Marqueteiros desenvolvem estratégias para cativar eleitores indecisos, que, segundo analistas, recorrem menos às redes sociais; programação começa nesta sexta-feira no rádio e na TV
Simone Tebet aposta em imagem de uma chapa 100% feminina no horário eleitoral Foto: MDB / Divulgação
Após chegar ao segundo turno em 2018 com um tempo irrisório de exposição no horário eleitoral gratuito na TV e no rádio - 8 segundos contra 5mins32 de Geraldo Alckmin, então no PSDB -, o presidente Jair Bolsonaro (PL) aposta agora todas as suas fichas nos 207 comerciais que serão distribuídos na programação das emissoras de sinal aberto para reduzir a vantagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com quem espera estar no 2° turno da disputa presidencial.
Apesar da ampliação do alcance das redes sociais, a TV e o rádio ainda são considerados por especialistas, políticos e marqueteiros de todas as campanhas os instrumentos mais poderosos do processo eleitoral, e por isso estão no centro das estratégias. O horário eleitoral estreia nesta sexta-feira, 26, com a divulgação da propaganda regional; no sábado, inicia a propaganda dos candidatos a presidente. Que, aliás, pode abrir com a participação de um candidato em prisão domiciliar.
Em conversas reservadas, os bolsonaristas admitem que o fato de Lula ter cerca de 80 inserções a mais no cômputo geral que o presidente é um ativo importante. A coligação Brasil da Esperança, de Lula, terá 3min39s em cada bloco e 286 inserções, segundo dados do TSE. Bolsonaro terá 2mins38s e 207 inserções.
Bolsonaristas admitem que Lula ter mais tempo de propaganda na TV é ativo importante Foto: Miguel SCHINCARIOL
“A TV vai decidir a eleição. Os indecisos que não votam nem em Lula nem em Bolsonaro se informam pela TV. Os eleitores que têm o voto mais consolidado é que recorrem às redes sociais”, disse o pesquisador Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, especialista em aferir a classe C.
Estratégias
Bolsonaristas admitem que Lula ter mais tempo de propaganda na TV é ativo importanteFoto: Miguel SCHINCARIOL
No horário eleitoral, a campanha de Bolsonaro vai investir na imagem da primeira dama, Michelle Bolsonaro, e puxar o tema da economia para o centro do debate, além de reforçar o antagonismo com Lula, os valores da família e o patriotismo.
Marqueteiro da senadora Simone Tebet (MS), candidata do MDB à presidência, Felipe Soutello avalia que a TV foi decisiva em 2018, quando a facada em Bolsonaro em Juiz de Fora (MG) empurrou toda a mídia para o saguão do hospital onde estava o candidato.
Essa exposição, segundo ele, transformou Alckmin, dono do maior espaço na TV após fechar um acordo com o Centrão, em um nanico. “A exposição na mídia espontânea para o Bolsonaro foi enorme após a facada em 2018″, disse o publicitário.
A campanha de Simone Tebet aposta todas as suas fichas nas 184 inserções que ela terá direito na programação da TV aberta. Nesse caso, a estratégia é basicamente torná-la conhecida e reforçar a identidade de uma chapa 100% feminina - já que a senadora Mara Gabrilli (PSDB) é a candidata a vice.
Para Renato Meirelles, o fato de Lula ter mais inserções que Bolsonaro na TV pode fazer a diferença em uma disputa acirrada. “Vão ser comerciais onde o PT pode usar imagens de Bolsonaro e testar a lembrança afetiva do eleitor, além de mostrar o Alckmin como uma apólice de seguros do Lula, uma nova carta aos brasileiros”, disse o pesquisador.
Marqueteiro de João Doria em 2016, na disputa pela prefeitura, e de Alckmin em 2018, na eleição presidencial, o publicitário Lula Guimarães assumiu em 2022 a campanha de Soraya Thronicke (UB) à Presidência.
Sabatinas
Políticos afirmam que entrevista do presidente teve mais intervenções e ele, consequentemente, menos tempo de fala dentro dos 40 minutos do telejornal
Sem espaço nas sabatinas, entre elas a do Jornal Nacional, a candidata que chegou na última hora para substituir Luciano Bivar teve que montar uma estrutura de campanha em cima da hora.
Para o União Brasil, a TV, que deve consumir a maior parte dos R$ 60 milhões destinados para Soraya, é a única chance de a candidata se tornar conhecida. “A TV é o único veículo capaz de alcançar o Brasil inteiro em todos os segmentos. As redes sociais se tornaram bolhas”, disse Lula Guimarães.
Bate e assopra
Líder nas pesquisas, o ex-presidente Lula vai evitar o confronto no horário eleitoral, em um primeiro momento. Vale a regra comum entre os marqueteiros de campanha de que quem bate também ganha mais rejeição.
Por isso, o petista não deve lançar mão de uma artilharia mais pesada contra o presidente Bolsonaro em menções a escândalos do governo e o caso das “rachadinhas” investigado pelo Ministério Público do Rio.
Mesmo assim, as provocações não vão ficar de fora, apesar de sutis. Como mostrou a colunista Vera Rosa, o petista deve fazer menções mais discretas inclusive ao escândalo dos pastores no Ministério da Educação. Mesmo este gesto preocupa petistas, que preferem evitar o confronto.
Segundo um petista, deve passar uma “mensagem de esperança”. Nos bastidores, Lula, a direção do PT e o marqueteiro Sidônio Palmeira têm preferido focar a superação de problemas como a fome e o desemprego. Para isso, também vão recorrer a períodos de maior estabilidade dos dois primeiros governos petistas.
Há, dentro do partido, dúvidas sobre qual seria hoje o peso do horário eleitoral, se comparado à internet. Até hoje, petistas afirmam que o disparo de mensagens com notícias falsas teve peso relevante na derrota de Fernando Haddad (PT) para Bolsonaro.
Atualmente dividindo o comando da comunicação da campanha com o prefeito de Araraquara, Edinho Silva (PT), o ex-presidente do partido, Rui Falcão (PT) diz ao Estadão que a “TV tem grande importância, até porque também está conectada com as redes”. A respeito da mensagem que Lula deve passar na campanha, Falcão diz não ser “o caso de passar “spoilers””.
Em São Paulo o candidato do PSDB, o governador Rodrigo Garcia, deve ter a maior fatia do tempo de TV e aposta nisso para se consolidar como o adversário do ex-prefeito Haddad no 2° turno.
“A poluição das redes e as fake news fazem com que a sociedade cada vez mais se informe pelos canais tradicionais de comunicação. Pela imprensa, jornais e o programa eleitoral de TV. Acredito que com o horário eleitoral gratuito vai haver um interesse maior da sociedade para a campanha” , disse Garcia ao Estadão.
O ex-ministro Tarcísio de Freitas (Republicanos), candidato de Bolsonaro, rebate. “Tem um misto de TV e redes sociais, que terão uma importância muito grande. As pessoas estão muito conectadas na rede. O engajamento será muito grande. A diferença do Rodrigo será neutralizada pela capilaridade que temos nas redes sociais e a capacidade de mobilização, que é bem maior que a dele”.
Pedro Venceslau e Luiz Vassallo para O Estado de S. Paulo. Publicado originalmente em 25.08.22.
Medido em estudo da FGV, eis o tamanho do descalabro fiscal que Bolsonaro deixará para próximo governo; com isso, ganha força necessidade de licença temporária para aumentar gastos
O descalabro fiscal que o governo Jair Bolsonaro deixará como herança para quem vencer as eleições pode atingir inacreditáveis R$ 430 bilhões em 2023, o equivalente a 4,3% do Produto Interno Bruto (PIB). A estimativa foi calculada pelos economistas Braulio Borges e Manoel Pires e consta da edição de agosto do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). O número inclui despesas não cobertas no Orçamento e que colocam em dúvida o cumprimento do teto de gastos; propostas que reduzem a arrecadação e afetam o superávit primário; eventos com impacto financeiro negativo e que pioram o déficit nominal; e incertezas com o potencial de produzir impactos relevantes caso sejam materializadas. A manutenção do piso do Auxílio Brasil em R$ 600, o reajuste dos salários do funcionalismo público e a revisão das despesas discricionárias devem ultrapassar R$ 120 bilhões, valor para o qual não há cobertura e que exigirá uma sétima mudança no teto e na Constituição para que seja viabilizado. Tudo indica que o enterro do atual arcabouço fiscal é uma questão de tempo, independentemente do presidente que vier a ser eleito.
Nesse contexto, tem ganhado força a tese segundo a qual será necessário permitir uma licença temporária para aumentar o gasto público no ano que vem enquanto a equipe do futuro presidente elabora um novo regime fiscal, um entendimento que tem reverberado mesmo entre economistas que não costumam concordar em praticamente nada. Se há divergências a respeito da âncora a ser adotada, não restam dúvidas de que o teto deixou de servir como uma referência de austeridade para as contas nacionais. Eis um legado positivo – e por isso mesmo inesperado – gerado pelo atual governo: seu ímpeto destrutivo extrapolou todos os limites, a ponto de unir o País na busca de consensos para tirá-lo do buraco.
Como mostrou o Estadão, representantes de bancos e de fundos de investimento estão dispostos a aceitar uma ampliação do gasto público de até R$ 70 bilhões em 2023. O “Grupo dos Seis”, formado pelos economistas Bernard Appy, Pérsio Arida, Francisco Gaetani e Marcelo Medeiros, pelo advogado Carlos Ari Sundfeld e pelo cientista político Sérgio Fausto, sugeriu algo semelhante, mas limitado a R$ 100 bilhões, o equivalente a cerca de 1% do PIB. Técnicos do Tesouro Nacional propuseram a adoção de um regime de metas para a dívida bruta, a exemplo do sistema de bandas inflacionárias que orienta o trabalho do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC). Já o ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa defendeu a definição de uma meta para o crescimento real do gasto primário – em vez de fixar um objetivo para o saldo entre receitas e despesas, excluídos os juros da dívida. Independentemente da âncora que vier a ser escolhida, fato é que ela precisa sinalizar um compromisso verdadeiro com a credibilidade fiscal no médio e longo prazos. O boletim da FGV Ibre faz um alerta: “Se esse for o caminho a ser seguido, é importante que se chegue a um bom acordo político porque o cenário de juros e inflação ainda requer muito cuidado”.
Um debate sério sobre a âncora fiscal merece ser tratado com prioridade na campanha eleitoral. Adotar políticas públicas que proporcionem dignidade e uma porta de saída a milhões de famílias vulneráveis e que garantam qualidade para a educação e a saúde passa necessariamente pelo resgate da responsabilidade fiscal, sem a qual o financiamento dessas ações se torna impossível. Um aspecto a ser considerado nas discussões é a construção de um arcabouço perene, que possa ser seguido pelo governo eleito em outubro e pelos que vierem a suceder-lhe no futuro, e que simbolize o abandono de manobras contábeis que não enganam ninguém. Superávits primários pontuais, gerados a partir de receitas extraordinárias, de calote nos precatórios e do efeito da inflação na arrecadação, não têm nenhum impacto na redução dos juros. Produzir uma deflação temporária e concentrada em preços administrados não convence nem o eleitor nem o mercado.
Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 25.08.22
De que modo podemos entender as fontes pulsionais de tamanho siricutico presidencial na saída do Palácio da Alvorada, na quinta-feira passada?
Na manhã de quinta-feira passada, um jovem ativista digital de direita, Wilker Leão, foi até a portaria do Palácio da Alvorada e xingou o presidente da República de “Tchutchuca do Centrão”. (A rima em “ão” não há de ser em vão.) O que veio na sequência foi uma arruaça lastimável, que todo mundo já viu no celular ou nos telejornais.
O presidente saía de sua residência para o expediente diário. O provocador, que se define nas redes como um “adepto do militarismo”, gritava repetidamente a palavra esdrúxula, tentando se aproximar do carro oficial do chefe de Estado. De celular em punho, filmava tudo. No muque, os seguranças procuravam contê-lo.
Enquanto transcorria o empurra-empurra, o governante ouviu a alcunha que lhe dirigiam e se irritou. Mandou parar o automóvel, saiu furibundo pela porta de trás e avançou na direção de Leão. Com uma das mãos, tentou agarrar o moço pelos colarinhos, mas não havia colarinho nenhum – a vítima vestia uma reles camiseta do São Paulo Futebol Clube, em cuja gola a iracunda autoridade fechou os dedos. Com a outra mão, o mandatário buscava arrancar o celular do são-paulino, intento no qual fracassou.
Não foi difícil de perceber que o governante estava possesso. Depois de contidos os ânimos de um e outro, é verdade, os dois até trocaram palavras duras entre si, sem se estapear, mas, naquele primeiro ato, quando irrompeu do veículo em estado colérico, o homem deu um chilique histórico.
Por que será? Já o chamaram de negacionista, de fascista, de genocida e ele apenas faz cara feia e resmunga, quando muito. Desta vez foi diferente. Por que um estrilo tão desmedido? De que modo podemos entender as fontes pulsionais de tamanho siricutico presidencial?
Essas perguntas nos conduzem necessariamente a uma reflexão acerca da essência do ente misterioso que responde pelo nome de – você já sabe – “tchutchuca”. O que define esse estranho ser? Em outras palavras, qual a sua natureza ôntica?
Na cultura funk, em que o termo se fixou para depois se popularizar, o ente foi consagrado por um hit, lançado há anos pelo grupo carioca denominado Bonde do Tigrão. A letra tem um jeito nada sublime de traduzir a afeição do poeta por sua musa: “Vem, vem, tchutchuca / Vem aqui pro seu tigrão / Vou te jogar na cama / E te dar muita pressão”. (Não, a rima em “ão” não há de ser em vão.) Tangendo sua lira de pancadão, o menestrel diz, então, que quer “um rala quente” e pede à sua amada que escute o “refrão”.
Já se falou bastante sobre o caráter onomatopaico do substantivo em questão. Sua sonoridade, sua prosódia, evoca o verbo “chuchar”, que é onomatopeia pura, sugerindo que o amor dos corpos é como um cilindro que suga um pistão. (Agora, a rima virá em profusão.) Essa metáfora mecânica de motor a combustão faz uma espécie de exaltação de uma forma de dominação que o macho exerce ao dar “pressão”, certo de que a mulher, tomada de paixão, sente prazer na servidão. O nome do macho é “tigrão”.
A “tchutchuca”, por definição, se deleita na submissão. Sua feminilidade reside na plena concessão, na aceitação, na passividade com sofreguidão, na objetificação sem restrição. Vai daí que o presidente aceitaria ser xingado de tudo, mas disso, não. Disso, nunca. Para piorar sua situação, a ofensa lhe soou ainda mais grave quando ele ouviu o complemento: “do Centrão”. Aí não.
Nesse ponto, é preciso ter em conta o peso insuportável do aumentativo masculino, em “ão”, para conferir um signo de hombridade ao que quer que seja. Especialmente na política. O Partido Comunista Brasileiro, por exemplo, o velho PCB, começou a ser chamado lá pelas tantas de “Partidão”. O apelido o tornou mais másculo, mais irrecorrível. O mesmo princípio linguístico valeu para a corrupção: um mensalinho seria suportável, mais ou menos como um chopinho, um torresminho – não um mensalão. Tendo sido chamado de mensalão, pelo simples sufixo, o episódio adquiriu algo de tenebroso, de apocalíptico, de escandalosão. Em matéria de perversidade, ou de perversão, perdeu apenas para o petrolão.
Para pesadelo do inquilino do Alvorada, o Centrão se chama Centrão, de modo retumbante, feito maldição, e, neste namoro, o dele com o Centrão, o papel que lhe cabe não é bem o de Tigrão. Haja danação.
Com isso, chegamos ao final da nossa brevíssima investigação ontológica. Resulta mais do que evidente que o xingamento dirigido ao sujeito que passava no automóvel é, antes de uma ofensa a ele, uma ofensa à condição feminina. A carga semântica do substantivo que deu título a este modesto artigo já traz, sem que se diga mais nada, um preconceito atávico de todo tamanho, um preconceitão: mulher é um ser subalterno, heterônomo, que se derrete ao sentir a pressão do machão.
Pois foi em nome do mesmo preconceito que veio o faniquito, como se o tal se pusesse em brios: “O quê? Você está me xingando de mulher? Vem cá, seu bestalhão!” Nesse instante mágico, a extrema-direita caiu na armadilha da extrema-direita. De supetão. Que serviço Leão prestou para a Nação.
Eugênio Bucci, o autor deste artigo, é Jornalista e Professor da Escola de Comunicações e Artes - ECA da Universidade de S. Paulo - USP. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 25.08.22
Em grupo, empresários associavam união do 'povo' e dos 'militares' a caminho para contestar eleições
A ação autorizada pelo ministro Alexandre deMoraes e executada pela Polícia Federal teve como intuito principal estrangular o financiamento de empresários bolsonaristas a atos antidemocráticos que vêm sendo convocados pelo presidente Jair Bolsonaro e por sua rede de apoiadores para o 7 de Setembro e cujo principal tema é a contestação à Justiça Eleitoral e às urnas eletrônicas.
Investigações em curso nos inquéritos das fake news e das milícias digitais já comprovaram que existe uma rede de empresários de diversos setores que bancaram, na campanha de 2018 e ao longo de 2020 e 2021 atos em apoio a Bolsonaro e que tiveram pregações de golpe militar, a defesa do AI-5, palavras de ordem pela deposição de ministros do STF e o fechamento da Corte e do Congresso, entre outras temáticas antidemocráticas.
Alguns desses atos contaram com a convocação, a presença e até discursos do próprio Bolsonaro, como foi o caso de manifestações realizadas em Brasília no auge da pandemia e, de forma mais ostensiva e agressiva, no Sete de Setembro do ano passado.
Monitoramento da Justiça e da PF em redes sociais e aplicativos de mensagens mostra que a mobilização para que, de novo, o feriado da Independência, este ano o de seu Bicentenário, virasse um ato de incentivo a que o resultado das eleições não seja aceito, que as Forças Armadas sejam chamadas a realizar apuração paralela de votos e todas as demais pregações golpistas de Bolsonaro.
No grupo de empresários em que alguns disseram preferir um golpe de Estado a uma volta do PT ao poder, cujas mensagens foram tornadas públicas pelo colunista Guilherme Amado, do portal Metrópoles, o que levou à ação da PF e de Moraes não foram nem essas mensagens, mas aquelas em que vários empresários associam um ato unindo o "povo" e os "militares" no 7 de Setembro em Copacabana seriam o motor de alguma reação contra o que eles classificam como evidência de que o Judiciário estaria agindo para favorecer fraudes nas eleições.
A ação é classificada, na PF e no STF, como preventiva. As referências, de novo, são os atos já realizados e também o que ocorreu no Capitólio, em Washington, após a derrota de Donald Trump. Lá como aqui, as ações se desdobraram em duas frentes: uma mais visível, da exortação do próprio Trump à não aceitação do resultado das urnas e reação de seus apoiadores e, no submundo, o apoio logístico, ideológico e, sobretudo, financeiro ao que está sendo investigado como crime de conspiração.
No Brasil, admitem procuradores, delegados da PF, advogados e ministros com os quais venho conversando sobre a complexa tarefa de defender a democracia diante de ameaças cada vez mais explícitas, mas inéditas em termos de enfrentamento, faltam instrumentos claros nas leis para definir quais as iniciativas cabíveis e em que casos.
Por isso, pessoas próximas a Alexandre de Moraes dizem que ele não determinaria ações tão imediatas e incisivas se não houvesse da parte da PF elementos a apontar para a organização de novos atos antidemocráticos. Essas pessoas lembram que, em seu discurso de posse no TSE, o próprio Moraes avisou que não seriam tolerados pela Justiça atos e discursos dessa natureza.
"Ficou mais difícil financiar atos golpistas no próximo Sete de Setembro", resumiu uma pessoa próxima às investigações.
Os elementos que justificaram as ações estão sendo mantidos em sigilo justamente para evitar que os alvos da operação consigam destruir provas ou se precaver para evitar que conexões com atos antidemocráticos sejam detectadas pela PF.
Ministros colegas de Moraes estão convencidos de que, quando o sigilo for levantado, as conexões com os atos anteriores e a maquinação para a repetição de manifestações com aluguel de caminhões de som, palco, confecção de material impresso e pagamento de passagem e hospedagem para militantes, entre outras estratégicas, ficarão evidenciadas.
Outras medidas estão sendo adotadas para garantir a segurança de autoridades, candidatos, prédios públicos e cidadãos não apenas no 7 de Setembro, mas também na campanha e, sobretudo, nos dias de votação. Esse é o sentido, por exemplo, de reuniões realizadas entre Moraes e o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, e os comandantes das Polícias Militares -- inédita reunião de um comandante da Justiça Eleitoral com os comandos das PMs, aliás. Os relatos das corporações é de que tanto a PF quanto as PMs estão fechadas contra a ideia de atos golpistas daqui até o fim de outubro.
Bolsonaro tem insistido em convocar as pessoas às ruas no 7 de Setembro, embora o prefeito Eduardo Paes tenha cortado na raiz a ideia de misturar a celebração oficial do Bicentenário da Independência com militantes radicais do bolsonarismo tendo Copacabana como palco. Os próprios militares, diga-se, caíram fora da ideia.
O presidente vem sendo aconselhado pela ala política do governo e da campanha a não repetir os xingamentos a ministros e a pregação anti-urnas nos eventos do 7 de Setembro. Se vai seguir ou não, dizem esses mesmo aliados, é outra coisa. Mas a operação da PF e do STF tem sido um argumento a mais usado por eles -- ao mesmo tempo em que também inflamou a veia revoltada e inconformada de Bolsonaro, que tem exortado os empresários a reagirem e apontado o "extremismo" das buscas e dos bloqueios determinados contra os empresários.
Vera Magalhães, a autora deste artigo, é jornalista. Apresentadora do Roda Viva da TV Cultura e colunista de assuntos políticos n'O Globo. Publicado originalmente, em 24.08.22 às 16h37
As grandes taxas de rejeição de Lula e Bolsonaro expõem os imensos problemas envolvendo as duas candidaturas. É tempo de o eleitor conhecer bem os outros candidatos e suas propostas
Conforme mostrou o Estadão, grande parte do eleitorado diz ter medo da volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao poder e da reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL). Os dois candidatos à frente nas pesquisas de intenção de voto têm grandes taxas de rejeição: 45% dos eleitores têm medo da continuidade do atual governo e 40% temem um novo mandato de Lula.
Tais rejeições não se baseiam em fake news. O eleitor tem motivos de sobra para temer ambos os candidatos. Assim, esse sentimento de temor não é necessariamente algo ruim para o exercício dos direitos políticos. Antes, representa a democracia em seu normal funcionamento, com o eleitor sabendo identificar, na prática, o que faz mal ao País.
Segundo as pesquisas de opinião, os motivos do medo a Lula e a Bolsonaro relacionam-se com fatos concretos das trajetórias dos dois candidatos. O eleitor teme que, com o retorno do PT ao poder, voltem a corrupção, o alinhamento internacional com ditaduras de esquerda e o fortalecimento de pautas minoritárias, como a descriminalização do aborto e das drogas. Com eventual reeleição de Bolsonaro, o medo é de aumento da pobreza, acirramento do discurso de ódio, isolamento internacional, incompetência na gestão pública e, no limite, uma ruptura com a ordem constitucional democrática.
Tal cenário revela que cerca de metade da população tem uma apreciação realista de quem é Lula e do que representa a volta do PT ao poder. E que a outra metade da população, que rejeita o bolsonarismo, entendeu bem o que significa Jair Bolsonaro na Presidência da República. Ao contrário do que às vezes se diz, o eleitor não está inteiramente desinformado – e não tem uma memória assim tão curta.
Perante essa situação de amplas taxas de rejeição aos dois primeiros colocados nas pesquisas de opinião, duas conclusões se impõem. A primeira é a de que escolher um candidato simplesmente por rejeição ao outro pode ser um grande equívoco, uma vez que tanto Lula como Bolsonaro têm grandes problemas – que são percebidos e temidos por grandes parcelas da população. Os erros de um não tornam o outro uma boa solução para o País.
A segunda conclusão refere-se a um aspecto fundamental do regime democrático e do exercício dos direitos políticos. O eleitor não precisa escolher unicamente entre Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) informou que recebeu, neste ano, 12 pedidos de registro de candidatura para a eleição presidencial. Além dos candidatos do PL e do PT, há Simone Tebet (MDB), Sofia Manzano (PCB), Soraya Thronicke (União Brasil), Vera Lúcia (PSTU), Ciro Gomes (PDT), Felipe D’Avila (Novo), Léo Péricles (Unidade Popular), Pablo Marçal (PROS) e Roberto Jefferson (PTB).
As grandes taxas de rejeição de Lula e de Bolsonaro devem ser um estímulo para a população conhecer a fundo, durante o período de campanha eleitoral, os demais candidatos, suas trajetórias e suas propostas. Há um regime de pluripartidarismo, com múltiplos candidatos. Nada obriga o eleitor a limitar sua escolha entre duas opções ruins, que despertam grandes e fundados temores. É precisamente para assegurar a mais ampla possível liberdade de escolha que a Constituição de 1988 prevê a possibilidade de dois turnos, em caso de um candidato não alcançar, no primeiro escrutínio, a maioria absoluta dos votos válidos nas eleições para presidente da República, governador e prefeito (nos municípios com mais de 200 mil eleitores).
Não há nenhum problema no chamado “voto útil”, quando o eleitor antecipa, no primeiro turno, sua definição última de prioridades e rejeições. O problema está quando o voto, seja no primeiro ou no segundo turno, é definido por simples medo, sem atentar para as reais qualidades e deficiências do candidato no qual se vota. E é sempre bom lembrar: até o dia das eleições, nenhum candidato tem um voto sequer. Todos estão na mesma situação. Que o eleitor possa escolher livre e responsavelmente quem ele considera ser a melhor opção para o País.
Editorial / Notas&Informações, O Estado de S.Paulo, em 24.08.22
Sanna Marin dá depoimento com voz embargada em ato de desagravo organizado por seu partido
A primeira-ministra finlandesa, Sanna Marin, se emociona em discurso durante evento do Partido Social-Democrata em seu apoio em Lahti - Heikki Saukkomaa - 24.ago.22/Lehtikuva/AFP
Em tom emocionado, a primeira-ministra da Finlândia, Sanna Marin, defendeu nesta quarta-feira (24) seu "direito à alegria e à vida", em uma tentativa de resposta definitiva a uma onda de críticas envolvendo vídeos e fotos publicadas nas redes sociais de festas com sua presença.
"Sou um ser humano. Às vezes também busco alegria, luz e prazer em meio a essas nuvens escuras", declarou, com a voz embargada e os olhos marejados, durante uma espécie de ato de desagravo organizado por sua legenda, o Partido Social-Democrata (SPD), em Lahti, no sul da Finlândia. "Isso é algo privado, é alegria e vida. Mas eu não faltei a um único dia de trabalho".
Na semana passada, circularam nas redes vídeos da chefe de governo dançando em uma festa com amigos e influenciadores digitais. O episódio motivou acusações de que Marin teria se comportado de forma inadequada para o cargo que ocupa; muitos comentários tinham teor misógino, ressaltando o fato de a primeira-ministra ser casada e usando palavras chulas para se referir a ela.
Outras pessoas, porém, vieram a público para defender o direito de ela desfrutar de eventos e combinar uma vida privada com a carreira política de alto nível. Após a repercussão inicial dos vídeos, mulheres de vários países postaram registros de si próprias dançando, acompanhados de frases como "deveríamos dançar um pouco mais" e "continue dançando, Sanna Marin".
No começo da semana, para "dissipar qualquer suspeita" de uso de drogas nos eventos que levaram à controvérsia, a primeira-ministra se submeteu voluntariamente a um exame toxicológico, que deu negativo.
Quando anunciou que faria o teste, Marin afirmou que nunca usou drogas ilegais —nem quando era mais jovem, antes de entrar para a política—, que sua capacidade de desempenhar as funções oficiais permaneceu intacta nas noites em questão e que ela teria deixado a festa se precisasse trabalhar.
"Quero que as pessoas observam o que fazemos enquanto trabalhamos, não o que fazemos em nosso tempo livre", declarou nesta quarta, afirmando que os últimos dias foram muito difíceis. Nesta terça, a controvérsia foi renovada com Marin se vendo obrigada a pedir desculpas por outra foto, tirada na residência oficial em julho.
Na imagem, divulgada pela mídia finlandesa, duas mulheres são vistas se beijando e levantando a blusa, cobrindo os seios com uma placa que diz "Finlândia". A fotografia havia sido publicada inicialmente no TikTok de uma delas, que ainda escreveu "Kesärata" na publicação —o nome da residência oficial da primeira-ministra é Kesäranta.
"Acho que a foto é inadequada, peço desculpas. Esta foto não deveria ter sido tirada", disse Marin.
De acordo com o relato da primeira-ministra, o registro foi feito durante uma festa privada depois de um festival de música. "Fizemos sauna, nadamos e passamos um tempo juntos. Esse tipo de foto não deveria ter sido tirada, mas, fora isso, nada de extraordinário aconteceu no encontro."
A Finlândia compartilha uma longa fronteira terrestre com a Rússia e, num momento em que a Europa vive instabilidade em diferentes partes em razão da Guerra da Ucrânia, a primeira-ministra foi alvo de críticas de que a participação em festas poderia interferir em sua capacidade de cumprir rapidamente as funções caso uma crise repentina atingisse seu país.
Marin, 36, se tornou em 2019 a líder de governo mais jovem do mundo e, desde então, nunca escondeu seu gosto por festas. Em janeiro, a política alegou à agência de notícias Reuters que ela e suas ministras são alvos de machismo.
Em dezembro de 2021, sua participação em outro evento também causou críticas. Na ocasião, foi filmada em uma boate pouco depois de ter tido contato com uma pessoa infectada pelo coronavírus. A primeira-ministra pediu desculpas à população, dizendo que agiu errado e que "deveria ter avaliado a situação com mais cuidado".
Agência France Press/ AFP, de Helsinque, Finlândia. Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, em 24.08.22, às 15h49
Cenário foi detectado pelo Observador Folha/Quaest, que monitora 1.218 grupos públicos de WhatsApp
Uma mensagem que cita um trio de pessoas em Brasília que deseja impugnar a chapa de Jair Bolsonaro (PL) e uma pesquisa "interna não falsa" dizendo que o ex-presidente Lula (PT) tem só 17% dos votos foi enviada mais de 92 mil vezes a grupos de WhatsApp em um período de 20 dias.
Ela inclui ainda a convocação para atos no 7 de Setembro, data usada por Bolsonaro e apoiadores no ano passado para atacar ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e ir às ruas pedir o que chamam de "voto auditável", iniciativa que deve se repetir neste ano pelo presidente e por seus aliados. O texto diz também que "roubar na apuração está difícil", porque as Forças Armadas "estão em cima".
O envio massivo dessa mensagem sobre uma possível impugnação da chapa indica que parte do bolsonarismo busca, por meio dos militares, afastar o discurso de fraude na urna eletrônica. Mas isso sem diminuir a desconfiança a membros do STF e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), já que o Judiciário tem sido a principal barreira aos retrocessos empreendidos por Bolsonaro ao longo de seu mandato.
A ampla distribuição das mensagens foi detectada pelo Observador Folha/Quaest, que monitora 1.218 grupos públicos de WhatsApp e que atualmente tem na amostra 42% dos grupos ligados à direita, 14% à esquerda e 44% indeterminados.
Há indicativo de envio coordenado. Ao todo, o texto foi enviado para 228 grupos e teve alcance estimado, apenas dentro do universo pesquisado, de 42,6 mil integrantes —com base na média de 187 usuários por grupo. Nos cinco grupos em que a mensagem mais foi compartilhada, ela apareceu cerca de 900 vezes.
A narrativa disseminada diz que Bolsonaro tem 62% dos votos e ganharia no primeiro turno da eleição, o que é falso, já que pesquisas recentes mostram Lula com mais de 10 pontos à frente do atual presidente.
Ainda segundo essa conspiração, haveria apenas dois caminhos para reverter esse cenário: "Matar Bolsonaro ou impugnar a chapa". As Forças Armadas também são lembradas no texto: "Roubar na apuração está difícil porque as FFAA estão em cima".
A primeira mensagem foi identificada em 3 de agosto, estendendo-se até 22 de agosto, último dia da análise. Na primeira versão que circulou nos grupos, não havia menção aos atos de 7 de Setembro ou ao comunismo. Ela foi sofrendo pequenas alterações e chegou a circular em ao menos 13 formatos.
A metodologia da Quaest inclui grupos de conversa alinhados a todos os espectros. Os links dos convites públicos de WhatsApp foram obtidos em rede sociais como Twitter, Instagram, Facebook, Reddit e Gettr.
A maioria dos compartilhamentos foi feita em grupos bolsonaristas (91%), contra 3% em grupos lulistas e 6% em grupos classificados como indeterminados.
Apesar do compartilhamento massivo, a quantidade de telefones responsáveis por fazer a mensagem circular não é tão alta. Ao todo, foram 540 números diferentes, um dos quais realizou 438 envios —o segundo número com mais disparos enviou a mensagem 385 vezes. Não parece, contudo, que a narrativa seja homogênea, já que em parte dos grupos bolsonaristas monitorados a mensagem não apareceu.
Desde antes de ser eleito, Bolsonaro fomenta a desconfiança nas urnas em discursos recheados de mentiras. Ele já chegou a colocar a própria realização do pleito em dúvida.
Em entrevista ao Jornal Nacional na segunda (22), o presidente foi cobrado pelos apresentadores a assumir um compromisso de que respeitará o resultado das eleições. Bolsonaro, entretanto, colocou como condição que elas "sejam limpas" e na sequência citou o envolvimento dos militares como determinante. "E quem vai decidir essa questão de transparência ou não serão, em parte, as Forças Armadas, que foram convidadas a participar da comissão de transparência eleitoral."
O Ministério da Defesa foi chamado pelo TSE para participar de uma comissão de transparência das eleições e tem questionado a corte em alinhamento ao discurso do presidente.
No fim de julho, a pasta designou 10 militares das três Forças para participar da fiscalização das eleições. Recentemente pediram, com carimbo de "urgentíssimo", para inspecionar o código-fonte da urna que estava disponível para análise desde outubro do ano passado.
Os militares insistem em mudanças no processo eleitoral e, nesta terça-feira (23), o ministro da Defesa teve uma reunião com o atual presidente do TSE, Alexandre de Moraes.
"BOMBA EM BRASÍLIA: O TRIO QUER IMPUGNAR A CHAPA DE BOLSONARO" é o início da mensagem disparada nos grupos. As três pessoas à frente de tal estratégia não são explicitadas nominalmente. De acordo com o texto, elas estariam sendo pressionadas por "Lula, Zé Dirceu e PCC".
Também no Telegram e em grupos de Facebook a narrativa de que haveria um movimento para impedir Bolsonaro de concorrer foi compartilhada em diferentes variações desde o dia 4 de agosto.
Em parte delas o trio é nomeado: "O TRIO (FACHIN, BARROSO E XANDINHO DO PCC) QUER IMPUGNAR A CHAPA DE BOLSONARO", conforme postagens em grupos públicos no Facebook.
Além de Moraes, que estará à frente da corte durante a eleição, seus antecessores, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, tornaram-se alvos preferenciais de Bolsonaro em seus discursos de cunho golpista contra as urnas eletrônicas e de questionamento da Justiça Eleitoral.
Em sua posse na corte, no dia 16, a que Bolsonaro esteve presente, o ministro deu fortes recados ao chefe do Executivo, assim como fez na sessão em que foi julgada a cassação da chapa Bolsonaro Mourão.
Nessas eleições, o PDT move dois processos para impugnar a chapa de Bolsonaro e Braga Netto, usando como motivação o evento com embaixadores em que o presidente atacou as urnas e uma live do presidente com pedido de votos a aliados. Já o PT não chegou a apresentar nenhuma ação com pedido de derrubada da chapa da campanha atual. Por outro lado, nesta semana, o partido recorreu ao TSE em ação sobre disparos em massa no WhatsApp na campanha de 2018.
Os advogados apontam que haveria contradições no julgamento feito pelo TSE e solicitam que o presidente fique inelegível. Embora o julgamento tenha sido concluído em 2021, os acórdãos, documentos que contêm o teor da decisão e os votos do plenário da corte, só foram publicados na semana passada.
No texto distribuído no WhatsApp, também a construção do temor do que relacionam como "Bloco Comunista da América Latina" é utilizado para mobilizar apoiadores do presidente a comparecerem às manifestações do 7 de Setembro, que foram convocadas por Bolsonaro.
Atras nas pesquisas e com um cenário desfavorável na economia, Bolsonaro tem reembalado, ao longo do ano, a imagem de que o pleito seria uma "luta do bem contra o mal". "POVO NAS RUAS DIA 7 DE SETEMBRO EM MASSA!!!", diz o final do texto compartilhado. "Será a nossa decisão de sermos a próxima Argentina, Venezuela, Cuba, etc…Ou não…O futuro dos nossos filhos e famílias está nas nossas mãos!!!"
No primeiro ato oficial de campanha, Bolsonaro voltou a Juiz de Fora (MG), onde sofreu um atentado em 2018, e associou governos anteriores ao socialismo. "O Brasil estava à beira de um colapso, com problemas éticos, morais e econômicos, e marchava a passos largos para o socialismo", disse na ocasião.
Renata Galf e Paula Soprana para a Folha de S. Paulo. Publicado originalmente em 24.08.22, às 12h03
Hostil ao jornalismo, Bolsonaro renova aposta na confusão em entrevista ao JN
Dada a belicosidade com que Jair Bolsonaro (PL) trata a imprensa desde sua chegada à Presidência da República, temeu-se o pior em sua entrevista à bancada do Jornal Nacional, na noite de segunda (22).
No entanto, em lugar do valentão que insulta repórteres nas ruas, o que se viu na televisão foi um político acuado —capaz de exercer algum autocontrole, mas despreparado para um tipo de embate que evitou por três anos e meio.
Bolsonaro mentiu mais uma vez sobre suas ações na pandemia, seu descaso com as vítimas da Covid-19 e sua negligência com as vacinas. Desmentido pelos jornalistas, insistiu em lorotas que se desmancham no ar com um clique na internet.
Quando tentou negar as ofensas que dirigiu a ministros do Supremo Tribunal Federal repetidamente nos últimos meses, a dificuldade de sustentar a patranha ficou tão evidente que o mandatário se desconcertou e mudou de assunto.
Questionado sobre o que fará se perder as eleições, Bolsonaro disse que aceitará o resultado se elas forem limpas. Como não há razão para achar que não serão, a fórmula sibilina só serviu para manter acesa sua campanha de descrédito contra as urnas eletrônicas.
O presidente chegou a sugerir que uma decisão sobre a validade do pleito dependerá das Forças Armadas, que participam da fiscalização do processo a convite da Justiça Eleitoral. Mas não existe nada nas atribuições dos militares que permita tal interpretação.
Indiferente ao repúdio que suas ameaças golpistas receberam da sociedade e da política nas últimas semanas, Bolsonaro saiu em defesa dos apoiadores que pregam contra a ordem democrática, e disse que não cabe a ele desautorizá-los.
É possível que o presidente acredite que essa é mesmo a melhor estratégia para sua campanha à reeleição: investir na tensão entre as instituições para manter mobilizados seus seguidores mais fiéis.
Ele ganhou pontos nas últimas pesquisas, mas ainda está longe do primeiro colocado, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Os números indicam que essa distância só diminuirá se ele conquistar eleitores que hoje descartam seu nome.
Os 40 minutos da entrevista, no telejornal de maior audiência da televisão brasileira, eram uma oportunidade, mas não houve aceno na direção dessas pessoas.
Indagado sobre as dificuldades econômicas que o país enfrenta e seus planos para um eventual segundo mandato, Bolsonaro foi incapaz de dar uma resposta objetiva, que oferecesse ao menos uma pista sobre o que pretende fazer.
Se a entrevista serviu para mostrar que a aposta na confusão continua sua opção preferencial, ficaram visíveis também as dificuldades que ele enfrenta na disputa.
Editorial da Folha de S. Paulo, em 23.08.22 às 21h30/ editoriais@grupofolha.com.br
Presidente usa risco como arma política, mesmo quando finge amenizar as próprias bravatas
Parecia até que o presidente havia sido tomado por mais um pressentimento. Horas antes de a Polícia Federal bater na porta de oito empresários que discutiam casualmente um golpe de Estado, Jair Bolsonaro dizia para 43 milhões de brasileiros que defender o fechamento do STF não era "nada de mais". "Para mim, isso daí faz parte da democracia", afirmou, no Jornal Nacional.
A afinidade de Bolsonaro com a ideia de uma ruptura democrática não é nenhuma novidade. Mas é interessante observar como o presidente emite um tipo de salvo-conduto e estimula o golpismo entre seus seguidores mesmo quando ele próprio age estrategicamente para reduzir o volume dessas bravatas.
Bolsonaro insiste na circulação da ameaça porque explora o fantasma do golpe como arma política. Em primeiro lugar, a retórica da ruptura ajuda o presidente a se vender como líder de uma guerra contra "o sistema" e manter o engajamento de seus apoiadores mesmo nos momentos em que ele parece frágil.
O capitão também usa esse risco numa espécie de extorsão. Em nome de uma suposta pacificação, aliados espalham pelos tribunais a versão de que o presidente vai abandonar os ataques à democracia e a postura conflituosa caso determinadas exigências sejam cumpridas. A negociação nunca se concretiza porque o único beneficiário da história é o próprio Bolsonaro.
No fundo, o presidente ainda alimenta a hipótese de um golpe porque parece acreditar verdadeiramente nesse caminho. Mantendo a possibilidade no ar, ele tenta calcular a adesão a um processo de ruptura liderado por ele, incluindo setores sensíveis como as Forças Armadas e o empresariado.
O presidente só consegue sustentar esse risco graças à boa vontade de instituições como o Congresso e a Procuradoria-Geral da República. Augusto Aras, aliás, não escondeu de aliados a contrariedade com a ação da PF que mirou empresários golpistas. Se dependesse dele, haveria mais gente falando de golpe por aí..
Bruno Boghossian, o autor deste artigo, é Jornalista, foi repórter da Sucursal de Brasília. É mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA). Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, edição impressa, em 23.08.22, às 20h08
O caso do menino que ligou para a polícia pedindo ajuda, pois a família não tinha o que comer, deveria vexar todo o País, sobretudo quem tem poder de acabar com a fome, e não o faz
Com voz firme e clareza incomum para a idade, o menino Miguel, de 11 anos, assombrou o País por sua coragem e maturidade ao ligar para a polícia e pedir ajuda para ele e a família, que passavam fome. Foi no dia 2 de agosto, na região metropolitana de Belo Horizonte, mas poderia ser em qualquer dia e em qualquer um dos muitos lugares em que sobrevivem os milhões de brasileiros em situação de insegurança alimentar.
A fome, que costuma surgir somente em razão de catástrofes naturais ou de guerras, aparentemente começa a tornar-se parte do cotidiano do Brasil, um país que não sofreu nenhuma catástrofe natural recente nem está em guerra. Aos poucos, os brasileiros parecem se acostumar com essa tragédia, e a vida segue – até que um menino de 11 anos decide fustigar a consciência do País.
“Ô seu policial, aqui, é por causa que aqui em casa não tem nada pra gente comer e eu tô com fome. Minha mãe só tem farinha e fubá pra comer”, disse o menino em seu telefonema desesperado para o serviço 190 da Polícia Militar. Desconfiados de que se tratava de maus-tratos, os policiais foram à casa do menino e lá se chocaram com a realidade. A família passava fome havia pelo menos três dias. “Minha mãe estava chorando”, explicou o menino mais tarde, em entrevistas nas quais contou por que tomou a iniciativa de ligar para a polícia.
Naquele instante, a fome ganhou rosto e voz de criança – em quem se costumam depositar as esperanças de uma nação. Se uma criança passa fome, e se essa criança deve ela mesma tomar a iniciativa de procurar ajuda, significa que a nação fracassou em todos os aspectos. Em países decentes, as crianças nem passam fome nem precisam amadurecer antes do tempo para encontrar maneiras de sobreviver. Em países decentes, governos e sociedades investem tudo o que podem no desenvolvimento de suas crianças, tratando-as, em primeiro lugar, como sujeitos de direitos. Em países decentes, as autoridades não dormem tranquilamente se houver crianças com fome.
O Brasil, dono de uma das maiores economias do mundo, e orgulhoso de sua imensa capacidade de produzir alimentos, deveria considerar inaceitável que um único menino brasileiro não tenha o que comer. No entanto, a despeito dos vergonhosos números da insegurança alimentar, o País parece mais empenhado em discutir o preço dos combustíveis, a confiabilidade das urnas eletrônicas e o papel dos militares nas eleições. Ademais, enquanto poucos políticos se dedicam a enfrentar o drama da fome, e quando o fazem é quase sempre de maneira calculista, não faltam interessados no rateio das bilionárias verbas do orçamento secreto para seus redutos eleitorais. Em meio à balbúrdia estéril daqueles que fazem três refeições por dia e só deixam de comer quando estão de dieta, o telefonema de um menino de 11 anos pedindo socorro à polícia porque estava com fome é um tapa na cara.
A eleição de outubro deveria ser a oportunidade para discutir mecanismos de curto e médio prazos para enfrentar essa calamidade. Os candidatos deveriam se sentir obrigados a detalhar o que pretendem fazer imediatamente, a partir do instante da posse como presidente, a respeito disso, pois nada pode ser considerado mais prioritário. E os candidatos deveriam ser obrigados a dizer o que pretendem fazer para que essa situação jamais volte a ocorrer. Ou seja: não merecem o voto aqueles candidatos que se orgulham de investir em programas de ajuda aos mais pobres que apenas se prestam a alimentar uma clientela eleitoral, sem mudar substancialmente a realidade. Por outro lado, candidatos que propuserem uma sólida política de inclusão, que não se limite a transferir renda para evitar a miséria e que invista em educação pública como prioridade real do País, deveriam ter a atenção do eleitor.
É preciso, portanto, que o País, se tem verdadeiro apreço por si mesmo, não fique indiferente ao pedido de socorro do menino Miguel, pois essa criança, como tantas outras em situação semelhante, não pode ser privada do mais básico da vida em sociedade.
Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 23.08.22
Exército acertou ao cancelar desfile do 7 de Setembro no Rio, em razão de ameaças de violência e de uso político-partidário
O Exército foi prudente ao decidir não participar dos atos programados para a orla de Copacabana por ocasião do 7 de Setembro. O presidente Jair Bolsonaro queria contar com a presença dos militares, vontade esta que representava uma nítida tentativa de uso político-partidário das Forças Armadas. A presença das tropas e de seus blindados na Avenida Atlântica, em meio a apoiadores da reeleição do presidente, podia ser equivocadamente entendida como apoio dos militares a um determinado candidato ou partido.
Diante da tentativa bolsonarista de exploração política de uma festa cívica, o Exército cancelou também a tradicional parada militar na Avenida Presidente Vargas, no centro da capital fluminense. Agora, está prevista uma cerimônia militar sem público ou desfile para as comemorações do Bicentenário da Independência do Brasil.
A decisão por essa participação mais discreta dos militares foi motivada não apenas pelo risco de exploração político-partidária da data nacional. O setor de inteligência do Exército detectou indícios de preparação material de atos de violência por parte de radicais bolsonaristas. Esses apoiadores de Jair Bolsonaro pretendiam se infiltrar nas manifestações em Copacabana para provocar tumultos que, no limite, levassem a uma intervenção militar por meio de decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) ou, ao menos, criassem um clima no País para discussões dessa natureza, totalmente descabidas. Definitivamente, um militar ferido ou morto durante esses atos é o que de menos o País precisa neste momento. Campanha eleitoral é tempo de paz, não de bagunça, violência ou uso político-partidário das instituições de Estado.
A insistência de Jair Bolsonaro para levar a principal celebração do Bicentenário para o Rio de Janeiro, e especificamente para a orla de Copacabana, onde já ocorreram manifestações favoráveis ao presidente, não foi aleatória. No Rio concentra-se o maior número de radicais bolsonaristas. Neste sentido, toda prudência das autoridades é bem-vinda.
A decisão do Exército de cancelar o desfile do 7 de Setembro no Rio de Janeiro é um triste sintoma dos tempos estranhos que o País atravessa. É lamentável que uma celebração cívica tão importante, como é o Bicentenário da Independência do Brasil, tenha de ser alterada por ameaças de uso político-eleitoral e de risco de atos de violência. Definitivamente, o governo de Jair Bolsonaro não apenas é incapaz de promover a paz, a ordem e a civilidade, como estimula o exato contrário.
É preciso investigar rigorosamente os indícios detectados pelo Exército a respeito da preparação material de atos de violência por parte de radicais bolsonaristas. O País não pode ficar refém de baderneiros autoritários e fora da lei, que querem impor seus delírios sobre o restante da população. O 7 de Setembro é data de celebração cívica do País, de sua história e de suas instituições. Não pode ser convertido em tempo de ameaça ou de medo, antíteses da cidadania e da liberdade.
Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 23.08.22
Vice-presidente acusa Justiça de perseguição política e tenta impugnar processo por supostas ilegalidades; sociólogo compara resposta a do ex-presidente brasileiro
Foto: Celso Junior/ AE - 07/09/2008
As acusações da Promotoria da Argentina contra a vice-presidente Cristina Kirchner e o pedido de sentença de prisão e anulação dos direitos políticos têm uma repercussão política que se assemelha a um episódio brasileiro recente: o caso Lula e a Lava Jato, segundo a avaliação de um analista político argentino. Na segunda-feira, 22, Kirchner e seus apoiadores consideraram o processo judicial contra ela um “pelotão de fuzilamento midiático-judicial” e acusaram se tratar de uma perseguição. “O melhor exemplo que se toma disso é justamente o Lula”, declarou o sociólogo Carlos de Angelis, professor da Universidade de Buenos Aires (UBA).
De acordo com Angelis, as semelhanças residem principalmente na resposta dos dois líderes aos processos. Assim como Lula, Kirchner acusa a promotoria e juízes de atuarem juntos e ferirem os direitos de defesa. Poucos minutos depois do promotor Diego Luciani acusá-la de chefiar um esquema de associação ilícita e fraude ao Estado.
Em um discurso em seu próprio gabinete no Senado, transmitido em redes sociais, Cristina acusou o Ministério Público de agir motivado por uma “feroz campanha política e midiática” e disse que a “a sentença já estava escrita” quando promotoria pediu sua condenação na segunda-feira. “Os promotores puderam ler seu roteiro durante nove dias. Eu gostaria de ter falado em frente ao tribunal”, disse Cristina. “Não deveria me surpreender, porque, como disse na época, a sentença já estava escrita”, acrescentou.
Apoiador de Cristina Kirchner carrega cartaz em apoio à vice-presidente durante protesto na segunda-feira, 22. Foto: Juan Mabromata/ AFP
Durante o discurso, a vice-presidente argumentou que não há provas contra ela e que nenhum dos convocados para testemunhar durante o julgamento apoiou a versão dos promotores, que segundo ela adotam o “roteiro” de veículos de imprensa e da oposição ao governo.
Em uma publicação nas redes sociais na segunda-feira, Cristina já havia comparado o tribunal a um “pelotão de fuzilamento”. “Se faltou algo para confirmar que não estou perante um tribunal da Constituição, mas sim perante um pelotão de fuzilamento midiático-judicial, é me impedir de exercer o direito de defesa perante questionamentos que nunca apareceram na acusação do Ministério Público a que assisti por 5 dias em maio de 2019″, declarou.
As menções aos processos enfrentados por Lula na Operação Lava-Jato foram feitas pelos próprios apoiadores de Kirchner e membros do governo. “A extrema direita na América Latina é antidemocrática. O fizeram com Perón e, recentemente, com líderes populares da região como Evo Morales e Lula. Mas nossos povos são justos: não abandonam os que apostaram por eles”, escreveu o ministro das Relações Exteriores, Santiago Cafiero, em sua conta no Twitter.
Longe de significar uma prisão num futuro próximo, as acusações contra Kirchner aumentam a crise política de um país que precisa lidar com o caos econômico. Um sinal disso ficou evidente nesta segunda-feira, com manifestações pró e contra diante da residência dela em Buenos Aires – finalizadas com conflitos com a polícia.
Segundo Angelis, o caso Lula deve ser muito discutido na Argentina nos próximos meses e anos porque Kirchner acusa Diego Luciani de ter relações pessoais com o juiz Rodrígo Giménez Uriburu, um dos três magistrados que a julgará. Há alguns dias, uma imagem se espalhou mostrando os dois juntos em uma partida de futebol amador organizada pelo ex-presidente Mauricio Macri, adversário político de Kirchner. Ela pediu que os dois fossem afastados do processo, mas não obteve êxito.
“Seguramente, há alguns elementos que Cristina vai pôr na mesa para impugnar o processo, pelo menos a legitimidade dele”, declarou Angelis. “Por isso, creio que o caso Lula deve ser muito discutido e difundido na Argentina”.
O paralelo com o ex-presidente Lula acontece devido às alegações de ilegalidades feitas pela defesa do ex-presidente nos quatro processos criminais da Operação Lava Jato contra ele que tramitaram na 13ª Vara Federal de Curitiba, que resultaram na anulação das condenações no Supremo Tribunal Federal (STF) em 2021. Em um dos processos, referente ao caso do Triplex do Guarujá, a Segunda Turma do STF decidiu que o ex-juiz Sérgio Moro foi parcial no julgamento.
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O petista, assim como Kirchner faz neste momento, mobilizou durante todo o processo os seus apoiadores a saírem em sua defesa difundindo a tese de perseguição.
Outra semelhança está nos direitos políticos. Caso seja condenada a sentença solicitada nesta segunda-feira, que pede 12 anos de prisão e anulação perpétua dos direitos políticos, Kirchner terá a sua carreira na política institucional, na qual ela foi presidente em dois mandatos, encerrada. “Foi o que aconteceu com Lula em 2018, quando perdeu os direitos políticos e não pode disputar as eleições que Jair Bolsonaro ganhou. Agora, ele pode. Creio que é uma discussão que também vai crescer na Argentina”, declarou Angelis.
Consequências políticas imediatas
Kirchner só deve ser julgada em dezembro por um tribunal da primeira instância e o caso deve ser apelado à Corte Superior do país, estendendo-se por anos. Por isso, o pedido de sentença feito nesta segunda-feira está longe de significar a prisão dela em um futuro próximo. A principal consequência é, segundo os analistas, o aumento da crise política em um país que lida com o caos econômico.
“Isso é um pouco mais do mesmo: o Kirchnerismo denuncia perseguição política, como está fazendo, e a oposição faz a campanha com o argumento da corrupção”, disse a cientista política María Lourdes Puente, diretora da Escola de Política e Governo da Universidade Católica Argentina.
“Não vejo que há um procedimento possível de detenção efetiva (com as acusações desta segunda-feira), somente uma agitação do vespeiro político”, acrescentou.
Manifestante se veste de presidiária para pedir prisão de Cristina Kirchner. Foto: Magali Druscovich/ REUTERS
A vice-presidente também se vale do foro privilegiado concedido pelo cargo para não ser presa. Com eleições marcadas para o ano que vem é provável que ela seja candidata ao Senado – o que manteria a imunidade até 2029, caso consiga a provável vitória. Nesse contexto, ela ainda teria que passar por um processo de impeachment no Congresso Nacional da Argentina para perder o cargo. E, para isso, seriam necessários dois terços dos votos dos senadores e deputados a favor da sua saída.
Dentro deste jogo, no qual há um conflito de anos entre a esquerda e a direita argentina, uma pergunta ainda sem resposta é como o governo de Alberto Fernandez vai lidar com as acusações – e como as acusações respingam nele. O atual presidente e Cristina racharam politicamente durante o governo e não se falam, mas isso não o impediu de também chamar as acusações contra ela de perseguição. “Transmito o meu mais profundo afeto e solidariedade a Cristina”, escreveu no Twitter,
Na avaliação de Carlos de Angelis, entretanto, a resposta é limitada. Por um lado, o governo não possui muitos recursos para defender Cristina em uma outra esfera de poder. Por outro, precisa centrar forças para lidar com a crise econômica, que atingiu 71% no ano, o pior número em 30 anos. “O governo está mais envolvido nos problemas econômicos na nova gestão de Sergio Massa”, declarou Angelis.
Resposta da oposição
Um fator é visto como crucial pelos analistas para livrar Alberto Fernández da pressão causada pelo processo de Cristina Kirchner: a resposta contida da oposição. De acordo com o analista político Sergio Berensztein, presidente da agência International Press Service (IPS) para América Latina, os políticos opositores não devem inflamar mais o cenário para não fortalecer a narrativa de perseguição de Cristina Kirchner. “Se a oposição usar as acusações contra Cristina, elas serão vistas como politizadas e parte dessa perseguição”, declarou Berensztein.
“O governo de Fernández está muito debilitado politicamente pela crise política. Fernández não tem credibilidade e está afastado de Cristina Kirchner, que tem uma liderança política muito forte. A crise econômica deve continuar sendo o maior motivo de pressão sobre ele neste momento”, acrescentou o analista.
A pressão poderia recair em Fernández caso Kirchner fosse condenada e recebesse um indulto político. Isso, entretanto, é improvável pelo tempo que o processo pode durar.
Segundo os analistas, isso não significa que as acusações não serão utilizadas politicamente contra Kirchner. Elas devem ser o tema central da campanha eleitoral no ano que vem, quando Cristina deve se candidatar ao Senado. “Eles vão usar, com certeza na campanha eleitoral vai ser uma questão central, por mais que não haja condenação firme para aquele momento”, concluiu Angelis.
Luiz Henrique Gomes para o Estado de S. Paulo online. Publicado originalmente em 23.08.22 às 10h16
Presidente repetiu alegações falsas sobre pandemia e processo eleitoral que já foram desmentidas anteriormente
Presidente Jair Bolsonaro (PL) durante entrevista ao Jornal Nacional. Foto: Globo/Reprodução
O presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, repetiu informações enganosas sobre a pandemia de covid-19 e a integridade do processo eleitoral na entrevista exibida pelo Jornal Nacional. Errou ao citar dados de desemprego da época da ex-presidente Dilma Rousseff e distorceu informações sobre a situação e preservação do meio ambiente sob seu governo.
Bolsonaro imitou pessoa com falta de ar diferentemente do que disse no Jornal Nacional; veja vídeo
Durante 40 minutos de entrevista com os apresentadores William Bonner e Renata Vasconcelos, o presidente apresentou ao menos 13 informações falsas ou enganosas. Não foi possível checar todas as alegações feitas por ele. Confira a seguir a checagem do Estadão Verifica.
Ataques contra ministros do STF
O que Bolsonaro disse: que nunca xingou ministros do Supremo Tribunal Federal.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. Em mais de uma situação, o presidente insultou os ministros Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral até o primeiro semestre deste ano, e Alexandre de Moraes, responsável por inquéritos que envolvem o presidente e seus aliados.
Em uma manifestação no dia 7 de Setembro na Avenida Paulista, em São Paulo, Bolsonaro ameaçou não mais respeitar decisões do STF. Ele chamou Alexandre de Moraes de “canalha” e pediu que ele deixasse o cargo. Dois dias depois, criticou o inquérito dos atos antidemocráticos, comandado por Moraes, e xingou o ministro de “otário”.
Diante de apoiadores, na mesma data, Bolsonaro declarou que Luís Roberto Barroso era um “imbecil” por defender o sistema eleitoral eletrônico do País. “Resposta de um imbecil, lamento falar isso de uma autoridade do STF, só um idiota para fazer isso.”
Em 6 de agosto de 2021, Bolsonaro foi além e chamou Barroso de “aquele filho da puta” diante de apoiadores em Santa Catarina. Sua declaração foi transmitida ao vivo por sua conta no Facebook por volta das 14h50. Às 15h19, o vídeo havia sido apagado.
Inquérito de ataque hacker ao TSE
O que Bolsonaro disse: que a ministra Rosa Weber, então presidente do TSE, enviou em 2018 uma denúncia de fraude à Polícia Federal para abertura de um inquérito, que continua em apuração.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: falta contexto. Em 2018, a Polícia Federal instaurou um inquérito, a pedido do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para apurar uma invasão a sistemas da Justiça Eleitoral. Técnicos da corte alegaram em relatório que um hacker chegou a ter acesso a senhas, mas, segundo o tribunal, o acesso indevido não comprometeu a integridade do processo de votação. Até o momento, não há indícios públicos de que houve fraude nas urnas eletrônicas.
O que Bolsonaro disse: Imediatamente a PF pediu os logs do que ocorreu em 2018. O TSE poderia ter respondido no mesmo dia, mas depois de 7 meses o TSE disse que os logs foram apagados.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: falta contexto. Bolsonaro cita um trecho do inquérito da Polícia Federal sobre invasão hacker aos sistemas do TSE em 2018. Os autos do relatório vazado pelo presidente em suas redes sociais mostram que, em 10 de junho de 2019, um técnico da corte respondeu para a PF que “o servidor de build dos códigos fonte da urna eletrônica não possuía qualquer tipo de log habilitado”.
O servidor também informou que não poderia repassar dados adicionais porque essas informações haviam sido perdidas por conta de uma manutenção e do armazenamento limitado do sistema. O pedido da PF não consta nos arquivos, o que impossibilita saber exatamente do que se tratava.
Isso não quer dizer que os dados foram apagados propositalmente pelo TSE, nem que isso impossibilite saber qual foi a extensão do ataque. Em resposta ao Estadão Verifica, a Justiça Eleitoral esclareceu que todas as versões do código-fonte ficam armazenadas no servidor e que nenhuma alteração foi detectada. Além disso, a alteração do código-fonte não é permitida em ambiente externo — o hacker só conseguiu visualizar e fazer o download do arquivo, não modificá-lo.
Ao dizer que o servidor de build não possuía log habilitado, o servidor do TSE informa que não tinha como verificar quais microcomputadores dentro da rede interna do TSE realizaram acessos ao servidor Jenkins, que elabora programas de computador. Ele também menciona uma manutenção no sistema realizada em agosto, antes do incidente ser notado e da abertura do inquérito, que ocasionou perda de informações específicas, além de uma limitação de armazenamento que fazia com que os dados fossem sobrescritos automaticamente com o passar do tempo.
Bolsonaro omite ainda que o TSE colaborou, sim, com o envio de máquinas e dados desde o começo do inquérito — cujo pedido partiu do próprio tribunal, em ofício assinado pela ministra Rosa Weber, que o presidia na época. A partir dessas informações, a PF refez a linha do tempo da invasão e deu encaminhamento ao inquérito a fim de identificar o hacker.
Em 9 de novembro de 2018, por exemplo, o delegado Victor Neves Feitosa Campos solicitou a Janino as imagens das máquinas invadidas, relatório do incidente e informações de logs e IPs suspeitos (registros de acesso ao sistema e endereço dos dispositivos conectados). A solicitação foi respondida dentro de uma semana, segundo consta nos autos.
Compra das vacinas contra a covid-19
O que Bolsonaro disse: que o governo federal comprou mais de 500 milhões de doses de vacinas contra a covid-19 mais rápido do que outros países.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Até o final de 2020, mais de 50 países já tinham iniciado a vacinação, enquanto o Brasil só aplicou a primeira dose em 17 de janeiro de 2021.
O Reino Unido foi o primeiro a iniciar a vacinação da população contra a covid-19, em 8 de dezembro de 2020. Enquanto isso, ao longo de 2020, pelo menos 53 e-mails da farmacêutica Pfizer com ofertas de vacinas ficaram sem resposta por parte do governo brasileiro.
Em maio do ano passado, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse à CPI da Covid que o Brasil tinha contratado 562 milhões de doses de vacina, mas admitiu ter inflado os números. O Estadão mostrou, na época, que o número era de cerca de 280 milhões de doses contratadas, ou seja, a metade. A marca de 500 milhões de doses aplicadas da vacina contra a covid-19 foi alcançada em meados de junho de 2022.
O que Bolsonaro disse: que a Pfizer não garantia a entrega da vacina.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. Documentos entregues à CPI da Covid, do Senado, provam o compromisso assumido pela farmacêutica Pfizer de reembolsar o valor pago pelo Brasil por doses de vacina se o prazo de entrega fosse descumprido. Essa premissa consta de telegrama diplomático enviado em 27 de agosto de 2020 pela embaixada do Brasil em Washington ao Itamaraty.
O documento diz que a empresa “se comprometeria a devolver ao governo brasileiro todo e qualquer pagamento antecipado, na hipótese em que a empresa não consiga honrar a obrigação de entregar a quantidade acordada da vacina”. Na época, a farmacêutica oferecia 30 milhões de doses de vacina contra a Covid ao governo brasileiro.
A Pfizer fez exigências no contrato de venda de vacinas. Entre elas, a assinatura, pelo governo brasileiro, de um termo de responsabilidade sobre possíveis efeitos colaterais.
Inquérito das fake news contra ministros do STF
O que Bolsonaro disse: que a procuradora-geral da República Raquel Dodge deu parecer para arquivar inquérito sobre ofensas e fake news contra o STF.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é verdade, mas o inquérito não foi arquivado. Em 16 de abril de 2019, a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, enviou parecer ao Supremo Tribunal Federal determinando o arquivamento do inquérito aberto na Corte pelo ministro Dias Toffoli para apurar ataques a ministros do STF. Segundo Dodge, o inquérito era inconstitucional porque Toffoli não poderia agir de ofício para abrir a investigação, nem poderia nomear um relator – o ministro Alexandre de Moraes.
No mesmo dia, contudo, o relator indeferiu o pedido de arquivamento alegando que o pedido não era constitucional, nem lícito. O inquérito seguiu, apesar da manifestação de Raquel Dodge.
Vagas de empregos em 2014 e 2015
O que Bolsonaro disse: que em 2014 e 2015, tivemos uma perda de quase 3 milhões de empregos no Brasil.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. Dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), publicados pelo Ministério do Trabalho em 2015, apontam que o Brasil perdeu 1,5 milhão de vagas de emprego formal naquele ano, mas registrou um saldo positivo de 623 mil em 2014. O déficit entre os dois anos citados por Bolsonaro, portanto, foi de cerca de 877 mil empregos.
Além disso, informações do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) publicadas pelo Estadão na época apontam uma perda de postos de trabalho distante da quantidade mencionada pelo presidente. Em 2014, o Brasil registrou um saldo positivo de 420 mil empregos, seguido por um fechamento de 1,54 milhão de vagas.
Casos de corrupção no governo federal
O que Bolsonaro disse: que o governo não tem escândalos de corrupção.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. Em março, o então ministro da Educação, Milton Ribeiro, deixou o cargo após uma série de acusações de corrupção. O Estadão revelou um suposto esquema de pastores que cobravam propinas de prefeitos para intermediar encontros com Ribeiro. Ele chegou a ser preso pela Polícia Federal, mas foi solto logo depois por decisão judicial.
O ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles também foi alvo de investigação da Polícia Federal por suspeita de corrupção. Para a PF, ele estaria envolvido em venda ilegal de madeira.
Transposição do Rio São Francisco
O que Bolsonaro disse: que concluiu as obras de Transposição do Rio São Francisco que estavam paradas desde 2012.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. Conforme já verificado por agências de checagem, notícias e documentos oficiais indicam que ao menos 92,5% da execução física dos dois eixos estruturantes do projeto estavam prontos quando o atual presidente assumiu. Um deles, inclusive, foi inaugurado no governo de Michel Temer.
Agravamento da pandemia em Manaus
O que Bolsonaro disse: cilindros de oxigênio chegaram a Manaus em menos de 48 horas após colapso.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. O governo federal foi informado de que uma crise de oxigênio estava para eclodir em Manaus ainda no início de janeiro de 2021, mas minimizou os alertas. Nos dias 11 e 12, o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, esteve na capital do Amazonas para promover o tratamento precoce e confirmou que havia uma crise de oxigênio.
No dia 13 de janeiro, quando o sistema entrou efetivamente em colapso e pacientes começaram a morrer por falta de oxigênio, Bolsonaro começou a ser cobrado e respondeu, pelas redes sociais, que havia mandado oxigênio para Manaus em maio de 2020. No dia 17 de janeiro de 2021, 96 horas após o colapso, o governo anunciou que balsas tinham atracado em Manaus com 70 mil metros cúbicos de oxigênio, mas a remessa era suficiente para apenas um dia de demanda na cidade.
No dia 18 de janeiro, um carregamento com 107 mil metros cúbicos de oxigênio doados pela Venezuela chegou ao Brasil. No final de janeiro, um comboio com 160 mil metros cúbicos de oxigênio atrasou a chegada a Manaus por causa das más condições da BR-319.
Proteção de vegetação nativa
O que Bolsonaro disse: que o Brasil preserva 66% da sua área verde.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. O presidente refere-se ao fato de que 66,5% do território brasileiro é coberto por vegetação nativa, como mostra levantamento do MapBiomas. O Projeto Comprova já mostrou ser enganoso que essa cobertura vegetal esteja intacta.
Somos o país com a maior área absoluta de florestas tropicais e os que mais desmatam este tipo de bioma. Segundo a iniciativa Global Forest Watch, que monitora os índices de perda de cobertura florestal no mundo, o Brasil perdeu 1,361 milhão de hectares de florestas tropicais úmidas primárias em 2019. Isto equivalia a mais de um terço do observado em todo o mundo (3,8 milhões de hectares). O país liderou o ranking de perda de florestas primárias naquele ano.
Lockdown e distanciamento social
O que Bolsonaro disse: Estudo de Nova York aponta que as pessoas se contaminam mais dentro do que fora de casa.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é impreciso. O Projeto Comprova demonstrou ser verdadeira uma pesquisa apontando que, de cada três novos pacientes de covid-19 no Estado de Nova Iorque, nos Estados Unidos, dois estavam em casa. Mas isso não quer dizer que o distanciamento social determinado pelo estado norte-americano tenha falhado, e sim que essas pessoas tiveram contato com infectados. Em 6 de maio de 2020, o governador Andrew Cuomo falou em entrevista coletiva sobre os dados coletados pelo Departamento Estadual de Saúde que apontaram a contaminação domiciliar, mas ressaltou que a amostragem da pesquisa foi relativamente pequena e afirmou que o número de casos começou a cair no Estado depois das medidas de isolamento social, colocadas em vigor no dia 22 de março.
Auditoria do PSDB em 2014
O que Bolsonaro disse: Em 2014, no segundo turno, o PSDB duvidou da lisura e contratou uma auditoria. Conclui que as urnas são inauditáveis.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é impreciso. Depois do pleito de 2014, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aceitou um pedido do PSDB para auditar as urnas eletrônicas e concedeu acesso a dados, arquivos e parte dos programas usados nos equipamentos naquela eleição para uma auditoria externa. O relatório da investigação concluiu que não foi possível identificar fraudes na votação de 2014 e, de fato, destacou que o sistema não permitia uma auditoria externa independente e efetiva.
Apesar disso, o TSE sustenta que há diversas formas de auditar e recontar os votos, definidas na legislação eleitoral. Como explicado diversas vezes por agências de checagem e imprensa profissional, é possível auditar votações. No dia da eleição, cada urna eletrônica emite um comprovante com os votos recebidos, chamado de Boletim de Urna (BU). Esse documento é impresso pelos mesários e se torna público logo após o fim da votação – qualquer pessoa pode comparar os números impressos com o resultado divulgado pelo TSE.
No dia da eleição o TSE promove um sorteio de urnas eletrônicas que serão fiscalizadas. A ação é para verificar a autenticidade e demonstrar a integridade do processo eleitoral “para eleitores sem conhecimentos específicos em tecnologia”, como afirma o site do órgão. As urnas sorteadas são encaminhadas para os tribunais regionais eleitorais, onde é feita uma simulação de voto. “Cédulas em papel são preenchidas e depositadas em uma urna de lona, para que os participantes digitem esses votos tanto na urna eletrônica quanto em um sistema específico que computará os votos consignados em paralelo”, explica o TSE. Se houvesse fraude, apareceria uma divergência entre os números da urna de lona e os da urna eletrônica. Nunca foi constatada irregularidade.
Clarissa Pacheco, Luciana Marschall, Pedro Prata, Victor Pinheiro e Denise Chrispim, especial para o Estadão. Publicado originalmente em 22 de agosto de 2022 às 22h45.
Presidente deu relato falso sobre atuação na pandemia e disse que nunca xingou ministro, mas já chamou Moraes de 'canalha'
O presidente Jair Bolsonaro em entrevista ao Jornal Nacional - Reprodução/TV Globo
O presidente Jair Bolsonaro (PL) colocou condições para aceitar os resultados das eleições e mentiu, durante sabatina no Jornal Nacional, ao tratar de ações na pandemia da Covid-19 e ao negar que tenha xingado ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).
Ele foi o primeiro candidato ao Planalto a participar da série de entrevistas com presidenciáveis no programa da TV Globo. Durante a sabatina, houve panelaços em diversas capitais do país.
No ano passado, Bolsonaro chamou o ministro Alexandre de Moraes de "canalha". Além disso, diante de apoiadores, já chamou o ministro Luís Roberto Barroso de "filho da puta".
Após ter dito no JN que nunca xingou algum magistrado do Supremo, o apresentador do programa, William Bonner, recordou do episódio em que chamou Moraes de "canalha".
Bolsonaro, então, admitiu que atacou o magistrado, mas disse que o entrevero teria sido apenas com ele —e omitiu o xingamento a Barroso.
No Jornal Nacional, Bolsonaro também mentiu sobre as ações do governo na pandemia, ao negar ter barrado a compra de vacinas.
O mandatário começou a entrevista mais calmo, dando respostas em um tom sereno. No decorrer do programa, porém, ficou mais irritado, principalmente após ser questionado se tinha algum arrependimento por ter imitado pessoas sem ar ao comentar os problemas da Covid-19.
Ele, porém, disse que foi solidário às vítimas da pandemia. "A solidariedade eu manifestei conversando com o povo nas ruas, visitando as periferias de Brasília, vendo pessoas humildes que foram obrigadas a ficar em casa sem ter um só apoio de governador ou prefeito", disse.
Bolsonaro também voltou a levantar dúvidas sobre a segurança das urnas eletrônicas, citando informações que já foram rebatidas pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e pela própria PF.
O delegado Victor Neves Feitosa Campos, responsável pelo inquérito sobre o ataque hacker ao sistema do TSE que o presidente costuma citar, disse em depoimento à corporação que não encontrou indícios de que a ação pudesse ter resultado em manipulação de votos, fraude ou problemas na integridade das urnas.
O presidente foi cobrado pelos apresentados a assumir um compromisso de que respeitará o resultado das eleições. No entanto, novamente colocou uma condicionante de que faria isso se considerar que as eleições foram "limpas" —o que ele nega ocorrer, já que segue colocando em dúvida o sistema eleitoral do país.
"Serão respeitados os resultados das urnas desde que as eleições sejam limpas", afirmou o presidente.
Em outro momento, Bolsonaro foi questionado sobre as ações antidemocráticas de seus apoiadores, como a recorrente defesa da ditadura militar em manifestações em seu favor.
Respondeu que se trata de "liberdade de expressão". "Quando alguns falam em fechar o Congresso, é liberdade de expressão deles. Eu não levo para esse lado."
Bolsonaro tem feito neste ano seguidos ataques ao sistema eleitoral e aos ministros do STF para acusar uma suposta fraude caso não vença as eleições.
O sistema eletrônico de votação, porém, foi exaltado e ovacionado diante de Bolsonaro na posse do ministro Alexandre de Moraes como presidente do TSE, na semana passada.
A retórica golpista do presidente inclui ainda o flerte com as Forças Armadas, que participam de uma comissão de transparência eleitoral e, na prática, têm sido uma das linhas de frente do questionamento do presidente às urnas.
O ataque mais grave às urnas ocorreu em 18 de julho, quando ele chamou embaixadores estrangeiros para expor suas mentiras acerca das urnas e do processo eleitoral, repetindo argumentos já descartados após sua exposição em uma live no ano passado.
A reação veio no último dia 11, com um ato que reuniu milhares de pessoas para a leitura de duas cartas de apoio à democracia na Faculdade de Direito da USP. A primeira carta foi endossada por entidades como a Fiesp e centrais sindicais. Já a segunda, inspirada na Carta aos Brasileiros de 1977, ultrapassou 1 milhão de assinaturas.
No JN, Bolsonaro afirmou que não retardou a compra de vacinas e repetiu as alegações de que a Pfizer pretendia impor condições impraticáveis para fornecer os imunizantes. A CPI da Covid, no entanto, apontou que as propostas da farmacêutica americana ficaram meses sem resposta.
O presidente também se negou a afirmar que a aliança com o centrão foi contraditória em relação à campanha de 2018, quando costumava criticar duramente o grupo político composto por partidos de centro.
Bolsonaro aproveitou a oportunidade para elogiar seus ministros, mas deixou de fora da lista expoentes desse bloco que estão na Esplanada, como o chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, e o chefe das Comunicações, Fábio Faria.
Ao ser questionado sobre desmatamentos, o presidente respondeu que há 30 milhões de brasileiros vivendo na região e que isso deve ser foco de preocupação do governo. Na sequência, Bolsonaro ainda criticou o Ibama por destruir o maquinário das pessoas que devastam as florestas.
"A destruição [dos equipamentos], como está em lei, é se você não puder tirar o equipamento daquele local. O que vinha acontecendo e ainda vem, infelizmente, é que o material pode ser retirado do local, porque se chegou lá pode ser retirado e há o abuso de uma parte...", afirmou o presidente, sendo questionado de quem partiria o abuso. "Por parte do Ibama", acrescentou.
Bolsonaro também repetiu a estratégia usada em debates de 2018 e foi à entrevista com anotações na mão, com as seguintes palavras: Nicarágua, Argentina, Colômbia, Dario Messer.
As críticas do mandatário aos três países, que são comandados por governantes de esquerda, são recorrentes.
Em relação a Messer, que ele não mencionou na entrevista, a anotação ocorreu porque o doleiro já disse, em delação premiada, que realizou repasses de dólares em espécie à família Marinho, dona do Grupo Globo.
Em nota emitida na época, os proprietários da emissora negaram as acusações de Messer e ressaltaram que o doleiro não apresentou provas.
Ao final da entrevista ao JN, o presidente transmitiu em suas redes uma live, a partir do carro onde estava. Nela, voltou a chamar apoiadores para os atos do 7 de Setembro. Lembrou que haverá desfile militar, pela manhã, em Brasília, e que à tarde estará no Rio de Janeiro, com apresentações das Forças Armadas.
Projeção com réplica da cabeça de Bolsonaro é vista em prédio em São Paulo durante entrevista do presidente ao JN - Carla Carniel/Reuters
Nesta semana também serão sabatinados pelo JN os candidatos Ciro Gomes (dia 23), Luiz Inácio Lula da Silva (25) e Simone Tebet (26).
Apesar de Bolsonaro fazer críticas recorrentes à Globo e de já ter até orientado sua militância a não assistir a emissora, a entrevista ao Jornal Nacional foi tratada pelo entorno do presidente como um dos momentos mais importantes da campanha.
Bolsonaristas prepararam uma grande mobilização nas redes sociais para aumentar a repercussão da sabatina. A hashtag #BolsonaroNoJN foi usada em postagens nas redes sociais por ministros do governo, por filhos do mandatário e por outros aliados.
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e o ministro das Comunicações, Fábio Faria (PP), publicaram nas redes um vídeo no qual Bolsonaro olhava para o celular e um interlocutor falava "olha a cara do presidente preocupado hoje com o JN". Bolsonaro então respondia: "Vou dar um beijo no [William] Bonner hoje."
A aposta de estrategistas da campanha era que a participação do mandatário no telejornal de maior audiência do país pudesse alavancar o presidente nas pesquisas e ajudar a expor ações do governo federal.
A entrevista concedida em 2018, por exemplo, foi amplamente explorada por seus apoiadores na época durante todo o período eleitoral.
Na ocasião, Bolsonaro defendeu a ditadura militar, espalhou fake news sobre livros distribuídos às escolas e questionou o salário da apresentadora Renata Vasconcellos.
O então candidato apresentou um exemplar do livro "Aparelho Sexual e Cia." e disse erroneamente que a obra havia sido entregue em colégios públicos. Na ocasião, porém, a Cia. das Letras, que editou o livro, afirmou que a publicação nunca foi distribuída em escolas pelo MEC (Ministério da Educação).
A Fundação Biblioteca Nacional, ligada ao Ministério da Cultura, comprou, em 2011, 28 exemplares do título, que foram distribuídos em bibliotecas públicas —não nas escolas.
O MEC, em 2016, já havia negado que tivesse adquirido exemplares desse título.
Nas negociações sobre a participação de Bolsonaro no JN neste ano, a campanha chegou a exigir que a sabatina fosse realizada no Palácio do Alvorada, argumentando que Luiz Inácio Lula da Silva (2006) e Dilma Rousseff (2014) tiveram o mesmo tratamento quando tentaram a reeleição.
O presidente depois cedeu e aceitou ir aos estúdios da emissora no Rio de Janeiro.
A participação no programa acontece em um momento de crescimento de Bolsonaro nas pesquisas de intenção de voto, que ocupa o segundo lugar, atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Levantamento do Datafolha divulgado na semana passada mostrou que o presidente conseguiu diminuir para 15 pontos percentuais a diferença para o líder Lula. A diferença entre os dois na pesquisa anterior, de 28 de julho, era de 18 pontos.
Essa foi a primeira pesquisa Datafolha divulgada após o início do pagamento do Auxílio Brasil de R$ 600.
Apoiadores de Bolsonaro se reúnem em Belo Horizonte para assistir à entrevista no JN - Douglas Magno/AFP
Matheus Teixeira, Renato Machado e Ricardo Della Coletta, de Brasíia, DF, originalmente, para a Folha de S. Paulo, em 22.08.22 às 22h47.
Exibição em Kiev de veículos russos ocorre poucos dias antes da celebração do Dia da Independência da Ucrânia . "Invasores queriam realizar um desfile em nossa capital. Agora eles estão aqui. Como sucata", diz ministro.
"Os russos finalmente conseguiram seu desfile militar no centro de Kiev. No entanto, há uma pegadinha", tuitou o jornalista ucraniano Oleksiy Sorokin neste sábado (20/08), enquanto moradores de Kiev observavam ou tiravam selfies com vários tanques russos capturados ou destruídos que foram levados para serem exibidos em uma das principais vias da capital ucraniana.
A exibição das dezenas de veículos militares russos - entre tanques, peças de artilharia e blindados em geral - ocorre a poucos dias do aniversário da independência ucraniana. A data marca o 24 de agosto de 1991, quando o parlamento da Ucrânia, conhecido como Rada, proclamou a independência do país da antiga União Soviética.
Um site que contabiliza perdas de equipamentos militares na guerra estima que a Rússia já perdeu mais de 900 tanques.Foto: Kyodo/picture alliance
"Em fevereiro, os russos estavam planejando um desfile no centro de Kiev. Seis meses após o início da guerra, a vergonhosa exibição de metal russo enferrujado é um lembrete para todos os ditadores de como seus planos podem ser arruinados por uma nação livre e corajosa", disse uma mensagem com imagens dos tanques divulgada pelo perfil no Twitter do Ministério da Defesa da Ucrânia.
Anteriormente, um porta-voz das Forças Armadas ucranianas disse que os soldados russos que avançaram até os arredores de Kiev no início do conflito haviam trazido uniformes de desfile, numa demonstração de confiança de que a capital ucraniana seria facilmente capturada. Mas os russos acabaram se retirando das proximidades da capital e Moscou não conseguiu a vitória rápida que esperava contra os ucranianos.
Agora, os tanques russos estão em Kiev, mas como troféus de guerra.
No início de agosto, um site que contabiliza perdas de equipamentos militares na guerra da Ucrânia, apontou que Moscou já havia perdido 5.000 veículos militares desde o início da invasão, em 24 de fevereiro, incluindo mais de 900 tanques.
Um relatório de inteligência do Reino Unido aponta que a Rússia falhou em equipar adequadamente seus tanquesFoto: Nacho Doche/REUTERS
O ministro da Defesa ucraniano, Oleksii Reznikov, por sua vez, tuitou: "Os agressores sonhavam em capturar Kiev em três dias. Os invasores pretendiam realizar um desfile em nossa capital. Ok. Eles estão agora aqui. Como toneladas de sucata", escreveu.
Na quinta-feira, um relatório de inteligência do Ministério da Defesa do Reino Unido relatou "grande desgaste" dos tanques russos na Ucrânia, que atribuiu parcialmente à "falha da Rússia em empregar adequadamente armadura explosiva reativa (ERA) adequada" nos veículos.
"Isso sugere que as forças russas não corrigiram uma cultura de mau uso do ERA, que remonta à Primeira Guerra da Chechênia em 1994", disseram autoridades de defesa britânicas.
Publicado originalmente por Deutsche Welle Brasil, em 21.08.22