sexta-feira, 25 de março de 2022

Leite vai renunciar ao governo e prepara ‘Dia do Fico’ no PSDB, de olho no Planalto

Governador gaúcho deve permanecer no PSDB em estratégia que prevê acordo com MDB e União Brasil em torno de seu nome para a disputa presidencial

 O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite; tucano vai deixar o cargo na segunda-feira

O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), vai deixar o cargo na próxima segunda-feira, 28, mas deve permanecer nas fileiras tucanas. Leite prepara o ‘Dia do Fico’ no PSDB em uma estratégia que prevê a possibilidade de um acordo com o MDB e o União Brasil para o lançamento de uma candidatura única à Presidência da República.

O impasse para o acerto político ainda é o governador de São Paulo, João Doria, que teve o nome aprovado em prévias do PSDB, em novembro, como candidato do partido à sucessão do presidente Jair Bolsonaro. Aliados de Leite, no entanto, avaliam que, como Doria não cresceu nas pesquisas de intenção de voto até agora, pode sair do páreo para dar lugar a Leite se houver um apelo desses partidos em nome de uma aliança que demonstre unidade.

Prévias PSDB Eduardo Leite

A ideia do grupo é que Leite seja o candidato ao Palácio do Planalto e a senadora Simone Tebet (MDB-MS), vice na chapa. Embora Simone e Leite também tenham baixíssimos índices nas pesquisas, apoiadores do gaúcho observam o alto patamar de rejeição de Doria. Dizem, ainda, que pesquisas mostram potencial de crescimento para o Leite.

Até a semana passada, o governador do Rio Grande do Sul estava inclinado a aceitar o convite do PSD do ex-ministro Gilberto Kassab para concorrer à Presidência e vinha dando todos os sinais nesse sentido. O temor de isolamento no partido de Kassab, no entanto, o fez repensar a troca de legenda, segundo interlocutores ouvidos pelo Estadão/Broadcast.

“Acredito que o governador do Rio Grande do Sul tende a ficar e trabalhar para ser o candidato da unidade da terceira via, filiado ao PSDB”, disse o deputado Aécio Neves (PSDB-MG) ao Estadão/Broadcast. Desafeto de Doria, Aécio faz articulações políticas para lançar Leite à Presidência no lugar do paulista.

Ex-presidente do PSDB, o senador Tasso Jereissati (CE) foi na mesma linha. “Eu diria que há 90% de probabilidade de Eduardo Leite ficar no PSDB”, afirmou Tasso em entrevista à CNN. “Não o vejo candidato por outro partido. Dentro do PSDB, ele deve ser uma eventual alternativa.” 

Sinais trocados

Até agora, Leite vinha dando todos os sinais de que estava disposto a ingressar no PSD. O caminho para que ele disputasse o Planalto pela nova sigla ficou livre após o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), desistir de lançar a candidatura à Presidência.

Kassab chegou a dizer que o gaúcho era uma “alternativa extraordinária” ao senador mineiro. Mas, desde que Leite recebeu uma carta na qual a cúpula do PSDB o elogia e pede sua permanência nas fileiras do partido, tudo mudou. O governador ficou mais recluso e tem evitado falar de política em público. 

O principal argumento usado pela ala “anti-Doria” do PSDB para tirá-lo do páreo, quatro meses após as prévias, é o de seu alto índice de rejeição. No levantamento Datafolha divulgado nesta quinta-feira, 24, Doria aparece com 2% de intenção de voto e 30% de rejeição. Leite marca 1% e 14%, respectivamente.

“O Eduardo tem uma sensibilidade política que vai ajudar muito no caso de ele ser candidato”, afirmou o ex-senador José Aníbal ao Estadão/Broadcast Político. Para Aníbal, a rejeição de Doria é “um peso a ser carregado” pelo partido.

Uma ala do PSDB, porém, rejeita o movimento para tirar Doria do jogo. Em entrevista ao Papo com Editor, do Broadcast Político, o deputado Samuel Moreira (PSDB-SP) disse que discutir agora a troca de candidato na disputa pelo Planalto é "ficar sangrando em público". Na avaliação de Moreira, é preciso "dar uma chance" ao governador de São Paulo para que ele faça sua campanha.

A lei eleitoral determina que ocupantes de cargos públicos que desejam disputar eleições deixem os cargos até 2 de abril. Leite sairá antes, na próxima segunda-feira.

Em conversas com tucanos, o governador do Rio Grande do Sul tem avaliado que o PSD de Kassab é um partido muito dividido, com quadros que apoiam Bolsonaro, como o governador do Paraná, Ratinho Júnior, e outros que preferem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), caso do senador Omar Aziz (AM). O próprio Kassab já fez acenos a Lula.

Mesmo quando citava a possibilidade maior de ir para o PSD, Leite ponderava que era preciso apoio político à sua eventual candidatura. “Não pode ser por vaidade. Eu não vou entrar numa disputa para fraturar uma já difícil terceira via, para dispersar ainda mais. Eu quero entrar se for, de fato, para ajudar a aglutinar e tentar ajudar a construir um projeto viável, não para facilitar a polarização”, disse o governador, no último dia 16, na Federação das Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul (Federasul), em Porto Alegre.

Naquele mesmo dia, durante o ato de filiação da ex-senadora Ana Amélia Lemos ao PSD, Kassab disse torcer para que o gaúcho tivesse "boas inspirações" nos dias seguintes, numa referência à decisão sobre a troca de partido. 

Presidente do Cidadania, partido que vai formar uma federação com o PSDB, Roberto Freire pediu a Leite que fique no ninho tucano. “Ele é uma grande liderança, jovem. É importante ele ficar junto conosco. Tudo indica que ele vai ficar”, afirmou. Para Freire, as conversas com o MDB e o União Brasil para lançar uma candidatura única ao Planalto estão “muito positivas”

Iander Porcella, O Estado de S.Paulo, em 25.03.22, 15h45

quinta-feira, 24 de março de 2022

Biden: “Responderemos ao uso de armas químicas com base em como são usadas”

O presidente dos EUA afirma que a China sabe que “seu futuro econômico está mais ligado ao Ocidente do que à Rússia” | O G-7 colaborará para investigar os "crimes de guerra" da Rússia na Ucrâni

O secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, e o presidente dos EUA, Joe Biden, esta quinta-feira em Bruxelas na reunião da Aliança. (THIBAULT CAMUS  - AP)

O PAÍS

Atualizada:24 DE MARÇO DE 2022 - 20:28 BRT

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O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, afirmou esta quinta-feira, após as reuniões de chefes de governo da NATO e do G-7, que a Aliança "responderá" a uma potencial utilização de armas químicas na Ucrânia dependendo "de como são usados”. O presidente também destacou que "a China sabe que seu futuro econômico está mais ligado ao Ocidente do que à Rússia". 

Biden e os demais principais líderes mundiais, como o britânico Boris Johnson, o turco Recep Tayyip Erdogan ou o francês Emmanuel Macron, se reuniram na sede da OTAN. Após a reunião, o secretário-geral da organização, Jens Stoltenberg, anunciou que a Aliança fortalecerá a capacidade da Ucrânia de se defender contra potenciais ataques biológicos, químicos e nucleares. 

“Enviaremos sistemas de detecção, assistência médica e sanitária e equipamentos de descontaminação”, declarou. Os Estados Unidos anunciaram uma nova lista de sanções contra Moscou, que inclui 328 deputados do Parlamento russo e 48 empresas do setor de defesa. O Grupo dos Sete (G-7), que reúne as grandes potências ocidentais e o Japão, prometeu colaborar para investigar crimes de guerra na Ucrânia após a invasão russa.

Um homem chora sobre um cadáver após um bombardeio em Kharkiv (Ucrânia) Foto: WOLFGANG SCHWAN (GETTY) |

EUA calculam que mísseis russos têm margem de erro de até 60%

Os Estados Unidos estimam que os mísseis de alta precisão que a Rússia lançou na Ucrânia têm uma margem de erro de até 60%, segundo três fontes militares que falaram exclusivamente à Reuters. Especialistas garantiram que a alta taxa de objetivos fracassados ​​pode explicar em parte por que as tropas russas não conseguiram tomar nenhuma das principais cidades ucranianas após um mês de invasão, apesar de sua superioridade militar.

As fontes norte-americanas, que pediram anonimato, não revelaram as razões da falta de precisão no disparo da Rússia. O Kremlin não comentou. O Pentágono disse a repórteres que as forças russas lançaram mais de 1.100 mísseis desde o início da guerra, embora não se saiba oficialmente quantos atingiram seus alvos. Dois dos especialistas consultados fizeram alusão a taxas de insucesso de 60%, enquanto o outro militar disse que o intervalo está entre 20% e 60%. (Reuters)

Os EUA garantem que a Rússia implantou mais espiões no México do que em qualquer outro país


   General Glen VanHerck, chefe do Comando Norte dos Estados Unidos, em seu comparecimento nesta quinta-feira a uma comissão do Senado. /AP

A agência de espionagem militar russa (GRU) tem atualmente mais oficiais de inteligência implantados em território mexicano do que em qualquer outro país do mundo com o objetivo final de influenciar as decisões tomadas pelos Estados Unidos. Isso foi alertado nesta quinta-feira pelo chefe do Comando Norte dos EUA, Glen VanHerck. O general fez essas declarações durante uma sessão do Comitê de Serviços Armados do Senado, na qual acrescentou que o que o Kremlin busca é obter acesso aos EUA a partir do país vizinho.

A informação surgiu praticamente ao mesmo tempo que as alegações que o embaixador dos Estados Unidos no México, Ken Salazar, fez após um ato realizado na quarta-feira na Câmara dos Deputados para inaugurar o grupo de amizade México-Rússia com a presença de diplomatas de o Kremlin, apenas cerca de um mês após o início da invasão da Ucrânia. "Temos que ser solidários com a Ucrânia e contra a Rússia", disse Salazar no Congresso. "O embaixador russo esteve lá ontem e disse que o México e a Rússia são próximos, isso nunca pode acontecer", acrescentou. É contada por Yolanda Monge e Elías Camhaji de Washington e da Cidade do México.

Sabadell alerta para um possível aumento da inadimplência devido à guerra na Ucrânia

O Banco Sabadell fez o balanço do exercício de 2021 esta quinta-feira na sua assembleia geral de acionistas em Alicante. E Josep Oliu, presidente da entidade, alertou para o impacto negativo da ofensiva russa na economia e alerta para um possível aumento da inadimplência. 

"A coincidência do fim dos vencimentos dos empréstimos cobertos pela garantia da ICO com o início do transtorno causado pela eclosão da guerra recomenda prudência para enfrentar seus possíveis efeitos", assegurou Oliu aos acionistas. Um dia antes, ele já havia adiantado essa questão em reunião com jornalistas: "Pode haver aumentos circunstanciais dos índices de inadimplência". 

Além disso, a assembleia geral de acionistas deu luz verde à distribuição de um dividendo de 0,03 euros por ação correspondente ao exercício de 2021. Por Hugo Gutierrez.

Ucrânia estima 3.343 pessoas evacuadas nesta quinta-feira de cidades sitiadas

Um total de 3.343 pessoas foram evacuadas nesta quinta-feira de várias cidades ucranianas através de corredores humanitários, segundo um oficial do exército ucraniano. 2.717 cidadãos conseguiram escapar do sitiado Mariupol, confirmou a vice-primeira-ministra ucraniana Iryna Vereshchuk em uma mensagem no Twitter. A política também acusou os russos de bloquear comboios de ajuda humanitária com destino às cidades atacadas nos últimos dias. (Reuters)

Um grão de areia literário para a Ucrânia

Eles nunca podem ler novamente. Nem fazer mais nada. O Ministério Público ucraniano estima que mais de uma centena de crianças já morreram em seu país devido à invasão russa. De tantas vidas truncadas, a escritora Masha Serdiuk e a ilustradora Tetiana Laiuzhna escolheram 13. Eles as reconstruíram, narraram e desenharam em um estilo cru e sem filtros. E em poucos dias eles foram reunidos em um livro, cujos apenas dois exemplares conseguiram chegar à mesa do espaço dedicado à Ucrânia logo na entrada da Feira Internacional do Livro Infantil e Juvenil de Bolonha. Com A Guerra: As Crianças Que Nunca Vão Ler Livros, os autores ucranianos querem enviar um lembrete aos milhares de profissionais e visitantes que desfilam pelo evento. E um empurrão para que outros ajudem também.

"Podemos conversar, mas o que importa são os fatos", diz Žanete Vēvere Pasqualini, agente, tradutora e gerente de estande de sua Letônia natal na feira. E a verdade é que especialmente os países mais sensíveis ao medo soviético, devido à sua história e localização geográfica, hoje estão tentando contribuir com seu grão de areia literário para a causa ucraniana. Trata-se de dar alento, mas, sobretudo, renda. Por Tommaso Koch.

Na imagem, detalhe do espaço dedicado aos livros ucranianos na entrada da feira de Bolonha. /TK

A Ucrânia estima que pelo menos 200.000 pessoas permanecem sem acesso à água potável como resultado dos ataques russos

O Comitê de Direitos Humanos do Parlamento ucraniano informou que pelo menos 200.000 pessoas permanecem sem acesso à água potável como resultado da destruição causada pelos ataques russos. "A guerra privou parcial ou completamente os moradores de Mariupol, Mikolaiv, Kharkiv, Okhtirka, Izium, Makarov, Pologi, Vasilivka, Orijiv, Huliaipil, Chernigov, Trostianets e muitos outros assentamentos de água", dizia o comunicado. "Somente na região de Donetsk, 200.000 pessoas não têm acesso à água. À medida que os combates se intensificam, há uma ameaça de que esta região seja completamente cortada do abastecimento de água nas próximas semanas". O Comitê considera as ações da Rússia uma "violação direta da Convenção de Genebra.

Biden oferece mais gás à Europa, mas pede mão dura contra a Rússia

Bruxelas, a capital das instituições europeias, tornou-se esta quinta-feira o grande teatro do Ocidente, o carro-chefe de uma forma de conceber o mundo face à agressão da Rússia à Ucrânia. É "o centro do mundo livre", definiu a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, pouco antes de entrar na sede do Conselho Europeu, onde começou a cimeira dos líderes dos Vinte e sete, com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, como convidado extraordinário. O americano chega ao encontro com o pedido para que seus aliados europeus continuem torcendo o braço de Moscou por meio de um novo pacote de sanções que acabará por sufocar o regime de Vladimir Putin: desta vez, as importações de energia russas estão no centro das atenções. Biden também chega a Bruxelas com uma oferta suculenta para fazer aos europeus na forma de gás natural liquefeito (GNL). De alguma forma, dois dos debates mais quentes da UE – sanções e energia – parecem fadados a se unir.

Por Guillermo Abril e Bernardo de Miguel para o EL PAÍS, em 24.03.22

Ucrânia afirma ter destruído um navio de desembarque de tropas russas em um porto no mar de Azov

O navio que queimou no porto ocupado de Berdyansk, chave para a logística de Moscou, carregava material de guerra russo, segundo Kiev

Uma coluna de fumo sobe esta quinta-feira sobre um navio russo no porto ucraniano de Berdyansk, numa imagem divulgada nas redes sociais ( REUTERS)

A Ucrânia garantiu esta quinta-feira que um dos seus ataques contra as instalações do porto de Berdyansk, cidade ocupada pela Rússia no mar de Azov , destruiu um navio de guerra russo e provocou um grande incêndio. O golpe na Marinha russa seria um grande sucesso para Kiev em seus esforços para impedir que as tropas de Vladimir Putin obtenham suprimentos e sejam reforçadas um mês após a invasão russa, que abalou o mundo.

Berdyansk, que a Rússia capturou e ocupou na primeira semana da guerra, tornou-se um importante centro logístico para as forças do Kremlin que avançam para o flanco sul e para trazer reforços e suprimentos para as tropas que cercam Mariupol , a cerca de 80 quilômetros de Berdyansk, cidade que mostrou resistência à ocupação pelos soldados de Putin.

Imagens da área atacada mostram um navio de desembarque russo em chamas no porto de Berdyansk, uma nuvem de fumaça e explosões secundárias quando dois outros navios russos também parcialmente em chamas deixam o porto. O Exército ucraniano garantiu inicialmente ter conseguido destruir o Orsk , um navio de desembarque anfíbio da classe Alligator —segundo a designação da OTAN—, capaz de transportar até 45 veículos blindados e 400 soldados, mas mais tarde só informou a neutralização de um navio russo. A Rússia tem dois navios do modelo Alligator em serviço ativo na Frota do Mar Negro: o Orsk e o Saratov .

Horas depois que as primeiras informações foram conhecidas e vídeos com as explosões no navio foram divulgados na internet, o Ministério da Defesa ucraniano, segundo a agência Reuters, confirmou o ataque e seu sucesso. Nenhuma fonte independente foi capaz de determinar como o ataque ocorreu ou a causa das explosões e subsequente incêndio no Orsk.

O canal de TV do Ministério da Defesa russo, Zvezda, dedicou uma informação aos navios de desembarque na segunda-feira. Ele assegurou que uma dúzia desses navios participou de operações de reabastecimento para suas forças e que sua chegada a Berdiansk foi "um evento histórico" que abriu "possibilidades logísticas para a Marinha do Mar Negro". As autoridades russas não confirmaram o ataque em Berdyansk, no qual, segundo analistas militares, podem ter sido usados ​​mísseis balísticos.

As autoridades ucranianas não divulgaram qual arma foi usada no ataque. "O navio destruído em Berdyansk poderia transportar até 20 tanques, 45 veículos blindados e 400 pára-quedistas", disse a vice-ministra da Defesa ucraniana, Anna Malyar, em comunicado nesta quinta-feira. “Este é um alvo enorme que foi atacado pelo nosso Exército”, acrescentou.

Os maiores avanços das tropas de Putin foram no flanco sul, usando a península ucraniana da Crimeia, que a Rússia anexou ilegalmente em 2014 , como plataforma de lançamento militar para tentar fortalecer sua presença no Mar Negro. No lado leste, controla o Mar de Azov e quase toda a faixa costeira, exceto algumas cidades. A grande peça a ser coletada ali, Mariupol, permitiria a Putin completar uma espécie de corredor terrestre entre a península ucraniana da Crimeia e os territórios de Donbas que ele controla através dos separatistas pró-russos.

Punido por constantes ataques de artilharia e aéreos, Mariupol tornou-se o símbolo da ofensiva contra a população civil que passou semanas sem água, gás, suprimentos básicos e em uma cidade da qual quase não há esqueletos de prédios queimados. Após um cerco feroz, cerca de 100.000 pessoas permanecem na cidade onde as tropas russas já entraram e estão lutando contra as forças ucranianas.

No entanto, a Ucrânia também conseguiu desferir grandes golpes nas forças da Marinha Russa. O Kremlin, que declarou ilegal informar sobre a invasão (que não pode ser chamada de guerra na Rússia, mas sim "operação militar especial") e fornecer outros números e dados que não os fornecidos pelo governo, reconheceu a morte de o vice-comandante da Frota Russa do Mar Negro, Andrey Paliy, e o comandante da 810ª Brigada de Fuzileiros Navais da frota Aleksei Sharon, que operavam na área de Mariupol.

Em Berdyansk, com uma população pré-guerra de 115.000 habitantes, as forças invasoras tiveram que lidar com protestos públicos. Desde 24 de fevereiro, a Rússia trava uma guerra contra a Ucrânia com pesados ​​bombardeios aéreos, marítimos e de artilharia. Os ataques não se limitaram a alvos militares; Também afetaram prédios residenciais, bem como outros prédios que servem de abrigo para a população.

Maria R. Sahuquillo, de Odessa - Ucrânia, em 24.03.22, para o EL PAÍS. Maria é correspondente em Moscou, de onde cobre Rússia, Ucrânia, Bielorrússia e o resto do espaço pós-soviético. Anteriormente, foi enviada especial para grande cobertura e tratou com os países da Europa Central e Oriental. Ela passou quase toda a sua carreira no EL PAÍS e, além de questões internacionais, é especializada em questões de igualdade e saúde.

Coreia do Norte provoca tensão ao lançar seu primeiro míssil intercontinental em cinco anos

O projétil caiu em águas da zona econômica exclusiva do Japão. Seul responde com exercícios militares de tiro real

Um grupo de pessoas em Seul assiste a uma reportagem de televisão relatando o novo lançamento de um suposto míssil intercontinental norte-coreano (DPA VIA EUROPA PRESS / EUROPA PRESS)

Enquanto o mundo olha para a Ucrânia, a Coreia do Norte disparou na quinta-feira o que Seul e Tóquio dizem ser um míssil intercontinental (ICBM). O lançamento acaba com a moratória nos testes de mísseis de longo alcance que Pyongyang havia declarado há quatro anos e reacende as tensões na península, onde as negociações de desnuclearização estão paralisadas desde 2019 . seu arsenal e capaz de chegar a qualquer ponto dos Estados Unidos, havia ocorrido em 2017.

O míssil, segundo o Estado-Maior sul-coreano, foi lançado de Sunan, aeroporto de Pyongyang. Atingiu uma altura máxima de 6.200 quilômetros e percorreu uma distância de 1.080 quilômetros antes de cair no mar nas águas da zona econômica exclusiva (ZEE) do Japão, perto da ilha de Hokkaido, às 15h44, horário local (07:07: 44h, hora peninsular espanhola). Tanto Seul quanto Tóquio consideraram que o lançado nesta quinta-feira é "um novo tipo de ICBM". Se confirmado, pode ser o Hwasong-17, que Pyongyang apresentou em um desfile militar noturno em outubro de 2020, mas não havia testado até agora. O Hwasong-15 que Pyongyang lançou em novembro de 2017 atingiu uma altura de 4.475 quilômetros e percorreu uma distância de 906 quilômetros.

Imediatamente após o teste do Norte, as Forças Armadas do Sul responderam com exercícios conjuntos de tiro real nos quais mobilizaram alguns de seus principais mísseis, "numa demonstração de poder militar contra a Coreia do Norte", informou a agência de notícias.

Entre os equipamentos mobilizados estavam um Hyunmoo-2 terra-terra, Sistema de Mísseis Táticos do Exército (ATACMS); um míssil mar-terra Haesung-II e dois mísseis ar-terra JDAM, de acordo com o Estado-Maior do Sul, citado pela Yonhap. Os exercícios, de acordo com as forças sul-coreanas, "confirmaram que, se necessário, o Exército é capaz de um ataque de precisão contra a localização de qualquer lançamento de míssil e seu sistema de comando". Tanto o governo de Seul quanto os japoneses convocaram uma reunião de emergência de seus respectivos conselhos de segurança. Tóquio descreveu o lançamento como uma "provocação", "inaceitável" em meio à crise da guerra na Ucrânia.

O lançamento ocorre duas semanas após a vitória na eleição presidencial do Sul do conservador Yoon Suk-yeol , que assumirá o poder em maio e prometeu uma política de dureza contra o Norte após um mandato de seu antecessor, o progressista Moon Jae. , em que Seul tentou construir pontes em direção ao seu vizinho. Em uma primeira reação, o comitê de transição do presidente eleito sul-coreano declarou que o teste do ICBM “representa uma séria provocação que ameaça nossa segurança” e que está “em violação direta das resoluções do Conselho de Segurança da ONU”.

Moon, o presidente sul-coreano cessante, também condenou o lançamento, lembrando que viola a promessa de Kim Jong-un "à comunidade internacional" pouco antes da primeira cúpula entre o líder supremo norte-coreano e o então presidente dos EUA, Donald Trump. Junho de 2018.

Essa declaração encerrou formalmente uma série de testes de mísseis quase semanais – e um teste nuclear – ao longo de 2017 que levou a Coreia do Norte e os Estados Unidos à beira de um conflito militar.

O processo de degelo começou em 2018 com Seul e a cúpula com Trump deu lugar a uma etapa de negociações diplomáticas sobre a desnuclearização da península. Mas o fracasso retumbante da cúpula de Hanói em fevereiro de 2019 suspendeu o processo.

Sem sinais de recuperação nas negociações, apesar de uma última cúpula entre Kim e Trump em junho de 2019, e sem que a administração Joe Biden as tenha reativado, o líder norte-coreano deu ordens no ano passado para desenvolver novas armas de alta tecnologia, uma prioridade que foi incluídos no novo plano quinquenal (2021-2025). Em setembro do ano passado, Pyongyang completou o primeiro teste do que disse ser um míssil hipersônico . Até então, apenas Estados Unidos, Rússia e China possuíam essa tecnologia, que permite que os foguetes atinjam velocidades cinco vezes maiores que a velocidade do som e manobrem sua trajetória após o disparo.

Desde o início deste ano, a Coreia do Norte realizou uma dúzia de testes de mísseis , um ritmo não visto desde o pior de 2017. Em janeiro, o regime deu a entender que estava considerando um novo teste de um ICBM. : Em uma reunião de seu Politburo, ele indicou que estava estudando "o reinício de todas as atividades temporariamente suspensas".

O recurso ao lançamento de um ICBM, após um tiro fracassado também de Sunan na semana passada, pode representar o prelúdio de um retorno às tensões de cinco anos atrás, que colocaram Pyongyang e Washington em pé de guerra. Também pode dar o golpe final na política de reaproximação de Seul, quando a mudança de governo estiver prestes a ocorrer.

A Coreia do Norte, que prepara um novo desfile militar para 15 de abril - 110º aniversário do nascimento do fundador do regime e avô do atual líder, Kim Il Sung -, ordenou a modernização do centro de lançamento espacial Sohae. Imagens de satélite também parecem mostrar o início dos trabalhos de construção no centro de testes nucleares de Punggye-ri, de acordo com especialistas do Centro James Martin para Estudos de Não-Proliferação. Pyongyang fechou essas instalações durante o degelo de 2018, quando convidou jornalistas estrangeiros para testemunhar a explosão de alguns dos túneis e a vedação dos acessos.

Em um comunicado, a Casa Branca condenou o lançamento de quinta-feira como "uma violação descarada de várias resoluções da ONU, aumentando desnecessariamente as tensões e arriscando desestabilizar a situação de segurança na região".

Macarena Vidal Liy, de Pequim, para o EL PAÍS, em 24.03.22. Macarena é correspondente do EL PAÍS na Ásia. Anteriormente, trabalhou na agência EFE, onde foi delegada em Pequim, correspondente na Casa Branca e no Reino Unido. Ela também cobriu conflitos na Bósnia-Herzegovina e no Oriente Médio como enviada especial. É licenciada em Ciências da Informação pela Universidade Complutense de Madrid.


Porandubas Políticas

 Por Gaudêncio Torquato 

Abro a coluna com historinhas do grande Câmara Cascudo, descritas pelo acadêmico e professor Diógenes da Cunha Lima, em sua magnífica coletânea Câmara Cascudo, um Brasileiro Feliz (Lidador, 3ª ed.)

O poeta João Cabral de Melo Neto insiste em ver Cascudo. Dona Dália adia várias vezes a visita, preocupada com a saúde do marido. Zila Mamede interfere, lembrando que o poeta e embaixador vai dar muitas alegrias a Cascudo. Pontualmente, às 3 da tarde, chega o poeta. Cascudo não se contém. Fica de pé, gesticula, conta casos, relembra fatos durante mais de duas horas. Enquanto recita poesia galega Cascudo desmaia. João Cabral e Zila Mamede evitam a queda. Instala-se o nervosismo, procura-se um cardiologista, telefones que não atendem, João Cabral toma tranquilizantes, Cascudo foi abrindo os olhos, direcionou-os para João Cabral, falou com voz muito triste:

- Estou preocupado..... com ele... E apontou para o poeta.

No Rio de Janeiro, uma senhora da alta sociedade, que não gostava de Cascudo, encontra-se com ele num elevador. Cascudo lhe fez as devidas vênias. Ela, imperiosa:

- Sabe que eu nunca li um livro seu?

E Cascudo incisivo:

- Nem eu

Cascudo deixou o curso da Faculdade de Medicina, que havia iniciado na Bahia, para se formar em Direito, em 1928. Perguntado porque tinha abandonado o curso médico, ele disse, sem hesitar:

- A pedido dos doentes.

Panorama visto de perto

Um vice

O ministro Walter Braga Netto, ministro da Defesa, deverá ser o vice na chapa de Bolsonaro. O general Mourão, o atual vice, se conforma com a eleição para senador pelo RS ou mesmo a vice-governador numa chapa sulista. Bolsonaro disse, este fim de semana, que seu escolhido para a vaga "é de Belo Horizonte e fez escola militar", perfil ao qual o ministro se encaixa. O movimento é visto como uma tentativa do presidente de se blindar contra processos de impeachment. As credenciais que levaram o general Braga Netto ao governo de Bolsonaro eram a de um militar experiente que executou a árdua missão de ser o interventor da segurança pública no Rio, em 2018, por designação de Michel Temer.

Procura-se um nome

Gilberto Kassab está à procura de um nome para ser o candidato a presidente pelo PSD. Era Rodrigo Pacheco. Passou a ser Eduardo Leite, mas as forças do PSDB pressionam para que o governador tucano do RS não saia do partido. Ventila-se, agora, com o nome do ex-governador do ES, Paulo Hartung. A dúvida persiste, Kassab não quer aderir logo ao Lula.

A saída de Marília Arraes

A eventual saída da deputada Marília Arraes, do PT, é um golpe para as pretensões do lulismo no Nordeste. A deputada não dialoga bem com a ala do senador Humberto Costa, do PT pernambucano. Mas Marília estará com Lula.

Rejeição

Há um Senhor Eleitor que está sendo desdenhado, menosprezado. É o Senhor Eleitor chamado Rejeição. Com mais de 30 de rejeição, um candidato fica na beira do precipício, e tem uns com mais de 50% de rejeição, que significa: "eu não voto nessa pessoa de jeito nenhum". Tanto Bolsonaro quanto Lula registram mais de 50% de rejeição

Jacques Wagner

Foi um bom governador da Bahia. Recusa-se a entrar outra vez no páreo. Quem faz objeção forte é a ex-primeira dama, dona Fátima Mendonça, que conhece o sacrifício de ser político, ainda mais para um cargo no Executivo em tempos de vacas magras, Estados sem recursos. Faz bem.

Rodrigo Garcia

O vice-governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, está bem atrás nas pesquisas. Fernando Haddad lidera a corrida com muitos pontos na frente. Este analista lembra o alto índice de rejeição do petismo em São Paulo. E ainda acredita nas chances de Garcia.

Máscaras

As máscaras têm sido abolidas do território nacional. Na China, a covid-19 voltou com força. Temo uma nova onda. Sugiro a linha do bom senso.

A onda petista

O PT tem condições de fazer a maior bancada de deputados Federais e estaduais. Posição que já foi do MDB. O PT virou um partidão de centro.

O assistencialismo

Outro grande eleitor de outubro próximo será o assistencialismo populista. Anotem e cobrem.

"O que faz os atores medíocres é a extrema sensibilidade... e é a ausência absoluta de sensibilidade que prepara os atores sublimes. As lágrimas do comediante escorrem de seu cérebro; as lágrimas do homem sensível descem de seu coração. Diz-se que o orador é sempre melhor quando se inflama, quando irritado. Nada disso. É quando se finge de encolerizado. Os comediantes impressionam o público, não quando estão furiosos e sim quando representam bem o furor". (Denis Diderot in Paradoxe sur le comédien)

Panorama visto de longe

Tirando a camada de exageros do bolo expressivo, o armagedom, como lembra o sábio professor Ivan Maciel, deixa de ser uma quimera, algo difícil a acontecer. Basta que um dos Senhores da Guerra aperte um botãozinho. Este fim de semana, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, chegou a alertar: se não formos capazes de acertar nossa conversa, a III Guerra Mundial torna-se um cenário à vista.

O Centro

É uma repetição impressionante. Por que a Ucrânia, um país de médio porte de 40 milhões de pessoas no extremo leste da Europa, esteve no epicentro da guerra não uma, não duas, mas três vezes?

Respostas

Parte da resposta tem a ver com geografia. Situada entre a Rússia e a Alemanha, há muito tempo é vista como o local da luta pela dominação do continente. Mas as razões mais profundas são de natureza histórica. A Ucrânia, com sua origem comum com a Rússia, desenvolveu-se de maneira diferente ao longo dos séculos, divergindo de maneira crucial de seu vizinho do leste.

Um só país

O presidente Vladimir Putin gosta de afirmar que a Ucrânia e a Rússia são de fato um país. O que é errado. Mas ele está certo em pensar que a história contém uma chave para entender o presente. Em 1904, um geógrafo inglês chamado Halford John Mackinder fez uma previsão ousada. Em um artigo intitulado "O pivô geográfico da história", ele sugeriu que quem controlasse o Leste Europeu controlaria o mundo. Em ambos os lados dessa vasta região estavam a Rússia e a Alemanha, prontas para a batalha. E no meio estava a Ucrânia, com seus ricos recursos de grãos, carvão e petróleo.

Ponto de confluência

Não há necessidade de entrar em detalhes. Mas a Ucrânia provou ser extremamente influente após a Primeira Guerra Mundial, sendo o centro dos conflitos. Graças ao geopolítico nazista Karl Haushofer, o conceito migrou para o "Minha Luta" de Hitler. A Ucrânia era a ponte que levaria a Revolução Russa para o oeste até a Alemanha, tornando-a uma revolução mundial. O caminho para o conflito novamente passa pela Ucrânia. A guerra, quando ocorreu, foi catastrófica: na Ucrânia, cerca de sete milhões pereceram. Na sequência, a Ucrânia foi anexada à União Soviética por um tempo. Com o colapso do comunismo, muitos acreditavam que as profecias do geógrafo Mackinder estavam ultrapassadas e o futuro pertencia a Estados independentes e soberanos, livres das ambições de vizinhos maiores. Hoje, a posição da Ucrânia no mapa mundial é crucial para os desdobramentos dos conflitos na Europa e no mundo.

De História

Historinha de Sócrates

Quando ouvia alguém falando, perguntava se realmente sabia o que estava dizendo. Certa vez, ouviu um eminente estadista, aproximou-se dele e indagou:

– "Perdoe-me a intromissão, mas o que vem a ser para o senhor a coragem?"

– "Coragem é permanecermos no nosso posto em perigo", respondeu o orador.

– "Mas suponhamos que a boa estratégia exigisse a retirada?", replicou Sócrates.

– "Bem, isso é diferente. Está claro que, nesse caso, não haveria necessidade de permanecer no posto.

– "Então coragem não é permanecer no nosso posto, nem retirar, não é verdade? Pergunto, então, o que é coragem?"

– "Confesso o meu embaraço. Creio que realmente não sei."

– "Eu tampouco", arrematou Sócrates, "mas será que se trata de algo que difere do uso da cabeça, pura e simplesmente. Isto é, fazer o que seja razoável, independente do perigo?"

– "Isso parece mais acertado", observou alguém entre o grupo.

Sócrates finalizou:

– "Concordaremos, então, apenas para argumentar, é claro, pois é uma questão difícil, que a coragem se resume em sólido bom senso? A coragem é presença de espírito. E o oposto, nesse caso, seria a presença de em tal intensidade que perturbaria a mente?"

Winston Churchill, o humor

Há célebres passagens de humor de autoria de Churchill. Aqui, uma pequena seleção:

Abanando minha cabeça

Winston Churchill fazia um discurso mordaz quando um aparteador, saltando do lugar para protestar, só conseguiu emitir sons abafados. Churchill observou:

– "Vossa Excelência devia deixar crescer uma indignação maior do que a que pode suportar."

Em outra ocasião, estava sentado, sacudindo a cabeça de maneira tão vigorosa e perturbadora, que o orador gritou, afinal, exasperado: – "Quero lembrar ao nobre colega que estou apenas exprimindo minha própria opinião."

Ao que Churchill respondeu:

– "E eu quero lembrar ao nobre orador que estou apenas abanando a minha própria cabeça."

Sou o chefe

O General Montgomery estava sendo homenageado, pois vencera Rommel na batalha da África, na 2ª Guerra Mundial. Discurso do General Montgomery:

– "Não fumo, não bebo, não prevarico e sou herói".

Churchill ouviu o discurso e com ciúme, retrucou:

– "Eu fumo, bebo, prevarico e sou chefe dele."

Se houver...

Telegramas trocados entre o dramaturgo Bernard Shaw e Churchill, seu desafeto. Convite de Bernard Shaw para Churchill:

– "Tenho o prazer e a honra de convidar o digno primeiro-ministro para primeira apresentação de minha peça Pigmaleão. Venha e traga um amigo, se tiver."

Resposta de Churchill:

– "Agradeço ilustre escritor honroso convite. Infelizmente não poderei comparecer à primeira apresentação. Irei à segunda, se houver."

Por que não?

Quando Churchill fez 80 anos, um repórter de menos de 30 foi fotografá-lo e disse:

– "Sir Winston, espero fotografá-lo novamente nos seus 90 anos."

Resposta de Churchill:

– "Por que não? Você me parece bastante saudável."

Veneno no seu chá

Bate-boca no Parlamento inglês. Aconteceu num dos discursos de Churchill em que estava uma deputada oposicionista, Lady Astor, conhecida pela chatice, que pediu um aparte (Sabia-se que Churchill não gostava que interrompessem os seus discursos, mas concedeu a palavra à deputada). E ela disse em alto e bom tom:

– "Sr. Ministro, se Vossa Excelência fosse o meu marido, eu colocava veneno em seu chá!"

Churchill, lentamente, tirou os óculos, seu olhar astuto percorreu toda a plateia e, naquele silêncio em que todos aguardavam, mandou:

– "Nancy, se eu fosse o seu marido, eu tomaria esse chá com prazer!"

Torquato Gaudêncio, cientista político, é Professor Titular na Universidade de São Paulo e consultor de Marketing Político.

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quarta-feira, 23 de março de 2022

Pastor pediu 1 kg de ouro para liberar dinheiro no MEC, diz prefeito

Segundo Gilberto Braga, conversa ocorreu em abril de 2021 durante um almoço no restaurante Tia Zélia, em Brasília, logo após uma reunião com o ministro da Educação, Milton Ribeiro

O ministro da Educação, Milton Ribeiro, ao lado do pastor Gilmar Santos. Foto: Reprodução

Um dos pastores que controlam um gabinete paralelo no Ministério da Educação pediu pagamentos em dinheiro e até em ouro em troca de conseguir a liberação de recursos para construção de escolas e creches, disse ao Estadão o prefeito do município de Luís Domingues (MA), Gilberto Braga (PSDB). Segundo o prefeito, o pastor Arilton Moura solicitou R$ 15 mil antecipados para protocolar demandas da prefeitura e mais um quilo de ouro após a liberação dos recursos. 

“Ele (Arilton) disse: ‘Traz um quilo de ouro para mim’. Eu fiquei calado. Não disse nem que sim nem que não”, afirmou Braga, que diz não ter aceitado a proposta.

Ouça o prefeito Gilberto Braga (PSDB) relatar pedido de propina em ouro, saite do jornal "O Estado de S. Paulo", edição de hoje, quarta feira, 22.03.22.

O prefeito afirmou que a conversa ocorreu em abril de 2021 durante almoço no restaurante Tia Zélia, em Brasília, logo após uma reunião com o ministro Milton Ribeiro no Ministério da Educação. A reunião no MEC, fora da agenda oficial do ministro, foi uma das diversas solicitadas pelos pastores Arilton Moura e Gilmar Santos. 

“Ele disse que tinha que ver a nossa demanda, de R$ 10 milhões ou mais, tinha que dar R$ 15 mil para ele só protocolar (a demanda no MEC). E, na hora que o dinheiro já estivesse empenhado, era para dar um tanto, X. Para mim, como a minha região era área de mineração, ele pediu 1 quilo de ouro”, afirmou Braga ao Estadão. Na cotação desta terça-feira, 22, um quilo de ouro valia R$ 304 mil.

“Ele (Arilton) falou, era um papo muito aberto. O negócio estava tão normal lá que ele não pediu segredo, ele falou no meio de todo mundo. Inclusive, tinha outros prefeitos do Pará. Ele disse: ‘Olha, para esse daqui eu já mandei tantos milhões, para outro, tantos milhões’”, declarou, se referindo a verbas do MEC. “Assim mesmo eu permaneci calado, não aceitei a proposta”, disse o prefeito. Braga afirmou que até hoje não recebeu os recursos que solicitou no MEC.

Também nesse encontro, segundo o Estadão apurou, o pastor repassou o número da sua conta-corrente para que prefeitos anotassem e pudessem fazer os repasses da taxa de R$ 15 mil, apenas para dar entrada nas demandas ao ministério. Um dos presentes relatou que, após deixar “as demandas na mão” de Arilton, recebeu a conta do pastor para que o dinheiro fosse transferido. Como não efetuou a transferência, o pedido “não foi protocolado”. 

No encontro que antecedeu o almoço, o ministro teria afirmado que havia muitos recursos no MEC e estimulou prefeitos a buscarem verbas para seus municípios. 

Publicação da prefeitura de Luis Domingues (MA). Foto: Instagram/Reprodução

Um vídeo postado no perfil da prefeitura de Luís Domingues no Instagram comprova que Braga esteve em Brasília e se reuniu com Ribeiro em abril de 2021. “O prefeito Gilberto Braga está nesse (sic) momento em Brasília na reunião dos prefeitos maranhenses com ministro da Educação, Milton Ribeiro, senador Roberto Rocha e a equipe do MEC”, diz trecho da legenda do vídeo.

O Estadão revelou com fotos, vídeos e documentos públicos que os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura têm livre acesso ao gabinete do ministro Milton Ribeiro e participaram de 22 reuniões no MEC.

A reportagem procurou os pastores para questionar sobre o relato de pedido de pagamento. Arilton não quis se manifestar. “Não, não vou comentar”, disse. Gilmar Santos não atendeu. O jornal não conseguiu contato com o MEC. Em conversas anteriores com o Estadão, os pastores confirmaram que usaram a relação com Ribeiro para abrir as portas do MEC aos prefeitos. E negaram ter pedido contrapartida. 

Breno Pires, André Shalders e Julia Affonso, O Estado de S.Paulo, em 22.03.22

Antipetismo supera petismo, de acordo com pesquisa BTG/FSB

Segundo o levantamento, a preferência pelo PT ou ainda pelo 'partido do Lula' é alta, mas inferior à rejeição que outra parcela do eleitorado tem pela sigla

     

Mais pessoas rejeitam o PT do que o preferem, diz pesquisa. Foto: Carla Carniel/Reuters - 29/1/2022

O Partido dos Trabalhadores é o mais lembrado pelos brasileiros quando questionados sobre preferência por uma agremiação política, segundo pesquisa FSB/BTG divulgada na segunda-feira, 21. Dos entrevistados pelo levantamento, 16% disseram gostar mais da sigla de Lula que de outras, o maior índice entre os partidos. Entretanto, o PT também ficou em primeiro lugar entre as legendas mais rejeitadas, o que revela polarização. Nesse caso, a taxa foi ainda superior, de 28%.

Metade das pessoas consultadas pela pesquisa disse não rejeitar nenhum partido, e a maioria não tem nenhum partido de preferência (76%). Depois do PT, os mais rejeitados foram o PSOL e o “partido do Bolsonaro” - que é o PL, mas parte dos entrevistados não sabia -, ambos empatados com 7%. Depois, vem o PSDB, com 5%, e nomeadamente o PL, com 4%. O MDB foi lembrado por 3% das pessoas; o PSL e o PCdoB, por 2% cada.

Entre os partidos pelos quais há preferência, o PT foi o mais lembrado pelo nome. Em segundo lugar, com 2%, vieram menções ao “partido de Lula”. Foram 7% os que disseram preferir “outros”, o que também inclui o “partido de Bolsonaro”, o MDB e o PSOL. 

A pesquisa FSB/BTG ouviu 2 mil pessoas por telefone entre os dias 18 e 20 de março. A margem de erro é de dois pontos para mais ou para menos. O levantamento foi registrado na Justiça Eleitoral sob o código BR-09630/2022.

Davi Medeiros, O Estado de S.Paulo, em 22.03.22

Trinta moedas pela educação

O funcionamento do gabinete paralelo no MEC, com pastores influenciando na liberação de verbas da pasta, é grave ofensa à ordem jurídica. Educação é inegociável

Desde que o Estadão revelou, na semana passada, a existência de mais um gabinete paralelo no governo Bolsonaro, desta vez no Ministério da Educação (MEC), têm vindo à tona novos dados sobre o aparelhamento da estrutura estatal para atender a interesses de lideranças religiosas. Trata-se de uma situação rigorosamente inconstitucional, que desrespeita princípios básicos da administração pública, fere o caráter laico do Estado e, não menos importante, prejudica diretamente a qualidade da educação pública.

Revelado agora, o esquema não é novo. Foi apurado que, desde 2019, pastores evangélicos vêm exercendo influência no MEC. Esse marco temporal indica que o aparelhamento religioso da pasta da Educação não é algo meramente circunstancial, que teria nascido após a aproximação do governo Bolsonaro com o Centrão. O assunto é mais grave. Desde o início do seu mandato, o presidente Bolsonaro permitiu que a estrutura do Estado fosse usada para fins particulares, de determinados grupos religiosos.

A agravar o quadro, o aparelhamento não ocorreu em um setor secundário da administração federal. Entregou-se a lideranças religiosas uma das áreas mais importantes, se não a mais importante, para o futuro do País. E, consequentemente, uma pasta que possui um dos maiores orçamentos do governo federal.

Sabe-se que o MEC de Bolsonaro não funciona bem desde o início do governo. A pasta responsável por cuidar do futuro das novas gerações notabilizou-se por polêmicas, agressões, ineficiências e omissões, o que, entre outros danos, produziu significativa desarticulação com os outros entes federativos. Agora, com a revelação da existência de um gabinete paralelo liderado por pastores, conheceu-se uma nova faceta. Nem tudo era ineficiência. Para os amigos dos pastores, a verba chega rapidamente.

Segundo a reportagem do Estadão apurou, o gabinete paralelo é bastante ágil na liberação de verbas do MEC para determinados municípios, em uma velocidade que destoa dos padrões de repasses da União. Em um dos casos, a prefeitura conseguiu o empenho de parte do dinheiro pleiteado 16 dias depois do encontro mediado pelos religiosos. Durante o mês de dezembro de 2021, foram firmados, depois desses encontros com pastores, termos de compromisso, uma etapa anterior ao contrato, entre o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e nove prefeituras no valor de R$ 105 milhões.

Esses dados confirmam que a atuação do gabinete paralelo do MEC é muito mais ampla do que apenas controlar a agenda do ministro Milton Ribeiro, o que já seria extravagante e incompatível com o funcionamento republicano do poder público. Os pastores exercem influência na decisão sobre o destino das verbas e a velocidade de sua entrega.

Do início de 2021 para cá, sabe-se que ao menos 48 municípios foram contemplados com verbas após encontros com os pastores do gabinete paralelo. Desses repasses, 26 deles utilizaram recursos próprios do FNDE. O restante recebeu dinheiro por meio de emendas do orçamento secreto.

A operação do gabinete paralelo no MEC merece uma responsável, cuidadosa e diligente investigação. A subordinação do Estado a interesses religiosos é grave ofensa à Constituição, além de produzir distorções, ineficiências e privilégios no próprio sistema educativo. Não é aceitável, num Estado Democrático de Direito, que a proximidade de gestores públicos com pastores evangélicos signifique condições especiais no acesso a verbas públicas.

Por força de sua missão constitucional, o Ministério Público tem especial responsabilidade no desmantelamento dessa estrutura paralela no MEC, apurando, em conjunto com os órgãos policiais, os fatos e as respectivas responsabilidades. Também o Legislativo e o Judiciário, no que lhes couber, não podem ficar passivos. É inconcebível que a definição de políticas públicas educacionais, responsabilidade fundamental do Estado, seja entregue, sem controle e sem transparência, a lideranças religiosas, sem vínculo com a administração pública. É grave traição da República.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 23.03.22

terça-feira, 22 de março de 2022

Putin é um ditador acuado em sua ratoeira; leia a coluna de Moisés Naim

No início de sua presidência, em 2000, Vladimir Putin deu uma longa entrevista na televisão. Ele falou de sua visão para o futuro da Rússia, compartilhou memórias de sua juventude e refletiu sobre o que experimentou e aprendeu. Ele conta, por exemplo, a lição que um rato lhe deu.

Quando muito jovem, Putin e seus pais moravam em um pequeno apartamento em um prédio decadente em Leningrado (atual São Petersburgo) que, entre outros problemas, sofria de uma infestação de ratos. O jovem Putin os perseguia com uma vara. “Lá, recebi uma lição rápida e duradoura sobre o significado da palavra ‘encurralado’”, diz Putin. Ele acrescenta: “Uma vez eu vi um rato enorme e o persegui pelo corredor até que o levei para um canto. Ele não tinha para onde correr. De repente, ele se lançou em mim e eu me esquivei, mas agora era o rato que estava me perseguindo. Felizmente, fui um pouco mais rápido e consegui fechar a porta.”

(EUA condenam deportações forçadas pela Rússia de civis de Mariupol)

Assim, desde muito jovem, Putin entendeu que um rato encurralado pode se tornar perigosamente agressivo. É uma lição que não devemos esquecer. Mas e se, em vez de ser atacada, ela for pega em uma ratoeira?

A ratoeira é uma armadilha para pegar ratos. Consiste em uma caixa na qual há uma porta pela qual o roedor pode entrar. No interior, há um mecanismo com um pedaço de queijo. Ao pegar o queijo, o rato aciona uma mola que fecha a porta e o deixa na ratoeira sem conseguir sair. Está preso.

A mesma coisa acontece com os ditadores contemporâneos. Eles entraram no palácio presidencial atraídos pelo queijo, que neste caso é o poder, e ficaram presos. Se deixam o poder, colocam em risco a sua liberdade ou mesmo a sua vida, bem como a dos seus familiares e cúmplices. Sua alta posição também lhes permite preservar melhor as enormes fortunas roubadas. Obviamente, é normal que os ditadores não desejem renunciar ao poder.

A ratoeira metafórica que prende ditadores no poder ilustra um dos grandes desafios do mundo atual. Que destino deve ser dado aos ditadores? No passado, aqueles que não foram mortos ou presos e conseguiram escapar com sua fortuna ilícita costumavam se estabelecer nos lugares paradisíacos frequentados pela realeza europeia. Agora, os tiranos que perdem o poder acabam na Europa, mas não em Mônaco ou Biarritz, mas no Tribunal Penal Internacional, em Haia.

A impunidade de vários ditadores desapareceu quando o ex-presidente do Chile, Augusto Pinochet, foi preso enquanto visitava Londres em 1998. Essa medida é uma expressão da nova doutrina dos direitos humanos: “jurisdição universal”. Isso marcou o início de uma nova era de responsabilização por graves violações de direitos humanos. Para um ditador como Nicolás Maduro, por exemplo, renunciar significa ir para a cadeia. Vladimir Putin enfrenta o mesmo risco.

Naturalmente, essa realidade torna os ditadores mais teimosos em se apegar ao poder. Eles não têm garantias de que a impunidade prometidas por outros durará. Circunstâncias, alianças e governos mudam, e novos governantes podem decidir que não estão vinculados aos compromissos de seus predecessores. Para esses ditadores, o único governo confiável é é o que eles mesmos presidem, as únicas Forças Armadas que os defenderão são às que comandam.

Este é um dos problemas mais espinhosos do nosso tempo. Deve-se buscar um acordo com os ditadores responsáveis pela morte de milhares de inocentes? Ou melhor, a ética, a justiça e a geopolítica nos obrigam a tentar derrubar esses ditadores?

Não há respostas fáceis. Quantas mortes seriam evitadas se um cessar-fogo fosse alcançado na Ucrânia? É aceitável fazer um acordo com Vladimir Putin para retirar suas tropas em troca de concordar com algumas de suas condições? Para muitos isso seria imoral e a única saída aceitável é deixar Putin. Outros sustentam que a prioridade é impedir a morte de inocentes.

Não há respostas óbvias para essas perguntas. Mas pelo menos hoje sabemos que as respostas podem ser moldadas por países onde reina a democracia. De todas as notícias horríveis que a invasão de Putin produziu, há uma boa notícia que deve nos dar esperança: as democracias mostraram que podem trabalhar em conjunto e aumentar sua capacidade de enfrentar coletivamente os males que afetam o planeta. Esta é uma oportunidade para os defensores da liberdade definirem a agenda, e não os tiranos.

Moisés Naim, o autor deste artigo, é É escritor venezuelano e membro do Carnegie Endowmen. Publicado n'O Estado de S. Paulo, em 21.03.22

Plano B de Putin na guerra da Ucrânia é inundar UE de refugiados; leia artigo de Thomas Friedman

Estratégia do Kremlin se opõe ao ‘plano A’ de Zelenski e Biden: fazer a Ucrânia resistir em uma espécie de ‘empate militar’ com os russos

Bombeiro apaga fogo em prédio atingido pela artilharia russa em Kiev, na Ucrânia Foto: Vadim Ghirda/AP

Após um mês confuso, agora está claro quais estratégias estão sendo jogadas na Ucrânia: estamos observando o plano B de Vladimir Putin versus o plano A de Joe Biden e Volodmir Zelenski. Esperemos que Biden e Zelenski triunfem, porque o plano C de Putin é realmente assustador – e eu nem quero escrever o que temo ser seu plano D.

Não tenho nenhuma fonte secreta no Kremlin, apenas a experiência de ter visto Putin operar no Oriente Médio por muitos anos. Assim, parece óbvio para mim que Putin, tendo percebido que seu plano A falhou – a expectativa de que o Exército russo marcharia para a Ucrânia, decapitaria sua liderança “nazista” e esperaria que o país caísse pacificamente nos braços da Rússia – mudou para seu plano B.

O plano B é que o Exército russo atire deliberadamente contra civis ucranianos, prédios de apartamentos, hospitais, empresas e até abrigos antiaéreos – tudo isso aconteceu nas últimas semanas – com o objetivo de encorajar os ucranianos a fugir de suas casas, criando uma crise de refugiados dentro da Ucrânia e, ainda mais importante, dentro das nações vizinhas da Otan.

Um mar de refugiados no leste

Putin, suspeito, está pensando que, se não puder ocupar e manter toda a Ucrânia por meios militares e simplesmente impor seus termos de paz, o melhor passo seguinte seria conduzir 5 ou 10 milhões de refugiados ucranianos, principalmente mulheres, crianças e idosos, para a Polônia, Hungria e Europa Ocidental – para criar ônus sociais e econômicos tão intensos que esses Estados da Otan acabarão pressionando Zelenski a concordar com quaisquer termos que Putin exija para parar a guerra.

Desde muito jovem, Putin entendeu que um rato encurralado pode se tornar perigosamente agressivo

Putin, provavelmente, espera que, embora esse plano envolva cometer crimes de guerra que possam deixar ele e o Estado russo párias permanentes, a necessidade de petróleo, gás e trigo russos – e da ajuda da Rússia para lidar com questões regionais como o iminente acordo nuclear com o Irã – logo forçariam o mundo a voltar a fazer negócios com o “Bad Boy Putin”, como sempre fez no passado.

O plano B de Putin parece estar se desenrolando como planejado. A agência de notícias France-Presse informou de Kiev no domingo: “Mais de 3,3 milhões de pessoas fugiram da Ucrânia desde o início da guerra – a crise de refugiados que mais cresce na Europa desde a 2.ª Guerra – a grande maioria mulheres e crianças, segundo a ONU. Outros 6,5 milhões estão deslocados dentro do país.”

A matéria continuou dizendo: “Em uma atualização de inteligência, o Ministério da Defesa do Reino Unido disse que a Ucrânia continua a defender seu espaço aéreo, forçando a Rússia a confiar em armas lançadas de seu próprio espaço aéreo. Assim, a Rússia foi forçada a “mudar sua abordagem e agora está buscando uma estratégia de atrito. Isso envolve o uso indiscriminado de poder de fogo, resultando em aumento de vítimas civis, destruição da infraestrutura e intensificação da crise humanitária.”

Um empate militar

O plano B de Putin, no entanto, está colidindo com Biden e Zelenski. O plano A de Zelenski, que suspeito estar se saindo ainda melhor do que ele esperava, é lutar contra o Exército russo até um empate, quebrar sua vontade e forçar Putin a concordar com os termos de Zelenski para um acordo de paz – com apenas o mínimo para poupar a imagem do líder do Kremlin. Apesar de todo o derramamento de sangue bárbaro e bombardeios das forças russas, Zelenski está – sabiamente – ainda de olho em uma solução diplomática, sempre pressionando por negociações com Putin enquanto reúne suas forças e seu povo.

O Times informou, no domingo, que “a guerra na Ucrânia chegou a um impasse após mais de três semanas, com a Rússia obtendo apenas ganhos marginais e cada vez mais visando civis, segundo analistas e autoridades dos EUA. “As forças ucranianas derrotaram a campanha russa inicial desta guerra”, disse o Instituto para o Estudo da Guerra, com sede em Washington. “Os russos não têm homens ou equipamento para tomar Kiev, a capital, ou outras grandes cidades como Kharkiv e Odessa”, concluiu o estudo.


Com ofensiva terrestre perdendo força, Rússia bombardeia cidades

Sanções devastadoras

O plano A de Biden, sobre o qual ele explicitamente alertou Putin antes do início da guerra, em um esforço para impedi-lo, era impor sanções econômicas à Rússia como nunca haviam sido impostas antes pelo Ocidente – com o objetivo de paralisar a economia russa.

A estratégia envolvia enviar armas aos ucranianos para pressionar militarmente a Rússia. Está tendo sucesso, provavelmente, além das expectativas de Biden porque foi amplificada por centenas de empresas estrangeiras que operam na Rússia e também suspendendo suas operações no país – voluntariamente ou por pressão de funcionários.

As fábricas russas agora estão tendo de fechar porque não podem obter do Ocidente microchips e outras matérias-primas de que precisam; as viagens aéreas para e ao redor da Rússia estão sendo reduzidas porque muitos de seus aviões comerciais eram, na verdade, de propriedade de empresas de leasing irlandesas, e a Airbus e a Boeing não prestam serviços aos que a Rússia possui.

Enquanto isso, milhares de jovens trabalhadores de tecnologia russos estão demonstrando ser contra a guerra e simplesmente deixando o país – tudo em apenas um mês após Putin iniciar essa guerra ilegítima.

“Mais da metade dos bens e serviços que chegam à Rússia vêm de 46 ou mais países que aplicaram sanções ou restrições comerciais, com os EUA e a União Europeia liderando o caminho”, informou o Washington Post, citando a empresa de pesquisa econômica Castellum.

A matéria do Post acrescentou: “Em um discurso televisionado, na quinta-feira, um desafiador presidente russo, Vladimir Putin, parecia reconhecer os desafios do país. Ele disse que as sanções generalizadas forçariam difíceis mudanças estruturais profundas em nossa economia, mas prometeu que a Rússia superaria as tentativas de organizar uma blitzkrieg econômica.” Putin acrescentou: “É difícil para nós no momento. Empresas financeiras russas, grandes empresas, pequenos e médios negócios estão enfrentando uma pressão sem precedentes”.

Hospital de Mariupol foi alvo de ataques russos em 9 de março Foto: Evgeniy Maloletka/AP

Pressão humanitária x pressão econômica

Então, aí está a pergunta do momento: será que a pressão sobre os países da Otan, de todos os refugiados que a máquina de guerra de Putin está criando – mais e mais a cada dia – superará a pressão que está sendo criada em seu Exército estagnado na Ucrânia e em sua economia em casa, cada vez mais a cada dia?

A resposta a essa pergunta deve determinar quando e como essa guerra termina – se com um claro vencedor e perdedor ou, talvez mais provavelmente, com algum tipo de acordo sujo inclinado a favor ou contra Putin.

Digo “talvez” porque Putin pode sentir que não pode tolerar qualquer tipo de empate ou acordo sujo. Ele pode sentir que qualquer coisa além de uma vitória total é uma humilhação que minaria seu controle autoritário do poder. Nesse caso, ele poderia optar por um plano C – que, suponho, envolveria ataques aéreos ou com foguetes contra linhas de suprimentos militares ucranianos do outro lado da fronteira com a Polônia.

A Polônia é membro da Otan e qualquer ataque ao seu território exigiria que todos os outros membros da aliança agissem em defesa da Polônia. Putin pode acreditar que, se puder forçar essa questão, e alguns membros da Otan se recusarem a defender a Polônia, a Otan poderá ser fraturada.

Ucrânia rejeita ultimato para entregar Mariupol e shopping é bombardeado em Kiev

Centro comercial de Kiev foi atingido por bombardeios que deixaram pelo menos seis mortos. Autoridades ucranianas negaram o ultimato para entregar Mariupol.

Planos C e D: as escolhas impensáveis de Putin

Certamente, desencadearia debates acalorados em todos os países da Otan – especialmente nos EUA – sobre se envolver diretamente em uma 3.ª Guerra Mundial com a Rússia. Não importa o que aconteça na Ucrânia, se Putin pudesse fragmentar a Otan, isso seria uma conquista que poderia mascarar todas as suas outras perdas.

Se os planos A, B e C de Putin falharem, porém, temo que ele se torne um animal encurralado e possa optar pelo plano D – lançar armas químicas ou a primeira bomba nuclear desde Nagasaki. Essa é uma frase difícil de escrever, e ainda pior de imaginar. Mas ignorá-la como uma possibilidade seria ingênuo ao extremo. / 

TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES. Publicada n'O Estado de S. Paulo, em 22.03.22.


Não há vácuo de poder

Desde 2015, estamos diante de uma gradual reação do sistema político que também altera relação de forças entre os Poderes. Leia o artigo de Mônica Sodré, cientista política, publicado no Estadão hoje.

Os cientistas políticos pós-década de 1990 estudaram um Brasil que parece não existir mais. Crescemos com a tese de que a Constituição de 1988 trazia em seus dispositivos uma preponderância decisória do Executivo baseada no seu poder de agenda institucional. Em outras palavras, a relação entre os Poderes Executivo e Legislativo favorecia propositadamente o primeiro e a Constituição garantia ao presidente da República instrumentos e capacidade de fazer valer seus interesses. Dentre os mecanismos para isso estava a possibilidade de editar medidas provisórias, de solicitar regime de urgência a qualquer momento da tramitação de um projeto de lei e de vetar projetos após apreciação do Parlamento, além da prerrogativa de iniciar e controlar o processo orçamentário.

Esses são tempos pretéritos. A realidade tem demonstrado que estamos, desde 2015, diante de uma gradual reação do sistema político que altera também a relação de forças entre os dois Poderes.

Quando a Operação Lava Jato foi deflagrada, em 2014, empresas doaram, juntas, mais de R$ 3 bilhões para campanhas eleitorais, representando 80% do total doado naquele ano. Não há dúvidas de que a operação ajudou a consolidar a percepção da opinião pública de que empresas interferiam e desequilibravam o jogo eleitoral e de que seus recursos eram, se não a origem, parte importante da explicação sobre corrupção e desvios na política. Naquele momento, o único recurso público a financiar os partidos políticos advinha do Fundo Partidário e somava R$ 25 milhões ao ano.

Em setembro de 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou o fim da doação de empresas às campanhas eleitorais, após cinco anos de análise sobre o assunto. O fechamento da torneira das empresas implicou, é claro, a abertura da torneira dos recursos públicos à disposição dos partidos. Naquele ano, os recursos do Fundo Partidário foram triplicados (chegando a R$ 868 milhões) e, de lá para cá, cresceram em torno de 150%. Criou-se, ainda, um novo fundo exclusivo para financiamento de campanhas eleitorais, iniciado em 2017 com o montante de R$ 1,7 bilhão e que teve recentemente seu valor triplicado para R$ 5,7 bilhões.

Paralelamente aos recursos públicos que passaram a abundar para partidos e candidatos, o Parlamento ampliava sua atuação em relação ao Orçamento federal e ganhava mais acesso a recursos públicos. Foi também em 2015 que as emendas individuais passaram a ser impositivas, ou seja, com execução obrigatória, o que impactou o Orçamento em quase R$ 10 bilhões naquele ano. A iniciativa abriu caminho para as emendas de bancada, que seguiram o mesmo caminho em 2019, ano em que foram aprovadas, também, as chamadas transferências especiais, modalidade em que o parlamentar repassa recursos para governo ou prefeitura sem destinação específica e sem que seja necessária a apresentação de um plano de trabalho ou projeto pelo ente recebedor.

Nesse meio tempo, uma mudança também ocorria em relação aos vetos presidenciais. Como demonstra Bruno Carazza, a média mensal de vetos do período atual é duas vezes maior que a do governo Lula, e a derrubada mensal de vetos presidenciais no Congresso é cerca de quatro vezes maior hoje do que seu índice mais baixo no passado, durante o segundo governo Dilma. Estamos diante de um Executivo com dificuldades para coordenar a coalizão ou de um Parlamento reativo a um Executivo que usa os vetos como instrumento de publicidade para sua base eleitoral.

Outras duas variáveis, ligadas ao sistema eleitoral, também mudam a lógica da política como a conhecemos. São elas o fim das coligações em eleições proporcionais e a cláusula de desempenho progressiva, que tem como efeito a diminuição do número de partidos representados no Parlamento e com acesso a recursos públicos. Há mais dinheiro disponível – dos fundos públicos e no Orçamento federal – e teremos em breve menos partidos à mesa. Por óbvio, a disputa entre eles passará a ser não apenas mais acirrada, como também aumentará o poder na mão dos dirigentes e das lideranças partidárias.

Em pouco mais de cinco anos, e curiosamente no bojo do descrédito que acompanhou os políticos, assistimos à inversão do financiamento de campanha, à ampliação da influência do Legislativo federal sobre recursos públicos e a um outro padrão de interação entre os Poderes.

Caímos na ilusão de que o financiamento privado era a origem e a causa dos desvios políticos, o que levou a uma série de mudanças formais ou informais que tornaram o Parlamento um ator mais forte e o acesso a recursos públicos não necessariamente mais transparente. É possível antever que a governabilidade almejada com a diminuição do número de partidos encontre dificuldades de se concretizar, se o Executivo não recuperar para si algumas de suas prerrogativas e se mostrar capaz de coordenar a coalizão. Como é possível ver, na política não existe vácuo de poder.

Mônica Sodré, autora deste artigo, é cientista política e Diretor Execetuiva da Rede de Ação Política pela Sustententabilidade. (RAPS). Publicado originalmente n'O Estado de S; Paulo, em 22.03.22.

segunda-feira, 21 de março de 2022

Queremos liberdade! Por que então defender ditadores?

Não entendo como parte da esquerda pode defender regimes autoritários como os de Putin, na Rússia, e Ortega, na Nicarágua. Quem reclama para si direitos democráticos deveria defender o mesmo em outras partes do mundo. Artigo de Thomas Milz

Mural com imagem de Vladimir Putin vandalizado após invasão da Ucrânia, com a palavra "assassino" pichada, em Belgrado, Sérvia. (Foto: ZORANA JEVTIC/REUTERS)

É assustador ver regimes autoritários como os da Nicarágua ou da Rússia serem defendidos. A democracia não era um valor universal, principalmente para a esquerda?

Cresci na Europa ocidental durante os anos 80, no auge da Guerra Fria. Na escola, os professores passavam vídeos em que se explicava como se comportar durante um ataque com bombas atômicas. Vindo da União Soviética. E no cinema passavam filmes que falavam sobre um mundo pós-destruição nuclear. Tudo muito assustador para uma criança como eu.

A única coisa que nos salvaria eram as bombas atômicas dos Estados Unidos, ou melhor: a "promessa" de que os EUA iriam responder a um ataque russo na mesma moeda. E funcionou: a Guerra Fria nunca esquentou.

Com meu pai, eu ia até a fronteira das duas Alemanhas, observando de longe os soldados da Alemanha Oriental que vigiavam aquele corredor da morte, a fim de não deixar ninguém passar do lado "comunista" para o lado "capitalista". Cada família tinha amigos ou parentes no outro lado, e todos sabiam de histórias de compatriotas tentando fugir da ditadura "comunista". Poucos conseguiam.

Para aos do outro lado, a história vinha sendo cruel: depois de 12 anos de ditadura de Hitler, tiveram que engolir ainda mais 40 anos de ditadura soviética. Lembro-me de um amigo da minha avó, preso durante o Terceiro Reich, depois prisioneiro de guerra na Rússia, para então ser preso na Alemanha Oriental. Uma vida destruída pelo cruel caminho da história.

Desejo de liberdade 

Para muitos europeus que conheço, como amigos poloneses e búlgaros, a queda da União Soviética foi um alívio, a melhor coisa que poderia acontecer. A partir de então conseguiam estudar e trabalhar em outros países da União Europeia, viajando pelo mundo, matando toda aquela vontade que se acumulara durante a Guerra Fria. Liberdade, ar para respirar! Finalmente.

Não cresci na América Latina ou no Brasil. Só cheguei aqui quando já tinha 26 anos, no final dos anos 90. Mas fiz muitas entrevistas com pessoas que lutavam contra as ditaduras latino-americanas. E a maioria dessas cruéis ditaduras foi apoiada pelos Estados Unidos, durante a Guerra Fria. Os Estados Unidos que libertaram os alemães do monstro Hitler e que salvaram a gente de um ataque russo, aqui causaram muito sofrimento. Entendo que muitos latino-americanos desconfiem dos Estados Unidos.

Mas isso não os abstém da obrigação de refletir e de se atualizar. Havia muitos argumentos para derrubar ditadores como Fulgencio Batista em Cuba, em 1959, ou Anastasio Somoza na Nicarágua, em 1979. Mas nada justifica defender, em pleno 2022, a falta de liberdades impostas pelos regimes que sucederam àqueles ditadores. Hoje em dia, falo com ex-combatentes sandinistas que me dizem que Daniel Ortega se transformou num ditador tão cruel - ou até mais cruel - que o próprio Somoza.

Não entendo como parte da esquerda latino-americana pode defender esses regimes. Como, também não entendo como defendem o regime russo de Vladimir Putin. Um regime que cala a oposição, envenenando ou prendendo-na, botando ativistas gays na prisão e desrespeitando direitos fundamentais dos seus próprios cidadãos. Além de achar ter o direito de ditar o modo de vida de povos que habitam países vizinhos.

Entendo o desejo de pessoas do Leste Europeu de levar uma vida de liberdade de escolher, liberdade de viajar, de viver em paz onde quiser, ou melhor dizendo, de se tornar um cidadão da União Europeia. Voltar para o colo esmagador da Rússia seria inaceitável!

Mas é difícil encontrar pessoas aqui no Brasil que levem em conta a vontade dos povos e países do Leste Europeu sobre como viver a própria vida. São brasileiros que defendem a própria liberdade - e com toda a razão -, mas não dão o mesmo direito às pessoas no Leste Europeu.

Esquerda deveria ter mais capacidade de refletir

Não espero nada do campo da extrema direita bolsonarista. Bolsonaro gosta automaticamente de líderes tipo macho alfa que topam tirar foto com ele, como Donald Trump ou Vladimir Putin. No tabuleiro das ideologias, ele não sabe se é para jogar com as figuras brancas ou pretas. Não tem bússola ideológica ou norte moral nenhum.

Mas da esquerda eu esperava mais. Mais capacidade de refletir e abstrair. De se colocar no lugar do outro. Vladimir Putin mudou a Constituição russa para ficar no poder até 2036. Seriam 37 anos no poder, pois assumiu em 1999. E o líder da oposição Alexei Navalny corre o risco de passar o resto da vida na prisão, depois de sobreviver a uma tentativa de envenenamento.

Na Nicarágua, Daniel Ortega está no poder desde 2006 e agora tem mandato até 2026. Mandou condenar os políticos da oposição para que fiquem uma eternidade na prisão.

Até quando haverá apoio a esses regimes? Aqueles que reclamam para si direitos democráticos têm de defender os direitos democráticos em outras partes do mundo. Afinal de contas, não existia um compromisso com uma democracia universal? Cadê?

Thomas Milz, o autor deste artigo,  saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos. Publicado por Deutsche Welle Brasil, em 16.03.22

Putin cometeu um profundo erro de cálculo sobre a Ucrânia; leia a análise


Primeiro, ele esperava que o Ocidente engolisse sua agressão contra a Ucrânia, como aconteceu com a Geórgia; segundo, achou que as tropas russas seriam bem recebidas pelos ucranianos. Leia a análise de Yaroslav Hrytsak, do New York Times.


A Ucrânia está mais uma vez no centro de um conflito potencialmente global. A Primeira Guerra Mundial, como disse o historiador Dominic Lieven, “desencadeou o destino da Ucrânia”. A Segunda Guerra Mundial, segundo o lendário jornalista Edgar Snow, foi “antes de tudo uma guerra ucraniana”. Agora, a ameaça de uma terceira guerra mundial depende do que pode acontecer na Ucrânia.

É uma repetição impressionante. Por que a Ucrânia, um país de médio porte de 40 milhões de pessoas no extremo leste da Europa, esteve no epicentro da guerra não uma, não duas, mas três vezes?

(Ucrânia rejeita ultimato para rendição de Mariupol e Rússia amplia ataques à cidade sitiada)

Parte da resposta, pelo menos, é geográfica. Situada entre a Rússia e a Alemanha, a Ucrânia há muito tempo é vista como o local da luta pela dominação do continente. Mas as razões mais profundas são de natureza histórica. A Ucrânia, que tem um ponto de origem comum com a Rússia, desenvolveu-se de maneira diferente ao longo dos séculos, divergindo de maneira crucial de seu vizinho do leste.

O presidente Vladimir Putin gosta de invocar a história como parte do motivo de sua sangrenta invasão. A Ucrânia e a Rússia, ele afirma, são de fato um país: a Ucrânia, na verdade, não existe. Isso, é claro, está totalmente errado. Mas ele está certo em pensar que a história contém uma chave para entender o presente. Ele simplesmente não percebe que, longe de permitir seu sucesso, isso é o que o frustrará.

Um homem segura um retrato do presidente russo, Vladimir Putin, durante as comemorações do oitavo aniversário da anexação da Crimeia pela Rússia em Simferopol, Crimeia, em 18 de março de 2022.
Um homem segura um retrato do presidente russo, Vladimir Putin, durante as comemorações do oitavo aniversário da anexação da Crimeia pela Rússia em Simferopol, Crimeia, em 18 de março de 2022 Foto: Alexey Pavlishak/Reuters
Em 1904, um geógrafo inglês chamado Halford John Mackinder fez uma previsão ousada. Em um artigo intitulado “O pivô geográfico da história”, ele sugeriu que quem controlasse o Leste Europeu controlaria o mundo. Em ambos os lados dessa vasta região estavam a Rússia e a Alemanha, prontas para a batalha. E no meio estava a Ucrânia, com seus ricos recursos de grãos, carvão e petróleo.

Não há necessidade de entrar nos detalhes mais sutis da teoria de Mackinder; ela tinha seus defeitos. No entanto, provou ser extremamente influente após a Primeira Guerra Mundial e tornou-se uma espécie de profecia autorrealizável. Graças ao geopolítico nazista Karl Haushofer, o conceito migrou para o “Minha Luta” de Hitler. Lenin e Stalin não leram Mackinder, mas agiram como se tivessem lido. Para eles, a Ucrânia era a ponte que levaria a Revolução Russa para o oeste até a Alemanha, tornando-a uma revolução mundial. O caminho para o conflito novamente passou pela Ucrânia.

A guerra, quando ocorreu, foi catastrófica: na Ucrânia, cerca de sete milhões pereceram. Na sequência, a Ucrânia foi selada à União Soviética, e a questão por um tempo parecia resolvida. Com o colapso do comunismo, muitos acreditavam que a tese de Mackinder estava ultrapassada e o futuro pertencia a estados independentes e soberanos, livres das ambições de vizinhos maiores. Eles estavam errados.

Exército russo bombardeia escola Ucrânia

O Exército russo bombardeou uma escola que servia de abrigo para centenas de pessoas na cidade de Mariupol, situação humanitária piora.

O argumento de Mackinder – de que o Leste Europeu e a Ucrânia eram a chave para uma disputa entre a Rússia e a Alemanha – nunca desapareceu. Na verdade, ocupou um lugar de destaque na mente de Putin. Com uma mudança, no entanto: ele substituiu a Alemanha pelo Ocidente em sua totalidade. A Ucrânia, para Putin, tornou-se o campo de batalha de uma disputa civilizatória entre a Rússia e o Ocidente.

Ele não agiu de acordo com isso a princípio. Nos primeiros anos de seu mandato, ele parecia esperar – em linha com aqueles no círculo de Boris Yeltsin que supervisionaram o fim da União Soviética – que a independência ucraniana não duraria muito. Com o tempo, a Ucrânia imploraria para ser retomada. Isso não aconteceu. Embora alguns ucranianos permanecessem sob o domínio da cultura russa, politicamente eles se inclinavam para o Ocidente, como mostrado pela Revolução Laranja de 2004, quando milhões de ucranianos protestaram contra a fraude eleitoral.

Então, Putin mudou de rumo. Logo após a guerra na Geórgia em 2008, na qual o Kremlin assumiu o controle de duas regiões da Geórgia, ele desenhou uma nova política estratégica para a Ucrânia. De acordo com o plano, quaisquer medidas que Kiev pudesse tomar em direção ao Ocidente seriam punidas com agressão militar. O objetivo era separar o leste russófono da Ucrânia e transformar o resto do país em um estado vassalo liderado por um fantoche do Kremlin.

Na época, parecia fantástico, ridículo. Ninguém acreditava que pudesse ser genuíno. Mas nas semanas finais da Revolução de Maidan na Ucrânia em 2014, na qual os ucranianos exigiram o fim da corrupção e a aceitação do Ocidente, ficou terrivelmente claro que a Rússia pretendia agredir. E assim foi: em uma operação rápida, Putin apreendeu a Crimeia e partes de Donbas. Mas, crucialmente, toda a extensão de sua ambição foi frustrada, em grande parte pela resistência heroica montada por voluntários no leste do país.

Ucranianos analisam um prédio parcialmente destruído por um míssil russo em Kiev, Ucrânia Foto: Atef Safadi/EFE

Putin calculou mal de duas maneiras. Primeiro, ele esperava que, como havia acontecido com sua guerra contra a Geórgia, o Ocidente engolisse tacitamente sua agressão contra a Ucrânia. Uma resposta unificada do Ocidente não era algo que ele esperasse. Segundo, já que em sua mente russos e ucranianos eram uma nação, Putin acreditava que as tropas russas mal precisavam entrar na Ucrânia para serem recebidas com flores. Isso nunca se concretizou.

O que aconteceu na Ucrânia em 2014 confirmou o que historiadores liberais ucranianos vêm dizendo há muito tempo: a principal distinção entre ucranianos e russos não está na língua, religião ou cultura – aqui eles são relativamente próximos – mas nas tradições políticas. Simplificando, uma revolução democrática vitoriosa é quase impossível na Rússia, enquanto um governo autoritário viável é quase impossível na Ucrânia.

A razão para esta divergência é histórica. Até o final da Primeira Guerra Mundial (e no caso da Ucrânia ocidental, o final da Segunda Guerra Mundial), as terras ucranianas estavam sob forte influência política e cultural da Polônia. Essa influência não era polonesa em si; era, antes, uma influência ocidental. Como disse o bizantino de Harvard Ihor Sevcenko, na Ucrânia o Ocidente estava vestido com roupas polonesas. No centro dessa influência estavam as ideias de restringir o poder centralizado, uma sociedade civil organizada e alguma liberdade de reunião.

Morte e devastação entre os escombros do quartel de Mikolaiv

A Rússia intensificou sua ofensiva, anunciando o uso de mísseis hipersônicos e Zelensky diz que é hora de Moscou aceitar em "conversar" seriamente sobre a paz.

Putin parece não ter aprendido nada com seus fracassos em 2014. Ele lançou uma invasão em grande escala, aparentemente destinada a remover o governo ucraniano do poder e pacificar o país. Mas, novamente, a agressão russa foi recebida com a heroica resistência ucraniana e uniu o Ocidente. Embora Putin possa escalar ainda mais, ele está longe da vitória militar que buscava. Mestre da tática, mas estrategista inepto, ele cometeu seu mais profundo erro de cálculo.

Ele baseia-se na crença de que está em guerra não com a Ucrânia, mas com o Ocidente em terras ucranianas. É essencial compreender este ponto. A única maneira de derrotá-lo é transformar sua crença – de que a Ucrânia está lutando não sozinha, mas com a ajuda do Ocidente e como parte do Ocidente – em um pesadelo acordado.

Como isso poderia ser feito, seja por meio de ajuda humanitária e militar, incorporando a Ucrânia à União Europeia ou mesmo fornecendo-lhe seu próprio Plano Marshall, são questões em aberto. O que importa é a vontade política de respondê-las. Afinal, a luta pela Ucrânia, como a história nos diz, é muito mais do que apenas sobre a Ucrânia ou a Europa. É a luta pela forma do mundo que está por vir.

Yaroslav Hrytsak é professor de história na Universidade Católica Ucraniana e autor, mais recentemente, de uma história global da Ucrânia. Publicado  pelo New York Times. Reproduzido no Brasil pelo O Estado de S. Paulo. TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES