosas – cínicos, mentirosos, déspotas, insensíveis, mestres na arte de iludir e enganar.

Seriam verdadeiramente os artistas do bem se os seus cérebros não se ressentissem da molécula da moralidade.

Agora pesquisadores da Universidade de Duke, também nos Estados Unidos, anunciam que os lóbulos temporal e parietal (acima das orelhas), são ativados quando um alguém quer enganar outro alguém.

Essa conclusão foi tirada do mapeamento dos cérebros dos jogadores de pôquer na área conhecida como extremo posterior do sulco lateral.

Talvez, por isso, os mais antigos tivessem razão quando inventaram o popular puxão de orelhas.

Essa área das orelhas não é ativada quando jogo é contra um computador, por exemplo. Daí a prova de que blefar ou não muda conforme as relações sociais entre os jogadores oponentes.

A pesquisa revelou ainda que antes do jogo todos os contendores mostram-se afetuosos e cordiais, mas na medida em que a pendenga segue eles vão se hostilizando discretamente, algo assim como dois candidatos de uma mesma coligação disputando um único lugar disponível.

Em duas outras, igualmente famosas Universidades norte-americanas, a de Harvard e a de Utah, descobriu-se que as pessoas, no geral, tendem a ser mais honestas no período da manhã.

Este fenômeno foi classificado pelos cientistas efeito da moralidade matinal.

Isso tudo me leva a imaginar que as coisas por aqui nesta encardida Ilha do Amor ainda não estão num limite tão extremo de desesperança.

É possível que a molécula da moralidade se normalize às tantas da madrugada quando a capacidade de blefar, inclusive no pôquer, já estará um tanto exaurida.

Depois, é botar a cambada do governo e a cambada da oposição para trabalhar intensamente na parte da manhã. Segundo os cientistas, as maiorias das governabilidades tendem a ser mais desonestas no período da tarde.

Edson Vidigal, Advogado, foi presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal.

Greve chegando ao fim

Depois de sete horas de reunião em Brasília, o governo e parte das associações de caminhoneiros anunciaram um acordo para suspender a paralisação da categoria por 15 dias.

Eliseu Padilha, Eduardo Guardia e outros ministros estão dando entrevista coletiva sobre o assunto neste momento. O ministro da Casa Civil já prometeu reduzir a zero a Cide para o ano de 2018.

O representante de uma associação, contudo, disse que manterá o movimento. A paralisação, que começou na segunda-feira, afeta estradas de 22 estados e do Distrito Federal.

O acordo prevê que o desconto de 10% sobre o preço do diesel será mantido por 30 dias,

Após uma tarde de reunião com os caminhoneiros, o ministro Eduardo Guardia (Fazenda) anunciou há pouco um acordo para encerrar a greve da categoria, iniciada na segunda-feira.

O acordo prevê que o desconto de 10% sobre o preço do diesel será mantido por 30 dias, período maior que o oferecido ontem pelo presidente da Petrobras, Pedro Parente.

Outro item do acordo prevê o prazo de 30 dias para reajuste dos combustíveis. (Fonte: O Antagonista).

Noticias falsas aquecem a crise

                              Consumidores em supermercado. (foto de arquivo - Tânia Rêgo, Agência Brasil).

 Já há áudios falsos de WhatsApp sugerindo 'corrida' às compras por causa da greve dos caminhoneiros. Os quatro dias consecutivos de greve de caminhoneiros não apenas dominaram a pauta do governo em Brasília, mas também provocaram uma corrida aos postos de gasolina e temores de desabastecimento em supermercados.

A crise é terreno fértil, ainda, para boataria e notícias falsas difundidas por redes sociais e aplicativos de mensagens. No WhatsApp, gravações de áudio que circulam em grupos já sugerem às pessoas que "se previnam".

"Olá, pessoal, aqui quem fala é o presidente do Sindicato dos Caminhoneiros do Brasil. Quero falar para vocês se prevenirem, avisem suas famílias, vão no mercado, comprem comida, abasteçam seus carros, se previnam. Vai trancar tudo. (...) A guerra está começando. Greve já", diz uma gravação que tem circulado pelo aplicativo de mensagens.

Crise revela dependência de transporte rodoviário que é 'mais barato e dá voto'

Grupos pró-intervenção militar tentam influenciar rumo de greve dos caminhoneiros
Trata-se de uma notícia falsa: não existe um "Sindicato dos Caminhoneiros do Brasil" e, embora a greve de fato afete momentaneamente a distribuição de combustível e produtos, não há, segundo especialistas ouvidos pela BBC Brasil, a menor necessidade de estocar alimentos para o longo prazo, como para semanas ou para mais de um mês.

"É impensável pensar num prazo desses no Brasil", diz Maurício Lima, sócio-diretor da consultoria Ilos, especializada em logística e distribuição. Segundo ele, o fornecimento em grandes cidades como São Paulo tende a se normalizar muito rapidamente depois da greve.

Hoje, a distribuição de alimentos nas cidades funciona com as próprias empresas de varejo tendo seus centros de distribuição regionais, que fazem a entrega para as lojas com frequência diária ou semanal.

"O estoque não fica mais na loja. Então, uma falta de combustível pode gerar uma certa escassez momentânea, mas assim que a greve acabar, o retorno dos produtos às gôndolas também é imediato, porque não depende da indústria. O estoque já está lá", explica Lima.

O fornecimento de perecíveis é um pouco mais afetado e pode gerar alguns prejuízos, mas nada que prejudique a distribuição no longo prazo e justifique a montagem de um estoque em casa.

"As pessoas têm uma capacidade de se contagiar muito fácil e muito grande, gerando uma ansiedade e um medo que não correspondem ao problema real", diz ele.

'Profecia autorrealizável'

"É uma profecia autorrealizável. Se todo mundo quiser fazer uma estoque em casa com medo de falta de produtos, vai provocar uma escassez que normalmente não haveria", afirma Lima.

Se muitas pessoas correm a um supermercado ao mesmo tempo, é maior a chance de um desabastecimento realmente acontecer, assim como a corrida desenfreada a um banco por temor de ele quebrar pode fazer com que o banco de fato quebre, porque não haverá dinheiro suficiente para suprir a demanda "surpresa".

É o que economistas chamam de "a tragédia dos comuns". Nas circunstâncias em que todos compartilhamos dos mesmos recursos, pessoas agindo racionalmente em interesse próprio acabam tendo um comportamento coletivo irracional e que prejudica a todos - esgotando os recursos comuns.

"A ameaça de um furacão nos EUA também leva as pessoas a correrem aos supermercados. Chamamos isso de 'prova social'", diz à BBC Brasil o economista Robson Gonçalves, coordenador do curso de Neurobusiness da FGV-SP.

"Se você passar na rua e vir todo o mundo olhando para o céu, fará o mesmo, com medo de perder algo. Se todo mundo no seu trabalho participar do bolão da loteria, você participará também, com medo de ficar de fora. É um comportamento comum em momentos críticos."

Esse "medo de ficar de fora" também é um dos fenômenos que explicam as bolhas econômicas: muitas pessoas embarcam em uma tendência de compra de ações sem avaliar os riscos, só porque os colegas então comprando, o que acaba gerando uma supervalorização de um ativo que não tem tanto valor e causando a bolha.

Greve de caminhoneiros tem prejudicado o abastecimento de insumos

É o mesmo movimento que explica a queda de 14% nas ações da Petrobras de quarta para quinta-feira, segundo Otto Nogami, do Insper.

"Não haveria razão para um queda tão significativa. À medida que a Petrobras admite que vai reduzir os preços e fica a impressão de que o governo vai interferir na estatal, algumas pessoas são levadas a vender os papéis. Quando várias pessoas começam a seguir essa tendência, há um efeito cascata", diz Nogami.

Prejuízo

Além disso, reações de consumo impulsivas e irracionais podem por vezes beneficiar mais o vendedor do que o comprador.

"Quando você vai comprar uma passagem aérea na internet e lê que 'só há mais duas passagens disponíveis para esse voo', desperta em si um processo de medo e defesa (que a faz comprar)", prossegue Gonçalves.

Esse é outro ponto a se pensar antes de correr a postos e mercados: vendedores com frequência se aproveitam disso para vender mais e mais caro, sabendo que a demanda irracional pagará o que for pedido.

Ao estocar um produto em alta de preços nesse momento de pânico, o consumidor pode pagar mais caro por algo que dali a alguns dias já teria uma distribuição regularizada e um preço normal.

Ações irracionais e seus impactos no comportamento socioeconômico das pessoas são há tempos estudadas pelos economistas e psicólogos.

Redução no abastecimento da Ceasa do Rio de Janeiro por causa da greve; consumidores podem aproveitar o momento para refletir sobre suas prioridades

O psicólogo israelo-americano Daniel Kahneman, por exemplo, ganhou o prêmio Nobel de Economia de 2002 por seus estudos mostrando que tomamos decisões com base em um processamento limitado das informações disponíveis, por conta de vieses cognitivos, incluindo nosso interesse próprio, confiança excessiva ou experiências prévias, além da incapacidade do cérebro em lidar com múltiplas variáveis ao mesmo tempo.

Como reagir?

Mas, então, como responder de modo mais eficiente a crises como a greve atual?

Pessoas que tenham urgência para viajar ou precisem de um determinado insumo podem não ter como escapar de determinadas filas nos postos ou preços elevados.

Mas, ao público geral, a recomendação de Gonçalves, da FGV-SP, é justamente racionalizar em momentos críticos - e priorizar. Ao enfrentar uma escassez momentânea, pensar em quais produtos essenciais podem acabar em sua casa no curto prazo, mas evitando fazer estoques desnecessários.

"Com falta eventual de determinado produto, buscar um substituto", diz Nogami, do Insper.

"Em um mundo com excesso de opções de consumo, não estamos mais acostumados a priorizar", diz Gonçalves. "Mas podemos aproveitar momentos como este para refletir: o que é realmente prioridade e quais as consequências de nossas escolhas? O foco nessas horas vai ajudar a tornar as decisões mais racionais."

Mauricio Lima afirma que, mesmo que a greve continue, as empresas serão forçadas a buscar uma solução. "Nem que seja pressionando por um acordo entre os grevistas e o governo." (Fonte: BBC Brasil).

quarta-feira, 16 de maio de 2018

Fran segue presidindo o INSS

O presidente do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Francisco Lopes, o Fran, ainda não foi demitido do cargo, ao contrário de notícia vazada pelo ministro Alberto Beltrame (Desenvolvimento Social), em razão de um contrato de R$8,8 milhões assinado por Lopes com a RSX Informática Ltda, empresa sediada em um depósito de bebidas. O ainda presidente do INSS foi chamado para uma reunião às 15h no Gabinete Civil, com o ministro Eliseu Padilha.

Lopes já rescindiu o contrato e informou que a empresa não foi escolhida em licitalção no âmbito do INSS, e sim por meio de processo de adesão a ata de registro de preços do Ministério da Integração. Essa modalidade, prevista em lei, permite que um órgão público assine contrato com empresa que tenha vencido licitação para contrato semelhante em outro órgão público. A RSX Informática venceu licitação no Ministério da Integração e foi contratada também pela Funasa, com base no mesmo processo. Em 2017, o INSS realizou a "prova de conceito" junto com os técnicos, em data anterior à posse de Lopes no cargo.

Beltrame disse ter consultado Padilha, e o líder do governo, o deputado André Moura (PSC-SE), que resiste à demissão até porque apadrinhou a indicação de Lopes e conhece detalhes da contratação. Moura está convencido da lisura do presidente do INSS.

Em nota ignorada pelo ministro, o INSS informou que já havia cancelado o contrato com a empresa RSX Informática   por determinação de Francisco Lopes, que assumiu a presidência do órgão em novembro do ano passado após a saída do então presidente, Leonardo Gadelha. Até a nomeação, Lopes era assessor da Presidência da Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Dataprev). (Fonte: Diário do Poder).

quinta-feira, 10 de maio de 2018

O Direito de Nascer

Por Edson Vidigal

Já na lua de mel, Dorothy se deu conta do tremendo erro. Leslie não era nada do homem charmoso que a encantara. Do original mesmo, só os olhos azuis. Era beber e partia para cima dela.

Decidida a ir embora, descobriu-se grávida. Nasceu um menino – Leslie Lynch King Jr. Dois meses depois, o pai armado com uma faca de açougueiro tentou matar Dorothy, a criança e a babá.

Omaha, a pequena cidade do Nebraska, United States, onde isso se deu, foi página virada. Dorothy, foi morar com o filho em Grand Rapids, cidadezinha de Michigan, na casa de Adele e Levi Gardner, seus pais.

O garoto cresceu achando que o novo marido de Dorothy - pequeno comerciante de tintas, respeitado como honesto e trabalhador - era o seu pai. Na verdade, em tudo diferente do pai biológico, um filho de banqueiro.

Adotando o nome do padrasto – Gerald, destacou-se como atleta no time da escola, podia declamar longos poemas que a mãe lhe impunha decorar como forma de castigo a atitudes violentas que faziam lembrar Leslie, o beberrão.

Gerald Ford foi Deputado Federal por Michigan durante 25 anos. Spiro Agnew, Vice na chapa de Nixon, renunciou sob acusações de corrupção. Ford foi escolhido pelo Congresso para substitui-lo. Engolfado pelo furacão de Watergate, Nixon renunciou.

O Presidente Gerald Ford estava em seu gabinete no Salão Oval quando Henry Kissinger, Secretário de Estado, adentrou entregando-lhe um documento – “Memorando de Estudo de Segurança
Nacional – Implicações de Crescimento Populacional Mundial para a Segurança e os Interesses Ultramarinos dos Estados Unidos”. No total198 páginas.

A ideia básica - estancar o crescimento populacional dos países pobres nos quais os Estados Unidos tinham interesses económicos, estratégicos e tal. O Brasil estava na lista junto com Bangladesh, Paquistão, Nigéria, Egito, Turquia e quejandos.

Na pág. 17, a recomendação – “Deve-se dar prioridade ao programa geral de assistência às políticas seletivas de desenvolvimento nos setores que ofereçam mais pessoas a querer famílias menores”.

Não são poucos ainda hoje os países que adotam políticas para controle da natalidade. A Constituição de 1988 é a primeira na história do Brasil na abordagem. (Art. 226, § 7º.)

Uma nova questão agora preocupa a ciência. Até há pouco tínhamos o mal costume de culpar a mulher por nunca engravidar. Hoje os estudos se ocupam com a qualidade do sêmen do homem.

Já é tranquilo que essa infertilidade, hoje afetando mais de 48 milhões, tem como causa até aqui os abusos no álcool, o uso do cigarro e substancias químicas de pesticidas, solventes e recipientes de plástico.

Inflexível em suas políticas de controle da natalidade, a China, não obstante, mantém bancos de espermas. Mas o doador não pode ser qualquer um. Maiores de 45 anos, calvos, obesos ou daltônicos nem pensar.

Abro aspas. “Os candidatos devem apoiar a liderança do Partido Comunista”. Os aprovados nesse vestibular da inseminação são recompensados com 800 (oitocentos dólares). Por enquanto já são 23 (vinte e três) bancos de esperma.

Despiciendo lembrar que a China possui 1 (um) bilhão e 380 (trezentos e oitenta) milhões de habitantes ocupando um território de 9 (nove) bilhões e 600 (seiscentos) milhões de kms² (quilômetros quadrados).

Deplorável constatar que as políticas de controle da natalidade tenham obtido mais redução mediante abortos e a distribuição entre a pobreza de contraceptivos experimentais.

Tivesse Dorothy abortado como lhe foi sugerido, a América não teria conhecido um Presidente chamado Gerald Ford, o qual, até onde se sabe, ocupado em curar as feridas do escândalo de Watergate, foi suplantado nas urnas por Jimmy Carter para quem a prioridade eram os direitos humanos, arma sutil que empunhou contra as ditaduras no continente. A começar pela do Brasil.

Edson Vidigal, advogado, foi Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal.

terça-feira, 8 de maio de 2018

PSB sem Plano B

O ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro aposentado Joaquim Barbosa, não será candidato à Presidência da República nas eleições deste ano. Ele próprio fez a comunicação via Twitter, acrescentando que as razões para a desistência são de natureza estritamente pessoais.

Com a saída de Barbosa do cenário no qual as pesquisas o contemplavam com 10% nas intenções de votos para Presidente da República começaram hoje os galanteios dos pretendentes ao que poder-se-ia chamar de seu espólio eleitoral.

O Partido Socialista Brasileiro, por seu líder na Câmara, Deputado Júlio Delgado, confirmou que diante desse fato novo não há Plano B. O partido volta à estaca zero, mas ainda em tempo de se reinventar como protagonista no jogo da sucessão presidencial.

Por uma "democracia representativa"

Por Fernão Lara Mesquita

É pura ilusão acreditar que mais uma eleição dentro da mesma regra “proporcional” das anteriores – agravada agora pelo “financiamento público” que abafa a voz de quem entra limpo na disputa enquanto dá um megafone ao continuísmo – vá mudar qualquer coisa de significativo na tragédia brasileira. É de uma ingenuidade de dar pena afirmar que “eleger gente honesta” é o quanto basta, como se jogar honestamente se tivesse tornado milagrosamente possível num jogo que começa viciado pela obrigação de todo estreante de compor-se com os donos das capitanias partidárias hereditárias e seus latifúndios no “horário gratuito” e prossegue com os políticos, tornados intocáveis assim que eleitos pelos 30 coproprietários do “fundo partidário” dimensionado e redimensionado “a gosto”, negociando cada voto nos Legislativos.

Também é sonho de uma noite de verão imaginar que a doença brasileira possa ser curada só com ações policiais e judiciais encomendadas ou desencomendadas a critério de agentes públicos refestelados em privilégios e fora do alcance dos eleitores. Quanto do “vaza-não vaza” que atinge exclusivamente o Legislativo e o Executivo responde a uma disposição genuína de fazer justiça? Quanto ao propósito de deter reformas contra privilégios? Quanto às disputas de poder de inspiração ideológica ou patrimonialista?

Nem pouco, nem muito mais do mesmo mudará coisa nenhuma. A primeira providência comezinha para tirarmos o pé desse passado grudento é liberar a portaria da política. Despartidarizar as eleições municipais e condicionar as estaduais para cima a eleições primárias diretas. Nos municípios – todos únicos e radicalmente diferentes entre si – deve concorrer quem quiser, independentemente de partidos. E nas eleições estaduais e federais quem quer que chegue às portas do partido apoiado por uma lista de assinaturas não muito extensa terá obrigatoriamente de ser incluído na disputa pelo direito de candidatar-se que os associados da agremiação decidirão no voto direto. É o quanto basta para varrer de cena os velhos caciques, sem a eliminação dos quais o ambiente político não se higieniza.

No mais, o nome do jogo é “democracia representativa”. A implantação de um sistema que permita saber exatamente quem representa quais eleitores em cada instância de governo é, portanto, o que nos poderá credenciar a entrar nele. Isto se consegue com eleições distritais puras. O eleitorado tem de ser dividido em distritos mais ou menos equivalentes em número de habitantes desenhados sobre o mapa real da localização do seu domicílio, do menor (o bairro ou conjunto de bairros em eleições municipais) para o maior (um conjunto de distritos menores em eleições mais amplas). O tamanho dos distritos é dado pela divisão do número de habitantes pelo número de representantes que se deseja ter na instância em disputa e só pode ser alterado em função do censo populacional. O Brasil de 204 milhões de habitantes, mantido o número de deputados federais de hoje, seria dividido em 513 distritos de aproximadamente 400 mil habitantes. Como cada distrito só pode eleger um representante e cada candidato só pode concorrer por um distrito, além de reduzir drasticamente o custo das campanhas, o sistema permite que cada deputado eleito saiba o nome e o endereço de todos os seus representados.

Mas eleição distrital não é uma solução em si mesmo. Ela apenas permite viabilizar o controle efetivo do processo político pelos eleitores com garantia de absoluta legitimidade daí por diante. Esclarecido quem representa quem, o passo seguinte é consagrar o direito à retomada dos mandatos traídos ou mal satisfeitos a qualquer momento (recall). Qualquer cidadão pode iniciar uma petição para desafiar o seu representante. Se conseguir uma porcentagem previamente definida de assinaturas, será convocada uma nova eleição apenas no distrito envolvido para reconfirmar ou cassar seu representante e eleger um substituto.

O resto do ferramental inclui o direito ao referendo por iniciativa popular das leis passadas nos Legislativos usando a mesma mecânica de legitimação do recall, o que torna efetivo, de troco, o direito de oferecer leis de iniciativa popular que os brasileiros “já têm” (pra se enganar quem gosta), pois a última palavra sobre toda lei passa a ser daqueles a quem ela será imposta, e não mais de legisladores livres para legislar em causa própria.

Isso de fato entrega o poder a quem a Constituição define como a “única fonte de legitimação do estado”, nós, o povo, também dito o eleitorado. Mas todo esse edifício só se mantém solidamente em pé com o complemento das periódicas “eleições de retenção” de juízes, o Brasil amargamente sabe por quê. As comarcas sob a alçada de cada um devem ter correspondência com os distritos eleitorais e a cada eleição o nome de cada juiz de cada tribunal, até a instância estadual mais alta, aparecerá na cédula dos eleitores sujeitos à sua jurisdição com a pergunta sobre se deve manter ou não seu cargo e suas prerrogativas por mais um período. Os que forem expelidos serão substituídos pelo sistema normal de nomeação de juízes, com o que se cria um controle efetivo do Judiciário operando exclusivamente a porta de saída, sem interferir com a independência de quem permanecer dentro do sistema.

A eleição de outubro vai se desenhando como desolada e negativamente plebiscitária. A escolha restringe-se a votar simbólica e genericamente “contra a política” ou pela continuação dela por falta de melhor e medo do pior. Ninguém oferece plataforma nenhuma que se possa apoiar. E adotar um tom radical, mesmo que seja em torno de nada, é a única coisa que empurra candidatos para cima do brejo geral dos sub-10%. Se alguém abraçar radicalmente uma plataforma de reformas não apenas que faça sentido, mas que possa exibir uma certificação histórica de eficiência letal contra a corrupção e a politicagem, estará, portanto, seriamente arriscado a se tornar um candidato imbatível.

Fernão Lara Mesquita é Jornalista. Escreve em www.vespeiro.com / este artigo foi publicado originalmente em O Estado de S. Paulo, edição de 08.05.18.

segunda-feira, 7 de maio de 2018

Favelas com banco e moeda próprios



A favela de Paraisópolis, a maior de São Paulo (segundo o censo de 2010 do IBGE), vai ter um banco e uma moeda própria administrados por seus moradores. Será a primeira vez que uma comunidade da zona oeste paulistana terá uma iniciativa como essa.

A instituição financeira vai se chamar Banco de Paraisópolis e será gerida pela associação de moradores e comerciantes da área. Já a moeda, apelidada de Nova Paraisópolis, deverá ser impressa e vai circular apenas dentro do bairro.

Segundo a Rede Brasileira de Bancos Comunitários, há 103 dessas instituições operando no país e elas giraram R$ 40 milhões entre 2016 e o final do ano passado. Elas funcionam às margens dos grandes bancos, de forma independente, oferecendo serviços populares que ajudam a desenvolver as regiões onde estão inseridas.

Uma de suas funções, por exemplo, é possibilitar microcrédito com juros baixos para moradores e pequenos comerciantes - em grandes bancos, normalmente as taxas são maiores.

O Banco de Paraisópolis terá uma agência dentro da favela, além de oferecer contas correntes, cartão de débito e um aplicativo para celular. Mais de 6 mil pessoas já utilizam um cartão de crédito exclusivo para moradores da comunidade.

"Nossa ideia é que as pessoas tenham uma conta, possam fazer saques e pequenos empréstimos", diz Gilson Rodrigues, líder comunitário e presidente da União de Moradores e Comerciantes de Paraisópolis.

Para financiar a iniciativa, a associação vai realizar um jantar de doações com empresários e personalidades. O dinheiro arrecadado irá para um fundo, que financiará as ações do banco - jantares como esse já ajudaram a criar uma série de projetos sociais na região.

Quando um morador pedir um empréstimo, por exemplo, o valor sairá desse fundo - depois, quando ele pagar a dívida, o dinheiro retorna ao banco para ficar disponível para outras pessoas.

Já os juros e as taxas de funcionamento serão usados para financiar causas da comunidade, além de 32 projetos sociais que a associação de moradores toca na área, como uma orquestra de jovens, um grupo de balé e um bistrô em uma laje da favela.

"Nosso objetivo não é ganhar dinheiro, não é gerar lucro, mas investir no desenvolvimento da comunidade, no comércio e no consumo local, gerando empregos", diz Gilson. Ele promete que cadastros de inadimplentes, como Serasa e SPC, não serão consultados.

Estima-se que Paraisópolis tenha cerca de 100 mil habitantes e 8 mil estabelecimentos comerciais - a maioria pertence a moradores. Grandes empresas também estão de olho nesse potencial econômico e abriram lojas na área, como Banco do Brasil, Casas Bahia e Bradesco.

Cerca de 21% dos moradores trabalham dentro da própria favela, segundo a associação de moradores. Quem tiver conta no banco local terá descontos no comércio credenciado.

Por outro lado, apesar do comércio aquecido e da fama adquirida com uma novela da TV Globo que usava suas vielas como cenário, Paraisópolis ainda tem uma série de problemas comuns a toda favela do Brasil, como pobreza extrema e falta de saneamento básico.

Obras de urbanização estão paradas há anos, como canalização de um córrego e a construção de moradias sociais. Cerca de 5 mil famílias da comunidade vivem de bolsa-aluguel pagos pela prefeitura.

O novo banco deve priorizar empréstimos que financiem o comércio local, dando cursos para os clientes desenvolverem seus negócios. "Quando a gente incentiva e prepara os comerciantes, a tendência é que o negócio dê certo e ele nos devolva o dinheiro", diz Gilson, que tem 33 anos.

Os bancos comunitários existem há 20 anos no Brasil. O primeiro foi o Banco Palmas, criado em 1998 na favela de Palmeiras, em Fortaleza, e tido como referência na modalidade.

Joaquim de Melo Neto, coordenador da instituição, conta que o banco surgiu quando a associação de moradores local fez um levantamento sobre a pobreza extrema da área. "A pergunta que mudou nossa vida foi: 'por que nós somos pobres?'", diz Neto, que foi morar em Palmeiras como seminarista em 1984, a pedido da Igreja Católica.

"Percebemos que as pessoas gastavam todo seu dinheiro fora da comunidade, comprando produtos que não geravam dinheiro nem emprego para nós. Como éramos ambiciosos, montamos um banco para financiar os comerciantes de dentro da comunidade", conta.

O investimento inicial foi de R$ 2.000, emprestados de uma ONG. "Quebramos o banco no primeiro dia com tantos empréstimos", lembra Neto, rindo. O episódio ficou famoso, e empresários da região doaram dinheiro para financiar o projeto.

Depois, o Palmas lançou sua própria moeda, impressa em papel sulfite, e que circula até hoje apenas no perímetro do bairro - cada nota vale R$ 1. O sucesso gerou problemas: o Banco Central processou os moradores, acusando o projeto de falsificar dinheiro.

"Quando o Banco Central mandou uma carta questionando nosso banco, respondemos que a gente explicava se eles pagassem R$ 100 mil pela consultoria", lembra Neto.

O Banco Palmas ganhou o processo em 2005. O Banco Central reconheceu que instituições financeiras comunitárias podem existir - hoje elas estão sob o guarda-chuva da Secretaria de Economia Solidária, do Ministério do Trabalho.

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) empresta dinheiro para a criação dos fundos, onde fica o dinheiro que financia os bancos comunitários.

O Palmas, por exemplo, tem R$ 3 milhões para realizar empréstimos e administrar o banco. Ele cobra 0,8% de juros por mês, índice que Neto considera alto - para ele, a taxa deveria ser zero.

Segundo a  BBC Brasil, que editou esta reportagem, o Banco Central, não quis se pronunciar sobre as iniciativas.

"Banqueiros" comunitários dizem que as unidades ajudam a desenvolver o comércio e o consumo em áreas com pequena atividade financeira e estatal. O último Censo, de 2010, apontava que 11,4 milhões de brasileiros vivem em favelas.

Para Leonardo Leal, coordenador da Incubadora Tecnológica de Economia Solidária da Universidade Federal de Alagoas, as iniciativas também incluem pessoas que estão fora do sistema financeiro tradicional. "Hoje, grande parte dos moradores de áreas rurais, ou de pequenas cidades, não têm acesso a serviços como pagamento de boletos e microcrédito", explica.

Leal participou da criação do Olhos D'água, banco tocado por moradores de Igaci, cidade de 25 mil habitantes em Alagoas.

A cidade tem uma moeda local, a Terra, que dá descontos no comércio e só pode ser usada dentro do município. "Como o banco é administrado pelos próprios moradores, existe um sistema de autogestão e controle social que ajuda a diminuir as taxas de inadimplência", explica.

Criado em 2016 com uma linha de crédito do Ministério do Trabalho de R$ 45 mil, o Olhos D'água já financiou 150 projetos de comércio local e de agricultura familiar - os empréstimos chegam a R$ 1.500, no máximo.

Em Maricá, no Estado do Rio Janeiro, o banco Mumbuca também tem ajudado a movimentar a economia local. Sua origem é um pouco diferente dos demais bancos comunitários.

Em 2013, a prefeitura da cidade criou uma bolsa social para moradores de baixa renda, mais ou menos nos moldes do Bolsa Família. O valor de R$ 110 passou a ser pago na moeda Mumbuca, que dá descontos nos 309 estabelecimentos comerciais credenciados.

Hoje, cerca de 16 mil pessoas são clientes, que também é aberto para famílias com renda maior. O Mumbuca financia iniciativas locais com juros zero - ou seja, ele não tem lucros com a atividade.

"O comerciante paga uma taxa para usar nossos serviços, mas ela volta para a comunidade em forma de cursos e oficinas de empreendedorismo", diz Natalia Sciammarella, subcoordenadora de gestão do Mumbuca. "As pessoas sabem que, usando nosso banco, elas movimentam a economia da cidade, gerando emprego".

Em 2006, esse modelo de microcrédito rendeu o Prêmio Nobel de Economia ao banqueiro Muhammad Yunus. O economista, nascido em Bangladesh, criou um banco que emprestava pequenas quantias para milhões de pessoas pobres de seu país.

(Fonte: BBC Brasil).

As ondas eleitorais

Por Gaudêncio Torquato

O campo eleitoral se movimenta por ondas. Que circulam de cima para baixo e de baixo para cima, absorvendo climas, circunstâncias, discursos, canalizando esses inputs na direção de potenciais perfis, principalmente candidatos a presidente, razão pela qual figurantes estaduais não ganham tanta projeção.

As ondas ganham o empuxo do momento, exibindo as demandas imediatas da sociedade. Estas, por sua vez, reúnem anseios, expectativas, frustrações com governantes e suas políticas, e contextos que levam em conta heranças do passado e esperanças em relação ao futuro.

No caso do Brasil, a leitura exibe um país que afundou na maior recessão econômica da história; ascensão de novo governante sob a decisão congressual de afastar a presidente; reformas – teto de gastos, trabalho, educação, terceirização etc - não suficientemente explicadas e entendidas pela sociedade; a maior investigação de corrupção em todos os tempos, envolvendo altos empresários, políticos e governantes; prisão do líder mais populista do país; tentativa de um partido de tornar vítima seu líder maior e assim retornar ao poder, após 13 anos de comando do país; indignação social contra a classe política; volta da polarização do discurso “nós e eles”; dispersão do campo político; falência de Estados e Municípios; extrema violência nos quatro cantos do país; e precarização dos serviços públicos.

Essa é a moldura por trás de quem se apresenta como pré-candidato. Sob a influência de traços do cenário, o eleitor faz suas primeiras escolhas. De um lado, um partido organizado, militância aguerrida, que se proclama responsável pelo “melhor governo que o Brasil já teve em todos os tempos”, esquecendo o maior rombo do Tesouro por ele praticado. O “Salvador da Pátria”, mesmo preso, continua sendo elevado aos píncaros da glória. O que explica sua margem histórica em torno de 30% nas pesquisas. De outro lado, emerge o contraponto, perfil de extrema direita, ex-militar com o discurso da ordem contra a bagunça, sob os lemas de “bandido bom é bandido morto”, “soldado bom é aquele que mata”.

Jair Bolsonaro é empurrado para o alto pela temperatura ambiental, enquanto Lula continua impulsionado pela onda petista, apesar das águas que levam o petismo para a profundeza oceânica. Eles sustentariam seus índices até outubro? Lula está praticamente fora do jogo. Mesmo solto, deverá entrar na ficha-suja. O substituto não levaria seus votos. Bolsonaro representa indignação, mas não o voto mais consciente da maior parcela da classe média. Terá poucos segundos de TV.

Outras ondas carregam Joaquim Barbosa, Marina Silva e Ciro Gomes. Assim, é razoável supor que outros perfis poderão ascender na escada eleitoral. A decisão do eleitor muda segundo as circunstâncias. Hoje, os ventos do outono sopram para uns. Aguardemos a ventania do inverno e o sopro do verão.

Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação - Twitter@gaudtorquato

quinta-feira, 3 de maio de 2018

David Bowie - Life On Mars

Há vida em Marte?


Por Edson Vidigal

Depois de amanhã, sábado, pouco depois das oito horas, começará a viagem de seis meses de uma sonda da NASA, a agencia espacial norte americana, com destino a Marte.

Os cientistas agora querem saber sobre os tremores por lá chamados por nós aqui de terremotos. A sonda irá equipada para nos inteirar de tudo sobre a crosta, o manto, o núcleo e também se o recheio de Marte é ou não parecido com o da Terra.

Há anos já estão por lá uns trecos esquisitos escascaviando desertos, montanhas, fotografando e filmando tudo. São impressionantes as imagens que nos chegam diariamente.

Tem se falado por aqui, quero dizer entre os cientistas, que do jeito como a humanidade vem tratando o planeta Terra, uma explosão, de repente, reduzirá tudo a poeira atômica, deletando para sempre todo o processo civilizatório.

Humanos, bípedes, talvez sobrevivam poucos. Restarão, certamente, as baratas. E as ratazanas, quem sabe?

Aquelas duas bombas atiradas sobre Hiroshima e Nagasaki para amolecer o Japão ainda em luta brava como parte do eixo Berlim-Roma-Pequim, na segunda guerra mundial, soariam hoje destinadas apenas a pequenas agressões se comparadas ao que a insensatez humana já produziu e estocou.

O tempo, e não é de hoje, é dessa Paz precária cada vez mais rodeada de bombas.

Do que se sabe, os Estados Unidos, em 9 de julho de 1962, explodiram no espaço sobre o Oceano Pacifico, a 1.500 kms. do Estado do Havaí, uma bomba equivalente a 1 milhão e 400 mil toneladas de TNT, afetando duramente o campo magnético da terra.

Três dias antes, no subsolo do deserto de Nevada, outra bomba já havia sido explodida, expondo 23 milhões de americanos à radiação. No mesmo julho, dia 26, a então União das Republicas Socialistas Soviéticas começou a armar Cuba com misseis nucleares direcionados para atacar a qualquer hora os Estados Unidos. Por pouco, não fossem a firmeza de Kennedy e o recuo sensato de Kruschev, o então dirigente russo, não chegamos à primeira e talvez última guerra mundial.Começou aí o descolamento da Rússia de Cuba, o que levaria à falência o comunismo de Fidel.

No dizer de Churchill, o mundo estava em Guerra Fria. As explosões se voltaram para o espaço no mais longínquo que os misseis pudessem alcançar. Os malucos queriam o domínio militar do espaço sideral. O placar final – Estados Unidos, 14 bombas. – União Soviética, 7.

Pouco antes da última confirmação de Putin como chefe do Kremlin, a Rússia anunciou que já tem misseis que dão volta em torno da Terra podendo explodir os Estados Unidos e qualquer outro lugar do planeta.

O gordinho da Coreia do Norte, que muitos o tinham como tolo, recusado como Pomba da Paz, virou o Gavião da Paz propondo trégua pois já não lhe interessaria mais fazer bombas atômicas, estando, por isso, disposto a desativar o seu programa nuclear. Mas o que se sabe é que ele, também, já está armado com misseis capazes de grandes estragos, em especial sobre o território norte-americano.

Tirando, certamente, países da África e da América Central e do Sul, quase todos, incluindo Europa e Oriente Médio, já tem num coldre enorme, bem escondida, a sua bomba atômica de estimação.

Como perguntou Sidney Muller, - “o cientista inventa uma flor que parece / a razão mais segura pra ninguém saber / de outra flor que tortura, pois é pra que?”. 

Em 17 de dezembro de 1971, David Bowie lançou em disco uma canção em que recomenda – “dê uma olhada no homem da lei espancando o cara errado / imagino se ele algum dia vai saber que ele está no show mais vendido (em tradução livre, o show de maior sucesso) / é o show de horrores”.

E ao final, como que melancólico, pergunta se “há vida em Marte”, (“Life on Mars?).

Edson Vidigal, Advogado, foi Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal.



sexta-feira, 20 de abril de 2018

Porandubas Políticas

Por Gaudêncio Torquato

Abro a coluna com uma historinha de Jânio Quadros.

O selo, coronel, o selo?

Logo depois de 64, Jânio é chamado ao Rio para depor em Inquérito Policial Militar (o famigerado IPM daqueles tempos de chumbo). Mas o ex-presidente não vai. E diz por que não vai:

- Só falo no meu chão, na minha jurisdição.

O coronel vai a São Paulo ouvi-lo. À máquina, o sargento escrevente e, ao lado de Jânio, seu amigo Vicente Almeida. O coronel começa:

- Dr. Jânio Quadros, em que dia e ano o senhor nasceu?

Jânio arregala os olhos, entorta-os e volta-se para o lado:

- Vicente, meu bem, será que ele não sabe? Não pode ser.

O coronel não entende:

- Não sabe o quê?

- Que perguntas têm que ser por escrito. Está na lei, coronel. Na lei.

O depoimento vai indo, por escrito. O coronel tira um maço de cigarros, oferece. Jânio pega-o na ponta dos dedos, passa de uma mão à outra:

- Vicente, meu bem, que coisa. O que é isto? Que estranho, Vicente! Nunca havia visto.

O coronel irrita-se:

- Por que o espanto, dr. Jânio? É um cigarro americano Marlboro.

- Sim, sim, meu caro coronel, sei-o, sei-o muito bem. Mas, onde está o selo? O selo, coronel? O selo?

O IPM acabou.

(Historinha contada por Jô Soares).

Aécio vira réu

Aécio entrou na lista dos réus. Sua eleição em MG fica complicada. Nuvens cinzentas obscurecem os caminhos do senador. Os políticos expandem suas taxas de medo. A Lava Jato continua batendo forte.

A campanha paulista

A pesquisa Datafolha desta segunda-feira começa a desvendar a batalha que se travará em São Paulo, que agrega cerca de 35 milhões de eleitores. Será um dos pleitos mais disputados do país. João Doria, PSDB, sai na frente. Trata-se de um perfil com grande visibilidade adquirida nos últimos tempos, desde a campanha que ganhou em 2016 para prefeito de São Paulo. João é aguerrido, posiciona-se no centro-direita e sabe lidar muito bem com a comunicação, a partir do uso das redes sociais.

Desafio: diminuir rejeição

João Doria vestiu o manto do novo, com sua cara mais asséptica e não contaminada pelo vírus da velha política. Mas o bom índice de Doria - hoje ostentando 29% de intenção de voto e 36% quando Paulo Skaf não aparece na disputa, precisa ser bem administrado. Sua rejeição é alta. Sabemos quão é difícil a um candidato segurar seus bons índices durante a campanha. Há ainda dois fatores que precisam ser levados em conta: a pequena visibilidade e o pouco conhecimento que se tem do atual governador Márcio França, candidato à reeleição. O índice de rejeição a Dória, que chega a 34%, deve ser motivo de preocupação. Os paulistanos, principalmente, sinalizam insatisfação pelo fato de João ter deixado antes mesmo do meio o mandato à prefeitura da metrópole.

O poder da caneta

Márcio França, por sua vez, terá a favor o poder da caneta. Esse fato atrai a prefeitada. Ocorre que mesmo esse poder tem limites, até porque não poderá exercê-lo em plenitude nas margens próximas às eleições. E os prefeitos podem não dispor mais do prestígio que tinham no início do mandato.

PMDB com França?

Diz-se que dos 82 prefeitos do PMDB, ele teria o apoio de 70. A se confirmar. Paulo Skaf, que já se candidatou na campanha anterior, apresenta surpreendentes 20%. Tem cacife para expandir esse índice? Tem fôlego para enfrentar uma contundente campanha? Se fechar o apoio do PSB, com ajuda do seu amigo Flávio Rocha, adicionará mais tempo ao seu programa eleitoral. Claro, se o PMDB não apresentar candidato à presidência da República.

Luiz Marinho

O candidato do PT ao governo de São Paulo, ex-prefeito de São Bernardo do Campo, Luiz Marinho, não irá longe. Não possui uma identidade do porte de São Paulo. Parece bem menor do que o gestor que o Estado exige. Marinho firma sua imagem sobre o eixo do sindicalismo. Foi presidente da CUT, hoje uma organização que se junta ao MST e ao MTST para promover mais do que greves: depredações, arruaças, devastação de ruas e lojas. Se chegar aos 15%, fará razoável performance.

O recolhimento de Lula

Para quem passa o dia batendo papo, deixar a conversinha de lado deve ser um sacrifício. Diz-se que o abatimento de Luiz Inácio tem por motivo principal a falta de conversa com amigos e políticos. Lula respira política 24 horas por dia. Trata-se de um perfil acostumados aos momentos de felicidade e de infelicidade na arena política. Por isso, deverá sofrer se ficar muito tempo preso. Deve ter o conforto de ouvir, todas as manhãs, a saudação em coro de militantes nas proximidades: "bom dia, presidente Lula".

Entre a cruz e a caldeirinha

O PT vai ter de enfrentar o problema: deixar o nome de Lula circulando como candidato até o último momento ou, desde já, dar vazão ao plano B e escolher seu substituto. Cabe lembrar que o PT carecerá de um nome no pleito para ocupar os palanques estaduais. Formar uma grande bancada será seu objetivo. Este analista não aposta na hipótese de deixar o nome de Lula até o instante em que for considerado inelegível pelo TSE. Até agosto, o substituto deve sair a campo. P.S. O maior eleitor do PT continuará sendo Lula.

O Fórum do LIDE

Sem a presença de João Doria, às voltas com a pré-campanha em São Paulo, terá início, hoje, em Recife, no hotel Sheraton Reserva do Paiva, o 17º Fórum Empresarial do LIDE, o maior que se faz no país reunindo empresários, políticos e gestores públicos. A conjuntura nacional será objeto de diversos painéis, que debaterão temas centrais da realidade brasileira - Competitividade e Emprego, a Era Reformista, Democracia e Competitividade, entre outros -, sob a batuta de Luiz Fernando Furlan, Chairman do LIDE, e Roberto Giannetti da Fonseca, vice-Chairman.

O Brasil à direita ou à esquerda?

A pergunta embute, além da dúvida, intensa preocupação da sociedade. Uma inclinação do país à esquerda causa imensa preocupação, eis que o petismo-lulismo-dilmismo, somado ao psolismo (PSOL), sob a teia de vandalismo tecida por CUT, MST, MTST, amedronta formidáveis setores, a partir dos campos de negócios, investidores, forças do chamado mercado, e até fortes contingentes das classes médias. Um Brasil à esquerda teria o apoio de parcelas das margens - que tendem a optar por uma via populista ou neo-populista, segmentos da intelectualidade, núcleos da igreja católica, as militâncias engajadas, entre outros compartimentos. Quem teria perfil para atrair esses setores, com Lula fora do páreo?

Direita

Já a ponta direita do arco ideológico tende a agregar os blocos mais conservadores, proprietários rurais, margens indignadas contra a insegurança pública e parcelas das classes médias mais abastadas. Essa frente de direita é abertamente militarista, defendendo o uso de armas por parte da população e mais rigor nas punições. O momento de intranquilidade vivido pelo país abre uma larga janela para essa direita. Entre os perfis que preenchem os espaços dessas demandas estão Jair Bolsonaro e Flávio Rocha, o primeiro com uma visão de Estado mais gordo, o segundo com uma visão de Estado mais enxuto.

Centro

Na visão deste consultor, a tendência do eleitor médio é a afastamento das extremidades do arco ideológico e aproximação ao centro. O que significa a escolha de perfis não radicais. Por isso, a probabilidade da eleição de um candidato de centro é maior do que a eleição de um representante fincado nas margens.

Um arquipélago

Ocorre que o centro tem o formato de um arquipélago com ilhas separadas umas das outras. Se os candidatos da área central não se integrarem, estarão facilitando a escolha de um perfil de direita ou de esquerda. O vetor de força para ganhar a campanha será formado pelos eixos que locomovem as candidaturas do centro. Sem essa unidade, os centristas estarão cometendo um suicídio.

Valores do centro

O centro agrupa valores tradicionais de nossa formação cultural: o equilíbrio, a harmonia, a integração, a solidariedade, o companheirismo, a boa vontade, a disposição para o diálogo. A confusão, as querelas, a luta renhida entre grupos e classes - podem, até, ocorrer circunstancialmente, pontualmente, mas não ancoram a índole brasileira. Basta ler os nossos clássicos: Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Dante Moreira Leite, Darcy Ribeiro, Raymundo Faoro, entre outros.

Fadiga democrática

A observação é do escritor, jornalista e poeta belga David Van Reybrouck: o mundo atravessa um momento de fadiga democrática. Quais são os sintomas da síndrome? Vejamos alguns: apatia do eleitor, abstenção às urnas, instabilidade eleitoral, hemorragia dos partidos, impotência das administrações, penúria no recrutamento, desejo compulsivo de aparecer, febre eleitoral crônica, estresse midiático extenuante, desconfiança, indiferença e outras mazelas.

Legitimidade

E arremata o belga: "a democracia tem um problema sério de legitimidade quando os eleitores não dão mais importância à coisa fundamental, o voto".

Marina cresce

Marina Silva cresce com Lula saindo do páreo. Mas continua uma dúvida: Marina teria condições de sustentar no gogó uma campanha contundente e cheia de curvas? Trata-se de um perfil asséptico e que expressa honestidade e ética. É muito confiável aos jovens.

Barbosa

Joaquim Barbosa está dando sinais de que poderá entrar na corrida presidencial. Joaquim pode encarnar a voz dos mais carentes e humildes. Mas se conterá nos debates televisivos? Parece bom de briga.

O nome de Deus em vão

É tolo pedir aos deuses o que os homens podem fazer sozinhos. O axioma, das Exortações do filósofo grego Epicuro (341-270 a.C.), é um alerta contra a ideia de que os homens têm o direito de invocar o poder divino a qualquer hora e em intensidade modulada para resolver equações terrenas. Quando o nome de Deus é usado em vão com tanta frequência, é porque aqueles que o chamam estão desesperados e clamam urgentes providências divinas para tirá-los de alguma enrascada, tentam repartir culpas por atrasos no cronograma humano de obras sob sua responsabilidade, ou ainda, se esforçam para usar a calota dos céus contra "forças demoníacas" que teimam em fechar os caminhos da salvação.

Sobrenome de parlamentares

Nesses tempos nebulosos, a moda virou usar em vão o apelido Lula e os sobrenomes de Moro e Bolsonaro nos nomes de parlamentares. Quanta imbecilidade. (Por que não usar adjetivos de qualificação, mais apropriados para esses tempos lamacentos? Honesto, desonesto, ético, corrupto, sério, brincalhão, digno, indigno e por aí vai).

Gaudêncio Torquato, cientista politico e consultor de marketing, é Jornalista e Professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.

sábado, 14 de abril de 2018

Assim falou Ives Gandra Martins


O jurista Ives Gandra Martins, um dos primeiros a publicar em parceria com o inesquecível professor Celso Bastos, os Comentários à Constituição do Brasil de 05 de outubro de 1988, artigo por artigo, sendo hoje um dos mais respeitados profissionais também no Direito Constitucional, foi instado a pronunciar-se sobre as declarações do Comandante do Exército, General Vilas Boas, às vésperas do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal do "habeas corpus" em favor do ex-Presidente Lula. (Clique no vídeo acima).

No limiar do golpe

Por Edson Vidigal

Naquele tempo, saber das coisas do resto do mundo, só pelo rádio – Tupy, Globo, Bandeirantes, Nacional, Voz da América.

E foi assim que por volta da meia noite, já começando o Dia da Mentira, 1º de abril de 1964, a redação do "Jornal do Dia", na Rua de Santana, em São Luís, Maranhão, não levando a sério o que o rádio dizia sobre uma insurgência militar em Juiz de Fora, Minas Gerais, não escondeu logo na primeira página sua clara antipatia e oposição àquele movimento.

Numa cercadura, num canto, um "Manifesto ao Povo Maranhense", em defesa do mandato constitucional do Presidente da República, João Goulart. Assinavam-no Bandeira Tribuzi, pela Frente de Mobilização Popular; Manoel Vera Cruz Marques, pelo Pacto de Unidade e Ação Sindical e Edson Carvalho Vidigal, pela União Maranhense de Estudantes Secundários.

Sim, eu mesmo numa das minhas várias militâncias. Jornalista de Oposição, trabalhava num jornal de Oposição. Estudante secundarista, era Vice-Presidente da UMES. Político de Oposição, já era àquela altura Vereador em Caxias, à época o segundo maior colégio eleitoral do Estado. E na Câmara, era o Líder da Oposição. Uma bancada de três contra nove governistas.

Tudo pelos cantos da Ilha aparentava normalidade, tanto que nos primeiros dias após o golpe ainda ensaiamos passeatas. Lembro que saímos num fusca com um megafone e parando à frente de uma unidade militar gritamos palavras de ordem, em sucessivas atitudes de provocação. Eu acreditava tanto na força da ordem constitucional democrática que andava com um exemplar de bolso da Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 1946, como se aquele livrinho tivesse o condão de mandar para o inferno os demônios do autoritarismo, que se arreganhava. Nem percebi que alguns mais atuantes naquela resistência já estavam saindo fora. Minha mãe me ensinou que "quem não deve não teme" e então fui seguindo em frente.

No Liceu Maranhense, onde cursava o ginásio, turno matutino, meu nome foi riscado da lista de chamadas. Mais uma vez, provocativamente, esperei antes de cada aula que todos os nomes fossem chamados até que, ao final, omitido o meu, eu fosse reclamar com o professor. Ele mostrava o risco firme, em cor vermelha. Na Praça João Lisboa, não percebendo ainda que os agitadores de sempre já não apareciam, continuei me expondo, sem esconder minha posição. Eu não era nada mais do que sempre fui e continuo sendo até hoje, um legalista.

Até que apareceu um jipe verde-oliva na porta do colégio e me levaram ao Quartel do 24/BC. Isso foi no dia 14 de abril de 1964. Foi engraçado no início. Depois não teve graça nenhuma. Os caras mandaram me recolher num cubículo, espaço só para um, que ficava ao lado do Corpo da Guarda.
Fiquei ali dez dias e depois, sem mais nem menos, me soltaram. Foi quando fiquei sabendo que os mandatos, o de Vereador e o de Vice da UMES, haviam sido cassados. Outra vez, sem perceber que estava provocando os vencedores, saí atrás de medidas legais para reaver a cadeira na Câmara.

Num outro dia, que não me lembro, outro jipe, talvez o mesmo, parou pela manhã na porta do "Jornal do Dia", na Rua de Santana, novamente me levaram para o Quartel do 24/BC. Deixaram-me no corredor do quartel, aguardando. Passou um Capitão, conhecido do meu bairro, encarregado do IPM dos estudantes (Inquérito Policial Militar). Olhou o relógio, disse que ia almoçar e que depois falaria comigo. Logo passaram dois soldados levando uma cama de solteiro, em seguida outros dois levando um colchão e roupa de cama. Nem desconfiei. Não demorou, me levaram para um alojamento onde já estavam outros presos, líderes do movimento estudantil.

Em grupo, a raça humana se dá melhor. Soubemos superar o tédio, não cair na depressão. Das visitas familiares ficavam açúcar, limão e na garrafa térmica não café mas cachaça. E desses contrabandos fazíamos caipirinhas deliciosas. Sem gelo mas deliciosas. Instituímos uma República dos Presos Políticos e na Constituição havia um artigo, no Capítulo dos Direitos e Garantias Individuais, que o Cidadão poderia perder todos os direitos se fosse declarado solto, mandado de volta à liberdade. Isso tudo escrito.

Tinha ainda a estória com que nos ameaçavam sobre um navio que estaria a caminho para levar a nós todos para a prisão de Fernando de Noronha, onde já estava Miguel Arrais e outros. Nos banhos de sol reencontrávamos os presos de outras celas. Não podíamos conversar muito e vi algumas vezes dois militares no telhado do quartel nos filmando ou fazendo de conta que nos filmavam.

Um dia chegou um General de Fortaleza, da 10ª Região Militar, e o Capitão do IPM levou-o ao alojamento onde estavam os comuno-subversivos do movimento estudantil no Maranhão. Éramos quase vinte, se bem me lembro. Imaginem a cena. Os dois oficiais fardados, no que eles acreditavam estar prestando o melhor serviço ao País e nosostros, jovens idealistas, legalistas, detrás das grades, sendo mostrados ali como troféus da guerra anti-revolucionária. O Capitão do IPM fumava "Minister" com filtro e arrisquei filar um. Aí o sua excelência se deu conta de mim, ali entre os demais. E me perguntou como se estivesse, de há muito, à minha procura – o que eu estava fazendo ali. Respondi – esperando o senhor acabar de almoçar. Dia seguinte fui excluído do banho de sol.

Cinqüenta e três dias depois fui solto por uma ordem de "habeas corpus" do Superior Tribunal Militar. Estava preso alem do prazo legal, sem culpa formada. Depois, concluído o IPM, decretaram minha prisão preventiva.

A primeira prisão nunca se esquece.

Edson Vidigal, Advogado, foi Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal. 

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Que tal essa aí seu Damásio?