terça-feira, 29 de março de 2022
Chaves para as negociações entre Rússia e Ucrânia: o que cada país quer?
Ucrânia oferece à Rússia sua saída da OTAN em troca de garantias de segurança em seu território
Moscou garante que reduzirá "drasticamente" as operações militares nas áreas de Kiev e Chernihiv para avançar no diálogo
O presidente turco Recep Tayyip Erdogan nesta terça-feira durante o encontro entre as delegações ucraniana e russa em Istambul. ( Foto: AFP)
A reunião entre as delegações russa e ucraniana, realizada na terça-feira em Istambul, terminou sem um acordo firme, mas com o progresso mais notável até o momento e uma clara mudança de tom. O lado russo definiu o diálogo como "construtivo" e representantes ucranianos chegaram a dizer que o que foi discutido na Turquia prepara as bases para um possível encontro entre os líderes dos dois países, embora Moscou prefira que os chanceleres assinem um acordo primeiro.
A equipe de negociação ucraniana do governo de Volodímir Zelenski afirmou que a Ucrânia selaria sua neutralidade e, portanto, se recusaria a ingressar na OTAN -como exige o presidente Vladimir Putin- desde que Kiev tenha garantias de segurança em seu território oferecidas por países terceiros. Pela primeira vez, o governo de Kiev também falou em negociar a situação na Crimeia - que Moscou anexou em um referendo ilegal em 2014 - embora dentro de um período de 15 anos e falando sobre o status da região de Donbas, mas em uma reunião entre Zelensky e Putin que parecem mais próximos agora.
Por sua vez, o vice-ministro da Defesa russo, Alexander Fomin, anunciou que, para avançar no diálogo e "aumentar a confiança mútua", Moscou decidiu "reduzir drasticamente as operações militares" nas áreas de Kiev e Chernihiv. Representantes do governo de Kiev e seus aliados ocidentais receberam o anúncio com ceticismo, temendo que pudesse ser uma tática de Moscou para se reorganizar diante de sua falta de progresso e quando suas tropas estão paralisadas em muitas frentes e enfrentam contra-ofensivas ucranianas.
Os negociadores enviados por Kiev - representantes do governo, parlamentares e militares liderados por David Arajamia, presidente do grupo majoritário no Parlamento ucraniano - apresentaram uma moção que está agora na mesa da Rússia para avaliação. A principal proposta da Ucrânia envolve sua “neutralidade” militar – que inclui a recusa em aderir à OTAN, estabelecer bases militares estrangeiras em seu território e desenvolver armas nucleares – em troca de um tratado de garantia. Esse tratado teria que ser certificado nos Parlamentos e em uma cúpula internacional na qual seriam designados os países garantidores.
O acordo funcionaria como uma versão adaptada do artigo 5º da carta da OTAN sobre defesa mútua: em caso de agressão ao território ucraniano, esses países - após um período de consulta de três dias - teriam a obrigação de enviar armas, material de defesa ou até mesmo forçar uma zona de exclusão aérea sobre a Ucrânia. Entre os países que a Ucrânia propôs estão Estados Unidos, França, Reino Unido, Alemanha, Israel, Polônia e Turquia, embora ainda não tenha fechado negociações com seus respectivos governos.
A península da Crimeia e a área de Donbas, que Moscou controla por meio dos separatistas pró-Rússia, seriam excluídas dessa proteção.. A Ucrânia deixou claro que ainda considera suas fronteiras reconhecidas internacionalmente – isto é, incluindo Donbas e Crimeia – mas promete não tentar recapturar partes controladas pelo Kremlin à força. No final da reunião, o assessor presidencial ucraniano, Mijaílo Podoliak, explicou à imprensa que Kiev sugere dar a ambos os governos um prazo de 15 anos para negociar seu status. Em relação a Donbas, por outro lado, disse que a situação é "diferente". O acordo com o compromisso de "neutralidade" também deve passar por referendo na Ucrânia, já que exige uma mudança constitucional para retocar o artigo que marca a adesão à OTAN como meta.
O Reino Unido, por meio de Downing Street, apontou que vê "alguma redução" nas forças russas ao redor da capital, embora Washington veja isso mais como uma "realocação e não uma retirada". Após a mesa de diálogo em Istambul, o principal negociador de Moscou, Vladimir Medinski, ressaltou que a anunciada redução da ofensiva em torno de Kiev e Chernihiv não representa um cessar-fogo. Ainda há "um longo caminho a percorrer" para chegar a um acordo mútuo com a Ucrânia, disse ele em entrevista à agência estatal TASS. Na sexta-feira, o Ministério da Defesa russo anunciou que concentraria sua ofensiva em Donbas, no leste da Ucrânia, embora pouco depois de ter lançado ataques em áreas no oeste do país.
Mediação da Turquia
A reunião começou às 9h30, hora local (uma hora a menos na Espanha continental), com uma recepção do presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, que exortou ambas as delegações a cumprir sua “missão histórica” para alcançar “uma paz justa”. para ambas as partes. Depois de uma hora e meia de encontro entre os chefes de delegação russos e ucranianos, todas as equipes de negociação (incluindo representantes do governo, parlamentares e militares) se reuniram por mais três horas, com intervalos.
Inicialmente, a reunião estava programada para continuar na quarta-feira, mas dada a apresentação da proposta ucraniana, ambas as delegações voltaram para casa para continuar as consultas com seus respectivos governos. O chefe da diplomacia turca, Mevlüt Çavosuglu, expressou sua esperança de que a próxima reunião possa ocorrer entre os chanceleres, com a intenção de que saiam da reunião com um acordo assinado.
Uma fotografia mostra edifícios destruídos em Kharkiv em 29 de março de 2022, destruídos por bombardeios de tropas russas, no 34º dia da invasão russa da Ucrânia. - A Ucrânia está pedindo um "acordo internacional" para garantir sua segurança, que seria assinado por vários países garantidores, disse em 29 de março de 2022 o negociador-chefe ucraniano após várias horas de conversas russo-ucranianas em Istambul. (Foto de Sergey BOBOK/AFP)
O 34º dia da invasão russa
Antes das negociações, Erdogan exortou os representantes de Kiev e Moscou a agir "com responsabilidade" e concordar com um cessar-fogo. “Estou certo de que um cessar-fogo permanente pode ser alcançado”, disse o presidente turco em discurso dirigido a delegados de ambos os partidos no Gabinete Presidencial do Palácio Dolmabahçe, em Istambul, segundo a agência de notícias Efe. “Acreditamos que não há perdedores em uma paz justa e equitativa. A continuação da guerra não é do agrado de nenhuma das partes e um cessar-fogo imediato beneficiaria a todos”, sublinhou o presidente turco no seu discurso televisionado.
Aludindo implicitamente aos combates diários desde que as tropas russas invadiram a Ucrânia em 24 de fevereiro , Erdogan considerou que havia chegado a hora de o fogo cessar "o mais rápido possível". "Todo mundo está esperando as boas notícias de você", ele insistiu depois de relembrar seus esforços de mediação.
Até agora, os dois lados se encontraram pessoalmente três vezes em território bielorrusso, enquanto no dia 10 os ministros das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, e da Ucrânia, Dmitro Kuleba, se reuniram sem sucesso em Antália . Desde então, as negociações ocorrem quase que diariamente em formato de videoconferência entre delegações e grupos de trabalho.
A mudança de local para as negociações pela Turquia, algo que o lado ucraniano havia buscado devido ao crescente envolvimento da Bielorrússia na campanha de guerra russa, foi decidida no fim de semana após vários esforços turcos. Erdogan telefonou para Zelensky na sexta-feira, certificando depois que houve "progresso" nas posições de negociação. No domingo, ele conversou por telefone com Putin, a quem convenceu a transferir as negociações para Istambul.
A Turquia, apesar de ser um dos membros mais antigos da OTAN, é o único país da Aliança que não apoiou as sanções contra a Rússia. “Não podemos quebrar as pontes com Moscou, senão quem falará com eles? Decidimos manter os canais abertos”, disse o porta-voz presidencial turco na segunda-feira.
ANDRÉS MOURENZA e MARIA R. SAHUQUILLO, de Istambul Turquia) e Odessa (Ucrânia) para o EL PAÍS, em 29 DE MARÇO DE 2022 - 14:36Atualizada:29 DE MARÇO DE 2022 - 16:01 CEST.
O inferno são os outros
Bolsonaro anuncia que eleição será ‘luta do bem contra o mal’. Poucos ilustram de modo tão preciso o conceito bolsonarista de ‘bem’ como Collor e Valdemar Costa Neto
No domingo passado, o presidente Jair Bolsonaro lançou ilegalmente a sua campanha pela reeleição durante um ato político-partidário em Brasília. O evento, organizado pelo PL e financiado com recursos públicos do fundo partidário, teve a forma de um comício e os discursos de um comício. E comícios, como determina a Lei Eleitoral, só estão autorizados a partir do dia 16 de agosto.
Mas, por incrível que pareça, o inequívoco ato de campanha antecipada foi o que menos chamou a atenção naquela festa fora de hora. Afinal, todos sabem que Bolsonaro jamais desceu do palanque após a posse e governa, por assim dizer, calculando o potencial de seus atos e palavras para atrair ou repelir eleitores, não para melhorar as condições de vida de todos os brasileiros.
O que merece destaque é o tom do discurso do presidente no evento, indicativo do que será a tônica de sua campanha. No palco, ao lado de familiares, ministros de Estado e aliados da estirpe de Valdemar Costa Neto e Fernando Collor de Mello, Bolsonaro classificou a eleição presidencial deste ano como uma “batalha espiritual”, uma “luta do bem contra o mal”, sendo ele, naturalmente, a encarnação do “bem”.
O que está em jogo em 2022 são questões bem mais terrenas, para as quais Bolsonaro tem poucas respostas a oferecer. Entende-se, portanto, que, para um incumbente que não tem realizações positivas para apresentar aos eleitores que justifiquem a sua recondução ao cargo – ao contrário, há muitos erros a escamotear –, só resta o recurso à narrativa sobrenatural, tratando todos os muitos milhões de brasileiros que não votam em Bolsonaro como se fossem a encarnação do demônio.
Já do lado do “bem”, segundo Bolsonaro, estão ninguém menos que Valdemar Costa Neto e Fernando Collor de Mello. O primeiro, chefão do PL, partido pelo qual Bolsonaro escolheu concorrer à reeleição, é uma das figuras mais proeminentes do escândalo do mensalão petista, tendo sido condenado e preso pelo crime de corrupção; o segundo, ex-presidente da República, brilha com vergonhoso destaque na história brasileira por ter sofrido impeachment em razão de um escândalo de corrupção.
O elástico conceito bolsonarista de “bem” ignora as suspeitas de “rachadinha” que recaem sobre o presidente e seus filhos Flávio e Carlos Bolsonaro. Ignora também o escândalo de corrupção envolvendo a aquisição de vacinas em meio à maior tragédia sanitária que já se abateu sobre o País.
E o que dizer dos pastores evangélicos que se aninharam no Ministério da Educação, sob o beneplácito do ministro Milton Ribeiro e, ao que parece, do próprio presidente da República, para traficar influência e pedir propina para facilitar o acesso de prefeitos aos recursos do orçamento para a educação? É esse o “bem” que Bolsonaro afirma representar?
No comício em Brasília, Bolsonaro, ademais, classificou como “um velho amigo” o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. Afirmou ter citado seu nome no voto pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff por um “dever de consciência”. Ou seja, o mesmo Bolsonaro que se apresenta ao País como a encarnação do “bem” é o indivíduo que diz ter uma dívida de consciência com um dos mais notórios torturadores da ditadura militar, o que diz muito sobre sua alma.
Por fim, seria o triunfo do “bem” sobre o “mal” a reeleição de um presidente que admite, sem meias-palavras, ter engulhos por ter de cumprir a Constituição? É claro que não.
O bem que o País precisa é o resgate da política como o meio mais eficiente para a concertação pacífica dos interesses da sociedade. É o respeito às leis e à Constituição. É a união dos brasileiros como povo, não como membros de facções irreconciliáveis. É a defesa do meio ambiente. É a valorização da verdade factual e o respeito à liberdade de imprensa. É a superação da irresponsabilidade demagógica e a retomada do diálogo, da confiança e do respeito mínimo entre os cidadãos, mesmo os divergentes. O bem só terá chance de triunfar, portanto, se Bolsonaro for derrotado.
Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 29.03.22
Datafolha: 53% dos brasileiros acham que corrupção irá aumentar nos próximos meses
Outros 17% dos entrevistados acham que os casos de corrupção vão diminuir, e 26% entendem que o cenário não se modificará.
Pesquisa do Instituto Datafolha publicada nesta terça-feira (29) no jornal "Folha de S.Paulo" mostra que 53% dos brasileiros acham que a corrupção vai aumentar daqui para a frente. Segundo o jornal, na pesquisa anterior, de dezembro de 2021, este número era de 36%. Outros 17% ouvidos na pesquisa mais recente acham que os casos de corrupção vão diminuir, e 26% entendem que o cenário não se modificará. 4% não sabem.
Feita na terça (22) e quarta-feira (23), a pesquisa, que ouviu 2.556 pessoas acima de 16 anos, em 181 cidades de todo o país, foi realizada em meio às denúncias que atingem o Ministério da Educação, até então sob comando de Milton Ribeiro, que deixou o cargo nesta segunda-feira (28). Em um áudio revelado no início da semana passada, o ministro diz que, a pedido do presidente Jair Bolsonaro (PL), repassava verbas do ministério para municípios indicados pelos pastores.
A margem de erro da pesquisa é de dois pontos percentuais para mais ou menos.
De acordo com o jornal "Folha de S.Paulo", o índice de agora mostra uma alta do pessimismo do brasileiro em relação ao levantamento de dezembro de 2021, mas ainda distante do pico alcançado em março daquele ano, quando 67% dos entrevistados achavam, na ocasião, que a corrupção aumentaria. Na mesma pesquisa, de março, 8% achavam que a corrupção iria reduzir (menor índice).
Os resultados:
Corrupção vai aumentar: 53% (36% em dezembro de 2021, 61% em setembro, 56% em julho e 67% em março)
Corrupção vai diminuir: 17% (30% em dezembro de 2021, 11% em setembro, 13% em julho e 8% em março)
Corrupção vai ficar como está: 26% (29% em dezembro de 2021, 24% em setembro, 26% em julho e 23% em março)
Não sabem: 4% (4% em dezembro de 2021, 3% em setembro, 5% em julho e 3% em março)
Segundo o Datafolha, a expectativa do aumento de corrupção é maior entre os que ganham até dois salários mínimos e os quem têm ensino fundamental, 59%; e entre as mulheres, 58%. É menor entre os que recebem mais de dez salários: 38%.
A expectativa de redução na corrupção é superior entre homens, 20%; quem tem ensino superior, 20%; e pessoas com renda acima de dez salários, 26%.
Publicado originalmente por g1 - São Paulo, em 29.03.22
Prévias têm a sua validade, mas não são uma corrente', diz Leite, do PSDB
Governador do RS, que perdeu as prévias do partido para João Doria, se diz disposto a ser candidato a presidente da República.
Eduardo Leite: Prévias não são uma 'corrente' para que o partido se mantenha amarrado
O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, disse, nesta terça-feira (29), que as prévias do PSDB para definir o pré-candidato à presidência da legenda nas eleições de 2022 – vencidas pelo governador de São Paulo, João Doria – "não são uma corrente" para a legenda.
Leite lembrou ainda uma declaração de Doria em fevereiro, quando o governador de SP afirmou estar disposto a apoiar outro nome na disputa presidencial.
"Se lá adiante tiver que fazer algum gesto em relação a outra candidatura, ele [Doria] fará. Ele disse isso em um evento", disse o governador do RS. "As prévias têm sua validade, mas não são uma corrente que o partido tenha para ficar amarrado."
Na segunda-feira (28), o governador do Rio Grande do Sul anunciou a renúncia ao cargo – passo necessário para concorrer a outro posto nas eleições de 2022. Na ocasião, ele anunciou também que permaneceria no PSDB, descartando uma ida para o PSD.
"Se eu quero ajudar o Brasil, quero ajudar a mudar o meu partido antes disso. Foi uma conversa amistosa [com Gilberto Kassab, presidente do partido]. Nos encontramos na sexta e falamos ao telefone no domingo. Ele foi muito correto comingo. O sentimento é o mesmo: de buscar uma alternativa para o Brasil", disse Leite.
FHC defende prévias; Doria falou em 'golpe'
No sábado (27), o governador paulista João Doria chamou de "golpe" qualquer tentativa de colocá-lo como candidato à presidência pelo partido e relembrou das prévias.
"Diante de prévias realizadas com o amparo da Justiça Eleitoral, com investimentos também registrado na Justiça Eleitoral - foram R$ 10 milhões investidos para que o partido fizesse suas prévias – as prévias valem. Qualquer outro sentimento diferente disso é golpe", afirmou Doria.
Sem mencionar Leite, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) disse na segunda que as prévias do partido devem ser respeitadas.
Quem é Eduardo Leite
Eduardo Figueiredo Cavalheiro Leite tem 37 anos e é natural de Pelotas, no Sul do RS.
O político foi eleito vereador de Pelotas em 2008. Quatro anos depois, Leite foi eleito prefeito da cidade, com 57% dos votos válidos no segundo turno.
O então prefeito não concorreu à reeleição em 2016, voltando à cena política em 2018, quando anunciou sua candidatura ao governo do estado. Após receber quase 36% dos votos no primeiro turno, Leite venceu o governador José Ivo Sartori (MDB) no segundo turno, com quase 54%.
Mesmo tendo declarado voto em Jair Bolsonaro no segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Eduardo Leite passou a criticar o presidente, sobretudo durante a pandemia.
"Foi um erro colocar Bolsonaro no poder. Está cada vez mais claro que é um erro mantê-lo lá", escreveu em setembro de 2021.
Meses antes, em julho, Leite falou publicamente sobre sua homossexualidade pela primeira vez. Em entrevista ao programa Conversa com Bial, da TV Globo, o governador afirmou sofrer ataques e piadas de adversários por sua orientação sexual, mas disse que não tinha nada a esconder.
"Eu sou gay. E sou um governador gay, não sou um gay governador", disse a Bial.
Diante da repercussão, Leite usou as redes sociais para agradecer as manifestações de apoio que recebeu. No Ano Novo de 2022, o governador postou seu primeiro registro ao lado do namorado, o médico Thalis Bolzan.
Publicado originalmente por g1 RS, em 29.03.22.
Bolsonaro entregar MEC ao Centrão seria uma 'vergonha', diz Malafaia
O pastor Silas Malafaia, uma das lideranças evangélicas mais influentes do país, classificou como uma "vergonha" a possibilidade de o comando do Ministério da Educação ser entregue a um indicado do Centrão.
Malafaia defende Bolsonaro, mas afirma: 'Eu não posso colocar a mão no fogo nem por filho meu' (,MAURO PIMENTEL/AFP VIA GETTY IMAGES)
A entrevista foi concedida na segunda-feira (28/03), horas depois de outro pastor, Milton Ribeiro, ter sido exonerado do cargo em meio ao agravamento da crise gerada após a publicação de reportagens sobre a atuação de dois pastores que estariam cobrando propina de prefeitos em troca de acesso ao agora ex-ministro e liberação de verbas da Educação.
Segundo as reportagens veiculadas pelos jornais "O Estado de S. Paulo" e "Folha de S. Paulo", dois pastores estariam cobrando até R$ 15 mil para garantir a liberação de verbas. Um áudio divulgado na semana passada mostra Milton Ribeiro afirmando que, entre suas prioridades, estaria atender pessoas próximas a um dos pastores que faziam parte de uma espécie de "gabinete paralelo" do MEC.
Em sua defesa, Milton Ribeiro negou qualquer irregularidade e disse que pediu, ainda no ano passado, que a Controladoria-Geral da União (CGU) investigasse o caso. O pedido foi confirmado pelo órgão.
Na quinta-feira (24/03), o presidente Jair Bolsonaro (PL) demonstrou apoio a Ribeiro afirmando que colocaria sua "cara no fogo" pelo ministro, mas na segunda-feira o presidente assinou a exoneração de Milton Ribeiro, que havia pedido o seu desligamento da pasta em uma carta.
Nos últimos dias, Malafaia criticou Ribeiro e chegou a pedir a sua exoneração ao mesmo tempo em que defendia o presidente Jair Bolsonaro, de quem é aliado.
À BBC News Brasil, Malafaia disse que o caso não afetará o mundo evangélico, que Bolsonaro deverá obter pelo menos 60% dos votos evangélicos nestas eleições e que a bancada religiosa irá aumentar em relação a 2018. Malafaia disse, ainda, acreditar na honestidade de Bolsonaro, mas questionado sobre se colocaria a "mão no fogo" pelo presidente, hesitou.
"Eu não posso colocar a mão no fogo nem por filho meu. Já disse para você: eu não tenho atributos da onisciência e onipresença. Mas eu acredito no presidente", afirmou.
Confira os principais trechos da entrevista:
BBC News Brasil - Quão prejudicial o caso envolvendo o agora ex-ministro Milton Ribeiro é para a comunidade evangélica?
Silas Malafaia - Seria prejudicial se nós encobríssemos ou protegêssemos o ministro e os pastores envolvidos. Se a gente se omite e se cala, quem cala consente. Quem fica quieto é permissivo. Mas dentro do momento, nós nos posicionamos. Queremos uma investigação total. Somos mais de 200 mil pastores e não vamos receber pecha de corrupto por causa de dois caras. Num primeiro momento, nós somos questionados. A instituição "pastor" é questionada, mas nós tivemos uma voz muito forte. Queremos uma investigação. Gente ruim e corrupta tem em todo lugar e nós não somos isentos nesse negócio.
BBC News Brasil - O senhor acha que o presidente Jair Bolsonaro demorou para decidir pela exoneração de Milton Ribeiro?
Malafaia - Eu acho que no primeiro momento, quando o caso veio à tona, acho que o presidente precisava se posicionar e dar uma palavra. Convocar a imprensa e dizer: 'Recomendar alguém para um ministro atender não significa que o ministro tem que fazer o que esse alguém está pedindo'. Isso é republicano. Eu não acho que o problema é o presidente mandar o ministro receber alguém. Eu só acho que o presidente podia rapidamente esclarecer e afastar o ministro.
BBC News Brasil - Na quinta-feira (24/03), o presidente Bolsonaro disse que colocaria a cara dele no fogo pelo ministro Milton Ribeiro. O senhor acha que ele errou nessa declaração?
Malafaia - De zero a dez, eu dou oito para acreditar que o ministro não esteja envolvido em nada. Eu não dou dez que eu não boto a mão no fogo nem por filho, porque o ser humano é de uma complexidade enorme e eu não tenho atributos divinos de onipresença e onisciência.
Essa força de expressão é pra dizer que acredita na inocência dele. Eu também acredito. Não vou dizer que acredito 100%, porque eu não sei, mas vou dizer que, na dúvida, eu dou credibilidade a ele. Mas queremos uma investigação profunda - seja sobre ele, seja sobre os pastores. Eu não acho que você 'botar a mão no fogo' por alguém o isenta de alguma coisa. Essa força de expressão do presidente, de dizer que confia no Milton, é uma força de expressão exagerada porque ele poderia dizer: 'Olha, por enquanto eu confio no Milton, até que me provem o contrário'.
BBC News Brasil- Aproveitando essa figura de linguagem, o senhor coloca sua mão no fogo pelo presidente Jair Bolsonaro?
Malafaia - Eu não posso colocar a mão no fogo nem por filho meu. Já disse para você: eu não tenho atributos da divindade de onisciência e onipresença. Eu acredito no presidente. Pelo histórico dele. Por que o presidente iria se sujar com um negócio de dois pastores? Isso aí não tem cabimento. Isso é tentativa do PT de jogar lama no presidente. Não tem cabimento.
BBC News Brasil- O áudio do agora ex-ministro Milton Ribeiro é muito claro. Ele diz o seguinte: Minha prioridade é atender os municípios que mais precisam e em segundo lugar os amigos do pastor Gilmar porque esse foi um pedido do presidente. Aí não há nenhuma menção a uma simples apresentação (dos pastores ao ministro). Ele diz que a priorização seria um pedido do presidente...
Malafaia - Entre a fala do ministro e a fala do presidente tem uma distância daqui para a China. Entre o que o ministro está falando e o que o presidente falou... o camarada quer chegar na frente do outro para poder fazer graça... [...] O presidente eu conheço como é. Eu duvido que ele tenha dito: 'Olha, dá prioridade aí para o que o Gilmar quer'. Se o presidente disse isso, eu mudo de nome.
BBC News Brasil- Considerando a proximidade que ocorre neste governo entre o governo e a comunidade evangélica, o senhor acha que essa aproximação se deu da forma adequada? O senhor acha adequado que haja pastores formando a agenda para ministros de Estado?
Malafaia - Eu não acho nada demais. O pastor é um cidadão como qualquer outro. Assim como o governo Lula recebia sindicalista de tudo que é lugar porque era o segmento mais afeito a eles. Eu não acho nada demais. O que eu acho demais é pastor ser lobista. Isso é que é demais. O pastor deixou de ser cidadão porque é pastor? Claro que não. Agora, pastor se usar disso para fazer lobby é uma vergonha.
BBC News Brasil- A pesquisa mais recente do Datafolha indica que o eleitorado evangélico está dividido: 37% por cento com Bolsonaro e 34% por cento com Lula. Por que, na sua avaliação, o eleitorado evangélico está dividido entre esses dois candidatos?
Malafaia - Para mim, a pesquisa é mentirosa e eu vou provar. A revista Exame mostrou Bolsonaro com 53% e Lula com 30% e alguma coisinha. [Nota: os dados exatos da pesquisa Exame/IDEA sobre eleitorado evangélico são: 54% para Bolsonaro e 21% para Lula]. Eu posso não entender de outros segmentos, mas de mundo evangélico eu entendo. Eu mudo de nome: 'Bolsonaro tem no mínimo 60% do povo evangélico' [...] Eu conheço os 100 maiores líderes evangélicos desse país. Eu quero saber qual deles está dando apoio a Lula. Não conheço nenhum.
BBC News Brasil- Para o senhor, sempre fica muito claro que é quase incompatível para um evangélico ser de esquerda ou votar na esquerda. Por quê?
Malafaia - Bem. Existe uma coisa que são os fundamentos do Evangelho e isso é inegociável. Por exemplo: aborto, casamento com pessoas do mesmo sexo. É princípio. É fundamento. Deus fez macho e fêmea. Como é que eu posso apoiar alguém que defende o aborto?
BBC News Brasil- Mas as discussões em torno do aborto e em torno dos direitos às minorias como LGBT sempre estiveram presentes dentro do PT e mesmo assim em 2002 e 2006 o senhor apoiou o candidato o então candidato Lula...
Malafaia - O PT nunca mostrou isso bem claro lá atrás. Isso começou nos debates a partir de 2006, no Congresso Nacional. Foi lá que o PT mostrou. Eu apoiei Lula e nunca escondi isso. Eu acreditava que Lula podia resgatar o país, porque ele veio de um lugar de gente pobre, ele veio do Nordeste. Eu acreditava nisso, amigo. Apoiei ele em 2002, em 2006, não. [Nota: em seu próprio perfil no Twitter, Malafaia admite que apoiou o petista em 2006]. Participei do conselho de Lula e, quando eu vi a diferença entre o discurso e a prática, eu pedi pra sair. Então o PT botou as unhas de fora sobre essas questões a partir de 2006. Antigamente, estavam calados. Não falavam de aborto e nem diziam nada sobre casamento gay. Então essa conversa não me pega. Quando eu descobri a diferença entre discurso e prática, eu caí fora. Porque, meu amigo: apoiar alguém não é problema. Se manter no erro é que é problema.
BBC News Brasil- Mas como é possível acreditar que esse apoio que o senhor e outras lideranças do mundo evangélico dão para o presidente Bolsonaro apoio genuíno quando consideramos que no ano passado, com o aval do presidente, o governo anistiou R$ 1,4 bilhão em dívidas de igrejas, muitas delas evangélicas?
Malafaia - Nós temos direito constitucional de imunidade tributária. O governo não fez favor nenhum para a gente. Lula nunca teve nenhuma atitude em relação à Igreja, à religião. O governo Dilma teve um secretário da Receita que começou a colocar pegadinhas para tentar nos ferrar.
BBC News Brasil- De qualquer forma, o que ocorreu é que no ano passado, com aval do presidente, houve essa anistia...
Malafaia - Anistia porcaria nenhuma. Direito que vocês da imprensa não investigam para mostrar isso com transparência [...] E outra... não saiu do presidente (a anistia). Foi no Congresso Nacional. O Congresso Nacional reconhece a imunidade tributária da instituição.
BBC News Brasil- Agora que o ministro Milton Ribeiro está fora, o senhor acredita que esse cargo tem que ser preenchido por alguém ligado à comunidade evangélica? O senhor teme que o Centrão ocupe esse cargo?
Malafaia - Na minha opinião seria uma falta de ética monstruosa se algum líder evangélico viesse a indicar outro ministro. Em primeiro lugar, Milton não foi indicado por nenhum de nós. Milton não é indicação da bancada evangélica nem de liderança evangélica. Quero deixar isso aqui bem claro. E nós não estamos indicando ninguém. Isso é uma questão do presidente. E se algum líder evangélico abrir a boca, com todo o respeito: é uma vergonha. Nem que o presidente me perguntasse, eu diria: 'Eu não tenho nenhum nome para ajudar'
BBC News Brasil- Mas em relação à possibilidade de o Centrão ocupar esse cargo. Como o senhor vê isso?
Malafaia - Me diz uma estatal que o Centrão nomeou... Quem? Dos ministérios de verbas bilionárias, quem é que está lá do Centrão?
BBC News Brasil- O FNDE está com Centrão. O FNDE tem um orçamento de R$ 64 bilhões...[Nota: o presidente do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação é Marcelo Lopes da Ponte, ex-chefe de gabinete de Ciro Nogueira, um dos líderes do Centrão].
Malafaia - Com todo o respeito, não foi entregue nada agora. É só ver a nomeação dos caras. Então, essa não vale.
BBC News Brasil- Mas como o senhor avaliaria se esse cargo fosse entregue a um indicado do Centrão?
Malafaia - Não acredito que o presidente vai fazer isso, mas já que você quer uma conjectura: se o presidente fizer isso, ia ser uma vergonha. Estaria indo contra aquilo tudo que ele falou [...] Se o presidente entregar o MEC ao Centrão, aí você pode dizer que o presidente se rendeu a eles.
BBC News Brasil- O senhor teme que esse caso no Ministério da Educação tenha o mesmo impacto que o caso da Máfia das Sanguessugas, em 2006, que resultou em uma redução de 50% na bancada evangélica no Congresso na época? [Nota: a Máfia das Sanguessugas foi um caso de corrupção que veio à tona em 2006 e que consistia no direcionamento de licitações para a compra de ambulâncias com dinheiro repassado por emendas parlamentares. Entre os condenados, havia pastores evangélicos].
Malafaia - Em primeiro lugar, estamos falando de dois pastores que não estão nem entre os 100 maiores líderes evangélicos desse país. Isso não diz nada. O mundo evangélico sabe quem é quem no nosso meio. Você está falando da Máfia das Sanguessugas, mas tinha um monte de gente envolvida e eu queria informar para você que no governo Dilma também tinha evangélicos próximos. Então, não vão ser dois pastores que vão jogar na lama mais de 200 mil. A bancada evangélica vai aumentar. Isso não é motivo para diminuir a bancada. Não tem deputado evangélico envolvido nesse negócio até aqui. E se tiver, que venha à tona, por favor, para o nosso povo não eleger esses caras.
Leandro Prazeres, de Brasília - DF para a BBC News Brasil, em 29.03.22
segunda-feira, 28 de março de 2022
Eduardo Leite anuncia renúncia ao Governo do RS e sugere atuar nas eleições a presidente
Governador decide permanecer no PSDB e recusa convite do PSD para disputar o Planalto
Em vídeo para as redes sociais, Leite afirmou que vai "renunciar ao poder para não renunciar à política". "Preciso participar ativamente desse momento tão decisivo do nosso país e no meu estado", completou, ressaltando que irá viajar pelo país e falar com jovens.
Ao anunciar que permanece no PSDB e renuncia ao Governo do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite afirmou nesta segunda-feira (28) que está se apresentando ao país em eleições que considera críticas e que se vê em condições de ser candidato ao Planalto.
O PSDB, no entanto, já escolheu o governador de São Paulo, João Doria, como presidenciável da sigla, em prévias que Leite perdeu em novembro passado.
Por isso, em entrevista à imprensa, Leite não disse de modo explícito que pretende ser candidato no lugar de Doria, mas deixou claro que é uma opção para o PSDB e os demais partidos da terceira via, sobretudo MDB e União Brasil —as três siglas acertaram que irão apresentar uma candidatura única.
"Eu estou me apresentando para dar essa colaboração, para que a gente viabilize uma alternativa para o país, para que a gente promova a união do centro democrático", disse.
O governador Eduardo Leite (PSDB-RS) durante entrevista em que anunciou renúncia e permanência no PSDB - Gustavo Mansur/Palácio Piratini
O gaúcho afirmou que "muita gente acredita" que ele deve estar na liderança e disse se sentir preparado para concorrer, além de ter vontade e disposição de contribuir num projeto nacional.
Leite afirmou ainda que não está desrespeitando as prévias e disse que telefonou para Doria e teve uma conversa amigável. "As prévias são referência, são legítimas, mas não esgotam a discussão", disse.
Como revelou a Folha, o governador gaúcho decidiu não aceitar o convite do PSD de Gilberto Kassab para ser candidato a presidente da República, mas deixará o Palácio Piratini até dia 2 de abril, prazo legal, para tentar viabilizar sua candidatura ao Planalto pelo PSDB e como representante da terceira via.
Na última pesquisa do Datafolha, divulgada na semana passada, Leite apareceu com 1% as intenções de voto no cenário em que ele substitui Doria como candidato. O governador paulista marca 2%.
No evento, Leite evitou definir seu futuro político e não descartou concorrer ao Legislativo ou à reeleição, caso o caminho para o Planalto não se viabilize. "A renúncia me abre muitas possibilidades e não me retira nenhuma. [...] Estarei onde eu melhor puder ajudar", disse.
Aliados de Leite no PSDB, liderados pelo deputado Aécio Neves (PSDB-MG), trabalham para que o nome do gaúcho seja chancelado por outros partidos da terceira via, sob o argumento de que ele seria um candidato mais viável que Doria.
A aposta é a de que Doria não deve decolar nas pesquisas até o meio do ano, o que levaria o PSDB a buscar alternativas. Como mostrou o Painel, o plano é que Leite viaje pelo país e inicie sua pré-campanha.
Leite endossou essa tese ao dizer que a política é dinâmica e que a escolha de um presidenciável não depende apenas das prévias, mas "de novos atores que se envolvem", referindo-se aos partidos aliados. Como a Folha mostrou, porém, o gaúcho enfrenta resistência mesmo nessas siglas.
Ele disse que, ao se apresentar, não quer dispersar candidaturas, mas, ao contrário, unificá-las. E também afirmou "não querer passar por cima de ninguém".
Aliados de Doria, porém, rechaçam a troca da candidatura, argumentando que as prévias foram um processo legítimo registrado na Justiça Eleitoral. Neste domingo (27), Doria afirmou que desrespeitar as prévias seria um golpe.
"As prévias valem. Qualquer outro sentimento diferente disso é golpe. Uma tentativa torpe, vil, de corroer a democracia e fragilizar o PSDB", disse.
O governador também retuitou uma mensagem do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). "As prévias do PSDB foram realizadas democraticamente. Assim sendo, penso que devem ser respeitadas", publicou FHC nesta segunda.
Respondendo a jornalistas, Leite minimizou a pecha de golpista. Ele resgatou uma fala de Doria em que o paulista admite retirar sua candidatura em nome de união na terceira via para afirmar que ambos estão com o mesmo propósito.
"Ninguém está desrespeitando prévias. O próprio governador João Doria já manifestou essa disposição de buscar entendimento, convergência, de eventualmente à frente, se houver entendimento de que outro nome possa reunir essa capacidade eleitoral, de fazer esse gesto. Estamos todos com o mesmo sentimento", disse.
Leite voltou a dizer que é importante avaliar não só a intenção de votos, mas também quem tem menor rejeição, cenário que o favorece em relação a Doria.
O governador disse que a forma de viabilizar as viagens ainda deve ser definida.
"A minha escolha impacta bem mais do que a minha vida, [...] e por isso foi tão ponderada, tão demorada e tão difícil", disse. No vídeo, ele exalta a mudança geracional e líderes mundiais jovens. Também defendeu a diversidade.
O PSDB exaltou a decisão de Leite de permanecer no partido e elogiou seu governo. "Com diálogo, entendimento e coerência política, soube equacionar problemas gravíssimos que duravam décadas", afirmou em nota.
Durante meses, Leite chegou a conversar com o PSD e ensaiar uma migração, vendo aliados como os secretários estaduais Agostinho Meirelles e a ex-senadora Ana Amélia Lemos se filiando ao partido. Por fim, decidiu permanecer no partido pelo qual se elegeu vereador e prefeito em Pelotas e governador em 2018.
Na entrevista, Leite agradeceu a confiança e a sensibilidade de Kassab. Afirmou que, se estivesse pensando em projeto pessoal e não coletivo, o PSD seria um caminho fácil para a candidatura nacional.
Leite foi convencido por aliados tucanos de que sua candidatura no PSD seria isolada, sem a coligação com siglas aliadas, e pressionada por membros da sigla aliados ao presidente Jair Bolsonaro (PL) ou ao ex-presidente Lula (PT).
Depois de tentar lançar Leite e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) sem sucesso, agora Kassab mira no ex-governador Paulo Hartung (ES) como nome do partido para o Planalto.
O próprio Leite divulgou em suas redes sociais a carta em que líderes do PSDB, como os senadores José Serra (SP) e Tasso Jereissati (CE), o presidente nacional, Bruno Araújo, e até aliados de Doria pediam que reconsiderasse a filiação, dizendo que não poderiam perdê-lo.
Crítico da reeleição, o governador já havia prometido não concorrer a um segundo mandato, apesar de pedidos de aliados para reconsiderar. Ele afirmou que sua posição se mantém.
No entanto, encontrar um nome para a sucessão de sua gestão e definir a costura política entre partidos da base tem se mostrado difícil. Enquanto Leite pontua bem nas pesquisas estaduais, seus indicados não.
Na entrevista, Leite defendeu o nome de seu vice, Ranolfo Vieira Júnior, que trocou o PTB pelo PSDB depois de críticas de Roberto Jefferson à gestão, como seu candidato no estado. "O PSDB tem um grande nome para continuar liderando esse projeto", disse.
Também afirmou que vai buscar convergência com o MDB, partido da sua base que apresentou o nome do deputado Gabriel Souza para o Governo do Rio Grande do Sul.
Nascido em Pelotas, Leite foi eleito vereador na cidade natal aos 23 anos, sendo ainda secretário municipal e presidente da Câmara.
Em 2012, foi eleito prefeito, aos 27. Ao fim do mandato, com aprovação alta e abrindo mão da reeleição, conseguiu eleger sua vice, Paula Mascarenhas.
Em 2018, ele chegou ao segundo turno da disputa para o governo gaúcho contra o então mandatário José Ivo Sartori (MDB) —o Rio Grande do Sul nunca reelegeu um governador. Foi eleito com 53,6% dos votos válidos.
No governo, Leite encaminhou privatizações, incluindo a Corsan (Companhia Riograndense de Saneamento), voltando atrás em uma promessa de campanha, avançou em reformas e conseguiu a adesão do estado, que tem uma das situações mais críticas de dívida no país, ao RRF (Regime de Recuperação Fiscal).
No ano passado, em entrevista ao programa Conversa com Bial, da TV Globo, ele falou pela primeira vez publicamente sobre sua sexualidade, afirmando ser "um governador gay" e assumindo o relacionamento com o médico Thalis Bolzan.
A declaração levou Leite a ser questionado sobre o voto em Bolsonaro, em 2018, apesar de falas homofóbicas do presidente ao longo dos anos. O gaúcho tentou se descolar da imagem de Bolsonaro, com quem teve um racha durante a pandemia.
Fernanda Canofre e Carolina Linhares, de Porto Alegre e São Paulo para a Folha de S. Paulo, em 28.03.22
O Brasil na nova ordem mundial
Parlamentar brasileiro custa R$ 23,8 milhões ao País por ano
Brasil tem o segundo Congresso mais caro do mundo, atrás apenas dos EUA; maior parte do orçamento vai para salários e benefícios do Legislativo
Congresso Nacional: folha de pagamento cara e extensa. Foto: Dida Sampaio/Estadão - 23/7/2021
O Brasil tem o segundo Congresso mais caro do mundo, em números absolutos. Só o parlamento dos Estados Unidos – a maior economia do mundo – possui orçamento superior. É como se cada um dos 513 deputados e 81 senadores brasileiros custasse pouco mais de US$ 5 milhões por ano, o equivalente a R$ 23,8 milhões na cotação da última sexta-feira. Os dados, aos quais o Estadão teve acesso, são a conclusão de um estudo de pesquisadores das universidades de Iowa e do Sul da Califórnia e da UnB.
Numa relação com a renda média dos cidadãos, o Poder Legislativo no Brasil é o primeiro em despesas. O gasto com cada congressista corresponde a 528 vezes a renda média dos brasileiros. O segundo lugar é da Argentina. Lá, cada congressista custa o equivalente a 228 vezes a renda média local. Para chegar a esta conclusão, os pesquisadores compararam o orçamento dos parlamentos e congressos de 33 países, compilados pela União Parlamentar Internacional (IPU, na sigla em inglês); o Banco Mundial e o escritório do FED (o Banco Central dos EUA) em St. Louis (no Estado do Missouri).
Em 2020, o orçamento da Câmara e do Senado brasileiros somaram US$ 2,98 bilhões – ou 0,15% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Nos Estados Unidos, o valor total chegou a US$ 4,73 bilhões, o que representa apenas 0,02% de tudo que o país produziu naquele ano. O terceiro lugar em gastos totais ficou com o Japão (US$ 1,12 bilhão, ou 0,02% do PIB), seguido pela Argentina (US$ 1,1 bilhão).
“Tem uma frase do professor Barry Ames, no livro The Deadlock of Democracy in Brazil (O impasse da democracia no Brasil), segundo a qual a tragédia do sistema político brasileiro não é que ele beneficie as elites, e sim que ele beneficia a si próprio”, diz o pesquisador Luciano de Castro, que é professor associado na Universidade de Iowa, nos Estados Unidos. “Você tem uma situação em que o sistema político trabalha, em grande parte, para se beneficiar”, ressaltou. Além de Castro, o artigo é assinado por Odilon Câmara (Universidade do Sul da Califórnia) e Sebastião Oliveira, da Universidade de Brasília (UnB).
Câmara
Em 2022, os gastos do Legislativo brasileiro continuarão elevados. Juntos, Câmara, Senado e Tribunal de Contas da União têm R$ 14,5 bilhões de orçamento autorizado. O maior limite de gastos é o da Câmara (R$ 6,95 bilhões), seguido pelo Senado (R$ 5,1 bilhões) e o Tribunal de Contas (R$ 2,4 bilhões) – apesar do nome, este último não é parte do Poder Judiciário, e sim um órgão de assessoria do Legislativo. O valor corresponde a pouco mais de US$ 3 bilhões, na cotação de sexta-feira.
O orçamento à disposição do Legislativo este ano é maior que o de quatro ministérios somados: Comunicações (R$ 4,2 bilhões); Meio Ambiente (R$ 3,6 bilhões); Turismo (R$ 3,5 bilhões) e Mulher, Família e Direitos Humanos (R$ 947 milhões). Também é maior que o montante disponível para o Ministério Público da União (MPU), de cerca de R$ 8 bilhões.
A maior parte do orçamento do Legislativo irá para o pagamento dos salários e benefícios de congressistas e servidores: R$ 6,43 bilhões. Só para a assistência médica e odontológica são R$ 495 milhões. O segundo maior gasto é com aposentadorias e pensões, totalizando R$ 5,5 bilhões. Além disso, Câmara e Senado dispõem de quatro superquadras residenciais inteiras em Brasília para os apartamentos funcionais: em 2022, há R$ 21 milhões reservados para a manutenção desses imóveis. Se o congressista decidir não morar num desses imóveis, pode requisitar o auxílio-moradia: são R$ 10,5 milhões reservados a esta finalidade neste ano.
Além de custar caro, a folha de pagamento do Legislativo federal é extensa, somando mais de 20 mil pessoas. Dos três órgãos, a Câmara é de longe o que possui a maior força de trabalho. Atualmente são 14.778 servidores comissionados, efetivos (concursados) e estagiários, sendo o maior grupo o dos assessores dos gabinetes (10.821), os chamados secretários parlamentares. No Senado há outros 6.132 servidores, sendo a maioria (4.121) de comissionados. Já o TCU conta com outras 831 pessoas na força de trabalho.
'Dinheiro'
Ao Estadão, o analista político e professor da Fundação Dom Cabral Bruno Carazza disse acreditar que a origem das distorções mostradas no estudo é o fato de o Legislativo brasileiro ter a última palavra na definição do Orçamento Público – e o fato de que este poder não é sujeito a controle externo. “Os próprios parlamentares definem o Orçamento do Legislativo e também os montantes do fundo eleitoral e partidário. E como não há nenhum outro Poder para fazer o contrapeso, o que a gente observa é que esses valores estão crescendo ano após ano. Isto torna a política cada vez mais atraente: há mais dinheiro no sistema político-partidário e com controles cada vez mais frouxos”, disse.
Atualmente envolvida num estudo no Capitólio, em Washington, sobre o funcionamento do legislativo americano, a doutora em ciência política pela Syracuse University, de Nova York, Beatriz Rey avalia que seria preciso qualificar a forma como cada Congresso gasta para evitar comparações indevidas. “Como se trata de um ranking de estatística descritiva, há fatores que podem impactar esse montante de gastos nos Legislativos e que os autores não estão levando em consideração. Por exemplo: o processo orçamentário em cada um desses países é muito diferente.”
A assessoria da Câmara disse que não comenta pesquisas científicas. O presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e o primeiro-secretário da Câmara, o deputado Luciano Bivar (União-PE), foram procurados, mas não se pronunciaram.
Prerrogativas às quais os deputados têm direito
Cota parlamentar
Cada deputado federal tem direito a uma quantia para gastar ao longo do mês com despesas como alimentação, passagens aéreas, aluguel de veículos e divulgação do mandato (como impressão de materiais gráficos e envio de mala direta para eleitores).
Montante
O valor varia conforme o Estado – quem é de locais mais distantes recebe mais. O menor montante é o do Distrito Federal (R$ 30,7 mil) e o maior, o de Roraima (R$ 45,6 mil). O saldo não utilizado em um mês pode ser aproveitado no seguinte, mas não de um ano para o outro.
Assessores
Cada deputado dispõe de R$ 111,6 mil para contratar assessores. O número desses auxiliares pode variar de 5 a 25 profissionais, e os salários vão de R$ 1.025 a R$ 15,6 mil. A jornada é de 40 horas semanais, e os assessores podem trabalhar tanto nos gabinetes em Brasília quanto nos Estados.
Reembolso de saúde
Deputados e assessores dispõem do Departamento Médico da Câmara para atendimentos básicos nas dependências da Casa. Os deputados também podem pedir reembolsos por procedimentos médicos no valor de até R$ 135,4 mil.
Salário e aposentadoria
O salário de um deputado é de R$ 33,7 mil. Em novembro de 2019, a emenda constitucional da reforma da Previdência acabou com a aposentadoria especial para os novos deputados federais, e alterou regras para quem já está inscrito no Plano de Seguridade Social dos Congressistas (PSSC). No PSSC, a contribuição dos deputados é de R$ 5,5 mil, e a Câmara contribui com o mesmo valor.
Auxílio-moradia e imóveis funcionais
A Câmara possui 432 apartamentos funcionais distribuídos em quatro quadras residenciais de Brasília (duas na Asa Sul e duas na Asa Norte). Quem opta por não morar no apartamento funcional recebe o auxílio-moradia, no valor de R$ 4.253. Este montante pode ser pago como reembolso, mediante apresentação de um recibo; ou em espécie.
André Shalders, O Estado de S.Paulo, em 27.03.22.
Preço da gasolina: o que pode mudar após queda do dólar, segundo economistas
Com a queda de 15% do dólar em relação ao real desde o início do ano, o consumidor brasileiro se pergunta: e a gasolina, vai agora ficar mais barata? A inflação vai perder força?
Brasil tem atualmente a segunda gasolina mais cara entre países sul-americanos, mas uma queda de preços nesse momento é improvável, dizem economistas (AFP)
A BBC News Brasil perguntou a economistas e, segundo eles, os preços praticados pela Petrobras nas refinarias ainda estão defasados em relação ao mercado internacional, mesmo com a queda de preços do barril de petróleo e a valorização recente do real em relação ao dólar.
Assim, uma redução de preços pela empresa é improvável neste momento, dizem os especialistas.
Por que o dólar está caindo tanto mesmo com guerra e crise econômica
Mas os analistas também não acreditam em nova alta para corrigir a defasagem atual — estimada entre 5% e 10%, ante quase 40% no início de março, quando o petróleo chegou próximo a US$ 140 e o dólar ainda era negociado acima de R$ 5.
Quanto aos efeitos na inflação em geral, há quem defenda que seria necessário um dólar em queda por período mais longo para que a mudança do câmbio tenha efeitos em itens como alimentos e bens industriais.
E mesmo quem acredita que a queda já dura tempo relevante admite que, quando o dólar sobe, os repasses são sempre mais rápidos do que quando ele cai.
"Existe uma resistência maior dos empresários em dar descontos", observa Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter.
Entenda o atual cenário para o preços dos combustíveis, o que leva Brasil a ter gasolina mais cara do que seus vizinhos da América do Sul e o que esperar da inflação em geral, diante do atual cenário de queda do dólar.
Gasolina pode ficar mais barata com queda do dólar?
Os especialistas aqui são unânimes: neste momento, isso é improvável.
Étore Sanchez, economista-chefe da gestora de recursos Ativa Investimentos, lembra que, em primeiro lugar, é preciso diferenciar preços da Petrobras e preços dos combustíveis na bomba.
A Petrobras controla os preços nas refinarias, o começo da cadeia da gasolina que chega aos postos. A gasolina vendida nas refinarias é de tipo A e não possui etanol. Já a gasolina que se compra nos postos é de tipo C, com a adição de etanol feita pelas distribuidoras.
Segundo estimativa da Petrobras, o peso da gasolina comercializada pela empresa no preço final do produto vendido ao consumidor é de cerca de 38%, com o restante do preço formado pelo custo do etanol adicionado, impostos e a margem de distribuição e revenda.
Segundo a Petrobras, peso da gasolina comercializada pela empresa no preço final ao consumidor é de cerca de 38% (Divulgação Petrobrás)
"A asolina A não tem ainda um potencial de queda, ainda vemos uma defasagem com relação ao preço internacional, mesmo com o câmbio cotado abaixo de R$ 4,80", diz Sanchez.
Segundo o economista, a defasagem está atualmente em cerca de 7%, comparado a quase 40% no pior momento desse ano, quando o barril de petróleo do tipo brent bateu em R$ 139, maior valor em 14 anos.
No cálculo da defasagem, os economistas comparam os preços da Petrobras com o valor da gasolina no Golfo Pérsico, região onde é produzido o maior volume de petróleo do mundo, fazendo a conversão cambial entre os dois valores.
A Petrobras adotou o chamado PPI (Preço de Paridade de Importação) em 2016, após anos praticando preços controlados, sobretudo no governo de Dilma Rousseff (PT). O controle de preços era uma forma de mitigar a inflação, mas causou grandes prejuízos à petroleira.
"Vemos uma defasagem entre 5% e 10%, tanto no diesel, como na gasolina na média da última semana. É uma defasagem relativamente baixa e que a Petrobras deve carregar ainda por um tempo, para observar a tendência das duas variáveis [petróleo e câmbio]", diz Rafaela Vitória, do Inter.
"O cenário mais provável hoje é de uma estabilidade dos preços. Parando de subir, a inflação tende a perder força, mas uma queda dos preços da gasolina na bomba, com o petróleo ainda próximo dos US$ 110, é difícil", afirma a analista.
Quanto ao pacote de medidas aprovadas em março no Congresso para tentar frear a alta dos combustíveis, as leis que criam um fundo para estabilização de preços e auxílios para categorias como motoristas de aplicativo, taxistas e entregadores foram aprovadas no Senado, mas ainda precisam passar pela Câmara.
Já a mudança do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre combustíveis, aprovada nas duas casas, ainda está travada na etapa da regulamentação pelos Estados, que devem perder bilhões em arrecadação com a medida.
Por que gasolina é mais cara no Brasil do que nos vizinhos?
Segundo os especialistas, são dois os motivos principais: a política de preços de cada país e a carga de impostos.
Países que têm gasolina muito mais barata do que a do Brasil, como Venezuela e Argentina, praticam intervenções estatais nos preços, como subsídios pesados no caso venezuelano e congelamento de valores, no caso argentino.
Conforme o levantamento mais recente do projeto Global Petrol Prices, feito em 21 de março, o Brasil tem atualmente a segunda gasolina mais cara entre as principais economias sul-americanas, atrás apenas do Uruguai.
Preços da gasolina na América do Sul. Em US$ por litro*. *Em 21 de março de 2022.
"Cada país tem uma política de preço diferente e uma tributação diferente", diz Pedro Rodrigues, sócio da consultoria CBIE Avisory e diretor do CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura).
"Na Venezuela, por exemplo, a PDVSA (petroleira estatal venezuelana) praticamente dá a gasolina para as pessoas de graça. Há um subsídio muito grande da estatal ao combustível, ao ponto que o litro da gasolina na Venezuela custa mais barato que um litro de água", observa
"Já a Argentina congelou preços para controlar a inflação, impedindo os agentes do setor de reajustar valores", acrescenta.
Segundo Rodrigues, no entanto, esse tipo de política é problemática. "Cria artificialidades, leva a desabastecimento e gera incentivos econômicos errados", afirma.
Rodrigues observa que a tributação reflete diferentes entendimentos das sociedade sobre o uso de combustíveis.
Nos Estados Unidos, por exemplo, a taxação de combustíveis é baixa, por ser um país cuja economia é muito centrada no automóvel, que definiu até mesmo o modelo de urbanização das cidades. Já o Reino Unido tributa pesadamente os combustíveis fósseis, a partir de um entendimento de que seu uso precisa ser desincentivado, priorizando o transporte público.
"Política tributária não tem pior ou melhor, é uma questão de escolha da sociedade", diz Rodrigues.
Segundo ele, no Brasil, uma reforma tributária poderia, por exemplo, reduzir a tributação do diesel, gás de cozinha e energia elétrica, já que são bens essenciais.
Brasil tem atualmente a segunda gasolina mais cara entre países sul-americanos (Marcello Casal Jr. Ag, Brasil)
E a inflação, pode melhorar com a queda do dólar?
Aqui, os economistas têm visões diferentes, mas acabam todos admitindo que o efeito para a inflação deve ser pouco.
"No curtíssimo prazo, o câmbio bate na inflação através dos combustíveis, devido à política de paridade de preços", explica Sanchez, da Ativa Investimentos. "Como não estamos vendo potencial para reajuste baixista [da gasolina], mesmo com o alívio do câmbio, por essa via não deve haver impacto."
Já para as cadeias onde o câmbio tem influência por caminhos mais longos — como a importação de componentes que entram em produtos industriais e as commodities agrícolas usadas na ração animal —, seria necessário um real valorizado por mais tempo para que houvesse impacto favorável, avalia o economista.
Sanchez estima que o dólar deve chegar ao fim de 2022 cotado a R$ 5,40, pois, na avaliação dele, o nível atual, abaixo de R$ 5,80, não é compatível com os "fundamentos" da economia brasileira, como a frágil situação das contas públicas do governo federal.
Já Rafaela Vitória, do Banco Inter, projeta um dólar a R$ 5 no fim do ano e acredita que o câmbio já está em baixa a tempo suficiente para ter um efeito positivo na economia, posto que ele fechou 2021 cotado a quase R$ 5,60 e acumula três meses de queda, chegando a R$ 4,75 na sexta-feira (25/3).
"Podemos falar num impacto positivo sim, é uma queda já de três meses", afirma.
"Mas vale lembrar que, quando o dólar sobe, os repasses são mais rápido do que quando o dólar cai. Para baixo, existe uma resistência maior. Historicamente, mesmo em períodos de valorizações mais significativas e duradouras [do real em relação ao dólar] o impacto é menor do que quando acontece uma depreciação do câmbio", acrescenta a economista.
"É doloroso subir preços, mas uma vez que subiu, dar descontos é ainda mais difícil."
Thais Carrança, da BBC News Brasil em São Paulo, em 28.03.22
sexta-feira, 25 de março de 2022
Rússia reduz seus objetivos militares e anuncia que se concentrará na região de Donbas
Depois que sua ofensiva atolou, o Estado-Maior Geral garante que seu principal objetivo é aquela área do leste da Ucrânia, embora não exclua agredir suas cidades
Militares russos, em Armiansk, na parte norte da Crimeia, na quinta-feira. (KONSTANTIN MIHALCHEVSKIY (EUROPA PRESS)
Vladimir Putin ordenou em 24 de fevereiro a invasão da Ucrânia em três frentes "para desmilitarizar e desnazificar" o país. Um mês depois, seu exército dá uma guinada com consequências imprevisíveis e garante que o objetivo principal é algo muito mais tangível para um possível futuro acordo de paz: tomar apenas a região de Donbas, que os separatistas já controlavam em parte desde 2014. “A As Se os grupos individuais concluírem com sucesso as tarefas atribuídas, nossas forças e meios se concentrarão no principal: a libertação completa de Donbas", disse o primeiro vice-chefe do Estado-Maior Geral, general Sergei Rudskoi, em um briefing nesta sexta-feira.
Um tridente invadiu a Ucrânia no final de fevereiro em uma campanha chamada de "operação militar especial para a proteção das repúblicas de Donetsk e Lugansk". Uma parte das forças armadas russas tentou chegar a Kiev pelo norte , mesmo partindo de um terceiro país, a Bielorrússia, em um ataque relâmpago pela rota mais rápida, Chernobyl. No leste, outra frente foi aberta com o apoio das milícias e empreiteiros privados que atuam no território separatista. E ao sul, a partir da anexada República da Crimeia, outro assalto procurou unir a península do Mar Negro com Donbas, dando origem a uma das batalhas mais sangrentas do conflito: o cerco de Mariupol.
Apesar de supostamente limitar sua ofensiva a Donbass, as forças armadas russas mantêm o cartão para continuar no interior da Ucrânia e tentar ocupar cidades como Kiev e Kharkov, bombardeadas por semanas . "Inicialmente, não planejamos invadir cidades para evitar sua destruição e minimizar as perdas de pessoal e civis, mas não excluímos essa possibilidade", acrescentou Rudskoi.
Um homem faz um gesto de vitória enquanto caminha com uma criança por uma rua na cidade de Odessa na quinta-feira. )MANUEL BRUQUE (EFE)
O objetivo desta campanha variou de fase para fase da guerra. Em 18 de março, o presidente Putin fez um discurso em um concerto de rali realizado no estádio para a final da Copa do Mundo na Rússia, que estava lotado com 81.300 lugares. Acordado pelo público, o presidente assegurou que "o principal objetivo da operação militar em Donbas e na Ucrânia foi libertar a população do genocídio". No entanto, em 25 de fevereiro, segundo dia da guerra, ele instou o exército ucraniano a realizar um golpeporque seria mais fácil negociar com ele do que com "um governo de drogados e neonazistas". Outros pretextos usados pelo Kremlin foram a hipotética ameaça que a entrada da Ucrânia na OTAN representaria para a Crimeia e, uma vez avançado o conflito, um suposto desenvolvimento de armas biológicas financiadas pelos Estados Unidos tendo como alvo a etnia eslava. Washington negou categoricamente, assegurando que seus laboratórios se dedicavam apenas à detecção precoce de surtos potencialmente pandêmicos, como aconteceu na Ucrânia em 2012 e 2018 com a peste suína africana.
Durante as negociações mantidas nestas semanas entre ambas as partes, a delegação russa insistiu em três demandas principais : a Ucrânia deve assumir um status de neutralidade que a distancie do Ocidente e da OTAN; deve reconhecer a integração da Crimeia como parte da Rússia; e deve assumir a independência das repúblicas de Donetsk e Luhansk.
O Ministério da Defesa da Rússia também anunciou nesta sexta-feira sua segunda contagem de baixas até agora na guerra: 1.351 mortos e 3.825 feridos, segundo dados oficiais oferecidos por Rudskói. O general assegurou que os ucranianos "não têm mais reservas e cobrem suas perdas com pessoal sem capacidade das defesas territoriais".
Segundo o Estado-Maior russo, seus rivais teriam perdido um total de 30.000 de seus 260.000 combatentes, entre 14.000 mortos e 16.000 feridos, o que teria forçado Kiev a mobilizar mais tropas. A Rússia, apesar de afirmar ter baixas muito menores, anunciou no entanto que também mobilizará até 16.000 mercenários trazidos do Oriente Médio . Somam-se a elas outras unidades de territórios tão díspares quanto o Extremo Oriente russo, a Chechênia e a Abkhazia, de acordo com a inteligência britânica.
O vice-chefe do Estado-Maior russo garantiu que a suposta “desmilitarização” da Ucrânia “está sendo alcançada com ataques de alta precisão contra instalações militares e destacamentos de unidades, bem como contra aeródromos, postos de comando, arsenais e depósitos de armas”.
Os dados das Nações Unidas contradizem que se trata de uma operação cirúrgica. Segundo a contagem do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, 977 civis morreram e 1.594 ficaram feridos até as primeiras horas de 24 de março, embora o número possa ser maior.
Da mesma forma, seus dados não confirmam o suposto "genocídio" com o qual Putin justificou seu casus belli contra o governo de Volodímir Zelenski. As Nações Unidas apontam que 279 civis morreram nas regiões de Donetsk e Lugansk até agora no conflito: 224 na área controlada pelo governo e 55 em território separatista.
Em sua avaliação do progresso do exército russo, Rudskoi também enfatizou que suas tropas poderiam ter sofrido reveses com a sabotagem ucraniana. "127 pontes foram explodidas pelos nacionalistas ucranianos para impedir nossa ofensiva", disse o coronel, que também assegurou que eles têm total superioridade no céu porque "a aviação ucraniana e o sistema de defesa aérea foram quase completamente destruídos".
Publicado por EL PAÍS, em 25.03.22
A guerra de Putin na Ucrânia ainda pode fracassar
Um mês após a invasão russa, são raros os sinais de esperança. A principal constatação, no entanto, é que a Ucrânia pode frear Putin, mas precisa de um apoio maior e mais rápido do Ocidente, opina Roman Goncharenko.
Ucranianos protestam em Kiev contra a invasão do país pela RússiaFoto: Bryan Smith/ZUMA Press Wire/Zumapress/picture alliance
Foram quatro semanas que parecem ter sido uma eternidade. A invasão russa da Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022 é, até agora, o dia mais sombrio do século 21 para a Europa. Desde aquele dia, pessoas, amizades e ilusões têm morrido na chuva de bombas russas. A velha ordem de paz para o continente também está morta. Como será a nova, ainda está para ser decidido.
Um primeiro balanço intermediário é amargo. Graças a amplas informações da inteligência americana, esta guerra não foi uma surpresa. Entretanto, a maioria dos especialistas ocidentais e também os líderes ucranianos esperavam apenas um ataque limitado no leste da Ucrânia e não uma invasão no estilo da Alemanha nazista, como ocorrido na Polônia em 1939.
O motivo por que a guerra da Rússia foi subestimada
Da perspectiva de hoje, é claro que Kiev deveria ter ordenado a mobilização e retirada geral da população muito mais cedo. Esse erro de avaliação se deveu também provavelmente ao fato de que a guerra que começou com a anexação da Crimeia em 2014 permaneceu regionalmente limitada. A maioria das pessoas na Ucrânia não tinha ideia do que significa ser brutalmente bombardeado. Eles subestimaram o perigo.
É difícil culpá-los por esse erro. Todos nós não queríamos acreditar que o presidente russo, Vladimir Putin, e seu Exército fossem capazes de tal barbaridade. Também a ideia de que a maioria dos russos aceitaria esta guerra era impensável para muitos. Mesmo depois de quatro semanas, ainda é difícil aceitar essa triste constatação.
Muitas análises ucranianas e ocidentais constatam que a blitzkrieg de Putin falhou. Moscou, por outro lado, diz que tudo está indo de acordo com o planejado. Mas guerras nunca vão de acordo com os planos dos generais. Naturalmente, o Kremlin esperava uma vitória mais rápida e menos perdas em suas fileiras. Mas é difícil acreditar que Putin realmente esperasse uma rendição dentro de poucos dias. A Ucrânia é simplesmente grande demais para isso.
Rússia aposta na vitória pelo cansaço
O plano de guerra de Putin provavelmente é destruir lentamente o país vizinho – com base na premissa de que a Rússia tem mais soldados, mais armas e mais dinheiro.
Vestígios de esperança são raros no momento, mas eles existem. A constatação mais importante é que a Ucrânia pode parar e até mesmo deter o Exército russo, bem mais forte. Há duas razões para isso: antes de tudo, o espírito de luta ucraniano. Isso também se aplica aos civis, que, mesmo em áreas já ocupadas, como a cidade ucraniana de Kherson, se colocam no caminho de tanques russos com bandeiras ucranianas.
A segunda razão tem muitos nomes: por exemplo, Javelin, NLAW ou Stinger. São principalmente armas blindadas e sistemas antiaéreos que os EUA e o Reino Unido, mas também outros países da Otan, enviaram às pressas nas semanas que antecederam a invasão da Ucrânia. Sem essas armas defensivas, a Rússia já poderia ter ocupado uma área muito maior da Ucrânia.
Embargos imediatos de petróleo e gás
Também depende disso a resposta para a questão sobre se a guerra de Putin ainda pode fracassar. Ela pode fracassar por causa do espírito de luta dos ucranianos, que, no entanto, precisam de muito mais apoio e, acima de tudo, de um apoio mais rápido. Em termos concretos, isso significa sanções econômicas ainda mais duras, um bloqueio completo do sistema SWIFT e um embargo imediato ao petróleo e gás russo.
Sim, isso é doloroso, mas, em vista do massacre na Ucrânia, necessário. Mas apoio também significa o envio de mais armas! Por razões compreensíveis, a Otan não quer abater aviões e mísseis russos nos céus da Ucrânia, a fim de evitar um confronto direto. Mas aeronaves de combate para as forças armadas da Ucrânia podem e precisam ser entregues, assim como os mais modernos sistemas de defesa antiaérea.
Não é uma decisão fácil. A Rússia está ameaçando o Ocidente com represálias e o uso de armas nucleares. Isso não é um blefe, o perigo é real. No entanto, o Ocidente deve ir por esse caminho − cuidadosamente, passo a passo. Quem pensa que Putin se contentará em destruir a Ucrânia e parar na fronteira ucraniana ocidental está enganado. O Ocidente deve finalmente reconhecer a dimensão desta guerra e agir de acordo.
Roman Goncharenko é jornalista da DW. Publicado originalmente por Deutsche Welle, em 24.03.22. O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.
Isso também é corrupção
Bolsonaro repete que não há corrupção em seu governo, mas o escândalo do MEC é mais um caso, entre outros, de mau uso e de desvio de dinheiro público
Como uma espécie de contraponto às muitas e evidentes confusões, omissões e ineficiências de sua administração, Jair Bolsonaro gosta de dizer que, pelo menos, não há corrupção em seu governo. Nesta semana, voltou ao tema duas vezes, assegurando que zela pelo dinheiro público e gabando-se de que o País está “há três anos e três meses sem corrupção no governo federal”.
Parece claro que o presidente estava se referindo a escândalos como a roubalheira do petrolão e do mensalão, que marcaram os governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff e que tanto ultrajaram os brasileiros. Mas a corrupção na administração pública não se caracteriza somente pelo assalto a estatais ou pela apropriação privada de dinheiro do contribuinte. Quando o governo permite que oportunistas interfiram na distribuição de verbas públicas para o atendimento de interesses particulares, sem qualquer transparência ou controle dos cidadãos, trata-se de degradação da administração pública – em português claro, é corrupção.
O escândalo do gabinete paralelo no Ministério da Educação (MEC), com evidências de tráfico de influência e direcionamento de verbas por parte de pastores evangélicos que não têm nenhum cargo no governo, é apenas o exemplo mais recente desse desvirtuamento da gestão do dinheiro público.
O governo Bolsonaro escarnece da inteligência alheia quando se apresenta como exemplo de lisura com o dinheiro público. Para começar, Jair Bolsonaro assumiu a Presidência carregando consigo graves suspeitas de rachadinha envolvendo sua família e até hoje não explicou as movimentações financeiras suspeitas, os cheques de assessores nas contas de familiares ou as compras de imóveis com dinheiro vivo. Para piorar, desde então, acumulam-se evidências de que Jair Bolsonaro pode ter usado o cargo para dificultar as investigações. Em vez de maior transparência, ao longo do governo só aumentou a opacidade sobre o tema.
No ano passado, a CPI da Pandemia revelou indícios graves de corrupção, no âmbito do Ministério da Saúde, envolvendo compra de vacinas, com negociações obscuras em um shopping center, acusações de pedido de propina e inexplicáveis sobrepreços. O governo federal simplesmente negou as suspeitas, sem apresentar nenhuma explicação à população. Essa informalidade, sem procedimentos de transparência e controle, é um dos ambientes mais férteis para a corrupção.
O caso do gabinete paralelo no Ministério da Educação repete esse padrão de informalidade, com graves suspeitas de corrupção e mau uso de dinheiro público. Tem até denúncia de pedido de propina em ouro. Mudam-se os Ministérios e os nomes dos envolvidos, mas as práticas continuam as mesmas: as suspeitas de corrupção não são levadas a sério, e o ministro segue no cargo como se tudo fosse absolutamente normal. Segundo revelou o Estadão, após receber denúncia de cobrança de propina envolvendo pastores, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, teve pelo menos sete reuniões com essas lideranças religiosas. Haja crença na doutrina da infalibilidade, agora aplicada a pastores.
Nada disso deveria surpreender num governo marcado pelo escândalo do orçamento secreto, em que, sem transparência, sem controle e sem critérios técnicos, recursos do Orçamento da União foram distribuídos a parlamentares dispostos a apoiar o governo em troca de verbas para seus redutos eleitorais.
Todos esses casos são muito graves, e sabe-se lá o que mais virá à tona. Como não foram os sistemas ordinários de controle do governo que os detectaram, é provável que o País continue dependendo da imprensa para descobrir aquilo que a corte bolsonarista gostaria de manter em sigilo.
A constatação de que não se sabe o que está sendo feito do dinheiro público deveria causar tanta indignação quanto descobrir, por exemplo, que empreiteiras amigas, beneficiárias do assalto à Petrobras durante os governos lulopetistas, reformaram um sítio frequentado pelo ex-presidente Lula. Há muitos outros modos de mal gastar e de desviar recursos públicos de suas finalidades originais, como mostram esses três anos e três meses de governo Bolsonaro.
Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 25.03.22